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Guias e Dicas
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Introdução a Psicologia do Ser - Abraham H. Maslow, Notas de estudo de Pedagogia

Livro em formato digital

Tipologia: Notas de estudo

2014

Compartilhado em 02/03/2014

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gabriela-de-amorim-10 🇧🇷

4.7

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Baixe Introdução a Psicologia do Ser - Abraham H. Maslow e outras Notas de estudo em PDF para Pedagogia, somente na Docsity! INTRODUÇÃO A PSICOLOGIA DO SER Abraham H. Maslow ORELHAS DO LIVRO A Coleção Anima tem por objetivo oferecer aos especialistas em Psicologia e áreas afins, bem como ao leitor interessado, textos de qualidade que, independentemente das correntes as quais os diversos autores aqui reunidos se filiem, contribuam para uma maior compreensão do fenômeno do psiquismo humano e da natureza do homem em geral. O 1º volume desta Coleção — Introdução à Psicologia do Ser, de Abraham H. Maslow — é uma das obras mais representativas da Psicologia Humanística, movimento hoje solidamente firmado como a alternativa viável para resolver o impasse entre a psicologia experimental-positivista-behaviorista e o freudianismo ortodoxo. Essa “Terceira Força” aglutina os partidários de Adler, Hank e Jung, além de todos os neofreudianos e pós-freudianos, psicólogos da personalidade, fenomenólogos, humanistas, rogerianos, existencialistas e muitos outros. Introdução à Psicologia do Ser, cuja edição original vendeu mais de 100.000 exemplares nos E.U.A., caracteriza-se por um inabalável otimismo em relação ao futuro, baseado nos valores intrínsecos da humanidade. Segundo Maslow, “A natureza interior, até onde podemos conhecê-la, não parece ser intrinsecamente má; é, antes, neutra ou positivamente “boa”. O que chamamos de comportamento mau vem a ser, via de regra, uma reação secundária à frustração dessa natureza intrínseca.” Abraham Harold Maslow é atualmente o psicólogo mais popular nos Estados Unidos. Foi presidente da The American Psychological Association, tem 65 anos e é o chefe do Departamento de Psicologia da Universidade Brandeis. Escritor vigoroso e de invulgar clareza, é autor de The Psychology of Science e Motivation and Personality, além de mais de 100 artigos. Em sua teoria da metamotivação, procurou desenvolver as bases para uma ideologia que pudesse ser aceita por todos os seres humanos, que pudesse unir todos os seres humanos. “Não pensem em mim como um antibehaviorista”, esclarece ele. “Sou antidoutrinário. Sou contra qualquer coisa que feche portas ou ampute COLEÇÃO ANIMA ABRAHAM H. MASLOW INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DO SER Tradução de ÁLVARO CABRAL Título do original em inglês: TOWARD A PSYCHOLOGY OF BEING (C) by Litton Educational Publishing, Inc. A presente tradução baseou-se na edição publicada por Van Nostrand Reinhold Company, New York. Direitos desta tradução reservados à LIVRARIA ELDORADO TIJUCA LTDA. Departamento Editorial: Maura Ribeiro Sardinha Cristina Mary P. da Cunha Carmen Lúcia R. de Oliveira Capa: AG Comunicação Visual e Arquitetura Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil LIVRARIA ELDORADO TIJUCA LTDA. Rua Conde Bonfim, 422, loja K, Rio de Janeiro — GB Tels.: 254-2615 264-0398 Este livro é dedicado a KURT GOLDSTEIN Prefácio da Segunda Edição Muita coisa aconteceu no mundo da Psicologia desde que este livro foi publicado pela primeira vez. A Psicologia Humanista — como vem sendo mais freqüentemente chamada — está hoje solidamente estabelecida como terceira alternativa viável da psicologia objetivista e behaviorista (mecanomórfica) e do freudianismo ortodoxo. A sua literatura é vasta e está em rápido crescimento. Além disso, está começando a ser usada, especialmente na educação, indústria, organização e administração, terapia e auto-aperfeiçoamento e por vários indivíduos, revistas e organizações “eupsiquianos” (ver a Rede Eupsiquiana, págs. 275-279). Devo confessar que acabei pensando nessa tendência humanista da Psicologia como uma revolução no