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O Gene Egoista - Richard Dawkins, Notas de estudo de Biologia

O Gene Egoista - Richard Dawkins

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 04/08/2017

arthur-baudrlillard-6
arthur-baudrlillard-6 🇧🇷

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Pré-visualização parcial do texto

Baixe O Gene Egoista - Richard Dawkins e outras Notas de estudo em PDF para Biologia, somente na Docsity! Richard Dawkins autor de Deus, um delírio [Oro MT SALG DR asd DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros, disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.Info ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível. O progresso recente na teoria social tem sido importante o suficiente para gerar um pequeno alvoroço de atividade contrarrevolucionária. Tem-se alegado, por exemplo, que o progresso recente é, de fato, parte de uma conspiração cíclica para impedir o avanço social, fazendo com que ele pareça ser geneticamente impossível. Ideias tênues semelhantes têm sido reunidas para dar a impressão que a teoria social darwiniana é reacionária em suas implicações políticas. Isto está muito longe da verdade. A igualdade genética dos sexos, por exemplo, foi, pela primeira vez, claramente estabelecida por Fisher e Hamilton. A teoria e os dados quantitativos provenientes dos insetos sociais demonstram que não há uma tendência inerente aos pais de dominarem sua prole (ou vice-versa). E os conceitos de investimento parental e escolha por parte da fêmea fornecem um fundamento objetivo e imparcial para examinar as diferenças sexuais, um avanço considerável em relação aos esforços populares de fixar os poderes e direitos da mulher no pântano inútil da identidade biológica. Em resumo, a teoria social darwiniana nos dá uma ideia de uma lógica e de uma simetria subjacentes nas relações sociais, as quais, quando forem mais completamente compreendidas por nós, devem revitalizar nossa compreensão política e fornecer o apoio intelectual a uma ciência e medicina da Psicologia. Neste processo, ele deve dar-nos também uma compreensão mais profunda das muitas origens de nosso sofrimento. Robert Trivers Universidade de Harvard Julho, 1976 PREFÁCIO Este livro deveria ser lido quase como se fosse ficção científica. Ele destina-se a agradar a imaginação. Mas não é ficção científica: é Ciência. Seja ou não um lugar-comum, "mais estranho do que ficção" exprime exatamente como me sinto com relação à verdade. Somos máquinas de sobrevivência – veículos robô programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes. Esta é uma verdade que ainda me enche de surpresa. Embora a conheça há anos, parece que nunca me acostumo completamente a ela. Um de meus desejos é ter algum sucesso em surpreender a outros. Três leitores imaginários olharam por sobre meu ombro enquanto escrevia, e agora a eles dedico o livro. Em primeiro lugar o leitor geral, o leigo. Por ele evitei o jargão técnico quase totalmente e onde tive que usar palavras especializadas eu as defini. Agora me pergunto por que não censuramos a maior parte de nosso jargão também das revistas especializadas. Supus que o leigo não tenha conhecimento especializado, mas não supus que ele seja estúpido. Qualquer um pode popularizar a Ciência se ele simplificar demasiadamente. Trabalhei arduamente tentando popularizar algumas ideias sutis e complicadas em linguagem não matemática, sem perder de vista sua essência. Não sei quanto sucesso tive nisto, nem quanto sucesso tive em outra de minhas ambições: tentar tornar o livro tão fascinante e agradável quanto o assunto merece. Desde há muito senti que a Biologia deve parecer tão excitante quanto uma história de mistério, pois ela é exatamente isto. Não ouso esperar ter transmitido mais do que uma pequena fração da excitação que o assunto tem a oferecer. Meu segundo leitor imaginário foi o especialista. Ele tem sido um crítico severo, suspirando profundamente com algumas de minhas analogias e figuras de linguagem. Suas frases favoritas são "com exceção de", "por outro lado", e "ah, não". Ouvi-o atentamente e até reescrevi por completo um capítulo apenas em seu benefício, mas, no fim, tive que contar a história da minha maneira. O especialista ainda não estará completamente satisfeito com a maneira pela qual expus o assunto. No entanto, minha maior esperança é que até ele encontrará aqui algo de novo; uma nova maneira, talvez, de ver ideias familiares; até mesmo estímulo para ideias novas próprias. Se esta é uma aspiração alta demais, poderei pelo menos esperar que o livro o distraia em um trem? O terceiro leitor que tive em mente foi o estudante, realizando a transição do leigo para o especialista. Se ele ainda não decidiu em que campo quer se especializar, espero encorajá-la a considerar meu próprio campo da Zoologia. Há uma razão melhor para estudar a Zoologia do que sua possível "utilidade" e estima que os animais provocam. Esta razão é que nós animais somos as máquinas mais complicadas e perfeitamente planejadas do universo conhecido. Apresentada desta forma, é difícil entender como alguém pode estudar qualquer outra coisa! Para o estudante que já se comprometeu com a Zoologia, espero que meu livro tenha algum valor educativo. Ele está tendo que estudar os artigos originais e livros técnicos nos quais minha exposição se baseia. Se ele achar as fontes originais difíceis de entender, talvez minha interpretação não matemática possa ajudar, como uma introdução e fonte suplementar. Há perigos óbvios em se tentar agradar três tipos diferentes de leitores. Só posso dizer que estive cônscio desses perigos e eles pareceram ser compensados pelas vantagens da tentativa. Sou etólogo e este é um livro sobre comportamento animal. Minha dívida à tradição etológica na qual fui treinado será óbvia. Em particular, Niko Tinbergen não imagina a importância de sua influência durante os doze anos nos quais trabalhei sob sua direção em Oxford. A frase "máquina de sobrevivência", embora não seja, de fato, criação sua, poderia muito bem sê-lo. Mas a Etologia recentemente tem sido revigorada por uma invasão de ideias novas oriundas de fontes normalmente não consideradas etológicas. Este livro baseia-se em grande parte nessas novas ideias. Seus autores são mencionados nos lugares apropriados no texto; as principais figuras são G. C. Williams, J. Maynard Smith, W. D. Hamilton e R. L. Trivers. Várias pessoas sugeriram títulos para o livro que eu agradecidamente usei como títulos dos capítulos: "Espirais Imortais", John Krebs; "A Máquina Gênica", Desmond Morris; "Manipulando os Genes", Tim Clutton-Brock e Jean Dawkins, independentemente, com desculpas a Stephen Potter. Os citares imaginários podem servir como alvos para esperanças e aspirações piedosas, mas eles têm menos utilidade prática do que os leitores e críticos reais. Sou dado a revisares, e Marian Dawkins foi sujeitada a inúmeros rascunhos e novos rascunhos de todas as páginas. Seu conhecimento considerável da literatura biológica e sua compreensão de assuntos teóricos, juntamente com seu encorajamento e apoio moral incessantes, foram-me essenciais. John Krebs também leu todo o rascunho do livro. Ele conhece o assunto melhor do que eu e revelou-se generoso e irrestrito em seus conselhos e sugestões. Glenys Thomson e Walter Bodmer criticaram minha manipulação dos tópicos de Genética de maneira gentil mas firme. Temo que minha revisão ainda não os satisfaça completamente, mas espero que a acharão bastante melhorada. Estou muito grato pelo seu tempo e paciência. John Dawkins esteve infalivelmente atento a construções ambíguas e propôs excelentes sugestões para reformulação. Não poderia ter desejado um "leigo inteligente" mais apropriado do que Maxwell Stamp. Sua detecção ponderada de uma falha geral importante no estilo do primeiro rascunho muito contribuiu para a versão final. Outros que criticaram construtivamente capítulos específicos, ou de alguma outra forma deram sua opinião de especialistas, foram John Maynard Smith, Desmond Morris, Tom Maschler, Nick Blurton Jones, Sarah Kettlewell, Nick Humphrey, Tim Clutton-Brock, Louise Johnson, Christopher Graham, Geoff Parker e Robert Trivers. Pat Searle e Stephanie Verhoeven não apenas datilografaram com habilidade, mas encorajaram-me parecendo fazê-la com alegria. Finalmente, quero agradecer Michael Rodgers da Editora da Universidade de Oxford o qual, além de criticar proveitosamente o manuscrito, trabalhou muito além de seu dever ao controlar todos os aspectos da produção deste livro. Richard Dawkins realmente se mostrarem ser totalmente irrelevantes para a determinação do comportamento humano moderno, se nós realmente formos únicos com respeito a isto dentre os animais, ainda é, pelo menos, interessante indagar sobre a regra da qual tão recentemente nos tornamos a exceção. E se nossa espécie não for tão excepcional como poderemos querer acreditar, é ainda mais importante que estudemos a regra. A terceira coisa que este livro não é, é um relatório descritivo do comportamento detalhado do homem ou de qualquer outra espécie animal em particular. Usarei detalhes factuais apenas como exemplos ilustrativos. Não direi: "se você olhar para o comportamento de babuínos verificará que é egoísta; portanto, é provável que o comportamento humano seja egoísta também". A lógica do meu argumento de "‘gangster’ de Chicago" é bastante diferente. É a seguinte: seres humanos e babuínos evoluíram por seleção natural. Se você examinar a maneira como a seleção natural funciona, parece resultar que qualquer coisa que tenha evoluído por seleção natural deva ser egoísta. Portanto, devemos esperar que quando de fato examinamos o comportamento de babuínos, seres humanos e todas as outras criaturas vivas, verificaremos que é egoísta. Se verificarmos que nossa expectativa está errada, se notarmos que o comportamento humano é realmente altruísta, então estaremos diante de uma coisa intrigante, uma coisa que precisa ser explicada. Antes de prosseguir, precisamos de uma definição. Uma entidade, tal como um babuíno, é dita altruísta se ela se comporta de maneira a aumentar o bem-estar de outra entidade semelhante, às suas próprias custas. O comportamento egoísta tem exatamente o efeito contrário. "Bem-estar" é definido como "possibilidades de sobrevivência", mesmo se o efeito sobre a expectativa real de vida e de morte for tão pequeno que pareça desprezível. Uma das consequências surpreendentes da versão moderna da teoria darwiniana é que influências mínimas aparentemente triviais sobre a probabilidade de sobrevivência podem ter um impacto importante na evolução. Isto deve-se ao imenso tempo disponível para que tais influências se façam sentir. É importante entender que as definições acima de altruísmo e egoísmo são comportamentais, não subjetivas. Não estou preocupado aqui com a psicologia de motivos. Não discutirei se as pessoas que se comportam altruisticamente estão "realmente" fazendo-o por motivos egoístas secretos ou inconscientes. Talvez elas estejam e talvez elas não estejam, e talvez nunca possamos saber, mas de qualquer forma não é disto que este livro trata. Minha definição relaciona-se apenas com se o efeito de um ato é diminuir ou aumentar as expectativas de sobrevivência do suposto altruísta e as expectativas de sobrevivência do suposto beneficiado. É muito complicado demonstrar os efeitos do comportamento nas perceptivas de sobrevivência a longo prazo. Na prática, quando aplicamos a definição ao comportamento real, devemos nela introduzir uma ressalva com a palavra "aparentemente". Um ato aparentemente altruísta é aquele que parece, superficialmente, tender a aumentar (não importa quão ligeiramente) a probabilidade do altruísta morrer e do favorecido sobreviver. No exame mais detalhado verifica-se frequentemente que atos de aparente altruísmo na realidade são egoísmo disfarçado. Novamente, não quero dizer que os motivos básicos são egoístas, mas que os efeitos reais do ato nas perspectivas de sobrevivência são o inverso daquilo que originalmente pensamos. Darei alguns exemplos de comportamento aparentemente egoísta e aparentemente altruísta. É difícil suprimir hábitos subjetivos de pensamento quando lidamos com nossa própria espécie, de modo que escolherei, em vez disto, exemplos de outros animais. Em primeiro lugar alguns exemplos variados de comportamento egoísta de animais individuais. Gaivotas de cabeça preta nidificam em grandes colônias, os ninhos estando separados de apenas poucos palmos. Quando os filhotes eclodem são pequenos, indefesos e fáceis de serem engolidos. É bastante comum uma gaivota esperar que um vizinho vire as costas, talvez enquanto ele está fora pescando, e então lançar-se sobre um de seus filhotes e engoli-lo inteiro. Ela, desta forma, obtém uma boa refeição nutritiva sem ter que se dar ao trabalho de capturar um peixe e sem ter que deixar seu próprio ninho desprotegido. Mais bem conhecido é o canibalismo macabro das fêmeas do louva-a-deus. O louva-a- deus é um inseto carnívoro grande. Ele normalmente come insetos menores tais como moscas, mas ataca quase qualquer coisa que se mova. No acasalamento, o macho sobe cautelosamente na fêmea, monta-a e copula. Se a fêmea tiver a oportunidade, ela o comerá, começando por abocanhar sua cabeça, quando o macho está se aproximando, imediatamente após ele montar, ou após separarem-se. Pareceria mais sensato para ela esperar até que a cópula se complete antes de começar a comê-lo. Mas a perda da cabeça parece não desalentar o resto do corpo do macho em seu avanço sexual. De fato, como a cabeça do inseto é sede de alguns centros nervosos inibidores, é possível que a fêmea melhore o desempenho sexual do macho ao comer sua cabeça. Se assim for, este é um benefício adicional. O benefício primário é ela obter uma boa refeição. A palavra "egoísta" talvez pareça muito branda para expressar casos extremos tais como canibalismo, embora estes encaixem-se bem em nossa definição. Talvez possamos ter simpatia mais diretamente para com o comportamento covarde descrito dos pinguins imperiais da Antártica. Eles têm sido vistos em pé à beira d’água, hesitando antes de mergulhar, devido ao perigo de serem comidos por focas. Se apenas um deles mergulhasse, os demais saberiam se havia uma foca ou não. Naturalmente nenhum deles quer ser a cobaia, de modo que eles esperam e algumas vezes até mesmo tentam se empurrar para a água. Mais comumente, o comportamento egoísta consiste simplesmente em recusar a compartilhar algum recurso valioso, como alimento, território ou parceiros sexuais. Agora, alguns exemplos de comportamento aparentemente altruísta. O comportamento de aferroar das abelhas operárias é uma defesa muito eficaz contra ladrões de mel. Mas, as abelhas que aferroam são combatentes kamikazes. No ato de picar, órgãos internos vitais são geralmente arrancados do corpo e a abelha morre logo em seguida. Sua missão suicida talvez tenha salvo os estoques vitais de alimento da colônia, mas ela própria não pode usufruir os benefícios. Pela nossa definição este é um ato de comportamento altruísta. Lembre-se que não estamos falando de motivos conscientes. Eles podem ou não estar presentes, tanto aqui como nos exemplos de egoísmo, mas são irrelevantes para nossa definição. Sacrificar a vida pelos amigos é obviamente altruísta, mas correr um pequeno risco por eles também o é. Muitos pássaros pequenos, quando veem um predador voando, como um gavião, dão um "grito de alarme" característico, em consequência do qual todo o bando se põe em fuga. Há evidência indireta de que o pássaro que dá o grito de alarme se expõe particularmente ao perigo, pois atrai a atenção do predador especialmente para si. Este é apenas um leve risco adicional, mas parece, no entanto, pelo menos à primeira vista, corresponder a um ato altruísta pela nossa definição. Os atas mais comuns e mais conspícuos de altruísmo animal são realizados pelos pais, especialmente pelas mães, em relação a seus filhos. Eles podem incubá-los, ou em ninhos ou em seus próprios corpos, alimentá-los com enormes sacrifícios para si e correr grandes riscos ao protegê-los de predadores. Para citar apenas um exemplo particular, muitos pássaros que nidificam no chão realizam o chamado "comportamento de distração" quando um predador, como uma raposa, se aproxima. Um dos pais afasta-se do ninho maneando, mantendo uma asa aberta como se ela estivesse quebrada. O predador, percebendo uma presa fácil, é atraído para longe do ninho contendo os filhotes. Finalmente a ave cessa seu fingimento e lança-se ao ar exatamente à tempo de escapar das mandíbulas da raposa. Ela provavelmente terá salvo a vida de seus filhotes, mas com algum risco para si. Não estou tentando defender uma posição contando histórias. Exemplos escolhidos nunca são evidência séria de qualquer generalização importante. Essas histórias são dadas simplesmente como ilustrações do que quero dizer com comportamento altruísta e egoísta ao nível de indivíduos. Este livro mostrará como tanto o egoísmo como o altruísmo individuais são explicados pela lei fundamental que estou chamando de egoísmo do gene. Mas, primeiro devo tratar de uma explicação particular errônea de altruísmo, porque ela é amplamente conhecida e até mesmo amplamente ensinada nas escolas. Esta explicação está baseada numa concepção errada que já mencionei, segundo a qual as criaturas vivas evoluem para fazer coisas "pelo bem da espécie" ou "pelo bem do grupo". É fácil ver como esta ideia teve origem na Biologia. Grande parte da vida de um animal é dedicada à reprodução e a maioria dos atas de autos sacrifício altruísta observados na natureza são realizados pelos pais para com seus filhotes. "Perpetuação da espécie" é um eufemismo comum para reprodução e é, inegavelmente, uma consequência da reprodução. É necessário apenas uma ligeira deturpação da lógica para deduzir que a "função" da reprodução é "de" perpetuar a espécie. Daí basta um pequeno passo falso para concluir que os animais em geral se comportarão de forma a favorecer a perpetuação da espécie. O altruísmo em relação aos outros membros da espécie parecerá resultar. Esta linha de pensamento pode ser posta em termos vagamente darwinianos. A evolução trabalha através da seleção natural e esta significa a sobrevivência discriminada do mais "apto". Mas, estamos falando sobre os indivíduos mais aptos, as raças mais aptas, as espécies mais aptas, ou sobre o que? Para alguns propósitos isto não importa muito, mas quando estamos falando sobre altruísmo é obviamente crucial. Se forem espécies que estão competindo no que Darwin chamou de luta pela existência, parece melhor considerar o indivíduo como um peão no jogo, a ser sacrificado quando o interesse mais importante da espécie como um todo o exigir. Expressando de maneira um pouco mais respeitável, um grupo, como uma espécie ou uma população dentro de uma espécie, cujos membros individuais estejam preparados para se sacrificar pelo bem-estar do grupo, poderá ter menos probabilidade de se extinguir do que um grupo rival cujos membros individuais coloquem seus próprios interesses egoístas em primeiro lugar. Consequentemente, o mundo torna-se povoado principalmente de grupos consistindo de indivíduos que se sacrificam a si próprios. Esta é a teoria da "seleção de grupo", há muito considerada verdadeira pelos biologistas não familiarizados com os detalhes da teoria da evolução, lançada em um livro famoso de V. C. Wynne-Edwards e popularizada por Robert Ardrey no livro The Social Contract. A na Biologia com relação ao nível no qual o altruísmo deve ser esperado segundo a teoria da evolução. Até mesmo o adepto da seleção de grupo não se admiraria de encontrar membros de grupos rivais sendo desagradáveis uns com os outros: desta forma, como membros de um sindicato ou soldados, eles estão favorecendo seu próprio grupo na luta por recursos limitados. Mas, então, vale à pena perguntar como o adepto da seleção de grupo decide qual nível é o importante. Se a seleção se dá entre grupos dentro de uma espécie e entre espécies, por que não deveria ela se dar também entre agrupamentos maiores? As espécies estão reunidas em gêneros, os gêneros em ordens e as ordens em classes. Os leões e os antílopes são ambos membros da classe Mammalia, assim como nós. Não deveríamos então esperar que leões se abstivessem de matar antílopes, "para o bem dos mamíferos"? Certamente eles deveriam, em vez disto, caçar pássaros ou répteis, a fim de evitar a extinção da classe. Mas, então, o que se diria da necessidade de perpetuar todo o filo dos vertebrados? É fácil para mim argumentar pelo reductio ad absurdum e indicar as dificuldades da teoria de seleção de grupo, mas a existência aparente do altruísmo individual ainda tem que ser explicada. Ardrey chega a dizer que a seleção de grupo é a única explicação possível para um comportamento tal como o de "saltitamento" das gazelas Thomson. Este salto vigoroso e conspícuo em frente de um predador é análogo ao grito de alarme das aves no sentido de que ele parece avisar os companheiros do perigo ao mesmo tempo que aparentemente chama a atenção do predador para o próprio animal que salta. Temos a responsabilidade de explicar este comportamento das gazelas e todos os fenômenos semelhantes. Considerarei isto em capítulos posteriores. Antes disto devo defender minha crença de que a melhor maneira de se encarar a evolução é em termos de seleção ocorrendo no nível mais baixo de todos. Nesta crença fui fortemente influenciado pelo grande livro de G. C. Williams, Adaptation and Natural Selection. A ideia central que usarei foi pressagiada por A. Weismann em época anterior à descoberta do gene, no fim do século passado – sua doutrina da "continuidade do plasma germinativo". Sustentarei que a unidade fundamental da seleção e, portanto, do interesse próprio, não é a espécie, nem o grupo, nem mesmo, a rigor, o indivíduo – é o gene. a unidade da hereditariedade. Para alguns biologistas isto talvez pareça, inicialmente, uma posição exagerada. Espero que quando eles virem ao que me refiro concordarão que a posição, é, no fundo, ortodoxa, embora expressada de forma não habitual. O argumento leva tempo para ser desenvolvido e devemos começar pelo começo, com a origem da própria vida. 2 - OS REPLICADORES No princípio era a simplicidade. Já é bastante difícil explicar até mesmo como um universo simples começou. Considero ponto pacífico que seria ainda mais difícil explicar o súbito surgimento, plenamente equipada, de uma ordem complexa – vida, ou um ser capaz de criá-la. A teoria da evolução por seleção natural de Darwin satisfaz porque mostra-nos uma maneira pela qual a simplicidade poder-se-ia transformar em complexidade, como átomos desordenados poderiam se agrupar em padrões cada vez mais complexos, até que terminassem por fabricar pessoas. Darwin fornece uma solução, a única plausível até agora sugerida, para o problema profundo de nossa existência. Tentarei explicar a grande teoria de maneira mais geral do que é costume, começando com a época antes que a própria evolução começasse. A "sobrevivência do mais apto" de Darwin, na realidade, é um caso especial de uma lei mais geral da sobrevivência do estável. O universo está povoado por coisas estáveis. Uma coisa estável é uma coleção de átomos a qual é permanente ou suficientemente comum para merecer um nome. Ela poderá ser uma coleção particular de átomos, como o Matterhorn, o qual dura o suficiente para que valha a pena lhe dar um nome; ou ela poderá ser uma classe de entidades, tal como pingos de chuva, os quais formam-se a uma taxa suficientemente alta para merecer um nome coletivo, mesmo embora cada um deles tenha vida curta. As coisas que vemos ao nosso redor e que achamos que necessitam de explicação – rochas, galáxias, ondas do mar – são todas, em maior ou menor grau, padrões estáveis de átomos. As bolhas de sabão tendem a ser esféricas porque esta é uma configuração estável para estes filmes finos cheios de gás. Em uma espaçonave, a água também é estável em glóbulos esféricos, mas na Terra, onde há gravidade, a superfície estável da água em repouso é plana e horizontal. Os cristais de sal de cozinha tendem a ser cubos porque esta é uma maneira estável de empacotar juntamente íons de sódio e cloreto. No Sol, os átomos mais simples de todos, os de hidrogênio, unem-se formando átomos de hélio, porque nas condições aí reinantes a configuração do hélio é mais estável. Outros átomos ainda mais complexos estão sendo formados em estrelas por todo o universo e foram formados na "grande explosão" a qual, de acordo com a teoria dominante, deu início ao universo. É daí que os elementos de nosso mundo originalmente provieram. Algumas vezes, quando os átomos se encontram, eles unem-se em uma reação química formando moléculas, as quais podem ser mais ou menos estáveis. Tais moléculas podem ser muito grandes. Um cristal como um diamante pode ser considerado uma única molécula, uma molécula proverbialmente estável neste caso, mas também muito simples, uma vez que sua estrutura atômica interna é repetida indefinidamente. Nos organismos vivos atuais há outras moléculas grandes que são altamente complexas, esta complexidade mostrando-se em vários níveis. A hemoglobina de nosso sangue é uma molécula de proteína típica. Ela é formada por cadeias de moléculas menores, os aminoácidos, cada qual contendo algumas dezenas de átomos arranjados em um padrão preciso. Na molécula de hemoglobina há 574 moléculas de aminoácidos. Estas estão arranjadas em quatro cadeias, as quais estão torcidas umas ao redor das outras, formando uma estrutura globular tridimensional de complexidade assombrosa. Um modelo de uma molécula de hemoglobina assemelha-se bastante a um espinheiro denso. Entretanto, diferentemente de um espinheiro real, a molécula não é um arranjo aproximado e casual, mas uma estrutura invariável e definida, repetida de maneira idêntica, sem nenhum ramo ou torção fora de lugar, mais de seis mil trilhões de vezes em um corpo humano médio. A forma precisa de espinheiro de uma molécula de proteína como a hemoglobina, é estável no sentido de que duas cadeias consistindo nas mesmas sequências de aminoácidos tenderão, como duas molas, a se imobilizar exatamente na mesma configuração espiralada tridimensional. Touceiras de hemoglobina estão se armando em sua forma preferencial em seu corpo a uma taxa de aproximadamente quatrocentos mil bilhões por segundo e outras estão sendo destruídas na mesma taxa. A hemoglobina é uma molécula moderna, usada para ilustrar o princípio segundo o qual os átomos tendem a se ordenar em padrões estáveis. O que é relevante aqui é que antes do surgimento da vida na Terra, uma evolução rudimentar de moléculas poderia ter ocorrido através de processos usuais da Física e da Química. Não há necessidade de pensar em plano, propósito ou direção. Se um grupo de átomos, na presença de energia, se ordena em um padrão estável, este grupo de átomos tenderá a permanecer desta maneira. A primeira forma de seleção natural foi simplesmente uma seleção de formas estáveis e uma rejeição daquelas instáveis. Não há mistério a respeito disto. Por definição, tinha que acontecer. Não se segue, evidentemente, que se possa explicar a existência de entidades tão complexas como o homem, apenas por meio de exatamente os mesmos princípios. Não adianta tomar o número certo de átomos, agitá-los juntamente com um pouco de energia externa até que calhem se ordenar no padrão certo, e então sai Adão! Você poderá fazer uma molécula consistindo de algumas dúzias de átomos dessa maneira, mas um homem consiste de mais de mil quatrilhões de átomos. Para tentar fazer um homem, você teria que trabalhar em seu misturador bioquímico por um período tão longo que toda a idade do universo pareceria um piscar de olhos e mesmo assim você não teria sucesso. É aqui que a teoria de Darwin, em sua forma mais geral, vem em socorro. A teoria de Darwin assume onde a história da construção vagarosa de moléculas termina. A descrição da origem da vida que darei é necessariamente especulativa. Por definição, ninguém existia para ver o que aconteceu. Existem várias teorias rivais, mas todas elas têm certas características em comum. A descrição simplificada que darei provavelmente não está muito longe da verdade. Não sabemos que matérias primas químicas eram abundantes na Terra antes do surgimento da vida, mas entre as possibilidades plausíveis estão água, dióxido de carbono, metano e amônia: todos eles compostos simples os quais, se sabe, estão presentes em pelo menos alguns dos outros planetas de nosso sistema solar. Os químicos têm tentado imitar as condições químicas da Terra jovem. Eles colocam essas substâncias simples em um frasco e fornecem uma fonte de energia como luz ultravioleta ou faíscas elétricas – uma simulação artificial dos relâmpagos primordiais. Após algumas semanas deste tratamento, algo interessante é geralmente encontrado dentro do vidro: um caldo marrom diluído contendo um grande número de moléculas mais complexas do que aquelas originalmente introduzidas. Aminoácidos, em particular, têm sido encontrados – os blocos de construção das proteínas, uma das duas grandes classes de moléculas biológicas. Antes desses experimentos terem sido feitos, aminoácidos que ocorrem naturalmente teriam sido considerados como indicadores da presença de vida. Se eles tivessem sido detectados, por exemplo em Marte, vida naquele variedade de replicador que deve ter tido importância ainda maior na sua disseminação pela população foi a velocidade de replicação ou "fecundidade". Se moléculas de replicador do tipo A fazem cópias de si em média uma vez por semana, enquanto aquelas do tipo B fazem cópias de si uma vez por hora, não é difícil ver que logo as moléculas do tipo A estarão em minoria, mesmo que elas "vivam" muito mais do que as moléculas B. Portanto, provavelmente teria havido uma "tendência evolutiva" em direção a uma maior "fecundidade" das moléculas no caldo. Uma terceira característica das moléculas de replicador que teria sido selecionada positivamente é precisão de replicação. Se moléculas do tipo X e do tipo Y duram o mesmo tempo e replicam-se na mesma taxa, mas X erra, em média, em cada décima replicação, enquanto que Y erra apenas em cada centésima replicação, Y obviamente se tornará mais abundante. O contingente X na população perde não apenas os próprios "filhos" incorretos, mas também todos os seus descendentes, reais ou potenciais. Se você já sabe alguma coisa sobre evolução, talvez veja um pequeno paradoxo com relação ao último ponto. Podemos reconciliar a ideia de que erros de cópia são um requisito essencial para a evolução ocorrer, com a afirmação de que a seleção natural favorece a alta fidelidade de cópia? A resposta é que embora a evolução pareça, em um sentido vago, uma "coisa boa", especialmente porque somos o produto dela, nada, na verdade, "quer" evoluir. A evolução é alguma coisa que acontece, queira-se ou não, apesar de todos os esforços dos replicadores (e, hoje em dia, dos genes) em impedi-la de acontecer. Jacques Monod expressou isto muito bem em sua palestra Herbert Spencer, após comentar sarcasticamente: "Outro aspecto curioso da teoria da evolução é que todos pensam que a entendem!" Voltando ao caldo primitivo, este deve ter sido povoado por variedades de moléculas, estáveis no sentido de que ou as moléculas individuais duravam um longo tempo, ou replicavam-se rapidamente, ou então replicavam-se de maneira precisa. Tendências evolutivas em direção a esses três tipos de estabilidade ocorreram no seguinte sentido: se você tivesse amostrado o caldo em duas épocas diferentes, a última amostra conteria uma proporção maior de variedades com alta longevidade/fecundidade/fidelidade de cópia. Isto é essencialmente o que um biólogo entende por evolução quando está falando de criaturas vivas e o mecanismo é o mesmo – seleção natural. Deveríamos, então, chamar as moléculas de replicador originais de "vivas"? O que importa? Eu poderei lhe dizer "Darwin foi o maior homem que jamais existiu" e talvez você diga "Não, foi Newton", mas espero que não prolongássemos a discussão. O importante é que nenhuma conclusão fundamental seria afetada não importa de que maneira a discussão fosse resolvida. As realizações e os fatos ocorridos na vida de Newton e Darwin permanecem totalmente inalterados quer os chamemos de "grandes" ou não. Da mesma forma, a história das moléculas de replicador provavelmente ocorreu mais ou menos como estou contando-a, quer decidamos chamá-las de "vivas" ou não. Sofrimento humano tem sido causado porque muitos de nós não conseguem entender que as palavras são apenas instrumentos para nosso uso e que a mera presença no dicionário de uma palavra como "vivo" não significa que ela tenha, necessariamente, que se referir a alguma coisa definida no mundo real. Quer chamemos os primeiros replicadores de vivos ou não, eles foram os ancestrais da vida, nossos antepassados. A etapa seguinte importante no argumento, a qual foi enfatizada pelo próprio Darwin (embora ele estivesse falando de animais e plantas, não de moléculas), é competição. O caldo primitivo não era capaz de sustentar um número infinito de moléculas de replicador. Antes de mais nada, porque o tamanho da Terra é finito, mas outros fatores limitantes também devem ter sido importantes. Em nossa imagem do replicador funcionando como modelo ou molde o supusemos banhado em um caldo rico nas moléculas constitutivas pequenas necessárias para se fazer cópias. Mas, quando os replicadores se tornaram numerosos, os blocos de construção devem ter sido usados a uma taxa tal que passaram a ser um recurso escasso e precioso. Variedades ou cepas deferentes do replicador devem ter competido por eles. Consideramos os fatores que teriam aumentado o número dos tipos favorecidos do replicador. Podemos ver agora que as variedades menos favorecidas na realidade devem ter se tornado menos numerosas devido à competição e finalmente muitas de suas linhagens devem ter se extinguido. Houve luta pela sobrevivência entre as variedades de replicador. Elas não sabiam que estavam lutando, nem se preocupavam com isto. A luta foi conduzida sem quaisquer maus sentimentos, de fato, sem sentimentos de qualquer espécie. Mas elas estavam lutando, no sentido de que qualquer cópia errônea que resultasse em um novo nível de estabilidade mais alto, ou uma nova maneira de reduzir a estabilidade dos rivais, era automaticamente preservada e multiplicada. O processo de melhoramento era cumulativo. As maneiras de aumentar a estabilidade e de diminuir aquela dos rivais tornaram-se mais elaboradas e mais eficientes. Algumas variedades talvez até tenham "descoberto" como quebrar quimicamente as moléculas de linhagens rivais e utilizar os constituintes assim liberados para fazer suas próprias cópias. Estes proto-carnívoros simultaneamente obtinham alimento e removiam rivais competitivos. Outros replicadores talvez tenham descoberto como se proteger, quer quimicamente, quer construindo uma parede física de proteína ao redor de si. Talvez tenha sido assim que as primeiras células vivas apareceram. Os replicadores começaram não apenas a existir, mas a construir envoltórios para si, veículos para sua existência ininterrupta. Os replicadores que sobreviveram foram aqueles que construíram máquinas de sobrevivência para aí morarem. As primeiras máquinas de sobrevivência provavelmente consistiram em nada mais do que um revestimento protetor. Mas, viver tornou-se inexoravelmente mais difícil à medida que novos rivais surgiam com máquinas de sobrevivência melhores e mais eficientes. Estas se tornaram maiores e mais elaboradas, o processo sendo cumulativo e progressivo. Haveria um fim pais o melhoramento gradual nas técnicas e artifícios utilizados pelos replicadores para garantir sua própria permanência no mundo? Haveria tempo suficiente para melhoramento. Que máquinas estranhas de autossobrevivência os milênios produziram? Quatro bilhões de anos mais tarde, qual seria o destino dos antigos replicadores? Eles não morreram, pois são antigos mestres das artes de sobrevivência. Mas, não os procure flutuando livremente no mar. Eles abandonaram esta liberdade nobre há muito tempo. Agora eles apinham-se em colônias imensas, em segurança dentro de robôs desajeitados gigantescos, murados do mundo exterior, comunicando-se com ele por meio de vias indiretas e tortuosas, manipulando-o por controle remoto. Eles estão em mim e em você. Eles nos criaram, corpo e mente. E sua preservação é a razão última de nossa existência. Transformaram-se muito, esses replicadores. Agora eles recebem o nome de genes e nós somos suas máquinas de sobrevivência. 3 - ESPIRAIS IMORTAIS Somos máquinas de sobrevivência, mas "somos" não significa apenas pessoas. Inclui todos os animais, plantas, bactérias e vírus. O número total de máquinas de sobrevivência na Terra é muito difícil de contar e mesmo o número total de espécies é desconhecido. Tomando- se apenas os insetos, o número de espécies tem sido estimado em cerca de três milhões e o número de indivíduos talvez seja de um trilhão. Os tipos diferentes de máquinas de sobrevivência parecem muito variados externamente e em seus órgãos internos. Um polvo não é em nada parecido com um camundongo e ambos são um tanto diferentes de um carvalho. No entanto, em sua química fundamental são bastante uniformes e, em particular, os replicadores que possuem, os genes, são basicamente o mesmo tipo de molécula em todos nós – de bactérias a elefantes. Somos todos máquinas de sobrevivência para o mesmo tipo de replicador – moléculas de DNA – mas há muitas maneiras de viver no mundo e os replicadores construíram uma ampla gama de máquinas para explorar estas maneiras. Um macaco é uma máquina que preserva os genes em cima das árvores, um peixe é uma máquina que os preserva dentro d’água. Há até um pequeno verme que preserva os genes em bolachas de chope. O DNA trabalha de maneiras misteriosas. Dei a entender, para simplificar, que os genes modernos, constituídos de DNA, são praticamente iguais aos primeiros replicadores no caldo primitivo. Não tem importância para a discussão, mas isto talvez não seja realmente verdadeiro. Os replicadores originais talvez tenham sido um tipo de molécula relacionado ao DNA, ou talvez tenham sido completamente diferentes. Neste último caso poderíamos dizer que suas máquinas de sobrevivência devem ter sido capturadas em um estágio posterior pelo DNA. Se isto ocorreu, os replicadores foram totalmente destruídos, pois nenhum traço deles resta nas máquinas de sobrevivência modernas. Com referência a este assunto, A. G. Cairns-Smith fez a sugestão intrigante de que nossos ancestrais, os primeiros replicadores, talvez não tenham sido, absolutamente, moléculas orgânicas, mas sim cristais inorgânicos – minerais, pequenos pedaços de barro. Usurpador ou não, o DNA tem hoje o domínio incontestável, a menos que, como sugiro tentativamente no último capítulo, uma nova tomada de poder esteja, agora, justamente começando. Uma molécula de DNA é uma longa cadeia de blocos de construção, moléculas pequenas chamadas nucleotídeos. Da mesma maneira como as moléculas de proteína são cadeias de aminoácidos, também as moléculas de DNA são cadeias de nucleotídeos. A molécula de DNA é pequena demais para ser vista, mas sua forma exata foi engenhosamente decifrada por meios indiretos. Ela consiste em um par de cadeias de nucleotídeos torcidas juntas, formando uma espiral elegante, a "dupla hélice", a "espiral imortal". Os nucleotídeos constituintes existem em apenas quatro tipos diferentes, cujos nomes podem ser abreviados para A, T, C e G. Eles são os mesmos em todos os animais e plantas. O que difere é a ordem na qual estão enfileirados. Um constituinte G de um homem é, em todos os detalhes, idêntico a um constituinte G de um caramujo. Mas, a sequência dos constituintes em um homem não é apenas diferente daquela em um caramujo. É também diferente – embora em menor grau – da sequência em todos os outros homens (excetuando-se o caso especial de gêmeos idênticos). que será desenvolvido neste capítulo. É um argumento com o qual alguns de meus mais respeitados colegas recusam-se obstinadamente a concordar, de modo que você deve perdoar- me se pareço pormenorizá-la demasiadamente! Em primeiro lugar devo explicar resumidamente o sexo. Eu disse que os planos para a construção do corpo humano estão desenvolvidos em 46 volumes. Isto foi, de fato, uma simplificação excessiva. A verdade é um tanto bizarra. Os 46 cromossomos consistem de 23 pares de cromossomos. Poderíamos dizer que existem dois conjuntos alternativos de 23 volumes de planos arquivados no núcleo de cada célula. Chame- os Volume 1a e Volume 1b, Volume 2a e Volume 2b, etc., até o Volume 23a e o Volume 23b. Os números de identificação que utilizo para os volumes e, mais tarde, para as páginas, são, é claro, inteiramente arbitrários. Recebemos cada cromossomo intacto de um de nossos dois pais, em cujo testículo ou ovário ele foi montado. Os volumes 1a, 2a, 3a,... vieram, digamos, do pai. Os volumes 1b, 2b, 3b,... vieram da mãe. É muito difícil na prática, mas teoricamente você poderia olhar com um microscópio os 46 cromossomos em qualquer uma de suas células e separar os 23 que vieram de seu pai e os 23 que vieram de sua mãe. Os cromossomos pareados não passam toda sua vida fisicamente em contato uns com os outros, ou mesmo perto um do outro. Em que sentido, então, estão eles "pareados"? No sentido de que cada volume provindo originalmente do pai, pode ser considerado, página por página, como uma alternativa direta a um volume específico provindo originalmente da mãe. A Página 6 do Volume 13a e a Página 6 do Volume 13b, por exemplo, talvez "refiram-se" ambas à cor dos olhos. Talvez uma queira dizer "azul" e a outra "castanho". Algumas vezes as duas páginas alternativas são idênticas, mas, em outros casos, como em nosso exemplo da cor dos olhos, elas diferem. Se fazem "recomendações" contraditórias, o que o corpo faz? A resposta varia. Algumas vezes uma interpretação prevalece sobre a outra. No exemplo da cor dos olhos dado acima, a pessoa, na realidade, teria olhos castanhos: as instruções para fazer olhos azuis seriam ignoradas na construção do corpo, embora isto não impeça que sejam transmitidas para gerações futuras. Um gene ignorado desta maneira é chamado recessivo. O oposto de um gene recessivo é um gene dominante. O gene para olhos castanhos é dominante sobre aquele para olhos azuis. Uma pessoa tem olhos azuis apenas se ambas as cópias da página relevante são unânimes em recomendar olhos azuis. Mais comumente, quando dois genes alternativos não são idênticos, o resultado é algum tipo de compromisso – o corpo é construído segundo um esquema intermediário ou alguma coisa completamente diferente. Quando dois genes, como aquele para olhos castanhos e aquele para olhos azuis, competem pela mesma fenda em um cromossomo, são chamados alelos um do outro. Para nossos propósitos a palavra alelo é sinônimo da palavra rival. Imagine os volumes dos planos do arquiteto como fichários cujas páginas podem ser destacadas e permutadas. Todo Volume 13 deve ter a Página 6, mas há várias Páginas 6 possíveis que poderiam entrar no fichário entre a Página 5 e a Página 7. Uma versão diz "olhos azuis", outra versão possível diz "olhos castanhos". Talvez haja ainda outras versões na população como um todo que especifiquem outras cores, como a verde. Talvez haja meia dúzia de alelos alternativos localizados na posição da Página 6 nos décimos terceiros cromossomos espalhados pela população total. Uma pessoa qualquer tem apenas dois cromossomos do Volume 13. Portanto, ela poderá ter no máximo dois alelos na lenda da Página 6. Talvez ela tenha, como alguém de olhos azuis, duas cópias do mesmo alelo, ou talvez ela tenha dois alelos quaisquer escolhidos dentre a meia dúzia de alternativas disponíveis na população total. Você não pode, é claro, literalmente escolher seus genes do conjunto disponível à população toda. Em qualquer instante todos os genes estão presos dentro de máquinas de sobrevivência individuais. Nossos genes nos são distribuídos na concepção e nada podemos fazer a respeito. No entanto, num certo sentido. os genes da população em geral podem, a longo prazo, ser considerados um "fundo" de genes1. Esta frase, de fato. é um termo técnico usado pelos geneticistas. O "fundo" de genes é uma abstração útil porque o sexo mistura os genes, se bem que de uma maneira cuidadosamente organizada. Em particular, uma coisa semelhante ao destacar e trocar páginas e conjuntos de páginas em um fichário realmente ocorre, como logo veremos. Descrevi a divisão normal da célula em duas novas células, cada qual recebendo uma cópia completa de todos os 46 cromossomos. Esta divisão celular normal é chamada mitose. Mas há outro tipo de divisão celular chamada meiose. Esta se dá apenas na produção das células sexuais, os espermatozoides ou os óvulos. Os espermatozoides e óvulos são excepcionais dentre nossas células, pois contêm apenas 23 cromossomos, em vez de 46. Este número, é claro, é exatamente a metade de 46 – o que é conveniente quando eles fundem-se na fertilização sexual para produzir um novo indivíduo! A meiose é um tipo especial de divisão celular que ocorre apenas nos testículos e ovários. Nela uma célula com o conjunto duplo completo de 46 cromossomos divide-se formando células sexuais com o conjunto simples de 23 (sempre usando os números do homem para ilustrar). Um espermatozoide com seus 23 cromossomos é formado pela divisão meiótica de uma das células comuns de 46 cromossomos no testículo. Quais 23 cromossomos são colocados em um dado espermatozoide? Evidentemente é importante que um espermatozoide não receba 23 cromossomos antigos quaisquer: ele não deve ser formado com duas cópias do Volume 13 e nenhuma do Volume 17. Teoricamente seria possível a um indivíduo dotar um de seus espermatozoides com cromossomos provenientes, por exemplo, de sua mãe, isto é, Volume 1b, 2b, 3b,..., 23 b. Neste acontecimento improvável uma criança concebida deste espermatozoide herdaria metade de seus genes da avó paterna e nenhum de seu avô paterno. Mas, este tipo de distribuição grosseira, de cromossomos inteiros, de fato não acontece. A verdade é bem mais complexa. Lembre-se que os volumes (cromossomos) devem ser encara- dos come fichários. O que ocorre é que durante a produção do espermatozoide, páginas isoladas, ou melhor, pilhas com muitas páginas, são destacadas e trocadas pelas pilhas correspondentes do volume equivalente. Assim, um espermatozoide específico poderá construir seu Volume 1 tomando as primeiras 65 páginas do Volume 1a e as páginas de 66 até o fim do Volume 1b. Os outros 22 volumes deste espermatozoide seriam construídos de maneira semelhante. Portanto, cada espermatozoide produzido por um indivíduo é único, embora todos tenham formado seus 23 cromossomos a partir de pedaços do mesmo conjunto de 46. Os óvulos são feitos de maneira semelhante nos ovários e todos são também únicos. A mecânica real desta mistura é razoavelmente bem compreendida. Durante a produção de um espermatozoide (ou óvulo) pedaços de cada cromos- somo paterno destacam-se fisicamente e trocam de lugar com pedaços exata- mente correspondentes do cromossomo materno. (Lembre-se que estamos falando de cromossomos que viera originalmente dos pais do indivíduo que está produzindo o espermatozoide, i.e., dos avós paternos da criança que eventualmente será concebida do espermatozoide). O processo de permutar pedaços de cromossomo é chamado recombinação. Ele é muito importante para todo o argumento deste livro e significa que se você tornasse seu microscópio e olhasse os cromossomos em um de seus próprios espermatozoides (ou óvulos, se você for mulher) seria perda de tempo tentar identificar os cromossomos provenientes de seu pai e aqueles provenientes de sua mãe. (Isto contrasta fortemente com o caso das células comuns do corpo (ver página 45). Qualquer cromossomo em um espermatozoide seria uma colcha de retalhos, um mosaico de genes maternos e paternos. A metáfora da página representando o gene começa a falhar aqui. Num fichário uma página inteira pode ser inserida, removida ou trocada, mas não um pedaço de uma página. O complexo gênico é, porém, apenas uma longa fileira de letras de nucleotídeos, de forma alguma dividida de maneira óbvia em páginas discretas. Existem, realmente, símbolos especiais significando FIM DA MENSAGEM DE CADEIA PROTEICA e COMEÇO DA MENSAGEM DE CADEIA PROTÉICA, escritos no mesmo alfabeto de quatro letras das próprias mensagens de proteína. Entre esses dois sinais de pontuação estão as instruções codificadas para fazer uma proteína. Se quisermos poderemos definir um gene individual como a sequência de letras de nucleotídeos localizada entre um símbolo para COMEÇO e outro para FIM e codificando uma cadeia proteica. A palavra cistron tem sido usada para a unidade definida desta maneira e alguns utilizam a palavra gene como sinônimo de cistron. Mas, a recombinação não respeita os limites entre os cistrons. Rupturas podem ocorrer tanto dentro de cistrons como entre eles. É como se os planos do arquiteto estivessem escritos não em páginas discretas, mas em 46 rolos de fita de telégrafo impressor. Os cistrons não têm comprimento fixo. A única maneira de saber onde um termina e o seguinte começa seria ler os símbolos na fita, procurando aqueles para FIM DA MENSAGEM e COMEÇO DA MENSAGEM. A recombinação seria representada tomando-se fitas paternas e maternas que combinem e cortando e trocando porções correspondentes, independentemente do que esteja escrito nelas. No título deste livro a palavra gene não significa um único cistron mas uma coisa mais sutil. Minha definição não agradará a todos, mas não há definição de gene universalmente aceita. Mesmo se houvesse, nada há de sagrado com as definições. Podemos definir uma palavra como quisermos para nossos próprios propósitos, desde que o façamos com clareza e sem ambiguidade. A definição que quero usar provém de G. C. Williams. Um gene é definido como qualquer porção do material cromossômico que dura potencialmente por um número suficiente de gerações para servir como unidade da seleção natural. Usando as palavras do capítulo anterior, o gene é um replicador com alta fidelidade de cópia. Dizer fidelidade de cópia é outra maneira de dizer longevidade sob a forma de cópias e abreviarei simplesmente para longevidade. A definição requer justificação. Segundo qualquer definição, o gene deve ser uma porção de um cromossomo. A pergunta é, uma porção de que tamanho – quanto da fita do telégrafo? Imagine uma sequência qualquer de letras do código sobre a