mais verdadeiro e mais antigo sentido da palavra, o sentido em que Galileu, Darwin, Enstein, Freud e Marx fizeram revoluções, isto é, novos caminhos de perceber e de pensar, novas imagens do homem e da sociedade, novas concepções éticas e axiológicas, novos rumos por onde enveredar. Esta Terceira Psicologia é agora uma faceta de uma Weltanschauung geral, uma nova filosofia da vida, uma nova concepção do homem, o começo de um novo século de trabalho (isto é, se conseguirmos sustar, entrementes, um holocausto). Para qualquer homem de boa vontade, qualquer homem “pró vida”, há um trabalho a ser feito aqui, efetivo, probo e eficaz, satisfatório, que pode proporcionar um significado fecundo à nossa própria vida e à dos outros. Essa Psicologia não é puramente descritiva ou acadêmica; sugere ação e implica conseqüências. Ajuda a gerar [pág. 11] um modo de vida, não só para a própria pessoa, dentro da sua psique particular, mas também para a mesma pessoa como ser social, como membro da sociedade. De fato, ajuda a compreender até que ponto esses dois aspectos da vida estão realmente relacionados entre si. Fundamentalmente, a pessoa que fornece a melhor ajuda é a “boa pessoa”. Quantas vezes, tentando ajudar, a pessoa doente ou inadequada causa, pelo contrário, sérios danos. Devo também dizer que considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Força da Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Psicologia ainda “mais elevada”, transpessoal, transumana, centrada mais no cosmo do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e quejandos. Haverá em breve (1968) um Journal of Transpersonal Psychology, organizado pelo mesmo Tony Sutich que fundou o Journal of Humanistic Psychology. Esses novos avanços podem muito bem oferecer uma satisfação tangível, usável e efetiva do “idealismo frustrado” de muita gente entregue a um profundo desespero, especialmente os jovens. Essas Psicologias comportam a promessa de desenvolvimento de uma filosofia da vida, de um substi- tuto da religião, de um sistema de valores e de um programa de vida cuja falta essas pessoas estão sentindo. Sem o transcendente e o transpessoal, ficamos doentes, violentos e niilistas, ou então vazios de esperança e apáticos. Necessitamos de algo “maior do que somos”, que seja respeitado por nós próprios e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico, talvez como Thoreau e Whitman, William James e John Dewey fizeram. Creio que outra tarefa que precisa ser realizada antes de podermos ter um mundo bom é o desenvolvimento de uma psicologia humanista e transpessoal do mal, uma que seja escrita com um sentimento de compaixão e amor pela natureza humana e não de repulsa ou de irremediabilidade. As correções que fiz nesta nova edição encontram-se, primordialmente, nessa área. Sempre que pude, sem incorrer numa dispendiosa tarefa de reescrever, aclarei a minha psicologia do mal — o “mal de cima” e não de baixo. Uma leitura atenta localizará essas revisões, muito embora sejam extremamente condensadas. [pág. 12] Essas alusões ao mal talvez soem aos leitores do presente livro como um paradoxo, ou uma contradição com as suas principais teses, mas não é, decididamente não é. Existem certamente homens bons, fortes e bem sucedidos no mundo — santos, sábios, bons líderes, responsáveis, candidatos a políticos, estadistas, homens de espírito forte, vencedores mais do que perdedores, pais em vez de filhos. Tais pessoas estão à disposição de quem quiser estudá-los como eu fiz. Mas nem por isso deixa de ser verdade que existem muito poucos, embora pudesse haver muitos mais, e são freqüentemente maltratados pelos seus semelhantes. Assim, isso também deve ser estudado, esse medo da bondade e da grandeza humanas, essa falta de conhecimento sobre como ser bom e forte, essa incapacidade para converter a nossa ira em atividades produtivas, esse temor da maturidade e da sublimação que nos chega com a maturidade, esse receio de nos sentirmos virtuosos, de nos amarmos a nós próprios, de sermos dignos de amor e de respeito. Especialmente, devemos aprender como transcender a nossa