fita. Chame a sequência de unidade genética. Poderá ser uma sequência de apenas dez letras dentro de um cistron, ou uma sequência de oito cistrons. Talvez comece e termine no meio de um cistron e se sobreporá a outras unidades genéticas. Incluirá unidades menores e fará parte de unidades maiores. Para o propósito do presente argumento, características e os pássaros aprendem a evitá-las através de seus sinais de "advertência". Outras espécies de borboletas que não têm gosto desagradável, então, se aproveitam. Mimetizam aquelas de gosto ruim. Elas nascem assemelhando-se às últimas em cor e forma (mas não gosto) e frequentemente enganam os naturalistas humanos e também os pássaros. Uma ave que tenha uma vez experimentado a borboleta de gosto desagradável genuína tende a evitar todas as borboletas que a ela se pareçam. Isto inclui os indivíduos miméticos e, assim, os genes para mimetismo são favorecidos pela seleção natural. É assim que o mimetismo evolui. Há muitas espécies de borboletas "desagradáveis" e nem todas se parecem. Um indivíduo mimético não pode assemelhar-se a todas elas. Tem que se restringir a uma espécie desagradável em particular. Em geral, qualquer espécie mimética dada é especialista em mimetizar uma espécie desagradável. Mas, há espécies miméticas que fazem algo muito estranho. Alguns indivíduos mimetizam uma espécie desagradável e os demais mimetizam outra. Qualquer indivíduo intermediário ou que tentasse mimetizar a ambas seria logo comido. Mas, estes intermediários não nascem. Da mesma forma como um indivíduo é definitivamente macho ou definitivamente fêmea, também uma borboleta mimetiza ou uma espécie desagradável ou outra. Uma borboleta poderá mimetizar a espécie A enquanto que sua irmã mimetiza a espécie B. Aparentemente um único gene determina se um indivíduo mimetizará a espécie A ou a B. Mas, como pode um único gene determinar todos os aspectos variados do mimetismo – cor, forma, padrão de manchas, ritmo de voo? A resposta é que um gene, no sentido de v.m cistron, provavelmente não pode. Mas, através da "edição" inconsciente e automática conseguida pelas inversões e outros rearranjos acidentais do material genético, um conjunto grande de genes anteriormente separados constituiu-se num grupo firme de "linkage" sobre o cromossomo. O conjunto todo comporta-se como um único gene – pela nossa definição, de fato, ele agora é um único gene – e possui um "alelo" que é, na realidade, outro conjunto. Um conjunto contém os cistrons envolvidos em mimetizar a espécie A, o outro aqueles envolvidos em mimetizar a espécie B. Cada conjunto é tão raramente dividido pela recombinação que a borboleta intermediária nunca é vista na natureza, mas ocasionalmente aparece se grandes números são criados no laboratório. Estou usando a palavra gene para indicar uma unidade genética que é pequena o suficiente para durar por um grande número de gerações e ser distribuída sob a forma de muitas cópias. Esta não é uma definição rígida do tipo tudo ou nada, mas uma espécie de definição mais vaga, como a definição de "grande" ou "velho". Quanto maior a probabilidade de um fragmento de cromossomo ser dividido pela recombinação ou alterado por mutações de vários tipos, menos apropriado será chamá-la de gene no sentido em que estou usando o termo. Presumivelmente um cistron poderá ser chamado de gene, mas unidades maiores também o poderão. Uma dúzia de cistrons poderão estar tão próximos uns dos outros sobre um cromossomo que para nossos propósitos eles constituem uma única unidade genética duradoura. O conjunto gp mimetismo da borboleta é um bom exemplo. Ao abandonar um corpo e entrar no próximo, ao embarcar num espermatozoide ou óvulo para a viagem h geração seguinte, os cistrons provavelmente verificarão que a pequena embarcação contém seus vizinhos contíguos da viagem anterior, velhos companheiros com os quais navegaram na longa odisseia desde os corpos de antepassados distantes. Os cistrons vizinhos no mesmo cromossomo formam uma companhia bem integrada de colegas de viagem os quais raramente deixam de embarcar no mesmo navio quando é hora da meiose. A rigor este livro não devia se chamar nem O Cistron Egoísta e nem O Cromossomo Egoísta, mas O grande fragmento levemente egoísta de cromossoma e o pequeno fragmento ainda mais egoísta. Na melhor das hipóteses este não é um título atraente, de modo que, definindo o gene como um pequeno fragmento de cromossomo que potencialmente dura muitas gerações, chamo o livro de Gene Egoísta. Voltamos agora ao ponto que havíamos atingido no fim do capítulo 1. Vimos na ocasião que o egoísmo deve ser esperado em qualquer entidade merecedora do título de unidade básica da seleção natural. Vimos que algumas pessoas consideram a espécie como a unidade da seleção natural, outras consideram a população ou grupo dentro da espécie e outras, ainda consideram o indivíduo. Eu disse que preferia encarar o gene como a unidade fundamental da seleção natural e, portanto, como a unidade fundamental do interesse próprio. O que fiz, então, foi definir o gene de tal forma que não posso, na verdade, deixar de ter razão! A seleção natural, em sua forma mais geral, implica na sobrevivência diferencial de entidades. Algumas entidades vivem e outras morrem, mas, afim de que esta morte seletiva tenha algum impacto no mundo, mais uma condição deve ser satisfeita. Cada entidade deve existir sob a forma de muitas cópias e algumas das entidades, pelo menos, devem ser potencialmente capazes de sobreviver – sob a forma de cópias – durante um período significante de tempo evolutivo. As unidades genéticas pequenas possuem essas propriedades, o que não acontece com indivíduos, grupos e espécies. Constituiu a grande realização de Gregor Mendel mostrar que as unidades hereditárias podem, na prática, ser tratadas como partículas indivisíveis e independentes. Hoje em dia sabemos que isto é um pouco simplificado demais. Até mesmo um cistron é, ocasionalmente, divisível e dois genes quaisquer sobre o mesmo cromossomo não são inteiramente independentes. O que fiz foi definir um gene como uma unidade que aproxima-se, em alto grau, do ideal de partícula indivisível. Um gene não é indivisível, mas é raramente dividido. Ou ele está definitivamente presente ou definitivamente ausente no corpo de um indivíduo qualquer. O gene viaja intacto de avô para neto, passando diretamente pela geração intermediária sem se fundir a outros genes. Se eles continuamente se misturassem uns com os outros, a seleção natural, como a entendemos atualmente, seria impossível. A propósito, isto foi provado quando Darwin ainda estava vivo, o que lhe preocupou muito, pois naquela época assumia-se que a hereditariedade era um processo de mistura. A descoberta de Mendel já havia sido publicada e ela poderia ter salvo Darwin, mas, infelizmente, ele nunca teve conhecimento dela. Aparentemente ninguém a leu até vários anos depois de Darwin e Mendel terem ambos morrido. Mendel talvez não tivesse compreendido o significado de suas descobertas, caso contrário possivelmente teria escrito a Darwin. Outro aspecto do caráter de partícula do gene é que ele não fica senil. Ele não tem maior probabilidade de morrer quando tem um milhão de anos de idade do que quando tem apenas cem. Ele pula de corpo para corpo ao longo das gerações, manipulando um após o outro de sua própria maneira, e para seus próprios fins, abandonando uma sucessão de corpos mortais antes que estes mergulhem na senilidade e morte. Os genes são os imortais, ou melhor, são definidos como entidades genéticas que chegam perto de merecer o título. Nós, as máquinas de sobrevivência individuais no mundo, podemos esperar viver mais algumas décadas. Os genes no mundo, porém, têm uma expectativa de vida que deve ser medida não em décadas mas em milhares e milhões de anos. Nas espécies de reprodução sexual o indivíduo constitui uma unidade genética grande e temporária demais para que possa ser considerado uma unidade importante de seleção natural. O grupo de indivíduos é uma unidade ainda maior. Do ponto de vista genético, os indivíduos e os grupos são como nuvens no céu ou tempestades de areia no deserto. São agregados ou federações temporárias, não são estáveis ao longo do tempo evolutivo. As populações podem durar bastante, mas estão constantemente misturando-se com outras populações e assim perdendo sua identidade. Estão também sujeitas à mudança evolutiva interna. A população não é uma entidade discreta o suficiente para ser uma unidade de seleção natural e não é estável e unitária o suficiente para ser "selecionada" em favor de outra população. Um corpo individual parece bastante discreto enquanto dura, mas quanto d isto? Cada indivíduo d único. Você não pode obter evolução selecionando entidades quando existe apenas uma cópia de cada uma! A reprodução sexual não é replicação. Da mesma forma como uma população é contaminada por outras populações, também a posteridade de um indivíduo é contaminada por aquela de seu parceiro sexual. Seus filhos são apenas metade de você, seus netos apenas um quarto. Dentro de algumas gerações, o máximo que você pode esperar é um grande número de descendentes, cada um deles exibindo apenas uma porção minúscula de você – alguns genes – mesmo que alguns tenham também seu sobrenome. Os indivíduos não são estáveis, são passageiros. Os cromossomos também caem no esquecimento pelo baralhamento, como as cartas de um jogador logo depois de serem carteadas. Mas, as cartas em si sobrevivem ao baralhamento. Elas são os genes. Estes não são destruídos pela recombinação, simplesmente trocam de parceiros e continuam em frente. Evidentemente continuam, esta é sua profissão. Eles são os replicadores e nós suas máquinas de sobrevivência. Quando cumprimos nossa missão somos postos de lado. Mas os genes são habitantes do tempo geológico: são para sempre. Os genes, como os diamantes, são para sempre, mas não exatamente da mesma maneira como estes últimos. É o cristal individual de diamante que dura, como um padrão inalterado de átomos. As moléculas de DNA não têm este tipo de permanência. A vida de uma molécula física qualquer de DNA é bastante curta – talvez uma questão de meses, certamente não mais do que a duração de uma vida. Mas, teoricamente, uma molécula de DNA poderia viver sob a forma de cópias de si mesma por cem milhões de anos. Além disto, da mesma maneira como os antigos replicadores no caldo primitivo, as cópias de um gene em particular poderão estar distribuídas por todo o mundo. A diferença é que as versões modernas são todas elas ajeitadamente acondicionadas dentro dos corpos de máquinas de sobrevivência. O que estou fazendo é enfatizar a quase imortalidade potencial de um gene, sob a forma de cópias, como a propriedade que o define. Definir um gene como um único cistron serve para alguns propósitos, mas para a teoria da evolução é preciso ampliá-lo. O grau de ampliação é determinado pelo objetivo da definição. Queremos encontrar a unidade prática da seleção natural. Para fazê-lo começamos identificando as propriedades que uma unidade de seleção natural bem sucedida deve ter. Nos termos do capítulo passado, estas são longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia. Então, simplesmente definimos um "gene" como a maior entidade que pelo menos potencialmente, possui essas propriedades. O gene é um replicador de vida longa, existindo sob a forma de muitas cópias duplicadas. Não é de candidatos, alguns especializados na posição de proa, outros na de mestre de barco, e assim por diante. Suponha que ele faça sua seleção da seguinte forma. Cada dia reúne três novas equipes tentativas misturando ao acaso os candidatos a cada posição e fazendo as três equipes competirem entre si. Após algumas semanas começará a ficar claro que o barco vencedor frequentemente tem a tendência a conter os mesmos indivíduos. Estes são identificados como bons remadores. Outros indivíduos parecem se encontrar consistentemente em equipes mais vagarosas e são eventualmente rejeitados. Porém, mesmo um remador excepcionalmente bom poderá, algumas vezes, ser membro de uma equipe vagarosa, quer devido à inferioridade dos outros membros, quer devido à má sorte – por exemplo, um vento contrário forte. É apenas em média que os melhores homens tenderão a se encontrar no barco vencedor. Os remadores são genes. Os concorrentes a cada lugar no barco são ale-los potencialmente capazes de ocupar a mesma fenda ao longo do cromossomo. Remar rapidamente corresponde a construir um corpo bem sucedido em sobreviver. O vento é o ambiente externo. O estoque de candidatos alternativos é o "pool" de genes. No que se refere à sobrevivência de um corpo qualquer, todos seus genes estão no mesmo barco. Muitos genes bons caem em má companhia e se veem compartilhando um corpo com um letal o qual elimina este corpo na infância. O gene bom, então, é destruído juntamente com o resto. Porém, isto é apenas um corpo e réplicas do mesmo gene bom continuam vivendo em outros corpos que não possuam o gene letal. Muitas cópias de genes bons são eliminadas, pois calham compartilhar um corpo com genes maus e muitas perecem por outros exemplos de falta de sorte, como quando seu corpo é atingido por um raio. Porém, a sorte, boa ou má, por definição age ao acaso e um gene que está consistentemente perdendo não tem falta de sorte: é um gene mau. Uma das qualidades de um bom remador é trabalho de equipe, a capacidade de cooperar com o resto da tripulação e nela se enquadrar. Isto poderá ser tão importante quanto músculos fortes. Como vimos no caso das borboletas, a seleção natural poderá inconscientemente "editar" um complexo gênico por meio de inversões e outros movimentos grosseiros de fragmentos de cromossomos, desta forma reunindo em grupos firmemente ligados, genes que cooperam bem. Mas, há também um sentido no qual genes que não estão de forma alguma ligados fisicamente podem ser selecionados pela sua compatibilidade mútua. Um gene que cooperar bem com a maioria dos outros genes que ele tenha probabilidade de encontrar em corpos sucessivos, isto é, os genes em todo o resto do "fundo", tenderá a ter vantagem. Por exemplo, vários atributos são desejáveis no corpo de um carnívoro eficiente, entre eles dentes cortantes e afiados, o tipo certo de intestino para digerir carne e muitos outros. Um herbívoro eficiente, por outro lado, necessita de dentes planos para moer e um intestino muito mais longo com um tipo diferente de química digestiva. Em um "fundo" de genes de herbívoros qualquer gene novo que desse a seus possuidores dentes afiados para comer carne não teria muito sucesso. Isto se dá não porque comer carne seja universalmente uma má ideia, mas porque não se pode comer carne eficientemente a menos que se tenha também o tipo certo de intestino e todos os outros atributos de um modo de vida carnívoro. Os genes para dentes afiados de carnívoro não são intrinsecamente maus, só em um "fundo" de genes dominado por genes para qualidades de herbívoros. Esta é uma ideia sutil e complicada. É complicada porque o "ambiente" de um gene consiste em grande parte de outros genes, cada um dos quais, por sua vez, sendo selecionado segundo sua habilidade de cooperar com o seu ambiente consistindo de outros genes. Uma analogia adequada para lidar com este assunto sutil de fato existe, mas não provém da experiência cotidiana. É a analogia com a "teoria dos jogos" humana, a qual será introduzida no Capítulo 5 com relação a disputas agressivas entre animais. Portanto, adio outras discussões sobre este assunto até o fim daquele capítulo e retorno à mensagem central deste. E esta é a de que é melhor não considerar a espécie, nem a população e nem mesmo o indivíduo como a unidade básica da seleção natural, mas uma unidade pequena de material genético a qual é conveniente rotular de gene. O ponto chave do argumento, como apresentado acima, foi a suposição de que os genes são potencialmente imortais, enquanto que os corpos e todas as outras unidades superiores são temporárias. Esta suposição baseia-se em dois fatos: a reprodução sexual e a recombinação, e a mortalidade individual. Esses fatos são inegavelmente verdadeiros. Isto, porém, não nos impede de perguntar porque eles são verdadeiros. Por que nós e a maioria das outras máquinas de sobrevivência praticamos a reprodução sexual? Por que nossos cromossomos se recombinam? E por que não vivemos para sempre? A pergunta sobre porque morremos de velhice é complexa e os detalhes estão além do objetivo deste livro. Além das razões particulares, algumas mais gerais têm sido propostas. Uma teoria, por exemplo, é que a senilidade representa um acúmulo deletério de erros de cópia e outros tipos de injúria aos genes que ocorrem durante a vida do indivíduo. Outra teoria, de autoria de "Sir" Peter Medawar, é um bom exemplo de pensamento evolutivo em termos de seleção de genes. Em primeiro lugar Medawar rejeita argumentos tradicionais tais como: "os indivíduos velhos morrem como um ato de altruísmo para com o resto da espécie, pois se continuassem vivos quando estivessem decrépitos demais para se reproduzir apinhariam o mundo sem nenhum objetivo." Como Medawar salienta, este é um argumento circular, pressupondo o que ele tenta provar, ou seja, que os animais velhos são decrépitos demais para se reproduzir. É também um tipo de explicação por seleção de grupo ou seleção de espécie ingênuo, embora esta parte possa ser expressa de maneira mais respeitável. A própria teoria de Medawar tem uma bela lógica. Podemos chegar até ela da seguinte maneira. Já nos perguntamos quais os atributos mais gerais de um gene "bom" e resolvemos que o "egoísmo" era um deles. Mas, outra qualidade geral que os genes bem sucedidos terão é a tendência a adiar a morte de suas máquinas de sobrevivência pelo menos até depois da reprodução. Sem dúvida, alguns de seus primos e tios-avôs morreram durante a infância, mas absolutamente a nenhum de seus antepassados ocorreu o mesmo. Os antepassados simplesmente não morrem jovens! O gene que faz com que seu possuidor morra é chamado de gene letal. Um gene semiletal tem algum efeito debilitante, de modo que ele torna a morte por outras causas mais provável. Qualquer gene exerce seu efeito máximo sobre o corpo em algum estágio particular da vida e os letais e semilegais não constituem exceção. A maioria dos genes exerce sua influência durante a vida fetal, outros durante a infância, o começo da vida adulta, a meia-idade e outros, ainda, na velhice. (Pense que uma lagarta e a borboleta na qual ela se transforma têm exatamente o mesmo conjunto de genes.) Os genes letais, evidentemente, terão a tendência a ser removidos do "fundo" de genes. É óbvio também, porém, que um gene letal de efeito tardio será mais estável no "fundo" do que um gene letal de efeito precoce. Um gene letal num corpo mais velho ainda poderá ser bem sucedido no "pool", desde que seu efeito letal não apareça até depois do corpo ter tido tempo de deixar pelo menos alguns descendentes. Um gene que fizesse com que corpos velhos contraíssem câncer, por exemplo, poderia ser transmitido para muitos descendentes, pois os indivíduos se reproduziriam antes de apanhar a doença. Por outro lado, um gene que fizesse corpos de adultos jovens contrair câncer não seria transmitido a muitos descendentes, e um que fizesse crianças pequenas contrair câncer fatal não seria transmitido a absolutamente nenhum descendente. Então, segundo esta teoria, a deterioração por senilidade é simplesmente um subproduto do acúmulo, no "fundo", de genes letais e semiletais de efeito tardio, aos quais foi possível passar pela rede da seleção natural simplesmente porque têm efeito tardio. O aspecto que o próprio Medawar enfatiza é que a seleção favorecerá os genes que tens o efeito de adiar a atuação de genes letais e favorecerá também aqueles que tenham a ação de apressar o efeito de genes bons. Talvez ocorra que uma boa parte da evolução consista em mudanças geneticamente controladas na ocasião do início da atividade gênica. É importante notar que esta teoria não requer que se faça qualquer suposição prévia no que se refere à reprodução ocorrer apenas em certas idades. Tomando como pressuposição inicial que todos os indivíduos têm a mesma probabilidade de ter um filho em qualquer idade, a teoria de Medawar rapidamente prediria o acúmulo no "fundo" de genes deletérios de efeito tardio. A tendência dos indivíduos se reproduzirem menos na velhice seguir-se-ia como uma consequência secundária. Abrindo um parêntese, uma das boas características desta teoria é que ela nos leva a especulações bastante interessantes. Decorre dela, por exemplo, que se quiséssemos prolongar a duração da vida humana haveria duas maneiras gerais pelas quais poderíamos fazê-la. Em primeiro lugar, poderíamos proibir a reprodução antes de uma certa idade, por exemplo, quarenta anos. Depois de alguns séculos o limite mínimo de idade seria elevado para cinquenta e assim por diante. É presumível que a longevidade humana pudesse ser estendida desta forma até vários séculos. Não posso imaginar que alguém seriamente gostaria de instituir tal política. Em segundo lugar, poderíamos tentar "enganar" os genes e fazê-los pensar que o corpo em que estão é mais jovem do que na realidade o é. Isto significaria, na prática, identificar as mudanças no ambiente químico interno do corpo que ocorrem durante o envelhecimento. Qualquer uma dessas poderiam ser os "sinais" que "ligam" genes letais de efeito tardio. Talvez seja possível impedir o acionamento de genes deletérios de efeito tardio estimulando as propriedades químicas superficiais de um corpo jovem. O aspecto interessante é que os sinais químicos de velhice não precisam, em qualquer sentido comum, ser deletérios em si. Suponha, por exemplo, que casualmente ocorra que uma substância S seja mais concentrada no corpo de indivíduos velhos do que de jovens. S em si poderá ser bastante inofensiva, talvez alguma substância na comida que acumula-se no corpo com o passar do tempo. Automaticamente, porém, qualquer gene que por acaso exercesse um efeito deletério na presença de S, mas que de outra forma tivesse um efeito favorável, seria selecionado positivamente no "fundo" e seria, de fato, um gene "para" morte de velhice. O que é revolucionário a respeito desta ideia é que o próprio S é apenas um "rótulo" para velhice. Qualquer médico que notasse que altas concentrações de S tendem a levar à morte, provavelmente imaginaria a substância como um tipo de veneno e quebraria a cabeça para descobrir uma ligação causal direta entre S e o mau funcionamento do corpo. No caso de que de fato não há discordância com isto. Assim como barcos inteiros vencem ou perdem corridas, são de fato indivíduos que vivem ou morrem, e a manifestação imediata da seleção natural é, quase sempre, ao nível de indivíduo. As consequências a longo prazo da sorte e sucesso reprodutivo individuais não-aleatórios manifestam-se sob a forma de frequências alteradas no "fundo" de genes. Este último exerce, com algumas reservas, o mesmo papel para os replicadores modernos que exercia o caldo primitivo para os replicadores originais. O sexo e a recombinação cromossômica têm o efeito de preservar a fluidez do equivalente moderno do caldo. Devido ao sexo e à recombinação o "fundo" de genes é mantido bem misturado e os genes parcialmente baralhados. A evolução é o processo por meio pp qual alguns genes tornam-se mais numerosos e outros menos no "fundo" gênico. Quando quer que estejamos tentando explicar a evolução de alguma característica, como o comportamento altruísta, é bom adquirir o hábito de perguntarmo-nos simplesmente: "que efeito esta característica terá sobre as frequências de genes no "fundo"?" Às vezes a linguagem de genes torna-se um pouco tediosa e para brevidade e destaque utilizaremos metáforas. Mas sempre estaremos céticos a seu respeito a fim de fazer certo que podem ser traduzidas novamente para a linguagem de genes, se for preciso. No que se refere ao gene, o "fundo" é exatamente o novo tipo de caldo onde aquele subsiste. A única coisa que mudou é que hoje em dia ele subsiste cooperando com grupos sucessivos de companheiros retirados do "fundo" de genes para construir uma máquina de sobrevivência mortal após outra. É às próprias máquinas de sobrevivência e ao sentido no qual se pode dizer que os genes controlam seu comportamento que nos dedicamos no próximo capítulo. 4 - A MÁQUINA GÊNICA As máquinas de sobrevivência começaram como receptáculos passivos para os genes, fornecendo pouco mais do que paredes para protegê-los da guerra química de seus rivais e da destruição pelo bombardeio molecular acidental. Nos primeiros tempos elas "alimentavam- se" de moléculas orgânicas disponíveis à vontade no caldo. Esta vida fácil terminou quando o alimento orgânico no caldo que havia sido lentamente formado sob a influência energética de vários séculos de luz solar, foi todo consumido. Um ramo importante de máquinas de sobrevivência, agora chamado de plantas, começou a utilizar a luz solar diretamente para construir moléculas complexas a partir de outras simples, restabelecendo a uma velocidade muito maior os processos sintéticos do caldo original. Um outro ramo, agora conhecido como animais, "descobriu" como explorar o trabalho químico das plantas, quer comendo-as, quer comendo outros animais. Ambos os principais ramos de máquinas de sobrevivência desenvolveram truques cada vez mais engenhosos a fim de aumentar sua eficiência nos vários modos de vida e destes últimos, outros novos estão sendo continuamente inaugurados. Sub- ramos e ramos ainda menores desenvolveram-se, cada qual sobressaindo-se numa maneira especializada especifica de ganhar a vida: no mar, na terra, subterraneamente, em cima de árvores, dentro de outros corpos vivos. Esta ramificação deu origem à diversidade imensa de animais e plantas que tanto nos impressiona hoje em dia. Tanto os animais como as plantas desenvolveram-se em corpos multicelulares, cópias completas de todos os genes sendo distribuídas a cada célula. Não sabemos quando, porque, ou quantas vezes independentemente isto ocorreu. Alguns usam a metáfora de uma colônia, descrevendo um corpo como uma colônia de células. Prefiro imaginar o corpo como uma colônia de genes e a célula como uma unidade funcional conveniente para as indústrias químicas daqueles. Talvez eles sejam colônias de genes, mas, em seu comportamento, os corpos inegavelmente adquiriram uma individualidade própria. Um animal move-se como um todo coordenado, como uma unidade. Subjetivamente, sinto-me como uma unidade, não como uma colônia. E isto era de se esperar. A seleção favoreceu os genes que cooperam entre si. Na competição ferrenha por recursos escassos, na luta implacável por comer outras máquinas de sobrevivência e evitar ser comido, deve ter havido um prêmio para a coordenação central e não para a anarquia dentro do corpo comum. Hoje em dia a intrincada evolução conjunta mútua dos genes estendeu-se a tal ponto que a natureza coletiva de uma máquina de sobrevivência individual é praticamente irreconhecível. Muitos biólogos, de fato, não a aceitam e discordarão de mim. Felizmente para o que os jornalistas chamariam de "credibilidade" do resto deste livro, a discordância é em grande parte acadêmica. Da mesma forma como não é conveniente falar sobre quanta e partículas fundamentais quando discutimos o funcionamento de um carro, assim também é muitas vezes tedioso e desnecessário constantemente introduzir genes quando discutimos o comportamento de máquinas de sobrevivência. Como uma aproximação, na prática é geralmente conveniente considerar c corpo individual como um agente "tentando" aumentar o número de todos os seus genes nas gerações futuras. Usarei a linguagem da conveniência. Salvo alguma afirmação em contrário, "comportamento altruísta" e "comportamento egoísta" significarão o comportamento dirigido de um corpo animal para outro. Este capítulo trata de comportamento – o truque do movimento rápido que tem sido, em grande parte, explorado pelo ramo animal das máquinas de sobrevivência. Os animais tornaram-se veículos ativos e vigorosos dos genes: máquinas gênicas. A característica do comportamento, como os biólogos utilizam o termo, é ele ser rápido. As plantas movem-se mas muito vagarosamente. Quando vistas em um filme muito acelerado as trepadeiras parecem animais ativos. A maior parte do movimento das plantas, entretanto, é, na realidade, crescimento irreversível. Os animais, por outro lado, desenvolveram famas de se movimentar centenas de milhares de vezes mais rapidamente. Além disto, os movimentos que realizam são reversíveis e podem ser repetidos um número indefinido de vezes. O dispositivo desenvolvido pelos animais para conseguir movimento rápido foi o músculo. Os músculos são máquinas que utilizam a energia armazenada no combustível químico para gerar movimento mecânico, da mesma forma como a máquina à vapor e o motor de combustão interna. A diferença é que a força mecânica imediata de um músculo é gerada sob a forma de tensão e não de pressão de gás como no caso das duas outras máquinas. Os músculos, todavia, são como máquinas no sentido de frequentemente exercerem força sobre cabos e alavancas com dobradiças. As alavancas são, em nós, conhecidas como ossos, os cabos como tendões e as dobradiças como articulações. Sabe-se bastante sobre o mecanismo molecular pelo qual os músculos trabalham, mas acho mais interessante a questão de como as contrações musculares são reguladas. Você alguma vez observou uma máquina artificial de certa complexidade, uma máquina de costura ou de tricô, um tear, uma fábrica de engarrafamento automático, ou uma enfardadeira de feno? A força motriz vem de algum lugar, de um motor elétrico, por exemplo, ou de um tratar. Muito mais surpreendente, porém, é a regulagem complicada das operações. Válvulas abrem e fecham na ordem certa, garras de aço habilmente dão um nó ao redor de um fardo de feno e então, exatamente no momento certo, uma lâmina projeta-se e corta a corda. Em muitas máquinas artificiais a regulagem é obtida por meio da carne, esta invenção brilhante. Ela transforma o movimento rota-t6rio simples em um padrão rítmico complexo de operações, por meio de uma roda excêntrica ou de forma especial. O princípio da caixa de música é semelhante. Outras máquinas como o órgão à vapor e a pianola utilizam cilindros de papel ou cartões perfurados segundo um padrão. Recentemente tem havido uma tendência a substituir estes reguladores mecânicos simples por outros eletrônicos. Os computadores digitais são exemplos de dispositivos eletrônicos grandes e versáteis que podem ser usados para gerar padrões complexos regulados de movimento. O componente básico de uma máquina eletrônica moderna, como o computador, é o semicondutor, do qual o transistor é um exemplo familiar. As máquinas de sobrevivência parecem ter deixado de lado completamente a carne e o cartão perfurado. O mecanismo que utilizam para regular seus movimentos tem mais em comum com o computador eletrônico, embora seja rigorosamente diferente no funcionamento básico. A unidade fundamental dos computadores biológicos, a célula nervosa ou neurônio, na realidade não se parece em nada a um transístor em seu funcionamento interno. O código pelo O estado "desejado" do governador de Watt é uma velocidade específica de rotação. Ele, é claro, não a deseja conscientemente. O "objetivo" de uma máquina é definido simplesmente como aquele estado ao qual ela tende a voltar. As máquinas finalistas modernas utilizam extensões de princípios básicos, como retroalimentação negativa, para obter um comportamento "aparentemente vivo" muito mais complexo. Os mísseis guiados, por exemplo, parecem buscar ativamente seu alvo e quando o têm em mira parecem persegui-la, levando em conta suas curvas e voltas evasivas e, algumas vezes, até mesmo "prevendo-as" ou "antecipando-as". Não vale a pena entrar nos detalhes de como isto é feito. Estes envolvem retroalimentação negativa de vários tipos, "avante – alimentação" e outros princípios bem compreendidos pelos engenheiros e que agora se sabe estão extensamente envolvidos no funcionamento de corpos vivos. Nada que remotamente se aproxime de consciência precisa ser postulado, embora um leigo, observando o comportamento aparentemente deliberado e intencional do míssil, ache difícil acreditar que ele não está sob o controle direto de um piloto humano. Constitui uma concepção errônea comum a ideia de que por uma máquina tal como um míssil guiado ter sido originalmente planejada e construída pelo homem consciente, então deve, na verdade, estar sob o controle imediato deste. Outra variante desta falácia é que "os computadores na realidade não jogam xadrez, pois só podem fazer aquilo que um operador humano lhes mandar". É importante compreendermos porque isto é falacioso, uma vez que afeta nossa compreensão do sentido no qual se pode dizer que os genes "controlam" o comportamento. O xadrez de computador é um exemplo bastante bom para ilustrar a questão, de modo que discuti-lo-ei rapidamente. Os computadores ainda não jogam xadrez tão bem quanto os grão-mestres humanos, mas atingiram o padrão de um bom amador. Mais exatamente, dever-se-ia dizer que os programas atingiram o padrão de um bom amador, pois um programa para jogo de xadrez não se incomoda com que computador físico ele usa para desempenhar suas habilidades. Então, qual é o papel do programador humano? Em primeiro lugar, ele não manipula o computador a todo instante, como um titereiro puxando os cordões. Isto seria trapacear. Ele escreve o programa, coloca-o no computador e então este último fica só: não há intervenção humana subsequente, a não ser o adversário datilografando seus movimentos. Será que o programador antecipa todas as posições possíveis do xadrez e fornece ao computador uma longa lista de movimentos adequados, um para cada eventualidade possível? Certamente não, pois o número de posições possíveis no xadrez é tão grande que o mundo terminaria antes que a lista estivesse completa. Pela mesma razão, o computador absolutamente não pode ser programado para experimentar "em sua cabeça" todos os movimentos e todas as consequências possíveis, até encontrar uma estratégia para a vitória. Há mais jogos de xadrez possíveis do que átomos na galáxia. Isto é suficiente a respeito de pseudo-soluções triviais para o problema de programar um computador para jogar xadrez. Na realidade, este é um problema extremamente difícil e não surpreende que os melhores programas ainda não tenham atingido o nível de grão-mestres. O verdadeiro papel do programador é mais semelhante àquele do pai ensinando seu filho a jogar xadrez. Ele diz ao computador quais os movimentos básicos do jogo, não separadamente para cada posição inicial possível, mas em termos de regras expressadas mais economicamente. Ele não diz literalmente em inglês claro "os bispos movem-se em diagonal", mas diz alguma coisa matematicamente equivalente tal como (mas mais resumidamente): "novas coordenadas para o bispo são obtidas a partir de coordenadas antigas adicionando-se a mesma constante, embora não necessariamente com o mesmo sinal, tanto à coordenada antiga x como à coordenada antiga y." O programador poderá então programar alguns "conselhos", escritos no mesmo tipo de linguagem matemática ou lógica, mas correspondendo, em termos humanos, a sugestões tais como "não deixe seu rei desprotegido", ou a truques úteis como "forking" com o cavalo. Os detalhes são intrigantes, mas nos levariam longe demais. O importante é o seguinte. Quando está realmente jogando, o computador está só e não pode esperar ajuda de seu mestre. A única coisa que o programador pode fazer é preparar o computador de antemão da melhor maneira possível com um equilíbrio apropriado entre listas de conhecimento e sugestões sobre estratégias e técnicas. Os genes também controlam o comportamento de suas máquinas de sobrevivência, não diretamente com seus dedos nos cordões dos bonecos, mas indiretamente como o programador de um computador. A única coisa que podem fazer é preparar a máquina de sobrevivência de antemão. Ela então estará só e os genes apenas poderão acomodar-se passivamente dentro dela. Por que eles são tão passivos? Por que não pegam as rédeas e assumem a direção a cabida instante? A resposta é que eles não podem fazer isto devido a problemas de retardamento. Isto é exemplificado melhor por outra analogia, tirada da ficção científica. A for Andromeda2 de Fred Hoyle e John Elliot é uma história excitante e como toda boa ficção científica possui algumas questões científicas interessantes por trás. O livro, estranhamente, parece não conter menção explícita a mais importante destas questões subjacentes. Ela é deixada à imaginação do leitor. Espero que os autores não se importem se a explícito aqui. Há uma civilização a 200 anos-luz de distância, na constelação de Andrômeda. Eles querem difundir sua cultura a mundos distantes. Qual a melhor maneira de fazê-lo? A viagem direta está fora de cogitação. A velocidade da luz impõe um limite superior teórico à velocidade pela qual se pode ir de um lugar a outro no universo e considerações mecânicas impõem, na prática, um limite muito inferior. Além disto, talvez não haja tantos mundos assim aos quais valha a pena ir, e como se pode saber em que direção ir? O rádio é uma maneira melhor de se comunicar com o resto do universo, já que se tivermos a potência suficiente para transmitir os sinais em todas as direções, em vez de irradiá-los em uma direção apenas, poderemos atingir um grande número de mundos (este número aumenta segundo o quadrado da distância que o sinal viaja). As ondas de rádio viajam à velocidade da luz, o que significa que o sinal leva 200 anos para alcançar a Terra a partir de Andrômeda. O problema com uma distância desta natureza é que não se pode manter uma conversação. Mesmo se descontarmos o fato de que cada mensagem sucessiva a partir da Terra seria transmitida por pessoas separadas entre si por doze gerações, seria simplesmente um desperdício tentar conversar a tais distâncias. Este problema logo surgirá seriamente para nós: as ondas de rádio levam cerca de quatro minutos para viajar entre a Terra e Marte. Não há dúvida de que os astronautas terão que se desacostumar a conversar por sentenças curtas alternadas e terão que utilizar solilóquios ou monólogos longos mais semelhantes a cartas do que a conversas. Como outro exemplo, Roger Payne lembrou que a acústica do mar tem certas propriedades peculiares, de modo que o "canto" extremamente alto da baleia corcunda poderia, teoricamente, ser ouvido em todo o mundo, desde que as baleias nadem a uma certa profundidade. Não se sabe se elas realmente comunicam-se entre si a grandes distâncias, mas se o fazem devem ter o mesmo problema que um astronauta em Marte. A velocidade do som na água é tal que levaria quase duas horas para o canto viajar através do Oceano Atlântico e a resposta voltar. Sugiro isto como explicação para o fato de que as baleias emitem um solilóquio contínuo, sem se repetirem, durante oito minutos. Voltam, então, para o começo do canto e repetem-no inteiramente, assim muitas vezes, cada ciclo completo durando aproximadamente oito minutos. Os habitantes de Andrômeda da história fizeram a mesma coisa. Como não tinha sentido esperar uma resposta, reuniram tudo o que queriam dizer em uma única mensagem ininterrupta enorme e então irradiaram-na para o espaço, repetindo-a muitas vezes, com um ciclo de vários meses. Sua mensagem, no entanto, era muito diferente daquela das baleias. Consistia em instruções codificadas para a construção e programação de um computador enorme. As instruções, evidentemente, não estavam em nenhuma língua humana, mas quase qualquer código pode ser decifrado por um criptográfico habilidoso, especialmente se seus autores desejaram que ele fosse facilmente decifrado. Captada pelo radiotelescópio de Jodrell Bank na Inglaterra, a mensagem foi eventualmente decifrada, o computador construído e o programa processado. Os resultados foram quase desastrosos para a humanidade, pois as intenções dos habitantes de Andrômeda não eram universalmente altruístas e o computador estava a caminho de se tornar ditador do mundo antes que o herói eventualmente o eliminasse com um machado. De nosso ponto de vista a questão interessante é em que sentido se poderia dizer que os habitantes de Andrômeda estavam manipulando eventos na Terra. Eles não tinham controle direto sobre o que o computador fazia a cada instante. Eles não tinham, de fato, nenhuma maneira de saber, inclusive, que o computador havia sido construído, pois a informação teria levado 200 anos para voltar a eles. As decisões e ações do computador eram inteiramente suas. Ele não poderia nem mesmo recorrer a seus mestres para pedir instruções sobre o plano de ação geral. Todas as suas instruções tinham que ser incorporadas antecipadamente devido à barreira inviolável dos 200 anos. Ele deve ter sido programado, em princípio, de maneira semelhante a um computador de jogo de xadrez, mas com maior flexibilidade e capacidade para absorver informação local. E isto porque o programa tinha que ser projetado para funcionar não apenas na Terra mas em qualquer mundo que possuísse uma tecnologia avançada, qualquer um de um conjunto de mundos cujas condições detalhadas os habitantes de Andrômeda não tinham possibilidade de conhecer. Da mesma maneira como os habitantes de Andrômeda tinham que possuir um computador na Terra para tomar suas decisões cotidianas, nossos genes têm que construir um cérebro. Os genes, no entanto, não são apenas os habitantes de Andrômeda que mandam as instruções codificadas, são também as próprias instruções. O motivo pelo qual eles não podem manipular nossos cordões de bonecos diretamente é a mesma : intervalos. Os genes funcionam controlando a síntese proteica. Esta é uma maneira poderosa de manipular o mundo, mas é vagarosa. Leva meses de um paciente puxar de cordões de proteína para formar um embrião. A característica básica do comportamento, por outro lado, é que ele é rápido. Ele trabalha não numa escala de meses mas de segundos e frações de segundos. Alguma coisa acontece no mundo, uma coruja surge por cima, um farfalho no capim alto denuncia a presa e em milissegundos sistemas nervosos entram em ação, músculos arremetem e a vida de alguém é salva – ou perdida. Os genes não têm tempos de reação como esses. Como os habitantes de Andrômeda, os genes apenas podem fazer o melhor possível antecipadamente construindo um computador executante rápido para si e programando-o de antemão com regras e "conselhos" nas possíveis medidas defensivas do inimigo. Uma maneira de descobrir se ele é um plano bom é experimentá-lo e verificar, mas é indesejável usar este teste para todos os planos tentativos imagináveis, se não por outra razão simplesmente porque o suprimento de rapazes preparados para morrer "por sua pátria" é exaurível e o suprimento de planos possíveis é muito grande. É melhor experimentar os vários planos em manobras do que em situações reais. Isto poderá assumir a forma de exercícios em larga escala com os "Azuis" combatendo os "Vermelhos", utilizando-se munição de festim, mas mesmo isto é dispendioso em tempo e materiais. Jogos de guerra poderão ser realizados menos dispendiosamente com soldadinhos de chumbo e pequenos tanques de brinquedo sendo movidos sobre um mapa. Recentemente os computadores têm assumido grande parte da função de simulação, não apenas em estratégia militar mas em todos os campos onde a previsão do futuro é necessária, campos como Economia, Ecologia, Sociologia e muitos outros. A técnica funciona da seguinte maneira. Um modelo de algum aspecto do mundo é montado no computador. Isto não significa que se você desparafusasse a tampa veria uma pequena imitação em miniatura dentro, com a mesma forma do objeto simulado. No computador que joga xadrez não há nenhuma "imagem mental" dentro do banco de memória que possa ser reconhecida como um tabuleiro de xadrez com cavalos e peões sobre ele. O tabuleiro de xadrez e sua posição num dado instante seriam representados por listas de números codificados eletronicamente. Para nós um mapa é um modelo em miniatura em escala de uma parte do mundo, comprimido em duas dimensões. Em um computador, um mapa seria representado, mais provavelmente, por uma lista de cidades e outros locais, cada qual com dois números – sua latitude e sua longitude. Mas não importa como o computador realmente guarda o modelo do mundo em sua cabeça, desde que o guarde de forma que possa operar sobre ele, manipulá-lo, realizar experimentas e comunicar-se de volta com os operadores humanos em termos que estes possam entender. Através da técnica da simulação batalhas em miniatura podem ser ganhas ou perdidas, aviões de passageiros podem voar ou cair, políticas econômicas podem levar à prosperidade ou à ruína. Em cada caso todo o processo ocorre dentro do computador em uma pequena fração do tempo que levaria na situação real. Há, evidentemente, bons e maus modelos do mundo, e mesmo os bons são apenas aproximações. Nenhuma simulação pode prever exatamente o que acontecerá na realidade, mas uma boa simulação é muito preferível à tentativa e erro cegos. A simulação poderia ser chamada de tentativa e erro substitutivos, um termo infelizmente já apropriado há muito tempo pelos psicólogos de ratos. Se a simulação é uma ideia tão boa poderíamos esperar que as máquinas de sobrevivência a tivessem descoberto primeiro. Afinal de contas, elas inventaram muitas das outras técnicas da Engenharia humana muito antes que surgíssemos: a lente de focalização e o refletor parabólico, a análise de frequência de ondas sonoras, o servocontrole, o sonar, o armazenamento auxiliar de informação de entrada e inúmeras outras com nomes longos, cujos detalhes não importam. E com respeito à simulação? Bem, quando você próprio tem uma decisão difícil a tomar envolvendo fatores desconhecidos do futuro, você de fato faz um tipo de simulação. Você imagina o que aconteceria se seguisse cada uma das alternativas disponíveis. Estabelece um modelo em sua cabeça, não de tudo no mundo, mas do conjunto restrito de entidades que você acha que talvez sejam relevantes. Poderá ver estas últimas distintamente em seu olho mental, ou poderá ver e manipular suas abstrações estilizadas. Em qualquer caso, é pouco provável que exista disposto em algum lugar de seu cérebro um modelo espacial real dos acontecimentos que você está imaginando. Exatamente como no computador, porém, os detalhes de como seu cérebro representa o modelo do mundo são menos importantes do que o fato dele ser capaz de usar e prever eventos possíveis. As máquinas de sobrevivência que podem simular o futuro estão um passo à frente das máquinas de sobrevivência que podem apenas aprender com base na tentativa e erro manifestos. O problema com a tentativa manifesta é que ela custa tempo e energia. E o problema com o erro manifesto é que ele é frequentemente fatal. A simulação é ao mesmo tempo mais segura e mais rápida. A evolução da capacidade de simular parece ter culminado na consciência subjetiva. Porque isto aconteceu é para mim o mais profundo mistério com o qual se defronta a Biologia moderna. Não há razão para supor que os computadores eletrônicos estejam conscientes quando simulam, embora tenhamos que admitir que no futuro eles talvez o fiquem. Talvez a consciência se origine quando a simulação que o cérebro faz do mundo se toma tão completa que precisa incluir um modelo de si mesma. Os membros e o corpo de uma máquina de sobrevivência devem, obviamente, constituir uma parte importante de seu mundo simulado. Pela mesma razão, presumivelmente, a própria simulação poderia ser considerada parte do mundo a ser simulado. Outra palavra para isto poderia, de fato, ser "autoconsciência", mas não acho esta explicação plenamente satisfatória para a evolução da consciência, e isto não apenas porque ela envolve uma regressão infinita – se há um modelo do modelo, por que não um modelo do modelo do modelo...? Quaisquer que sejam os problemas filosóficos suscitados pela consciência, para os propósitos desta história ela pode ser imaginada como a culminação de uma tendência evolutiva dirigida à emancipação das máquinas de sobrevivência, enquanto tomadoras de decisões executivas, de seus derradeiros mestres, os genes. Os cérebros não estão apenas encarregados do controle contínuo das ocupações das máquinas de sobrevivência, mas adquiriram também a habilidade de prever o futuro e agir de acordo. Têm até mesmo o poder de rebelarem-se contra os ditames dos genes, por exemplo ao recusar ter tantos filhos quanto são capazes. A este respeito, porém, o homem é um caso muito especial, como veremos. O que tudo isto tem a ver com altruísmo e egoísmo? Estou tentando formar a ideia de que o comportamento animal, altruísta ou egoísta, está sob o controle dos genes apenas em um sentido indireto, embora assim mesmo muito poderoso. Ditando a maneira pela qual as máquinas de sobrevivência e seus sistemas nervosos são construídos, os genes exercem o poder final sobre o comportamento. Mas as decisões a cada instante sobre o que fazer em seguida são assumidas pelo sistema nervoso. Os genes são os fazedores primários dos planos de ação, os cérebros são os executantes. Mas à medida que os cérebros tornaram-se mais altamente evoluídos assumiram cada vez mais as decisões reais sobre os planos de ação, usando, ao fazê-lo, truques tais como a aprendizagem e a simulação. A conclusão lógica desta tendência, ainda não atingida em qualquer espécie, seria os genes darem à máquina de sobrevivência uma única instrução global sobre o programa de ação: o que achar melhor para nos manter vivos. É fácil fazer analogias com computadores e com a tomada de decisões pelo homem. Mas agora devemos voltar à realidade e lembrar que a evolução de fato ocorre por etapas, através da sobrevivência diferencial dos genes no "fundo". Portanto, para que um padrão de comportamento – altruísta ou egoísta – se desenvolva é necessário que um gene "para" este comportamento sobreviva no "fundo" com maior sucesso que um gene rival ou alelo "para" um comportamento diferente. Um gene para comportamento altruísta significa qualquer gene que influencie o desenvolvimento de sistemas nervosos de tal maneira que faça com que seja mais provável estes se comportarem altruisticamente. Há alguma evidência experimental de herança genética do comportamento altruísta? Não, mas isto não surpreende, pois pouco tem sido feito com relação à Genética de qualquer tipo de comportamento. Em vez disso, deixe-me falar-lhe sobre um estudo de padrão de comportamento o qual não parece obviamente