tendência insensata para deixar que a compaixão pelos fracos gere o ódio pelos fortes. É essa espécie de pesquisa que recomendo mais insistente e urgentemente aos jovens e ambiciosos psicólogos, sociólogos e cientistas sociais em geral. E a outras pessoas de boa vontade, que querem ajudar a construir um mundo melhor, recomendo veementemente que considerem a ciência — a ciência humanista — uma forma de fazer isso, uma forma muito boa e necessária, talvez até a melhor de todas. Simplesmente, não dispomos hoje de conhecimentos bastante idôneos para avançar na construção de Um Mundo Bom. Não dispomos sequer de conhecimentos suficientes para ensinar aos indivíduos como se amarem uns aos outros — pelo menos, com uma razoável dose de certeza. Estou convencido de que a melhor resposta está no progresso do conhecimento. Minha Psychology of Science, assim como Personal Knawledge, da autoria de Polanyi, são claras demonstrações de que a vida da ciência também pode ser uma vida de paixão, de beleza, de esperança para a humanidade e de revelação de valores. [pág. 13] AGRADECIMENTOS Desejo agradecer a bolsa que me foi concedida pelo Fundo para o Progresso da Educação, da Fundação Ford. Ela pagou-me não só um ano de licença, mas também o trabalho de duas secretárias dedicadas, as Sr.as Hilda Smith e Nona Wheeler, a quem desejo expressar aqui a minha gratidão. Dediquei este livro a Kurt Goldstein, originalmente, por inúmeras razões. Gostaria agora de expressar também a minha dívida para com Freud e todas as teorias que ele produziu e as contrateorias que elas geraram. Se eu tivesse de individual de uma “boa sociedade”; d) negligenciar o caráter exigente* da realidade não-humana e o seu fascínio e interesse intrínsecos; e) negligenciar o desprendimento do ego e a possibilidade de transcendência do eu; e, finalmente, f) sublinhar, por implicação, a atividade, mais do que a passividade ou receptividade. E tudo isso aconteceu apesar dos meus cuidadosos esforços para descrever o fato empírico de que as pessoas individuacionantes são altruístas, dedicadas, sociais, capazes de se transcenderem etc. (97, capítulo 14). A palavra “eu” parece desconcertar as pessoas, e as minhas redefinições e descrição empírica são amiúde impotentes diante do poderoso hábito lingüístico de identificar “eu” com “egoísta” e com autonomia pura. Para minha consternação, também verifiquei que alguns psicólogos inteligentes e capazes (70, 134, 157a) persistem em tratar a minha descrição empírica das características de pessoas individuacionantes como se eu tivesse arbitrariamente inventado essas características, em vez de descobri-las. “Plena realização humana” evita, segundo me parece, alguns desses equívocos. E “diminuição ou deficiência humana” também serve como melhor substituto para “doença” e até, porventura, para neurose, psicose e psicopatia. Pelo menos, esses termos são mais úteis para a teoria psicológica e social geral, quando não para a prática psicoterapêutica. Os termos “Ser” e “Devir” ou “Vir a Ser”, tal como os emprego em todo este livro, são ainda melhores, se bem que não estejam utilizados, por enquanto, de maneira suficientemente generalizada para servir como moeda corrente. Isso é deveras lamentável, porque a Psicologia do [pág. 16] Ser é certamente muito diferente da Psicologia do Devir e da Psicologia da Deficiência, como veremos. Estou convencido de que os psicólogos devem caminhar no sentido da reconciliação da S-psicologia com a D-psicologia,∗ isto é, do perfeito com o imperfeito, do ideal com o real, do eupsiquismo com o existente, do intemporal com o temporal, da Psicologia como fim com a Psicologia como meio. * Caráter exigente (demand-character) é empregado por Maslow de acordo com o conceito gestaltista que caracteriza os atributos provocadores de necessidade dos objetos. Assim, uma reluzente maça vermelha “exige” ser comida; um quadro impressionante “exige” ser olhado e admirado. (N. do T.) ∗ Por mera facilidade expositiva e narrativa, o Prof. Maslow decidiu referir-se à Being-psychology (Psicologia do Ser) como B-psychology, que vertemos para S-psicologia; e