altruísta, mas que é complexo o suficiente para ser interessante. Ele serve de modelo sobre como o comportamento altruísta poderá ser herdado. As abelhas de mel sofrem de uma doença infecciosa chamada cria pútrida, a qual ataca as larvas em suas células. Das variedades domésticas utilizadas pelos apicultores algumas estão mais ameaçadas pela cria pútrida do que outras, e verifica-se que a diferença entre as linhagens, pelo menos em alguns causos, é comportamental. Existem linhagens assim chamadas higiênicas que eliminam epidemias rapidamente localizando as larvas infectadas, puxando-as de suas células e lançando-as para fora da colmeia. As linhagens são suscetíveis porque não praticam este infanticídio higiênico. O comportamento efetivamente envolvido na higiene é bastante complicado. As operárias precisam localizar a célula de cada larva doente, remover a tampa de cera desta, puxar a larva para fora, arrastá-la através da porta da colmeia e lançá- la no depósito de detritos. Realizar experimentos de Genética com abelhas é uma tarefa complicada por várias razões. As próprias operárias normalmente não se reproduzem, de modo que é preciso cruzar uma rainha de uma linhagem com um zangão (ou seja, um macho) de outra e em seguida examinar o comportamento das operárias geradas. Foi isto que W. C. Rothenbuhler fez. Ele verificou que todas as colmeias híbridas de primeira geração eram não-higiênicas. O comportamento do progenitor higiênico parecia ter sido perdido, embora, como se verificou depois, os genes higiênicos ainda estivessem presentes, mas eram recessivos, como os genes humanos para olhos azuis. Quando Rothenbuhler cruzou "para trás" híbridos de primeira geração com uma linhagem higiênica pura (usando novamente, é claro, rainhas e zangões) ele obteve um belo resultado. As colmeias filhas enquadraram-se em três grupos. Um deles apresentou comportamento higiênico perfeito, outro não apresentou comportamento higiênico nenhum e o terceiro grupo ficou no meio termo. Este último grupo destampou as células de cera das larvas doentes, mas não prosseguiu jogando estas para fora. Rothenbuhler supôs que talvez hajam dois genes separados, um par para destampar e outro para jogar para fora. As linhagens higiênicas normais possuem ambos, as linhagens suscetíveis, em vez disto, possuem seus alelos (rivais). Os híbridos que ficaram no meio termo presumivelmente possuíam o gene para destampar (em dose dupla), mas não o gene para jogar para fora. Rothenbuhler supôs que seu grupo experimental de abelhas à primeira vista completamente não higiênicas talvez encobrisse um subgrupo possuindo o gene para lançar para fora, mas incapaz de revelá-lo porque faltava-lhes o gene para destampar. Ele confirmou isto elegantemente removendo ele próprio as tampas. Com efeito, metade das abelhas aparentemente não higiênicas, então, apresentaram o comportamento de jogar para fora perfeitamente normal. Esta história ilustra vários pontos importantes que surgiram no capítulo anterior. Ela mostra que pode ser perfeitamente apropriado falar de "um gene para tal comportamento", mesmo se não temos nenhuma ideia da cadeia química de causas embrionárias que levam do Muitos insetos comestíveis, como as borboletas do capítulo anterior, adquirem proteção mimetizando a aparência externa de outros insetos picadores ou de gosto desagradável. Nós próprios somos frequentemente enganados ao sermos levados a pensar que certas moscas listradas de amarelo e preto são vespas. Algumas moscas que mimetizam abelhas são ainda mais perfeitas em seu engodo. Os predadores mentem igualmente. O diabo-marinho espera pacientemente no fundo do mar, combinando bem com o substrato. A única parte conspícua é um pedaço de carne vermiforme que se contorce na extremidade de uma longa "vara de pescar", projetada do topo da cabeça. Quando um pequeno peixe se aproxima o diabo-marinho agita sua isca vermiforme em frente deste e atrai-o para a região de sua própria boca escondida. Subitamente ele abre suas mandíbulas e o pequeno peixe é sugado e comido. O diabo-marinho está mentindo, explorando a tendência do pequeno peixe de aproximar-se de objetos vermiformes que se contorcem. Ele está dizendo "aqui há um verme" e qualquer peixe pequeno que "acredite" na mentira é rapidamente comido. Algumas máquinas de sobrevivência exploram os desejos sexuais de outras. Certas orquídeas induzem abelhas a copular com suas flores, devido a grande semelhança destas com abelhas fêmeas. O que a orquídea tem a ganhar com este engano é polinização, pois uma abelha que é enganada por duas orquídeas acidentalmente levará pólen de uma para outra. Os vaga-lumes (os quais são, na realidade, besouros) atraem seus parceiros sexuais piscando- lhes luzes. Cada espécie possui seu próprio padrão de ponto e traço de lampejo, o qual evita confusão entre espécies e a consequente hibridização prejudicial. Da mesma forma como os marinheiros procuram os padrões de lampejo de faróis específicos, também os vaga-lumes buscam os padrões de lampejo codificado de sua própria espécie. As fêmeas do gênero Photuris "descobriram" que podem atrair machos do gênero Photinus se imitarem o código de lampejo de uma fêmea de Photinus. E é isto que fazem. Quando um macho de Photinus é enganado pela mentira e se aproxima é sumariamente comido pela fêmea de Photuris. As sereias e a Lorelei vêm à mente como analogias, mas os cornualeses preferirão pensar nos ladrões de navios naufragados de antigamente, os quais usavam lanternas para atrair os navios às rochas e então pilhavam a carga que se espalhava dos destroços. Quando quer que um sistema de comunicação se desenvolva, há sempre o perigo de que alguns o explorarão para seus próprios fins. Criados como fomos dentro da ideia de evolução do "bem da espécie", naturalmente imaginamos antes de mais nada que os mentirosos e enganadores pertencem a espécies diferentes: predadores, presas, parasitas e assim por diante. No entanto, devemos esperar que mentiras, enganos e exploração egoísta de comunicação apareçam quando quer que os interesses dos genes de indivíduos diferentes divirjam. Isto incluirá indivíduos da mesma espécie. Como veremos, devemos até mesmo esperar que filhos enganem seus pais, que maridos trapaceiem com as esposas e que irmão minta para irmão. Mesmo a crença de que os sinais de comunicação animal originalmente desenvolvem-se para promover o benefício comum e então, posteriormente, passam a ser explorados por grupos malévolos, é por demais simples. Talvez ocorra que toda a comunicação animal contenha um elemento de engano desde o começo, pois todas as interações animais envolvem pelo menos um certo conflito de interesses. O próximo capítulo introduz uma maneira vigorosa de pensar sobre conflitos de interesse de um ponto de vista evolutivo. 5 - AGRESSÃO: ESTABILIDADE E A MÁQUINA EGOÍSTA Este capítulo trata principalmente do tópico mulato mal compreendido da agressão. Continuaremos a considerar o indivíduo como uma máquina egoísta, programada para fazer o que for melhor para seus genes como um todo. Esta é a linguagem da conveniência. No final do capítulo voltaremos à linguagem dos genes isolados. Para uma máquina de sobrevivência outra máquina de sobrevivência (que não seja de própria prole ou outro parente próximo) é parte de seu ambiente, como uma rocha, um rio ou uma porção de alimento. É alguma coisa que a atrapalha ou que pode ser explorada. Difere de uma rocha ou de um rio em um aspecto importante: ela tem a tendência a reagir. Isto porque ela é também uma máquina que guarda seus genes imortais para o futuro e que igualmente não se deterá diante de nada a fim de preservá-los. A seleção natural favorece os genes que controlam suas máquinas de sobrevivência de tal forma que estas façam o melhor uso de seu ambiente. Isto inclui fazer o melhor uso de outras máquinas de sobrevivência, tanto da mesma espécie como de espécies diferentes. Em alguns casos as máquinas de sobrevivência parecem se influenciar muito pouco. As toupeiras e os melros, por exemplo, não se alimentam uns dos outros, não se acasalam e nem competem por espaço para viver. Mesmo assim não devemos tratá-los como se estivessem completamente isolados. É possível que compitam por alguma coisa, talvez minhocas. Isto não significa que você algum dia verá uma toupeira e um melro envolvidos num cabo-de-guerra, lutando por uma minhoca. De fato, um melro talvez nunca veja uma toupeira em toda sua vida. Mas, se você eliminasse a população de toupeiras, o efeito sobre os melros poderia ser dramático, embora eu não pudesse arriscar um palpite sobre como seriam os detalhes e nem por quais vias tortuosamente indiretas a influência poderia viajar. As máquinas de sobrevivência de espécies diferentes influenciam-se mutuamente de várias maneiras. Elas poderão ser predadores ou presas, parasitas ou hospedeiros, ou competir por algum recurso raro. Elas poderão ser exploradas de maneiras especiais, como por exemplo quando as abelhas são usadas pelas flores como carregadoras de pólen. As máquinas de sobrevivência da mesma espécie tendem a influenciar-se mutuamente de forma mais direta. Isto se deve a vários motivos. Um deles é que metade da população da própria espécie poderá ser constituída por parceiros sexuais em potencial e por pais potencialmente trabalhadores e exploráveis para a própria prole. Outro motivo é que os membros da mesma espécie, sendo muito semelhantes entre si e sendo máquinas para preservar genes do mesmo tipo de lugar, com o mesmo tipo de vida, são competidores particularmente diretos por todos os recursos necessários à sobrevivência. Uma toupeira poderá ser um competidor para um melro, mas não é tão importante quanto outro melro. Toupeiras e melros poderão competir por minhocas, mas os melros competem entre si por minhocas e tudo o mais. Se forem membros do mesmo sexo poderão competir também por parceiros sexuais. Por razões que veremos depois geralmente são os machos que competem uns com os outros pelas fêmeas. Isto significa que um macho poderá beneficiar seus próprios genes se fizer alguma coisa prejudicial a outro macho com o qual está competindo. A política lógica de uma máquina de sobrevivência, portanto, talvez pareça ser assassinar suas rivais e em seguida, de preferência, comê-los. Embora o assassinato e o canibalismo realmente ocorram na natureza, não são tão comuns quanto uma interpretação ingênua da teoria do gene egoísta poderia prever. Konrad Lorenz, de fato, em seu livro On Aggression3, enfatiza a natureza contida e cavalheiresca da luta entre os animais. Para ele o aspecto notável a respeito das lutas animais é que elas são torneios formais, realizados de acordo com regras como as de boxe ou esgrima. Os animais lutam com luvas nos punhos e lâminas sem corte. A ameaça e o blefe substituem a seriedade fatal. Os gestos de rendição são reconhecidos pelos vencedores os quais, então, abstêm-se de desferir o golpe ou dentada mortal que nossa teoria ingênua talvez previsse. Esta interpretação da agressão animal como sendo contida e formal é discutível. Especificamente, sem dúvida é errado condenar o pobre velho Homo sapiens como sendo a única espécie que mata seus próprios companheiros, a única herdeira da marca de Caim e acusações melodramáticas semelhantes. O fato de um naturalista enfatizar a violência ou a moderação da agressão animal depende, em parte, dos tipos de animais que ele está acostumado a observar e, em parte, de suas pressuposições evolutivas – Lorenz, afinal de contas, é um adepto do "bem da espécie". Mesmo que ela tenha sido exagerada, a concepção de "luvas nos punhos" das lutas animais parece encerrar pelo menos alguma coisa de verdadeiro. Superficialmente parece ser uma forma de altruísmo. A teoria do gene egoísta deve enfrentar corajosamente a tarefa difícil de explicá-la. Por que é que os animais não saem todos a matar membros rivais de sua espécie em todas as oportunidades possíveis? A resposta geral a isto é que há custos assim como benefícios resultantes da belicosidade pura e simples, além dos custos 6bvios em tempo e energia. Suponha, por exemplo, que B e C são ambos meus rivais e eu encontro B acidentalmente. Talvez pareça sensível eu tentar, como indivíduo egoísta, matá-lo. Mas espere um momento. C é tanto meu rival como de B. Matando B eu potencialmente estou favorecendo C pela remoção de um de seus rivais. Talvez fosse melhor deixar B viver, pois ele poderá então competir ou lutar com C e desta maneira indiretamente beneficiar-me. A moral deste exemplo hipotético simples é que não há mérito óbvio em tentar matar indiscriminadamente os rivais. Num sistema grande e complexo de rivalidades a remoção de um rival da cena não traz necessariamente nenhuma vantagem: outros rivais talvez tenham maior probabilidade de se beneficiarem com sua morte do que o próprio animal que o eliminou. Este é o tipo de lição desagradável que tem sido aprendida por agentes de controle de pragas. Tem-se uma praga importante da agricultura, descobrimos uma boa maneira de exterminá-la e alegremente o fazemos, para então descobrir que outra praga se beneficia com a exterminação ainda mais do que a agricultura humana e acabamos pior do que antes. Por outro lado, talvez pareça um bom plano matar certos rivais específicos, ou pelo menos lutar com eles, de uma maneira discriminada. Se B é um leão marinho de posse de um grande harém cheio de fêmeas e se eu, outro leão marinho, posso adquirir seu harém matando- o, talvez seja uma boa ideia tentar fazê-la. Mas há custo e riscos mesmo na belicosidade seletiva. É vantajoso para B contra-atacar e defender suas posses valiosas. Se eu começo uma luta tenho a mesma possibilidade que ele de acabar morto. E talvez tenha uma possibilidade ainda maior. Ele mantém posses valiosas, é por isso que quero lutar com ele. Mas por que as exemplo extremo, se o gene para gavião se difundir com tanto sucesso que toda a população passa a consistir de gaviões, todas as lutas agora seriam entre gaviões. As coisas então são bastante diferentes. Quando dois gaviões se encontram um deles é ferido seriamente, fazendo - 100 pontos, enquanto que o vencedor faz +50. Cada gavião em uma população pode esperar vencer metade de suas lutas e perder a outra metade. Seu resultado médio esperado por luta será, portanto, um valor intermediário entre +50 e -100, ou seja, -25. Agora imagine um único pombo em uma população de gaviões. Ele perde todas as lutas, sem dúvida, mas, por outro lado, nunca fica ferido. Seu resultado médio é zero em uma população de gaviões, enquanto que o resultado médio de um gavião numa mesma população é -25. Os genes de pombos, portanto, tenderão a se espalhar pela população. Pela maneira como contei a história parece que haverá uma oscilação contínua na população. Os genes de gavião aumentarão rapidamente. Então, como consequência dos gaviões estarem em maioria, os genes de pombo novamente terão vantagem e aumentarão em número até que de novo os genes de gavião comecem a prosperar, e assim por diante. Não é necessário, no entanto. que se dê uma oscilação como esta. Há uma proporção estável entre gaviões e pombos. Para o sistema de pontos arbitrários em particular que estamos usando a proporção estável, se você fizer as contas, será 5/12 pombos para 7/12 gaviões. Quando esta proporção estável for atingida o resultado médio para gaviões será exatamente igual ao resultado médio para pombos. A seleção, portanto, não favorecerá nenhum deles em relação ao outro. Se o número de gaviões na população começasse a se deslocar para cima de tal forma que a proporção não mais fosse 7/12, os pombos começariam a obter uma vantagem extra e a proporção oscilaria de volta para o estado estável. Da mesma maneira como verificaremos que a proporção estável de sexo é 50 : 50, também a proporção estável de gavião para pombo neste exemplo hipotético é 7 : 5. Em qualquer um dos casos, se há oscilações ao redor do ponto estável, elas não precisam ser muito grandes. Superficialmente isto parece-se um pouco com seleção de grupo, mas na realidade nada tem a ver com ela. Parece-se com seleção de grupo porque permite-nos imaginar que uma população possua um equilíbrio estável ao qual tende a retornar quando perturbada. A EEE, porém, é um conceito muito mais sutil do que a seleção de grupo. Ela nada tem a ver com o fato de alguns grupos serem mais bem sucedidos do que outros. Isto pode ser bem ilustrado usando-se o sistema de pontos arbitrários de nosso exemplo hipotético. O resultado médio para um indivíduo em uma população estável consistindo de 7/12 gaviões e 5/12 pombos será 6 1/4. Isto vale independentemente do fato do indivíduo ser um gavião ou um pombo. Porém, 6 1/4 é muito menos do que o resultado médio para um pombo em uma população de pombos (15). Se ao menos todos concordassem em ser um pombo, cada indivíduo isoladamente se beneficiaria. Pela seleção de grupo simples qualquer grupo no qual todos os indivíduos concordassem mutuamente em ser pombos seria muito mais bem sucedido do que um grupo rival que permanecesse na proporção da EEE. (Na realidade uma conspiração de pombos apenas não é exatamente o grupo mais bem sucedido possível. Em um grupo consistindo de 1/6 de gaviões e 5/6 de pombos, o resultado médio por disputa é 16 2/3. Esta é a conspiração mais bem sucedida possível, mas para os nossos objetivos podemos ignorá-la. Uma conspiração mais simples, constituída somente por pombos, com seu resultado médio de 15 para cada indivíduo, é muito melhor para cada indivíduo isoladamente do que seria a EEE). A teoria da seleção de grupo, portanto, prediria uma tendência à evolução em direção a uma conspiração constituída somente de pombos, já que um grupo que contivesse uma proporção de 7/12 de gaviões seria menos bem sucedido. O problema com as conspirações, porém, é que elas estão sujeitas ao abuso, mesmo aquelas que a longo prazo são vantajosas para todos. É verdade que todos se saem melhor num grupo só de pombos do que num grupo na EEE. Infelizmente, porém, em conspirações de pombos um único gavião se sai tão excepcionalmente bem que nada poderia frear a evolução de gaviões. A conspiração, portanto, está fadada a ser destruída de dentro por traição. Uma EEE não é estável porque é particularmente boa para os indivíduos que nela participam, mas simplesmente porque é imune à traição interna. É possível aos seres humanos associarem-se em pactos ou conspirações que sejam vantajosos para todos, mesmo que não sejam estáveis no sentido da EEE. Mas isto é possível apenas porque cada indivíduo utiliza sua capacidade de previsão consciente e é capaz de ver que é de seu próprio interesse a longo prazo obedecer as regras do pacto. Mesmo nos pactos humanos há o perigo constante de que os indivíduos poderão ganhar tanto a curto prazo quebrando o pacto que a tentação de fazê-la será irresistível. Talvez o melhor exemplo disto seja a fixação de preços. É do interesse a longo prazo de todos os donos de postos de gasolina padronizar o preço desta num valor qualquer artificialmente alto. Conluios para controle de preços, baseados na estimativa consciente dos melhores interesses a longo prazo, podem sobreviver por períodos bastante longos. De vez em quando, no entanto, um indivíduo cede à tentação de obter sucesso financeiro rápido baixando seus preços. Seus vizinhos imediatamente seguem seu exemplo e uma onda de abaixamento nos preços se espalha pelo país. Infelizmente para nós, a previsão consciente dos donos dos postos então se afirma novamente e eles estabelecem novo pacto de fixação de preços. Assim, mesmo no homem, uma espécie com o dom da previsão consciente, os pactos ou conspirações baseados nos melhores interesses a longo prazo balançam constantemente à beira do colapso devido a traição interna. Nos animais selvagens, controlados pelos genes em luta, é ainda mais difícil vislumbrar maneiras pelas quais benefícios de grupo ou estratégias de conspiração poderiam de alguma forma evoluir. Devemos esperar encontrar estratégias evolutivamente estáveis em toda parte. Em nosso exemplo hipotético adotamos a suposição simples de que cabida indivíduo era ou um gavião ou um pombo. Obtivemos no final uma proporção evolutivamente estável entre gaviões e pombos. Na prática o que isto significa é que uma proporção estável entre genes de gavião e genes de pombo seria alcançada no "poo1". O termo técnico de Genética para este estado é polimorfismo estável. Do ponto de vista matemático uma EEE exatamente equivalente pode ser conseguida sem polimorfismo da seguinte maneira. Se cada indivíduo for capaz de se comportar ou como um gavião ou como um pombo em cada disputa em particular, pode-se conseguir uma EEE na qual todos os indivíduos têm a mesma probabilidade de se comportar como um gavião, ou seja, 7/12 em nosso exemplo específico. Na prática isto significaria que cada indivíduo entra nas disputas tendo feito uma decisão ao acaso sobre como se comportar nesta ocasião, como gavião ou como pombo. A decisão é ao acaso, mas com uma tendência de 7 : 5 em favor de gavião. É muito importante que as decisões, embora tendendo em favor de gavião, sejam ao acaso no sentido de que um rival não tenha possibilidade de adivinhar como seu oponente se comportará em qualquer disputa específica. Não adianta, por exemplo, se comportar como gavião durante sete lutas em seguida e então como pombo durante cinco lutas, e assim por diante. Se qualquer indivíduo adotasse uma sequência simples deste tipo seus rivais logo compreenderiam e aproveitariam. O modo de tirar vantagem de um estrategista de sequência simples é comportar-se como gavião contra ele apenas quando se sabe que ele se comportará como pombo. A história do gavião e do pombo, é claro, é ingenuamente simples. É um "modelo", uma coisa que na realidade não ocorre na natureza, mas que nos ajuda a compreender coisas que efetivamente ocorrem. Os modelos podem ser muito simples, como este, e mesmo assim serem úteis para entender um assunto ou ter ideias. Os modelos simples podem ser elaborados e tornados gradualmente mais complexos. Se tudo sair bem, a medida que se tornam mais complexos passam a assemelhar-se mais ao mundo real. Uma maneira pela qual podemos começar a desenvolver o modelo do gavião e do pombo é introduzir mais algumas estratégias. Gaviões e pombos não são as únicas possibilidades. Uma estratégia mais complexa que Maynard Smith e Price introduziram é chamada Retaliador. Um retaliador atua como um pombo no começo de cada luta. Isto é, ele não arma um ataque selvagem completo como um gavião, mas realiza a disputa de ameaças convencional. Se seu oponente o ataca, entretanto, ele retalia. Em outras palavras, um retaliador se comporta como um gavião quando é atacado por um gavião e como um pombo quando encontra um pombo. Quando encontra outro retaliador age como um pombo. O retaliador é um estrategista condicional. Seu comportamento depende daquele de seu oponente. Outro estrategista condicional é chamado Fanfarrão. Um fanfarrão comporta-se como um gavião até que alguém contra-ataque. Ele então foge imediatamente. Ainda outro estrategista condicional é o Retaliador-testador. O retaliador-testador é basicamente igual a um retaliador mas ocasionalmente tenta uma escalada experimental rápida da disputa. Ele persiste em seu comportamento semelhante ao do gavião se seu oponente não contra-atacar. Por outro lado, se seu oponente contra-atacar, ele volta à ameaça convencional como um pombo. Se ele for atacado retaliará exatamente como um retaliador normal. Se todas as cinco estratégias que mencionei forem deixadas interagir umas com as outras numa simulação de computador. apenas uma delas, o retaliador, emerge como sendo evolutivamente estável. O retaliador-testador é quase estável. O pombo não é estável, pois uma população deste tipo seria invadida por gaviões e fanfarrões. O gavião não é estável porque a população seria invadida por pombos e fanfarrões. O fanfarrão, igualmente, não é estável, pois a população seria invadida por gaviões. Em uma população de retaliadores nenhuma outra estratégia invadiria, uma vez que não há nenhuma outra que seja mais bem sucedida do que ela própria. O pombo, no entanto, se sai igualmente bem em uma população de retaliadores. Isto significa que outras coisas mantendo-se constantes. o número de pombos poderia elevar-se vagarosamente. Se o número de pombos se elevasse significativamente, os retaliadores-testadores (e, a propósito, os gaviões e os fanfarrões) começariam a ter vantagem, pois eles saem-se melhor contra os pombos do que os retaliadores. O próprio retaliador-testador, diferentemente do gavião e do fanfarrão, é quase uma EEE, no sentido de que numa população de retaliadores-testadores apenas uma outra estratégia, a de retaliador, é mais bem sucedida, e assim mesmo apenas fracamente. Poderemos esperar, portanto, que uma mistura de retaliadores e retaliadores-testadores predominasse, talvez até com uma pequena oscilação entre os dois, associada a uma oscilação no tamanho de pequena minoria de pombos. Novamente, não é preciso pensar em termos de um polimorfismo no qual cada indivíduo sempre desempenha uma estratégia ou outra. Cada indivíduo poderia desempenhar resultante? É quase certo que sim. Parece haver três tipos de assimetria. O primeiro acabamos de encontrar: os indivíduos podem diferir em tamanho ou equipamento de luta. Em segundo lugar eles podem