à deficiency-psychology (Psicologia da Deficiência) como D-psychology que, naturalmente, mantemos como D-Psicologia. (N. do T.) Este livro é uma continuação do meu Motivation and Personality, publicado em 1954. Foi elaborado mais ou menos da mesma maneira, isto é, fazendo uma peça de cada vez da mais vasta estrutura teórica. É um antecessor do trabalho a ser ainda realizado para a construção de uma Psicologia e Filosofia Geral, abrangente, sistemática e empiricamente baseada, que inclua as profundezas e as alturas da natureza humana. O último capítulo é, em certa medida, um programa para esse trabalho futuro e serve de ponte para ele. É uma primeira tentativa para integrar a “Psicologia da Saúde e Crescimento” com a Psicopatologia e a dinâmica psicanalítica, a dinâmica com a holística, o Devir com o Ser, o bem com o mal, o positivo com o negativo. Por outras palavras, constitui um esforço para construir, numa base psicanalítica geral e numa base científico-positivista de Psicologia experimental, a superestrutura eupsiquiana, S-psicológica e metamotivacional que falta a esses dois sistemas, superando os seus limites. Descobri que é muito difícil comunicar a outros o meu respeito e a minha impaciência simultâneos, ante essas duas psicologias abrangentes. Tantas pessoas insistem em ser ou a favor de Freud ou contra Freud, a favor da Psicologia Científica ou contra Psicologia Científica etc.! Na minha opinião, todas as posições de leadade desse gênero são idiotas. A nossa missão é integrar essas várias verdades na verdade total, que deverá constituir a nossa única lealdade. Para mim, é perfeitamente claro que os métodos científicos (concebidos em termos gerais) são o nosso único meio fundamental de estarmos certos de que temos a [pág. 17] verdade. Mas também aqui é demasiado fácil cometer um equívoco e cair numa dicotomia: a favor da ciência ou contra a ciência. Já escrevi sobre o assunto (97, capítulos 1, 2 e 3). Trata-se de críticas ao cientificismo ortodoxo do século XIX e tenciono prosseguir nesse empreendimento, no sentido de ampliar os métodos e a jurisdição da ciência, de modo a torná-la mais capaz de assumir as tarefas das novas psicologias pessoais e experienciais (104). A ciência, tal como é habitualmente concebida pelos ortodoxos, é inadequada para essas tarefas. Mas estou certo de que não precisa limitar-se a esses métodos ortodoxos. Não precisa abdicar dos problemas do amor, criatividade, valor, beleza, imaginação, ética e alegria, deixando tudo isso para os “não-cientistas”, os poetas, profetas, sacerdotes, dramaturgos, artistas ou diplomatas. Todas essas pessoas podem ter maravilhosas introvisões, formular interrogações que têm de ser feitas, aventar hipóteses desafiadoras e podem até estar certas e dizer a verdade na maioria das vezes. Mas, por muito seguras que elas possam estar, nunca poderão tornar a humanidade segura. Podem apenas convencer aqueles que já concordam com elas e alguns mais. A ciência é o único meio de que dispomos para enfiar a verdade pela goela abaixo dos relutantes. Somente a ciência pode superar as diferenças caracterológicas no ser e no crer. Somente a ciência pode progredir. Entretanto, permanece o fato de que ela chegou a uma espécie de beco sem saída e (em algumas de suas formas) pode ser encarada como uma ameaça e um perigo para a humanidade ou, pelo menos, para as mais elevadas e nobres qualidades e aspirações da humanidade. Muitas pessoas sensíveis, especialmente os artistas, receiam que a ciência macule e deprima, que dilacere coisas em vez de integrá-las e, por conseguinte, mate em vez de criar. Acho que nada disso é necessário. Tudo o que a ciência precisa para ser uma ajuda à plena realização humana positiva é ampliar e aprofundar a concepção da sua natureza, das suas metas e dos seus métodos. Espero que o leitor não ache esse credo incompatível com o tom algo literário e filosófico deste livro e daquele que o precedeu. De qualquer modo, eu não acho. Quando se esboça, a traços largos, uma teoria geral, é necessário [pág. 18] esse tipo de tratamento — temporariamente, pelo menos. Em parte, isso também se deve ao lato da maioria dos capítulos deste livro ter sido preparada, inicialmente, como conferências. Este livro, tal como o anterior, está repleto de afirmações que se baseiam em pesquisas-piloto, fragmentos de provas, observações pessoais, deduções teóricas e simples palpites. De um modo geral, estão redigidas de forma que se possa demonstrar a sua verdade ou falsidade. Quer dizer, são hipóteses, apresentadas mais para exame do que para crença final. Também são obviamente pertinentes, isto é, a sua possível correção ou incorreção é importante para outros ramos da Psicologia. Despertam interesse. Portanto, devem gerar pesquisas e assim espero que aconteça. Por todas essas razões, considero que este livro se situa mais no domínio da ciência, ou pré-ciência, do que no da exortação, ou da filosofia pessoal, ou da expressão literária. Aprendi muito com os meus colegas do Simpósio de Valores, realizado no MIT (102), especialmente Frank Bowditch, Robert Hartman, Gyorgy Kepes, Dorothy Lee e Walter Weisskopf. Adrian van Kaam, Rollo May e James Klee introduziram-me na literatura do existencialismo. Frances Wilson Schwartz (179, 180) foi quem me deu as primeiras lições sobre educação artística criadora e suas numerosas implicações para a Psicologia do Crescimento. Aldous Huxley (68a) foi um dos primeiros a convencer-me de que era melhor eu encarar a sério a Psicologia da Religião e do Misticismo. Feliz Deutsch ajudou-me a aprender Psicanálise de dentro para fora, experimentando-a. A minha dívida intelectual para com Kurt Goldstein é tão grande que lhe dediquei este livro. Grande parte deste livro foi escrita durante um ano de licença remunerada que devo à esclarecida política administrativa da minha Universidade. Desejo agradecer também ao Ella Lyman Cabot Trust a concessão de uma bolsa que me ajudou a libertar-me de preocupações monetárias durante esse ano dedicado a escrever. É muito difícil realizar um trabalho teórico contínuo durante o ano letivo normal. [pág. 21] A Sr.ta Verna Collette realizou a maior parte da datilografia deste livro. Desejo agradecer-lhe a sua incomum solicitude, paciência e árduo trabalho, pelo que estou extremamente grato. Devo também agradecimentos a Gwen Whately, Lorraine Kaufman e Sandy Mazer por sua ajuda secretarial. O capítulo 1 é uma versão revista de uma parte de uma conferência proferida na Cooper Union, Nova York, em 18 de outubro de 1954. O texto integral foi publicado em Self, um volume organizado por Clark Moustakas para a editora Harper & Bros., 1956, e é aqui usado com devida autorização da editora. Também foi reproduzido em J. Coleman, F. Libaw e W. Martinson, Success in College, em edição Scott, Foresman, 1961. O capítulo 2 é uma versão revista de uma dissertação lida perante um Simpósio sobre Psicologia Existencial, durante a Convenção de 1959 da Associação Psicológica Americana. Foi publicada inicialmente em Existentialist Inquiries, 1960, 1, 1-5, e é utilizada aqui com permissão do editor. Depois disso, foi reproduzido em Existential Psychology, volume organizado por Rollo May, Random House, 1961, e na revista Religious Inquiry, 1960, n.° 28, 4-7. O capitulo 3 é uma versão condensada de uma conferência lida no Simpósio sobre Motivação da Universidade de Nebrasca, em 13 de janeiro de 1955, e publicada no Nebraska Symposium on Motivation, 1955, volume organizado por M. R. Jones, University of Nebraska Press, 1955. É usado aqui com autorização do editor. Também foi reproduzido no General Semantics Bulletin, 1956, n.os 18 e 19, 32-42, e em J. Coleman, Personality Dynamics and Effective Behavior, Scott, Foresman, 1960. O capítulo 4 foi, originalmente, uma conferência proferida no Seminário sobre Crescimento da Merrill-Palmer School, em 10 de maio de 1956. Foi publicada no Merrill-Palmer Quarterly, 1956, 3, 36-47, e é utilizada aqui com permissão do editor. O capítulo 5 é uma revisão da segunda parte de uma conferência pronunciada na Universidade Tufts e que foi publicada na íntegra em The Journal of General Psychology, em 1963. É usada aqui com autorização do editor. A primeira metade da conferência resume todas as provas [pág. 22] existentes para justificar a proposição de uma necessidade instintóide de conhecimento. O capítulo 6 é uma versão revista da oração de posse na presidência da Divisão de Personalidade da Associação Psicológica Americana, em 1.