diferir no quanto têm a ganhar com a vit6ria. Um macho velho, por exemplo, o qual de qualquer forma não tem muito mais para viver, poderá ter menos a perder se for ferido do que um macho jovem com a maior parte de sua vida reprodutiva à frente. Em terceiro lugar, constitui uma estranha consequência da teoria o fato de uma assimetria puramente arbitrária, aparentemente irrelevante, poder originar uma EEE, já que pode ser usada para decidir disputas rapidamente. Por exemplo, geralmente acontecerá que um dos contendores chega no local da disputa mais cedo do que o outro. Chame-os de "residente" e "intruso", respectivamente. Para efeito de discussão estou supondo que não haja vantagem geral em se ser residente ou um intruso. Como veremos, existem razões práticas pelas quais esta suposição provavelmente não é verdadeira, mas isto não importa. O que importa é que mesmo se não houvesse nenhuma razão geral para assumir que os residentes têm vantagem em relação aos intrusos, u>ria EEE dependente da própria assimetria provavelmente evoluiria. Uma analogia simples é com os seres humanos que decidem uma disputa rapidamente e sem alarde lançando uma moeda. A estratégia condicional, "se você for o residente ataque, se for o intruso retire-se," poderia ser uma EEE. Como supõe-se que a assimetria é arbitrária, a estratégia oposta, "se residente retire-se, se intruso ataque" também poderia ser estável. Qual das duas EEE é adotada em uma determinada população dependeria de qual delas atinge primeiro a maioria. Assim que a maioria dos indivíduos estiver adotando uma dessas duas estratégias condicionais aqueles que se desviarem dela são punidos. Consequentemente, ela é, por definição, uma EEE. Suponha, por exemplo, que todos os indivíduos adotem a estratégia "residente vence, intruso foge". Isto significa que eles vencerão metade de suas lutas e perderão a outra metade. Nunca serão feridos e nunca perderão tempo, já que todas as disputas são imediatamente resolvidas pela convenção arbitrária. Agora imagine um rebelde mutante novo. Suponha que ele adote uma estratégia de gavião puro, sempre atacando e nunca se retirando. Ele vencera quando seu oponente for um intruso. quando este for um residente ele correrá um sério risco de ferimento. Em média ele terá um resultado menor do que os indivíduos que atuam de acordo com as regras arbitrárias da EEE. Um rebelde que tente a convenção inversa, "se residente fuja, se intruso ataque", se sairá ainda pior. Ele não apenas será frequentemente ferido, como também raramente ganhará uma disputa. Suponha, no entanto, que por meio de alguns acontecimentos acidentais os indivíduos que adotam esta convenção contrária conseguissem se tornar a maioria. Neste caso sua estratégia tornar-se-ia, então, a norma estável e desvios dela seriam punidos. Pode-se imaginar que se observássemos uma população durante muitas gerações veríamos uma série de viragens ocasionais de um estado estável para outro. Na vida real, no entanto, assimetrias verdadeiramente arbitrárias provavelmente não existem. Por exemplo, os residentes provavelmente têm a tendência a ter vantagem prática sobre os intrusos. Eles têm um conhecimento melhor do terreno local. Um intruso talvez tenha maior probabilidade de estar sem fôlego porque ele locomoveu-se para a área da batalha, enquanto o residente estava lá todo o tempo. Existe uma razão mais abstrata pela qual, entre os dois estados estáveis, o do tipo "residente vence, intruso se afasta" é mais provável na natureza. Esta razão é que a estratégia inversa "intruso vence, residente se afasta" possui uma tendência intrínseca à autodestruição – é o que Maynard Smith chamaria de uma estratégia paradoxal. Em qualquer população mantendo-se nesta EEE paradoxal os indivíduos sempre estariam se esforçando por nunca serem pegos como residentes: sempre estariam tentando ser o intruso em qualquer encontro. Eles só conseguiriam isto através de uma movimentação incessante e, a não ser por este motivo, despropositada! Independentemente dos custos em tempo e energia nos quais se incorreria, esta tendência evolutiva por si tenderia a levar a categoria "residente" a desaparecer. Numa população mantendo-se no outro estado estável, "residente vence, intruso retira-se", a seleção natural favoreceria os indivíduos que se esforçassem por ser residentes. Para cada indivíduo isto significaria agarrar-se a uma determinada porção do terreno, abandonando-a o menos possível e dando a impressão de "defendê-la". Como é bem conhecido agora, tal comportamento é observado comumente na natureza e recebe o nome de "defesa de território". A demonstração mais clara que conheço deste tipo de assimetria comportamental foi fornecida pelo grande etólogo Niko Tinbergen, em um experimento de simplicidade caracteristicamente engenhosa. Ele possuía um aquário contendo dois machos de Gasterosteus aculeatus. Cada um dos machos havia construído um ninho nas extremidades opostas do aquário e cada um deles "defendia" o territ6rio ao redor de seu próprio ninho. Tinbergen colocou cada um dos machos em um grande tubo de ensaio de vidro, mantendo os dois tubos próximos, e observou os machos tentando lutar através do vidro. Vem agora o resultado interessante. Quando ele levou os dois tubos para próximo do ninho do macho A, este último assumiu uma postura de ataque e o macho B tentou retirar-se. Mas quando ele levou os dois tubos para o território de B os papéis se inverteram. Tinbergen foi capaz de impor qual macho atacava e qual macho afastava-se simplesmente movendo os dois tubos de uma extremidade a outra do aquário. Ambos os machos estavam, evidentemente, atuando segundo a estratégia condicional simples: "se residente ataque, se intruso afaste-se". Os biologistas frequentemente perguntam quais são as "vantagens" biológicas do comportamento territorial. Numerosas sugestões têm sido feitas, algumas das quais serão mencionadas mais tarde. Mas podemos ver aguçara que talvez a própria pergunta seja supérflua. A "defesa" territorial talvez seja simplesmente uma EEE que origina-se devido à assimetria no tempo de chegada, a qual geralmente caracteriza a relação entre dois indivíduos e uma porção do terreno. Presumivelmente o tipo mais importante de assimetria não-arbitrária é no tamanho e na habilidade geral para a luta. O tamanho grande nem sempre é necessariamente a qualidade mais importante exigida para se vencer lutas, mas é provavelmente uma delas. Se o maior entre dois lutadores sempre vence e se cada indivíduo sabe com certeza se ele é maior ou menor do que seu oponente, apenas uma estratégia tem sentido: "se seu oponente for maior do que você, fuja. Provoque brigas com indivíduos menores." As coisas são um pouco mais complicadas se a importância do tamanho for menos evidente. Se um tamanho grande confere apenas uma pequena vantagem, a estratégia que acabei de mencionar ainda será estável. Mas se o risco de ferimento for sério talvez haja também uma segunda estratégia, uma "estratégia paradoxal". Esta será: "Provoque brigas com indivíduos maiores do que você e fuja de indivíduos menores"! É óbvio porque esta estratégia é chamada de paradoxal. Ela parece ser completamente aposta ao bom senso. A razão porque ela pode ser estável é a seguinte. Numa população consistindo inteiramente de estrategistas parataxais ninguém jamais fica ferido. Isto porque em todas as disputas um dos participantes, o maior, sempre foge. Um mutante de tamanho médio que age segundo a estratégia "sensata" de perseguir oponentes menores fica envolvido numa luta seriamente intensificada com metade dos indivíduos que encontra. E isto porque se ele encontra alguém menor, ele ataca; o indivíduo menor contra-ataca ferozmente, pois ele está agindo paradoxalmente. Embora o estrategista sensato tenha maior probabilidade de vencer do que o paradoxal, assim mesmo corre um risco razoável de perder e de ser seriamente ferido. Como a maioria da população é paradoxal, um estrategista sensato terá maior probabilidade de ser ferido do que qualquer estrategista paradoxal. Embora a estratégia paradoxal possa ser estável, ela provavelmente tem interesse apenas acadêmico. Os lutadores paradoxais só terão um resultado médio mais alto se excederem em número de muito os sensatos. Para começar, é difícil imaginar como este estado de coisas poderia jamais se originar. Mesmo se ele se originasse basta que a proporção entre sensatos e paradoxais na população desloque-se um pouco em direção ao lado sensato para que alcance a "zona de atração" da outra EEE, a sensata. A zona de atração é o conjunto de proporções da população nas quais, neste caso, os estrategistas sensatos têm vantagem: quando uma população alcança esta zona ela é inevitavelmente puxada em direção ao ponto sensato estável. Seria emocionante encontrar um exemplo de uma EEE paradoxal na natureza, mas tenho dúvida se realmente podemos esperar fazê-la. (Falei cedo demais. Após ter escrito esta última sentença o professor Maynard Smith chamou minha atenção para a seguinte descrição, feita por J. W. Burgess, do comportamento da aranha social do México Oecobius civitas: "Se uma aranha é perturbada e expulsa de seu refúgio ela corre pela rocha e, na ausência de uma fenda vaga na qual se esconder, poderá procurar abrigo no esconderijo de outra aranha da mesma espécie. Se a outra aranha aí estiver habitando quando a intrusa entra, ela não ataca mas corre para fora e procura um novo abrigo próprio. Assim, depois que a primeira aranha é perturbada, o processo de deslocamento sequencial de teia para teia poderá continuar durante vários segundos, frequentemente fazendo com que a maioria das aranhas no agregado mudem de seu próprio refúgio para outro" "Social Spiders", Scientific American, março de 1976). Esta estratégia é paradoxal no sentido da página 97. E se os indivíduos retiverem alguma lembrança do resultado de lutas passadas? Isto depende de se a mem6ria é específica ou geral. Os grilos têm uma mem6ria geral sobre o que aconteceu em lutas passadas. Um grilo que tenha vencido um grande número de lutas recentemente, exibirá comportamento mais semelhante ao de gaviões. E um grilo que recentemente teve um período de azar comporta-se mais como um pombo. Isto foi claramente demonstrado por R. D. Alexander, Ele utilizou modelos de grilos para surrar os grilos verdadeiros. Após este tratamento estes últimos passaram a ter maior probabilidade de perder as lutas contra outros grilos reais. Pode-se imaginar que cada grilo constantemente atualiza sua própria estimativa de sua habilidade de luta relativamente àquela de um indivíduo médio da população. Se animais tais amo os grilos, que funcionam com uma lembrança geral de lutas passadas, forem mantidos em um grupo fechado durante algum tempo, um tipo de hierarquia de dominância provavelmente se desenvolverá. Um observador poderá colocar os indivíduos em ordem. Aqueles mais em baixo na ordem tendem a ceder àqueles mais acima. Não há necessidade de supor que os indivíduos reconhecem-se mutuamente. O que acontece é que aqueles acostumados a vencer logram uma probabilidade ainda maior de vencer, enquanto carnívora. É possível imaginar que uma combinação compatível de genes seja selecionada em conjunto como uma unidade. No caso do exemplo do mimetismo da borboleta do Capítulo 3 isto parece ser exatamente o que aconteceu. A força do conceito de EEE, porém, é que ele pode agora nos permitir ver como û mesmo tipo de resultado poderia ser conseguido por seleção unicamente ao nível do gene independente. Os genes não precisam estar ligados no mesmo cromossomo. A analogia dos remadores na realidade não está aparelhada para explicar esta ideia. O mais próximo que podemos chegar é o seguinte. Suponha que seja importante numa equipe realmente bem sucedida que os remadores coordenem suas atividades oralmente. Suponha ainda que no "fundo" de remadores à disposição do treinador alguns falem apenas inglês e outros apenas alemão. Os ingleses não são remadores consistentemente melhores ou piores do que os alemães. Mas, devido a importância da comunicação, uma equipe mista tenderá a vencer menos competições do que quer uma equipe inteiramente inglesa quer uma inteiramente alemã. O treinador não percebe isto. Tudo o que ele faz é misturar seus homens, dando pontos positivos para os indivíduos de barcos vencedores e pontos negativos para aqueles de barcos que perdem. Então, se o "fundo" disponível a ele por acaso for dominado por ingleses, segue- se que qualquer alemão que fique no barco provavelmente fará com que ele perca, pois a comunicação falhará. Inversamente, se o "fundo" fosse dominado por alemães, um inglês tenderia a fazer com que qualquer barco no qual ele se encontrasse perdesse. O que emergirá como a melhor equipe total será um dos dois estados estáveis – puramente de ingleses ou puramente de alemães, mas não misto. Parece, superficialmente, que o treinador está selecionando grupos linguísticos inteiros . como unidades. Isto não é o que ele está fazendo. Ele está selecionando regadores individuais segundo sua aparente habilidade para vencer competições. Apenas acontece que a tendência de um indivíduo vencer competições depende de que outros indivíduos estão presentes no "fundo" de candidatos. Os candidatos em minoria são automaticamente punidos, não porque sejam maus remadores, mas simplesmente porque são candidatos em minoria. Da mesma forma, o fato dos genes serem selecionados pela compatibilidade mútua não significa necessariamente que tenhamos que imaginar que os grupos de genes são selecionados como unidades, como o eram no caso das borboletas. A seleção ao nível baixo do gene isolado pode dar a impressão de seleção a um nível mais elevado. Neste exemplo a seleção favorece a conformidade simples. Um aspecto mais interessante é que os genes podem ser selecionados porque complementam-se mutuamente. Em termos da analogia, suponha que uma equipe idealmente equilibrada consistisse de quatro destros e quatro canhotos. Suponha novamente que o treinador, sem perceber este fato, seleciona cegamente segundo o "mérito". Se, então, o "fundo" de candidatos for dominado por destros, qualquer canhoto individual tenderá a ter vantagem: provavelmente fará com que qualquer barco em que se encontre vença e portanto parecerá ser um bom remador. Inversamente, em um "fundo" dominado por canhotos, um destro teria vantagem. Isto é semelhante ao caso de um gavião saindo-se bem em uma população de pombos e um pombo saindo-se bem em uma população de gaviões. A diferença é que aí estávamos falando de interações entre corpos individuais – máquinas egoístas – enquanto que aqui estamos falando, por analogia, de interações entre genes dentro de corpos. No final, a seleção cega de remadores "bons" feita pelo treinador conduzirá a uma equipe ideal consistindo de quatro canhotos e quatro destros. Parecerá que ele os selecionou todos juntos, como uma unidade completa e equilibrada. Acho mais econômico imaginá-lo selecionando a um nível mais baixo, o nível dos candidatos independentes. O estado evolutivamente estável ("estratégia" é enganador neste contexto) de quatro canhotos e quatro destros emergirá simplesmente como uma consequência da seleção a nível baixo baseada no mérito aparente. O "fundo" de genes é o ambiente a longo prazo do gene. Os genes "bons" são selecionados cegamente como sendo aqueles que sobrevivem no "fundo". Isto não é uma teoria e nem mesmo um fato observado: é uma tautologia. A pergunta interessante é o que torna um gene bom. Como uma primeira aproximação eu disse que o que toma um gene bom é a habilidade para construir máquinas de sobrevivência eficientes – corpos. Precisamos agora melhorar esta afirmação. O "fundo" de genes tomar-se-á um conjunto evolutivamente estável de genes, definido como um "fundo" que não pode ser invadido por qualquer gene novo. A maioria dos genes novos que surgem, quer por mutação, rearranjo ou imigração, é rapidamente punida por seleção natural: o conjunto evolutivamente estável é restaurado. Ocasionalmente um gene novo efetivamente consegue invadir o conjunto: consegue difundir-se pelo "fundo". Há um período transitório de instabilidade terminando num novo conjunto evolutivamente estável – um pouco de evolução ocorreu. Por analogia com as estratégias de agressão, uma população poderá ter mais de um ponto estável alternativo e poderá ocasionalmente passar de um para o outro. A evolução progressiva poderá não ser tanto uma escalada regular quanto uma crie de passos discretos de um platô estável para outro. Talvez pareça que a população como um todo está se comportando como uma única unidade autorreguladora. Mas esta ilusão é produzida pelo fato da seleção ocorrer ao nível do gene isolado. Os genes são selecionados por "mérito". Mas este é julgado com base na performance contra o pano de fundo do conjunto evolutivamente estável que é o "fundo" atual de genes. Concentrando-se nas interações agressivas entre indivíduos totais Maynard Smith foi capaz de tornar as coisas muito claras. É fácil pensar em proporções estáveis de corpos de gavião e de pombo porque os corpos são coisas grandes as quais podemos ver. Mas tais interações entre genes localizados em corpos diferentes são apenas a extremidade do "iceberg". A grande maioria das interações significativas entre genes no conjunto evolutivamente estável – o "fundo" – dá-se dentro dos corpos individuais. Estas interações são difíceis de serem vistas, pois ocorrem dentro das células, especialmente nas células dos embriões em desenvolvimento. Corpos bem integrados existem porque são o produto de um conjunto evolutivamente estável de genes egoístas. Devo voltar, porém, ao nível de interações entre animais totais que é o tema principal deste livro. Para compreender a agressão foi conveniente tratar os animais individuais como máquinas egoístas independentes. Este modelo falha quando os indivíduos em questão são parentes próximos – irmãos e irmãs, primos, pais e filhos. Isto ocorre porque os parentes compartilham uma porção substancial de seus genes. Cada gene egoísta, portanto, tem sua lealdade dividida entre corpos diferentes. Isto está explicado no próximo capítulo. 6 - MANIPULANDO OS GENES O que é o gene egoísta? Não é apenas um fragmento físico único de DNA. Assim como no caldo primordial, ele é todas as réplicas de um fragmento específico de DNA, distribuído por todo o mundo. Se nos permitirmos falar sobre os genes como se tivessem objetivos conscientes, sempre nos certificando de podermos traduzir nossa linguagem descuidada para termos respeitáveis, se assim quiséssemos, poderíamos perguntar: o que um gene egoísta isolado tenta fazer? Ele tenta tornar-se mais numeroso no "fundo" de genes. Basicamente ele o faz ajudando a programar os corpos nos quais se encontra, de modo que sobrevivam e se reproduzam. Agora, porém, estamos enfatizando que "ele" é um agente distribuído, existindo em muitos indivíduos diferentes ao mesmo tempo. O ponto chave deste capítulo é que um gene poderá ser capaz de auxiliar réplicas de si próprio localizadas em outros corpos. Se isso ocorrer, parecerá altruísmo individual, mas realizado pelo egoísmo dos genes. Imagine o gene para albinismo no homem. Na realidade existem vários genes que podem originar o albinismo, mas refiro-me apenas a um deles. Este gene é recessivo, isto é, deve estar presente em dose dupla para que uma pessoa seja albina. Isto ocorre aproximadamente em 1 indivíduo para cada 20 000. Mas o gene também está presente em dose única em cerca de 1 indivíduo para cada 70; estas pessoas não são albinas. Como ele está distribuído por muitos indivíduos, um gene tal como esse para o albinismo poderia, teoricamente, auxiliar sua própria sobrevivência no "fundo", programando seus corpos de modo que se comportem altruisticamente em relação a outros corpos albinos, uma vez que sabe-se que estes contêm o mesmo gene. O gene para albinismo deveria ficar satisfeito se alguns dos corpos que habita morressem, desde que ao fazê-la, ajudassem outros corpos, contendo o mesmo gene, a sobreviver. Se o gene para albinismo pudesse fazer com que um de seus corpos salvasse as vidas de dez corpos albinos, então mesmo a morte do altruísta seria amplamente compensada pelo número aumentado de genes para albinismo no "fundo". Deveríamos então esperar que os albinos fossem especialmente gentis uns com os outros? A resposta, na realidade, é provavelmente não. A fim de entender por que não, devemos abandonar temporariamente nossa metáfora do gene como um agente consciente, pois neste contexto ela torna-se, sem dúvida, enganadora. Devemos voltar novamente para termos respeitáveis, embora mais enfadonhos. Os genes para albinismo, na realidade, não "querem" sobreviver ou auxiliar outros genes para albinismo, Mas, se acontecesse que o gene para albinismo fizesse seus corpos comportarem-se altruisticamente em relação a outros albinos, automaticamente, quer queira quer não, ele tenderia a tornar-se, em consequência, mais numeroso no "fundo". Para que isto ocorra, porém, o gene teria que ter dois efeitos independentes sobre os corpos. Ele não deve apenas conferir seu efeito normal de tez muito pálida; deve também conferir uma tendência a ser seletivamente altruísta em relação a indivíduos com tez pálida. Um gene de efeito duplo como este, se ele existisse, poderia ser muito bem sucedido na população. É bem verdade que os genes têm efeitos múltiplos, como enfatizei no Capítulo 3. É teoricamente possível que pudesse surgir um gene, o qual conferisse um "rótulo" visível bisneto, então o próprio A será o "antepassado em comum" que estamos procurando. Tendo localizado o antepassado (ou antepassados) em comum de A e B, determine a distância de geração da seguinte maneira. Começando em A, suba a árvore genealógica até atingir um antepassado em comum; em seguida desça novamente até B. O número total de degraus para cima a depois para baixo é a distância de geração. Se A é o do de B, por exemplo, a distância de geração é 3. O antepassado em comum é pai de A (suponha) a avó de B. Começando em A você deve subir uma geração a fim de atingir o antepassado em comum. Então, para descer até B você deve passar duas gerações do outro lado. A distância de geração, portanto, será 1 + 2 = 3. Tendo encontrado a distância de geração entre A e B através de um antepassado em comum específico, calcule a porção de seu parentesco pela qual o antepassado é responsável. Para fazer isto multiplique 1/2 por ele mesmo uma vez para cada degrau da distância de geração. Se esta for 3, isto significará calcular 1/2 x 1/2 x 1/2, ou seja, (1/2)3. Se a distância de geração através de determinado antepassado é igual a g degraus, a porção do parentesco devida àquele antepassado será (1 /2)g. Mas isto é apenas parte do parentesco entre A e B. Se eles tiverem mais de um antepassado em comum teremos que acrescentar o número equivalente para cada antepassado. Geralmente ocorre que a distância de geração é a mesma para todos os antepassados em comum de um par de indivíduos. Tendo determinado o parentesco entre A e B devido a cada um dos antepassados, portanto, na prática você terá apenas que multiplicá-lo pelo número de antepassados. Primos coirmãos, por exemplo, têm dois antepassados em comum e a distância de geração através de cada um é 4. Seu parentesco, portanto, é 2 x (1/2)4 = 1/8. Se A for bisneto de B, a distância de geração será 3 e o número de "antepassados" em comum será 1 (o próprio B), de modo que o parentesco será 1 x (1/2)3 = 1/8. Do ponto de vista genético seu primo coirmão é equivalente a um bisneto. Da mesma forma, você tem a mesma probabilidade de "puxar" a seu do (parentesco = 2 x (1/2)3 = 1/4) do que seu avô (parentesco = 1 x (1/2)2 = 1/4). Para parentescos distantes como primos de terceiro grau (2 x (1/2)8 = 1/128) nos aproximamos da probabilidade básica de um gene qualquer apresentado por A ser compartilhado por um indivíduo tomado aleatoriamente da população. Um prime de terceiro grau não é muito diferente de qualquer João, José ou Antônio no que se refere a um gene altruísta. Um prime de segundo grau (parentesco = 1 /32) é apenas um pouco especial; um prime coirmão já o é bastante mais (1/8). Irmãos legítimos, e pais e filhos são muito especiais (1/2); a gêmeos idênticos (parentesco = 1) são tão especiais quarto o próprio indivíduo. Tios a tias, sobrinhos, avôs a avós, e meio irmãos e irmãs são intermediários com um parentesco de 1/4. Estamos agora prontos para falar com mais precisão de genes para altruísmo de parentesco. Um gene para o salvamento suicida de cinco primes não se tornaria mais numeroso na população, mas um gene para o salvamento de cinco irmãos ou dez primes coirmãos realmente se tornaria. O requisite mínimo para que um gene altruísta suicide seja bem sucedido é que salve mais de dois irmãos (ou filhos, ou pais), mais de quatro meio irmãos (ou tios, tias, sobrinhos, avós, ou netos), mais de oito primes coirmãos, etc. Este gene, em média, tenderá a manter-se nos corpos de um número suficiente de indivíduos salvos pelo altruísta para compensar sue própria morte. Se um indivíduo pudesse ter certeza de que determinada pessoa é seu gêmeo idêntico, deveria preocupar-se canto pelo bem-estar dente último quarto pelo seu próprio. Qualquer gene para altruísmo entre gêmeos necessariamente estará presente em ambos, de modo que se um deles morre heroicamente para salvar