° de setembro de 1956. O trabalho original foi publicado no Journal of Genetic Psychology, 1959, 94, 43-66, e utilizado aqui com permissão do editor. Foi reproduzido no International Journal of Parapsychology, 1960, 2, 23-54. O capítulo 7 é uma versão revista de uma conferência proferida durante uma sessão do Karen Horney Memorial Meeting on Identity and Alienation, celebrado em Nova York, em 5 de outubro de 1960, pela Association for the Advancement of Psychoanalysis. Publicada no American Journal of Psychoanalysis, 1961, 21, 254, é usada aqui com autorização dos editores. O capítulo 8 foi publicado primeiro no número de Kurt Goldstein do Journal of Individual Psychology, 1959, 15, 24-32, e é reproduzido aqui com permissão dos editores. O capítulo 9 é uma versão revista de um estudo publicado originalmente em Perspectives in Psychological Theory, volume organizado por B. Kaplan e S. Wapner, International Universities Press, 1960, uma coletânea de ensaios em homenagem a Heinz Werner. É aqui reproduzido com autorização dos organizadores e do editor. O capítulo 10 é uma versão revista de uma aula dada em 28 de fevereiro de 1959 na Universidade Estadual do Michigan, East Lansing, Michigan, dentro do curso sobre Criatividade. O curso completo foi publicado pela Harper & Bros. em 1959, num volume organizado por H. H. Anderson sob o título de Creativity and Its Cultivation. Essa lição é aqui usada com a permissão do organizador e da editora. Foi posteriormente reproduzido em Electro-Mechanical Design, 1959 (números de janeiro e agosto) e no General Semantics Bulletin, 1959-60, n.°s 23 e 24, 45-50. O capítulo 11 é uma revisão e ampliação de uma dissertação lida perante a Conference on New Knowledge in Human Values, 4 de outubro de 1954, organizada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Cambridge, Mass. Foi publicada em New Knowledge in Human Values, A. H. Maslow (org.), Harper & Bros., 1958, e é aqui usada com autorização da editora. [pág. 23] O capítulo 12 é uma versão revista e ampliada de uma conferência lida durante um Simpósio sobre Valores, Academia de Psicanálise, Nova York, em 10 de dezembro de 1960. O capítulo 13 foi uma comunicação apresentada ao Simpósio sobre as Implicações da Pesquisa de Saúde Mental Positiva, organizada pela Associação Psicológica do Leste, 15 de abril de 1960. Foi publicada no Journal of Humanistic Psychology, 1961, 1, 1-7, e usada aqui com autorização do editor. O capitulo 14 é uma versão revista e ampliada de um ensaio escrito em 1958 para o volume Perceiving, Behaving, Becoming: A New Focus for Education, organizado por A. Combs e publicado no 1962 Yearbook of the Association for Supervision and Curriculum Development (ASCD), NEA, Washington, DC, capítulo 4, págs. 34-39. Copyright (C) 1962 by the Association for Supervision and Curriculum Development, NEA. Reproduzido com autorização. Em parte, essas proposições constituem um resumo deste livro e do seu antecessor (97). Também em parte, é uma extrapolação programática para o futuro. [pág. 24] levar (e levam) a um comportamento maligno, mas não forçosamente. Esse resultado não é intrinsecamente necessário. A natureza humana está muito longe de ser tão má quanto se pensava. De fato, pode-se dizer que as possibilidades da natureza humana têm sido, habitualmente, depreciadas. 5. Como essa natureza humana é boa ou neutra, e não má, é preferível expressá-la e encorajá-la, em vez de a suprimir. Se lhe permitirmos que guie a nossa vida, cresceremos sadios, fecundos e felizes. 6. Se esse núcleo essencial da pessoa for negado ou suprimido, ela adoece, por vezes de maneira óbvia, outras vezes de uma forma sutil, às vezes imediatamente, algumas vezes mais tarde. 