o outro, o gene sobrevive. O taco-galinha nasce em ninhadas de quádruplos idênticos. Pelo que eu saiba nenhuma façanha de sacrifício próprio foi observada em tacos jovens, mas foi indicado que deve-se definitivamente esperar um altruísmo marcante: valeria a pena alguém examinar o assunto quando estivesse na América do Sul. Podemos agora entender que o cuidado com a prole é apenas um case especial de altruísmo para com parentes. Do ponto de vista genético um adulto deveria devotar tanto cuidado a atenção a seu irmão pequeno órfão quarto a um de seus próprios filhos. Seu parentesco com ambas as crianças é exatamente o mesmo, 1/2. Em termos de seleção de genes, um gene para comportamento altruísta da irmã mais velha deveria ter a mesma probabilidade de espalhar-se pela população quarto um gene para altruísmo dos pais. Isto, na prática, é uma simplificação excessiva por várias razões que examinaremos mais tarde; o cuidado fraterno não é, de forma alguma, tão comum na natureza quarto o cuidado com a prole. Mas o que quem mostrar aqui é que não há nada especial, do ponto de vista genético, a respeito do relacionamento pais/filhos, em comparação ao relacionamento irmão/irmã. O fato dos pais efetivamente transmitirem genes aos filhos mas as irmãs não transmitirem-nos umas às outras é irrelevante, uma vez que ambas as irmãs recebem réplicas idênticas dos mesmos genes, dos mesmos pais. Algumas pessoas usam o termo Seleção de parentesco para diferenciar este tipo de seleção natural da seleção de grupo (sobrevivência diferencial de grupos) a da seleção individual (sobrevivência diferencial de indivíduos). A seleção de parentesco é responsável pelo altruísmo dentro da família; quarto mais próximo o parentesco, mais forte a seleção. Nada há de errado com este termo, mas infelizmente talvez ele tenha que ser abandonado devido a empregos errôneos a que foi submetido recentemente, empregos estes que provavelmente desnortearão a confundirão os biólogos por muitos anos. E. O. Wilson, em seu livro admirável (a não ser pelo que segue) Sociobiology The New Synthesis, define seleção de parentesco como um tipo especial de seleção de grupo. Ele apresenta um diagrama que claramente mostra que considera-a um intermediário entre "seleção individual" a "seleção de grupo" no sentido convencional, o sentido que usei no Capítulo 1. A seleção de grupo, porém mesmo segundo a própria definição de Wilson, significa a sobrevivência diferencial de grupos de indivíduos. Há, certamente, um sentido no qual uma família é um tipo especial de grupo. Mas o âmago do argumento de Hamilton é que a distinção entre família a não família não é absoluta, mas uma questão de probabilidade matemática. Não constitui pane da teoria de Hamilton a ideia de que os animais deveriam se comportar altruisticamente em relação a todos os "membros da família" e egoisticamente em relação aos demais. Não há delimitações definidas a serem estabelecidas entre família a não família. Não temos que decidir se primes de segundo grau, por exemplo, devem ser considerados como pertencentes ou não ao grupo da família. simplesmente esperamos que eles tenham a tendência a receber 1/16 do altruísmo recebido por filhos ou irmãos. A seleção de parentesco definitivamente não é um case especial de seleção de grupo; é uma consequência da seleção de genes. Há uma falha ainda mais séria na definição de seleção de parentesco de Wilson. Ele deliberadamente exclui os filhos: eles não são parentes! Evidentemente ele sabe muito bem que os filhos são parentes de seus pais, mas prefere não recorrer à teoria da seleção de parentesco a fim de explicar o cuidado altruísta dos pais para com seus próprios filhos. Ele, evidentemente, tem o direito de definir uma palavra como quiser, mas esta definição cause muita confusão; espero que Wilson altere-a nas edições futuras de seu livro justificadamente influente. Do ponto de vista genético, o cuidado com a prole e o altruísmo fraterno evoluem devido exatamente ao mesmo motive: em ambos os cases há uma boa chance do gene altruísta estar presente no corpo do beneficiado. Peço a condescendência do leitor não especializado por esta pequena diatribe a volto apressadamente à história principal. Até agora simplifiquei excessivamente e é hora de introduzir algumas restrições. Mencionei, em termos elementares, os genes suicidas para salvamento das vidas de determinados números de parentes de grau precisamente conhecido de parentesco. Na vida real, obviamente, não se pode esperar que os animais contem exatamente quartos parentes estão salvando, nem que façam os cálculos de Hamilton ria cabeça, mesmo que tivessem uma maneira de saber com certeza quem são seus irmãos a primos. Na vida real o suicídio certo e o "salvamento" absoluto de vidas devem ser substituídos por riscos estatísticos de morte, de si próprio e de outros. Poderá valer a pena salvar até mesmo um primo de terceiro grau, se o risco para si próprio for muito pequeno. De qualquer forma, tanto você como o parente que você pensa em salvar morrerão um dia. Todo indivíduo tem uma "expectativa de vida" a qual um estatístico poderia calcular com certa probabilidade de erro. Salvar a vida de um parente que logo morrerá de velhice causa menos impacto no "fundo" de genes do futuro do que salvar a vida de um parente igualmente próximo que tenha a maior parte de sua vida pela frente. Nossos cálculos simétricos, bem definidos, de parentesco têm que ser modificados por considerações atuariais confusas. Avós a netos têm, do ponto de vista genético, razão idêntica para comportarem-se altruisticamente uns em relação aos outros, pois cada um compartilha 1/4 dos genes do outro. Mas se os netos têm maior expectativa de vida, os genes para altruísmo de avô para neto possuem maior vantagem seletiva do que os genes para altruísmo de neto para avô. É possível que o benefício líquido resultante do auxílio a um parente jovem distante exceda aquele resultante do auxilio a um parente próximo velho. (A propósito, não ocorre necessariamente, é claro, que os avós tenham expectativa de vida menor do que os netos. Em espécies com alta taxa de mortalidade infantil poderá ocorrer o inverso). Estendendo-se a analogia com a Atuária, os indivíduos podem ser considerados agentes de seguros de vida. Pode-se esperar que um indivíduo invista ou arrisque uma determinada proporção de seu próprio ativo na vida de outro indivíduo. Ele levará em consideração seu parentesco com o outro indivíduo e também se este é um "bom risco" em termos de sua expectativa de vida comparada com a do próprio segurador. A rigor deveríamos falar em "expectativa de reprodução" a não em "expectativa de vida", ou, para sermos ainda mais precisos, "expectativa de capacidade geral de beneficiar os próprios genes no futuro". Então, para que o comportamento altruístico evolua, o risco líquido para o altruísta deve ser menor do que o benefício líquido para o receptor multiplicado pelo parentesco. Os riscos a os benefícios devem ser calculados da maneira atuarial complexa que esbocei. Mas que cálculo complicado para se esperar que uma pobre máquina de sobrevivência faça, especialmente com pressa! Até mesmo o grande biólogo matemático J. B. Haldane informação ultrapassada tendem a ser erradas. Estimativas de parentesco também estão sujeitas ao erro e à incerteza. Até agora, em nossos cálculos excessivamente simplificados, consideramos que as máquinas de sobrevivência sabem quem está relacionado a elas e o quão intimamente. Na vida real um conhecimento certo deste tipo ocasionalmente é possível, mas mais comumente o parentesco pode apenas ser estimado como um número médio. Suponha, por exemplo, que A e B pudessem igualmente ser meios irmãos ou irmãos legítimos. Seu parentesco será 1/4 ou 1/2, mas como não sabemos se são meios irmãos ou irmãos legítimos, o número efetivamente utilizável é a média, 3/8. Se for certo que possuem a mesma mãe, mas a probabilidade de terem o mesmo pai for de apenas 1 para 10, então há 90 por cento de probabilidade de serem meios irmãos a 10 por cento de probabilidade de serem irmãos legítimos; o parentesco efetivo será 1/10 x 1/2 + 9/10 x 1/4 = 0,275. Mas, quando dizemos que há 90 por cento de probabilidade, a que nos referimos? Estaremos dizendo que um naturalista humano após uma longa pesquisa de campo tem 90 por cento de certeza, ou que os animais têm esta certeza? Com um pouco de some as dual coisas poderão ser quase iguais. Para entender isto, temos que pensar como os animais poderão de fato estimar quem são seus parentes próximos. Sabemos quem são nossos parentes porque nos é dito, porque damos-lhes nomes, porque temos casamentos formais a porque temos registros escritos a boas memórias. Muitos antropólogos sociais preocupam-se com "parentesco" nas sociedades que estudam. Eles não se referem ao parentesco genético verdadeiro, mas às ideias subjetivas a culturais de parentesco. Os costumes humanos a os rituais tribais normalmente dão grande ênfase ao parentesco; o culto aos antepassados é muito difundido e a lealdade a obrigações familiares dominam boa pane da vida. As vendetas a as lutas entre clãs são facilmente interpretadas segundo a teoria genética de Hamilton. Os tabus contra incesto confirmam os profundos sentimentos de parentesco no homem, embora a vantagem genética de um tabu contra o incesto nada tenha a ver com altruísmo: provavelmente relaciona-se aos efeitos nocivos dos genes recessivos que aparecem com o "inbreeding". (Per alguma razão muitos antropólogos não gostam desta explicação.) Como poderiam os animais selvagens "saber" quem são seus parentes, ou, em outras palavras, que regras de comportamento poderiam seguir as quais tivessem o efeito indireto de fazer com que parecessem saber a respeito de parentesco? A regra "seja gentil para com seus parentes" não responde a pergunta de como esses devem ser reconhecidos na prática. Os genes devem dar aos animais uma regra prática de ação simples, uma regra que não envolva a percepção sábia do propósito último da ação, mas uma regra que funcione mesmo assim, pelo menos sob condições normais. Nós, humanos , estamos familiarizados com as regras, a elas são tão potentes que, se temos pouca visão, obedecemos a regra em si, mesmo quando percebemos perfeitamente que ela não está servindo em nada para nós ou para qualquer outra pessoa. Alguns judeus a muçulmanos, por exemplo, prefeririam passar fome a quebrar sua regra contra comer carne de porco. Que regras práticas simples poderiam os animais obedecer as quais, em condições normais, tivessem o efeito indireto de beneficiar seus parentes próximos? Se os animais tivessem a tendência a se comportar altruisticamente em relação a indivíduos que se assemelhassem fisicamente a eles, poderiam, indiretamente, estar ajudando seus parentes. Muito dependeria dos detalhes da espécie em questão. Uma regra deste tipo, de qualquer forma, só levaria a decisões "corretas" num sentido estatístico. Se as condições mudassem, se uma espécie, por exemplo, começasse a viver em grupos muito maiores, ela poderia conduzir a decisões erradas. É possível imaginar o preconceito racial como uma generalização irracional de uma tendência de seleção de parentesco a identificar-se com indivíduos fisicamente semelhantes e a ser desagradável a indivíduos de aparência diferente. Numa espécie cujos membros não se locomovem muito, ou cujos membros movem-se em pequenos grupos, a probabilidade de que qualquer indivíduo ao acaso que você encontre seja um parente bastante próximo poderá ser grande. Neste taco a regra "Seja gentil para qualquer membro da espécie que você encontrar" poderia ter um efeito positive na sobrevivência, no sentido de que um gene que predisponha seus possuidores a obedecerem a regra poderá tornar-se mais numeroso no "fundo". Talvez seja por isto que o comportamento altruístico é descrito tão frequentemente em bandos de macacos a cardumes de baleias. As baleias a os golfinhos afogam-se se não respirarem ar. Tem-se observado baleias jovens a indivíduos feridos que não podem nadar para a superfície serem socorridos a sustentados pelos companheiros do cardume. Não se sabe se as baleias têm alguma forma de identificar seus parentes próximos, mas talvez isto não importe. Talvez a probabilidade global, de que um membro qualquer do cardume seja um parente, seja tão altruísta que o altruísmo vale a pena. Há, incidentalmente, pelo menos um relate bem autenticado de um banhista afogando-se que foi salvo por um golfinho não amestrado. Isto poderia ser considerado uma falha da regra para salvar membros do cardume que estejam afogando-se. A "definição" de um membro do cardume que está se afogando, para efeito da regra, poderia ser alguma coisa assim: "Uma coisa comprida debatendo-se a sufocando-se perto da superfície." Tem-se observado babuínos machos adultos arriscarem suas vidas defendendo o resto do bando contra predadores como leopardos. É bastante provável que qualquer macho adulto tenha, em média, um número razoavelmente grande de genes presos em outros membros do bando. Um gene que efetivamente "diga": "Corpo, se você for um macho adulto, defenda o bando contra leopardos", poderia tornar-se mais numeroso no "fundo". Antes de deixar de lado este exemplo frequentemente citado, deve-se acrescentar honestamente que pelo menos uma especialista respeitada descreveu fatos muito diferentes. Segundo ela os machos adultos são os primeiros a desaparecerem no horizonte quando um leopardo surge. Os pintos alimentam-se em grupos formados pela ninhada, todos seguindo sua mãe. Eles têm dois piados principais. Além do pie agudo alto que já mencionei, eles emitem gorjeios melodiosos curtos quando se alimentam. Os pios agudos, que têm o efeito de pedir a ajuda da mãe, são ignorados pelos outros pintos. Estes, no entanto, são atraídos pelos gorjeios. Isto significa que quando um deles encontra comida seus gorjeios atraem os demais igualmente para a comida: em termos do exemplo hipotético anterior, os gorjeios são "gritos de alimento". Como naquele caso, o aparente altruísmo dos pintos pode ser facilmente explicado por seleção de parentesco. Como na natureza todos os pintos seriam irmãos legítimos, um gene para emissão do gorjeio de alimento se espalharia, desde que o custo para seu emissor seja menos da metade do benefício líquido para os outros pintos. Como o benefício é distribuído por toda a ninhada. a qual normalmente possui mais de dois indivíduos, não é difícil imaginar esta condição ocorrendo. Esta regra, evidentemente, falha em situações domésticas ou de fazendas, quando as galinhas chocam ovos que não são seus próprios, até mesmo ovos de peru ou de pato. Mas não se pode esperar que a galinha ou seus pintinhos entendam isto. Seu comportamento foi moldado sob as condições prevalecentes na natureza, a nesta estranhos não são normalmente encontrados em seu ninho. Erros deste tipo poderão. entretanto. ocasionalmente ocorrer na natureza em espécies que vivem em rebanhos ou bandos, um filhote órfão poderá ser adotado por uma fêmea estranha, muito provavelmente uma fêmea que tenha perdido seu próprio filhote. Especialistas em macacos algumas vezes usam a palavra "tia" para designar uma fêmea que adota filhotes. Na maioria dos casos não há evidência de que ela realmente seja tia ou qualquer outro parente: se estes estudiosos estivessem tão cônscios dos genes como deveriam estar, não usariam uma palavra importante como "tia" tão levianamente. Na maioria dos casos deveríamos provavelmente considerar a adoção, não importa quão comovente ela pareça, como uma falha de uma regra intrínseca. E isto porque a fêmea generosa em nada está ajudando seus próprios genes ao cuidar do órfão; está gastando tempo a energia que poderia estar investindo nas vidas de seus próprios parentes, especialmente os próprios filhos. A adoção é provavelmente um erro que ocorre tão raramente que a seleção natural não "preocupou-se" em mudar a regra tornando o instinto maternal mais seletivo. Incidentalmente, em muitos casos tais adoções não ocorrem e o órfão é deixado morrer. Há um exemplo de um erro tão extremo que talvez você prefira considerá-lo não como um erro, mas como evidência contra a teoria do gene egoísta. É o caso das macacas despojadas de seus filhotes, as quais têm sido vistas roubar um filhote de outra fêmea a cuidar dele. Vejo isto como um erro duplo, uma vez que a fêmea que adota não apenas perde seu tempo, mas também libera uma fêmea rival do encargo de criar filhotes a deixa-a livre para ter outro mais depressa. Parece-me um exemplo crítico que merece uma pesquisa detalhada. Precisamos saber com que frequência ocorre. qual, em média, é o parentesco entre a mãe adotiva e o filhote, a qual a atitude da mãe verdadeira - afinal de contas, é vantajoso para ela que seu filhote seja adotado; as mães deliberadamente tentam enganar as fêmeas jovens induzindo-as a adotarem seus filhotes? (Também foi sugerido que as mães adotivas a as arrebatadoras de filhotes poderiam se beneficiar adquirindo prática valiosa na arte de criar a prole.) Um exemplo de uma falha deliberadamente planejada do instinto maternal é oferecido pelo cuco a por outros "parasitas de filhotes" - pássaros que põem seus ovos em um ninho alheio. O cuco aproveita-se da regra inerente nas aves com filhotes: "Seja gentil com qualquer pássaro pequeno que esteja no ninho que você construiu.--- Deixando os cucos de lado, esta regra normalmente terá o efeito desejado de restringir o altruísmo aos parentes imediatos, pois acontece que os ninhos são tão isolados uns dos outros que o conteúdo de seu ninho quase que obrigatoriamente será seus filhotes. A gaivota Lams argentatus adulta não reconhece seus próprios ovos; alegremente chocará ovos de outras gaivotas a até mesmo modelos grosseiros de madeira se estes forem colocados no ninho por pesquisadores. Na natureza o reconhecimento de ovos não é importante para as gaivotas, pois eles não rolam o suficiente para chegar na vizinhança de outro ninho a alguns metros de distância. Porém, as gaivotas reconhecem seus próprios filhotes: estes, diferentemente dos ovos, passeiam a podem facilmente acabar perto de um vizinho adulto, muitas vezes com resultados fatais, como vimos no Capítulo 1. As urias, aves marinhas do hemisfério norte, por outro lado, reconhecem seus próprios geneticamente, mais próximo do que o relacionamento entre irmãos, sua certeza é maior. Normalmente é possível ter muito mais certeza sobre quem são seus filhos do que sobre quem são seus irmãos. E você pode ter ainda mais certeza sobre quem você mesmo é! Mencionamos trapaceadores entre as urias; diremos mais sobre mentirosos, trapaceadores e exploradores nos capítulos seguintes. Em um mundo no qual os outros indivíduos estão sempre alertas a oportunidades de explorar o altruísmo de seleção de parentesco e usá-lo para seus próprios propósitos, uma máquina de sobrevivência tem que levar em conta em quem ela pode confiar, de quem ela pode realmente ter certeza. Se B for realmente meu irmão pequeno, então devo cuidar dele até metade do que cuido de mim e tanto quanto cuido de meus filhos. Mas posso ter tanta certeza dele quanto de meus filhos? Como posso saber que ele é meu irmão menor? Se C for meu irmão gêmeo idêntico, então deverei cuidar dele duas vezes mais do que cuido de qualquer um de meus filhos; deverei, de fato, prezar sua vida tanto quanto a minha própria. Mas posso estar certo sobre ele? Ele se parece comigo, sem dúvida, mas talvez aconteça de compartilharmos os genes para características faciais. Não, não sacrificarei minha vida por ele, porque embora seja possível que ele porte 100 por cento de meus genes, eu sei com certeza que possuo 100 por cento deles, de modo que valho mais para mim do que ele. Sou o único indivíduo a respeito do qual qualquer um de meus genes egoístas pode ter certeza. E embora, idealmente, um gene para o egoísmo individual possa ser deslocado por um gene rival para o salvamento altruísta de pelo menos um irmão gêmeo idêntico, dois filhos ou irmãos, ou pelo menos quatro netos, etc., o gene para o egoísmo individual tem a enorme vantagem da certeza da identidade individual. O gene rival para altruísmo para com parentes arrisca-se a cometer erros de identidade, quer legitimamente acidentais, quer deliberadamente planejados por trapaceiros e parasitas. Devemos, portanto, esperar o egoísmo individual na natureza num grau maior do que seria previsto apenas por considerações de parentesco genético. Em muitas espécies a mãe pode ter mais certeza a respeito de seus filhos do que o pai. A mãe põe o ovo visível e concreto, ou dá à luz. Ela tem boa probabilidade de saber com certeza quais são os portadores de seus genes. O pobre pai é muito mais vulnerável ao logro. Ê de se esperar, portanto, que os pais esforcem-se menos do que as mães em cuidar dos jovens. No capítulo sobre a Batalha dos Sexos (Capítulo 9) veremos que há outras razões para esperar a mesma coisa. Da mesma forma, as avós maternas podem estar mais certas de seus netos do que as paternas, e esperar-se-ia que mostrassem mais altruísmo do que estas últimas. Isto porque elas podem estar certas a respeito dos filhos de sua filha, mas seu filho talvez tenha sido enganado. Os avôs maternos e as avós paternas estão igualmente certos a respeito de seus netos, pois ambos contam com uma geração de certeza e uma de incerteza. Da mesma maneira, os tios do lado materno deveriam estar mais interessados no bem-estar dos sobrinhos do que aqueles do lado paterno, e de um modo geral deveriam ser tão altruístas quanto as tias. De fato, em uma sociedade com alto grau de infidelidade conjugal os tios maternos deveriam ser mais altruístas do que os "pais", pois têm mais base para confiar em seu parentesco com a criança. Eles sabem que a mãe da criança, é, pelo menos, sua meia irmã. O pai "legal" nada sabe. Não conheço nenhuma evidência que suporte essas previsões, mas ofereço-as na esperança de que outros a tenham ou comecem a procurá-la. Os antropólogos sociais, em particular, talvez tenham coisas interessantes a contar. Voltando ao fato do altruísmo dos pais ser mais comum do que o dos irmãos, parece razoável explicar isto em termos do "problema de identificação". Mas isto não explica a assimetria fundamental na própria relação pais/filhos. Os pais preocupam-se mais com seus filhos do que estes com seus pais, embora a relação genética seja simétrica e a certeza de parentesco seja idêntica em ambos os sentidos. Um motivo é que os pais, sendo mais velhos e mais competentes na ocupação de viver, estão numa posição prática melhor para ajudar seus filhos. Mesmo que um bebê quisesse alimentar seus pais, na prática ele não está bem equipado para fazê-lo. Há outra assimetria na relação pais/filhos que não se explica à relação entre irmãos. Os filhos são sempre mais jovens do que seus pais. Isto frequentemente, embora nem sempre, significa que eles têm maior expectativa de vida. Como enfatizei acima, a expectativa de vida é uma variável importante a qual, no melhor dos mundos possíveis, deveria entrar nos "cálculos" de um animal quando ele está "decidindo" se deve ou não comportar-se altruisticamente. Numa espécie na qual os filhos têm uma expectativa de vida média maior do que seus pais, qualquer gene para altruísmo dos filhos estaria em desvantagem. Significaria planejar o sacrifício próprio altruístico em benefício de indivíduos que estão mais próximos de morrer de velhice do que o altruísta. Um gene para altruísmo dos pais, por outro lado. teria uma vantagem correspondente no que se refere aos termos da expectativa de vida na equação. Algumas vezes ouve-se que a seleção de parentesco é boa como teoria, mas que há poucos exemplos de seu funcionamento na prática. Esta crítica só pode ser feita por alguém que não entende o que significa seleção de parentesco. Na verdade todos os exemplos de proteção dos filhos a cuidado com a prole, e todos os órgãos do corpo associados, glândulas de secreção de leite, o marsúpio nos cangurus a assim por diante, são exemplos do funcionamento na natureza do princípio da seleção de parentesco. Os críticos, evidentemente, estão familiarizados com a existência difundida do cuidado com a prole, mas eles não entendem que este é um exemplo de seleção de parentesco tanto quanto o é o altruísmo entre irmãos. Quando eles dizem que querem exemplos, querem dizer, na verdade, que querem exemplos que não sejam de cuidado com a prole; é verdade que tais exemplos são menos comuns. Sugeri algumas razões para explicar isto. Poderia ter me dado ao trabalho de mencionar exemplos de altruísmo fraterno - há, de fato, vários deles. Mas não quero fazer isto porque significaria reforçar a ideia errônea (aceita, como vimos, por Wilson) de que a seleção de parentesco trata especificamente de relações diferentes daquelas entre pais a filhos. 0 motivo por este erro ter crescido é em grande parte histórico. A vantagem evolutiva do cuidado com a prole é tão óbvia que não precisamos esperar por Hamilton para nos chamar a atenção; ela foi entendida desde Darwin. Quando Hamilton demonstrou a equivalência genética de outras relações a seu significado evolutivo, ele naturalmente teve que enfatizar estas outras relações. Ele tomou exemplos, em particular, de insetos sociais como formigas a abelhas, nos quais a relação entre irmãs é particularmente importante, como veremos num capítulo posterior. Até mesmo ouvi pessoas dizerem que pensavam que a teoria de Hamilton aplicava-se apenas aos insetos sociais! Se alguém não quiser admitir que o cuidado com a prole é um exemplo de seleção de parentes em ação, então será dele o encargo de formular uma teoria geral de seleção natural que preveja o altruísmo paterno, mas que não preveja altruísmo entre parentes colaterais. Acho que ele falhará. 7 - PLANEJAMENTO FAMILIAR É fácil entender porque algumas pessoas quiseram separar o cuidado com a prole dos outros tipos de altruísmo de seleção de parentesco. O cuidado com a prole parece ser uma parte integrante da reprodução, enquanto que o altruísmo por um sobrinho, por exemplo, não é. Acho que realmente há uma distinção importante oculta aqui, mas as pessoas enganaram-se sobre ela. Colocaram a reprodução e o cuidado com a prole de um lado a todos os tipos de altruísmo de outro. Quero, no entanto, estabelecer uma distinção entre pôr novos indivíduos no mundo, por um lado, a cuidar dos indivíduos existentes, por outro. Chamarei essas duas atividades respectivamente de produção de descendentes a cuidado para com eles. Uma máquina de sobrevivência individual tem que tomar dois tipos bastante diferentes de decisões, decisões sobre o cuidado a decisões sobre a produção. Uso a palavra decisão para me referir ao movimento estratégico inconsciente. As decisões sobre os cuidados são deste tipo: "Há uma criança; seu grau de parentesco comigo é tal; a probabilidade de ela morrer se eu não a alimentar é tal; deverei alimentá-la?" As decisões sobre produção, por outro lado, são assim: "Deverei fazer o que for necessário para pôr um novo indivíduo no mundo? Deverei me reproduzir?" Cuidados a produção, até certo ponto, competirão entre si pelo tempo a por outros recursos de um indivíduo. O indivíduo talvez tenha que escolher: "Deverei cuidar desta criança ou deverei produzir outra?" Dependendo dos detalhes ecológicos da espécie, várias misturas de estratégias de cuidados a produção poderão ser evolutivamente estáveis. A única coisa que não pode ser evolutivamente estável é uma estratégia pura de cuidados. Se todos os indivíduos se dedicassem a cuidar das crianças existentes a ponto de nunca produzirem outras, a população rapidamente seria invadida por indivíduos mutantes especializados em produzir. A estratégia de cuidados só pode ser evolutivamente estável como parte de uma estratégia mista - pelo menos alguma produção deve continuar. As espécies com as quais estamos mais familiarizados mamíferos e aves - tendem a tomar grandes cuidados com a prole. A decisão de produzir um novo filhote geralmente é seguida da decisão de cuidar dele. É devido ao fato da produção a dos cuidados tantas vezes virem juntos na prática que muitas pessoas confundiram as duas coisas. Mas, do ponto de vista dos genes egoístas, não há, corno vimos, diferença em princípio entre cuidar de um irmão pequeno a cuidar de um filho pequeno. Ambas as crianças estão igualmente relacionadas a você. Se você tiver que escolher entre alimentar uma ou a outra, não há razão genética para decidir em favor do próprio filho. Por outro lado você não pode, por definição, produzir um irmão pequeno. Você pode apenas cuidar dele depois que outra pessoa o colocou no mundo. No último capítulo examinamos como máquinas de sobrevivência individuais deveriam, de forma ideal, decidir a se comportar altruisticamente em relação a outros indivíduos que já existiam. Neste capítulo examinamos como deveriam decidir a pôr novos indivíduos no mundo. É a respeito desse assunto que a controvérsia sobre "seleção de grupo", a qual mencionei no Capítulo 1, tem em grande parte se desenrolado. E isto porque Wynne-Edwards, que tem sido o principal responsável pela divulgação da ideia de seleção de grupo, abordou o assunto no contexto de uma teoria de "regulação de população". Ele sugeriu que os animais reduzem qual toda a vida social é vista como um mecanismo de regulação da população. Por exemplo, duas características importantes da vida social em muitas espécies de animais são a territorialidade a as hierarquias de dominância, já mencionadas no Capítulo 5. Muitos animais dedicam muito tempo a energia para aparentemente "defender" uma área chamada de território pelos naturalistas. O fenômeno é muito difundido no reino animal, não apenas em aves, mamíferos a peixes, mas em insetos a até mesmo anêmonas-do-mar. O território pode ser uma área grande de mata que é a região principal de busca de alimento de um casal na época da reprodução, como no caso do pisco-de-peito-ruivo, ou, na gaivota Larus argentatus, por exemplo, poderá ser uma pequena área sem alimento, mas com um ninho no centro. Wynne-Edwards acredita que os animais que lutam por territórios, lutam por um prêmio simbólico a não por um prêmio real como um pouco de alimento. Em muitos casos as fêmeas recusam-se a acasalarem-se com machos que não possuam território. De fato, frequentemente ocorre que uma fêmea cujo parceiro é derrotado a tem seu território conquistado, imediatamente une-se ao vencedor. Até em espécies monógamas aparentemente fiéis a fêmea poderá estar unida ao território do macho a não a ele pessoalmente. Se a população fica grande demais alguns indivíduos não conseguirão territórios a portanto não se reproduzirão. Obter um território, para Wynne-Edwards, portanto, é como obter um bilhete ou licença para se reproduzir. Como há um número finito de territórios disponíveis, é como se um número finito de licenças para se reproduzir fosse emitido. Os indivíduos poderão brigar pelas licenças, mas o número total de filhotes que a população como um todo pode ter está limitado pelo número de territórios disponíveis. Em alguns casos, por exemplo na tetraz vermelha, os indivíduos parecem, à primeira vista, mostrar limitação, pois aqueles que não conseguem obter territórios não apenas não se reproduzem, mas aparentemente também desistem da tentativa de consegui-los. É como se todos aceitassem as regras do jogo: se, até o fim da estação de competição, você não tiver adquirido um dos bilhetes oficiais para se reproduzir, você voluntariamente abstém-se de se reproduzir a deixa os felizardos em paz durante a estação de acasalamento, de modo que eles possam continuar a propagar a espécie. Wynne-Edwards interpreta as hierarquias de dominância de forma semelhante. Em muitos grupos de animais, especialmente em cativeiro, mas em alguns casos também na natureza, os indivíduos aprendem as identidades mútuas e também quem podem vencer em uma luta a quem normalmente vence-os. Como vimos no Capítulo 5, eles têm a tendência a se submeter sem resistência àqueles indivíduos que eles "sabem" provavelmente vão vencê-los de qualquer maneira. Como consequência, um naturalista será capaz de descrever uma hierarquia de dominância ou "ordem de bicada" (assim chamada porque foi primeiramente descrita em galinhas) - uma ordenação da sociedade segundo níveis, na qual todos sabem seu lugar a não se metem em posições mais altas. Algumas vezes, evidentemente, lutas sérias ocorrem a os indivíduos podem ser promovidos acima de seus antigos chefes imediatos. Mas, como vimos no Capítulo 5, o efeito global da submissão automática pelos indivíduos hierarquicamente mais baixos é que poucas lutas prolongadas efetivamente ocorrem a ferimentos sérios raramente se verificam. Muitas pessoas acham isso uma "coisa boa" num sentido se aproximando vagamente da seleção de grupo. Wynne-Edwards tem uma interpretação muito mais ousada. Os indivíduos de posição hierárquica alta têm maior probabilidade de se reproduzirem do que aqueles de posição inferior, quer porque são preferidos pelas fêmeas, quer porque fisicamente impedem os machos de posição inferior de se aproximarem das fêmeas. Wynne-Edwards vê na posição social alta outro bilhete de permissão para se reproduzir. Em vez de lutar diretamente pelas fêmeas, os indivíduos lutam pelo "status" social, a aceitam que se não se colocarem numa posição alta na escala social não têm direito a se reproduzirem. Eles contêm-se no que se refere diretamente às fêmeas, embora de vez em quando possam tentar obter um "status" superior; poder-se-ia dizer, assim, que competem indiretamente pelas fêmeas. Porém, como no caso do comportamento de território, o resultado dessa "aceitação voluntária" da regra pela qual apenas machos de posição alta devem reproduzir-se é, de acordo com Wynne-Edwards, que as populações não crescem rapidamente demais. Em vez de ter, realmente, filhos em excesso a então descobrir da maneira mais difícil que foi um erro, as populações usam disputas formais na luta por "status" a território, como meio de limitar seu tamanho ligeiramente abaixo do nível no qual a própria fome faz a limitação. A ideia mais surpreendente de Wynne-Edwards, talvez, é aquela do comportamento epideítico, uma palavra que ele próprio cunhou. Muitos animais passam muito tempo em bandos, rebanhos ou cardumes grandes. Várias razões baseadas mais ou menos no bom senso foram sugeridas para explicar porque esse comportamento de agregação teria sido favorecido pela seleção natural; mencionaremos alguns deles no Capítulo 10. A ideia de Wynne-Edwards é bastante diferente. Ele propõe que quando bandos imensos de estorninhos se reúnem à noite, ou quando certos mosquitos dançam em grande número sobre um mourão, eles estão realizando um recenseamento de sua população. Como ele supõe que os indivíduos restringem suas taxas de natalidade no interesse do grupo como um todo, a que têm menos descendentes quando a densidade populacional é alta, é razoável que eles tivessem alguma maneira de medir essa última. De fato: um termostato necessita um termômetro como parte integral de seu mecanismo. Para Wynne-Edwards, o comportamento epideítico é o ajuntamento deliberado em bandos a fim de facilitar a estimativa da população. Ele não sugere uma estimativa consciente, mas em um mecanismo automático nervoso ou hormonal que ligue a percepção sensorial que os indivíduos têm da densidade de sua população com seus sistemas reprodutivos. Tentei ser imparcial na apresentação da teoria de Wynne-Edwards, embora a tenha resumido. Se fui bem sucedido, você deve, agora, estar convencido de que ela é, à primeira vista, bastante plausível. Mas, os capítulos anteriores deste livro deveriam tê-lo preparado a ser cético a ponto de dizer que não importa quão plausível ela seja, é bom que a evidência para a teoria de Wynne-Edwards seja boa, caso contrário . . . . E, infelizmente, a evidência não é boa. Ela consiste de um grande número de exemplos que poderiam ser interpretados da sua maneira, mas que poderiam, da mesma maneira, ser interpretados ao longo de linhas mais ortodoxas de "gene egoísta". Embora ele nunca usaria o termo, o principal arquiteto da teoria do gene egoísta do planejamento familiar foi o grande ecólogo David Lack. Ele trabalhou principalmente com o tamanho das ninhadas de aves em liberdade, mas suas teorias a conclusões têm o mérito de terem aplicação geral. Cada espécie de ave tende a ter um tamanho típico de ninhada. Por exemplo, o ganso-patola e a uria incubam um ovo de cada vez, as andorinhas três, e Parus major meia dúzia ou mais. Há variações: algumas andorinhas põem apenas dois ovos de cada vez a parus major poderá pôr doze. É razoável supor que o número de ovos que uma fêmea põe a incuba está pelo menos parcialmente, sob controle genético, como qualquer outra característica; isto é, suponha que haja um gene para pôr dois ovos, um alelo rival para pôr três, outro alelo para pôr quatro a assim por diante, embora, na prática, provavelmente não seja assim tão simples. A teoria do gene egoísta exige que perguntemos qual desses genes tornar-se-á mais numeroso no "fundo" de genes. Superficialmente talvez pareça que o gene para pôr quatro ovos necessariamente terá vantagem sobre os genes para pôr três ou dois ovos. Um pouco de reflexão mostra que esse argumento simples do tipo "mais significa melhor" não pode, porém, ser verdadeiro. Ele nos leva a esperar que cinco ovos sejam melhores do que quatro, dez melhores ainda, cem muito melhores a um número infinito o melhor possível. Em outras palavras, o argumento leva logicamente a um absurdo. Obviamente, há custos assim como benefícios envolvidos em pôr um número grande de ovos. Um número maior de filhotes necessariamente terá como consequência cuidado menos eficiente com a prole.A ideia essencial de Lack é que para cada espécie deve haver, para determinada situação ambiental, um tamanho ótimo de ninhada. Onde ele difere de Wynne- Edwards é em sua resposta à pergunta "ótimo de que ponto de vista? "Wynne-Edwards diria que o ótimo importante, ao qual todos os indivíduos deviam aspirar, é o ótimo para o grupo como um todo. Lack diria que cada indivíduo egoísta escolhe o tamanho da ninhada que maximiza o número de filhotes que ele cria. Se três for o tamanho ótimo de ninhada para andorinhas, o que isto significa, para Lack, é que qualquer indivíduo que tente criar quatro provavelmente terminará com menos filhotes do que os rivais, mais cautelosos, que tentam apenas criar três. A razão óbvia para isso seria que o alimento torna-se tão diluí do entre os quatro filhotes que poucos sobreviveriam até a idade adulta. Isso aplica-se tanto à distribuição de vitelo nos quatro ovos, quanto ao alimento dado aos filhotes após a eclosão. Para Lack, portanto, os indivíduos regulam o tamanho de suas ninhadas por razões longe de serem altruísticas. Eles não estão efetuando controle de natalidade a fim de evitar a exploração excessiva dos recursos do grupo; realizam-no a fim de maximizar o número de filhotes sobreviventes que venham a ter, um objetivo exatamente oposto àquele normalmente associado ao controle da natalidade. Criar filhotes de aves é uma atividade custosa. A mãe deve investir grande quantidade de alimento a energia na fabricação dos ovos. Possivelmente com a ajuda de seu parceiro sexual, ela investe grande esforço na construção de um ninho para abrigar a proteger os ovos. Os pais passam semanas pacientemente chocando-os. Então quando os filhotes eclodem, os pais exaurem-se buscando-lhes alimento, praticamente sem descanso. Como já vimos, um adulto de Parus-major traz em média uma porção de comida para o ninho a cada 30 segundos, durante o dia. Os mamíferos, como nós mesmos, fazem-no de maneira ligeiramente diferente, mas a ideia básica de que a reprodução é uma atividade dispendiosa, especialmente para a mãe, é igualmente verdadeira. É óbvio que se uma mãe tenta distribuir seus recursos limitados de alimento a esforço entre um número grande demais de filhotes, ela acabará criando um número menor do que se tivesse começado com menos ambição Ela deve atingir um equilíbrio entre produção a cuidados. A quantidade total de alimento a outros recursos que uma fêmea ou um casal pode juntar é o fator limitante que determina o número de filhotes que ela pode criar. A seleção natural, segundo a teoria de Lack, ajusta o tamanho inicial da ninhada de modo a aproveitar ao máximo esses recursos limitados. Os indivíduos que têm filhotes demais são punidos, não porque toda a população se extingue, mas simplesmente porque um número menor de seus filhotes sobrevive. Os genes quando a população está apinhada provavelmente será um número menor do que em um ano no qual a população está bem distribuída. Já concordamos que o apinhamento provavelmente prenuncia fome. Se uma fêmea percebe evidência segura de que fome deve ser esperada, é de seu próprio interesse egoísta, evidentemente, reduzir sua taxa de natalidade. As rivais que não respondem dessa maneira aos avisos acabarão por criar menos filhotes, mesmo que produzam mais. Consequentemente, chegamos à mesma conclusão de Wynne-Edwards, mas por um tipo inteiramente diferente do raciocínio evolutivo. A teoria do gene egoísta explica até mesmo as "exibições epideíticas". Você se lembrará que Wynne-Edwards propôs que os animais exibem-se deliberadamente em grandes bandos a fim de permitir que todos os indivíduos realizem um recenseamento a assim regulem suas taxas de natalidade. Não há nenhuma evidência direta de que qualquer ajuntamento seja, de fato, epideítico; mas, suponha que evidência desse tipo fosse descoberta. A teoria do gene egoísta seria perturbada? De forma alguma. Os estorninhos pernoitam juntos em grandes números. Suponha que se demonstrasse não apenas que o apinhamento no inverno diminui a fertilidade na primavera seguinte, mas que o fenômeno é causado diretamente pelo fato de um pássaro ouvir os pios dos demais. Poderia ser demonstrado experimentalmente que os indivíduos expostos a uma gravação de um banda denso e barulhento de estorninhos põem menos ovos do que indivíduos expostos a uma gravação de um bando menos denso e mais silencioso, Isto, por definição, indicaria que os pios dos estorninhos constituem uma exibição epideítica. A teoria do gene egoísta explicaria o fato basicamente da mesma maneira como tratou o caso dos camundongos. Começamos, novamente, da suposição de que os genes para possuir uma família maior do que você pode sustentar são automaticamente punidos e tornam-se menos numerosos no "fundo" dos genes. A tarefa de uma poedeira eficiente é prever qual será o tamanho ótimo de ninhada para ela, como indivíduo egoísta, na próxima estação de acasalamento. Você se lembrará, do Capítulo 4, do sentido especial no qual estamos usando a palavra predição. Como, então, pode uma ave fêmea prever seu melhor tamanho de ninhada? Quais variáveis deveriam influir em sua previsão? Talvez ocorra que muitas espécies fazem uma previsão fixa, a qual não varia de ano para ano. Assim, o tamanho ótimo de ninhada para o ganso-patola é um. É possível que em anos particularmente abundantes em peixes o ótimo verdadeiro para um indivíduo temporariamente suba para dois ovos. Se não houver uma maneira dos gansos saberem antecipadamente se um determinado ano será abundante ou não, não poderemos esperar que as fêmeas arrisquem-se a desperdiçar seus recursos em dois ovos, quando isso prejudicaria seu sucesso reprodutivo em um ano comum. Mas talvez haja outras espécies, quem sabe estorninhos, nas quais em princípio é possível prever no inverno se a primavera seguinte dará uma boa colheita de algum alimento específico. Os camponeses têm numerosos ditados antigos sugerindo que indicações, como a abundância de certas frutas, constituem boas previsões sobre o clima da primavera seguinte. Quer qualquer lenda popular tenha fundamento ou não, é logicamente possível que tais indicações existam e que uma boa profetisa pudesse, teoricamente, ajustar o tamanho de sua ninhada de ano para ano para vantagem própria. Certas frutas poderão ou não ser indicações seguras, mas, como no caso dos camundongos, não parece muito provável que a densidade da população seja uma boa indicação. Uma fêmea de estorninho pode saber, em princípio, que quando ela for alimentar seus filhotes na primavera seguinte, competirá por alimento com rivais da mesma espécie. Se ela puder de alguma forma estimar a densidade local de sua própria espécie no inverno, isso lhe daria uma maneira eficiente de prever a dificuldade de obter alimento para os filhotes na primavera. Se ela verificar que a população de inverno é particularmente grande, sua política prudente, de seu próprio ponto de vista egoísta, poderá ser pôr relativamente poucos ovos: sua estimativa de tamanho ótimo de ninhada teria sido reduzida. Mas, quando ocorrer que os indivíduos reduzem o tamanho de suas ninhadas baseando-se em sua estimativa da densidade populacional, será imediatamente vantajoso para cada indivíduo egoísta fingir para seus rivais que a população é grande, quer ela realmente o seja, quer não. Se os estorninhos estimam o tamanho da população pelo volume de barulho em um abrigo de inverno, seria vantajoso para cada indivíduo gritar o mais alto possível, a fim de soar mais como dois estorninhos. Essa ideia dos animais pretenderem ser vários ao mesmo tempo foi sugerida em outro contexto por J. R. Krebs, e é chamada Efeito Beau Geste por causa do romance no qual uma tática semelhante foi utilizada por uma unidade da Legião Estrangeira francesa. No nosso caso, a ideia é tentar induzir os estorninhos vizinhos a reduzirem o tamanho de suas ninhadas até um nível mais baixo do que o ótimo verdadeiro. Se você for um estorninho bem sucedido em fazê-lo, ser-lhe-á vantajoso como indivíduo egoísta, pois você estará reduzindo o número de indivíduos que não carregam seus genes. Concluo, portanto, que a ideia de Wynne-Edwards de exibição epideítica pode, realmente, ser uma boa ideia: talvez ele tenha estado certo todo o tempo, mas pelo motivo errado. Em termos mais gerais, o tipo de hipótese de Lack é eficaz o suficiente para explicar, em termos de gene egoísta, toda a evidência que aparentemente suporte a teoria de seleção de grupo, se qualquer evidência desse tipo for descoberta. Nossa conclusão desse capítulo é que os pais praticam planejamento familiar, mas no sentido de que otimizam suas taxas de natalidade e não de que restringem-nas pelo bem comum. Eles tentam maximizar o número de filhotes sobreviventes; isto significa não ter filhotes nem demais, nem de menos. Os genes que fazem um indivíduo ter filhotes demais tendem anão persistirem no "fundo", pois os filhotes portando esses genes tendem a não sobreviverem até a idade adulta. Basta, portanto, de considerações quantitativas sobre o tamanho da família. Prosseguimos agora para os conflitos de interesse dentro das famílias. Será sempre vantajoso para uma mãe tratar todos os seus filhotes igualmente, ou poderá ela ter favoritos? Deve a família funcionar como uma unidade de cooperação, ou deveremos esperar egoísmo e trapaça mesmo dentro da família? Trabalharão todos os membros de uma família pelo mesmo ótimo, ou "discordarão" sobre esse ótimo? Essas são as perguntas que tentamos responder no próximo capítulo. A questão relacionada a essas, isto é, se há conflito de interesses entre parceiros sexuais, adiamos até o Capítulo 9. 8 - A BATALHA DAS GERAÇÕES Comecemos tratando primeiramente das questões propostas no fim do último capítulo. Deveria uma mãe ter favoritos, ou deveria ela ser igualmente altruísta em relação a todos os seus filhos? Correndo o risco de ser enfadonho, devo novamente introduzir meu aviso costumeiro. A palavra "favorito" não possui conotações subjetivas e a palavra "deveria" não possui conotações morais. Estou encarando uma mãe como uma máquina programada para fazer tudo o que estiver a seu alcance para propagar cópias dos genes que são levados dentro dela. Como você e eu somos seres humanos que sabem o que é ter propósitos conscientes, é conveniente que eu use a linguagem de propósitos como uma metáfora, ao explicar o comportamento das máquinas de sobrevivência. Na prática, o que significaria dizer que uma mãe tem um filho favorito? Significaria que ela investiria desigualmente seus recursos entre os filhos. Os recursos disponíveis que uma mãe possui para investir consistem de várias coisas. Alimento é a mais óbvia, juntamente com o esforço gasto em obtê-lo, pois esse esforço em si custa alguma coisa à mãe. O risco envolvido em proteger os filhotes dos predadores é outro recurso que a mãe pode "gastar" ou recusar-se a fazê-lo. A energia e o tempo dedicados à manutenção do ninho ou do abrigo, à proteção contra os elementos e, em algumas espécies, o tempo gasto em ensinar os filhotes, são recursos valiosos que os pais podem distribuir aos filhotes, igual ou desigualmente, como "quiserem". É difícil imaginar uma moeda corrente comum com a qual medir todos esses recursos que os pais podem investir. Da mesma forma como as sociedades humanas usam dinheiro como moeda corrente universalmente permutável, a qual pode ser traduzida para alimento, terras, ou tempo de trabalho, também necessitamos uma moeda corrente com a qual medir os recursos que uma máquina de sobrevivência pode investir na vida de outro indivíduo, em particular na vida de um filhote. Uma medida de energia, como a caloria, é tentadora; alguns ecólogos dedicaram-se à avaliação dos custos energéticos na Natureza. Mas ela é inadequada, pois é apenas vagamente transformável na moeda corrente que de fato interessa, o "padrão ouro" da evolução, a sobrevivência dos genes. R. L. Trivers, em 1972, resolveu claramente o problema com seu conceito de Investimento Parental (embora, lendo-se nas entrelinhas condensadas perceba-se que "Sir" Ronald Fisher, o maior biólogo do século vinte, quis dizer basicamente a mesma coisa em 1930, com o seu "gasto parental"). O Investimento Parental (I. P.) é definido como "qualquer investimento feito pelos pais num descendente que aumente a chance de sobrevivência (e, portanto, o sucesso reprodutivo) desse descendente, em detrimento da capacidade dos pais de investir em outros descendentes". A beleza do investimento parental de Trivers é que ele é medido em unidades muito próximas das unidades que realmente importam. Quando um filhote consome parte do leite de sua mãe, a quantidade de leite utilizada não é medida em litros nem em calorias, mas em unidades de detrimento a outros filhotes da mesma mãe. Por exemplo, se uma mãe tem dois filhotes, X e Y, e X bebe meio litro de leite, a maior parte do I.P. que esse meio litro representa é medida em unidades de probabilidade aumentada de Y morrer porque não bebeu
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