7. Essa natureza interna não é forte, preponderante e inconfundível, como os instintos dos animais. É frágil, delicada, sutil e facilmente vencida pelo hábito, a pressão cultural e as atitudes errôneas em relação a ela. 8. Ainda que frágil, raramente desaparece na pessoa normal — talvez nem desapareça na pessoa doente. Ainda que negada, persiste subjacente e para sempre, pressionando no sentido da individuação. 9. Seja como for, essas conclusões devem ser todas articuladas com a necessidade de disciplina, privação, frustração, dor e tragédia. Na medida em que essas experiências revelam, estimulam e satisfazem à nossa natureza interna, elas são experiências desejáveis. Está cada vez mais claro que essas experiências têm algo a ver com um sentido de realização e de robustez do ego; e, portanto, com o sentido de salutar amor-próprio e autoconfiança. A pessoa que não conquistou, não resistiu e não superou continua duvidando de que possa consegui-lo. Isso é certo não só a respeito dos perigos externos; também é válido para a capacidade de controlar e de protelar os próprios impulsos e, portanto, para não ter medo deles. [pág. 28] Assinale-se que, se a verdade desses pressupostos for demonstrada, eles prometem uma ética científica, um sistema natural de valores, uma corte de apelação suprema para a determinação do bem e do mal, do certo e errado. Quanto mais aprendemos sobre as tendências naturais do homem, mais fácil será dizer-lhe como ser bom, como ser feliz, como ser fecundo, como respeitar-se a si próprio, como amar, como preencher as suas mais altas potencialidades. Isso equivale à solução automática de muitos problemas da personalidade do futuro. A coisa a fazer, segundo me parece, é descobrir o que é que realmente somos em nosso âmago, como membros da espécie humana e como indivíduos. O estudo de tais pessoas, em sua plena individuação, poderá nos ensinar muito sobre os nossos próprios erros, as nossas deficiências, as direções adequadas em que devemos crescer. Todas as idades, exceto a nossa, tiveram seu modelo, seu ideal. Todos eles foram abandonados pela nossa cultura: o santo, o herói, o cavalheiro, o místico. Quase tudo o que nos resta é o homem bem ajustado, sem problemas, um substituto muito pálido e duvidoso. Talvez estejamos aptos em breve a usar como nosso guia e modelo o ser humano plenamente desenvolvido e realizado, aquele em que todas as suas potencialidades estão atingindo o pleno desenvolvimento, aquele cuja natureza íntima se expressa livremente, em vez de ser pervertida, desvirtuada, suprimida ou negada. A coisa mais séria que cada pessoa vivida e pungentemente reconheceu, cada uma por si própria, é que toda e qualquer abjuração da virtude da espécie, todo e qualquer crime contra a nossa própria natureza, todo e qualquer ato maldoso, cada um sem exceção, se registra no nosso próprio inconsciente e faz com que nos despre- zemos a nós mesmos. Karen Horney usou uma boa palavra para descrever essa percepção e recordação inconsciente; ela falou de “lançamento”. Se fazemos algo de que nos envergonhamos, isso é “lançado” a nosso descrédito, se fazemos algo honesto, ou admirável, ou bom, é “lançado” a nosso crédito. Os resultados líquidos, em última análise, só podem ser uma coisa ou outra: ou nos respeitamos e aceitamos, ou nos desprezamos e sentimos desprezíveis, inúteis e repulsivos. Os teólogos costumavam [pág. 29] usar a palavra “accidie” para descrever o pecado de não fazermos da nossa vida o que sabíamos que podia ser feito. Esse ponto de vista não desmente, em absoluto, o usual quadro freudiano. Pelo contrário, adiciona-se-lhe e suplementa-o. Para simplificar a questão, é como se Freud nos tivesse fornecido a metade doente da Psicologia e nós devêssemos preencher agora a outra metade sadia. Talvez essa Psicologia da Saúde nos proporcione mais possibilidades para controlar e aperfeiçoar as nossas vidas e fazer de nós melhores pessoas. Talvez isso seja mais proveitoso do que indagar “como ficar não-doente”. De que forma poderemos encorajar o livre desenvolvimento? Quais são as melhores condições educacionais para isso? Sexuais? Econômicas? Políticas? De que espécie de mundo precisamos para que tais pessoas nele cresçam? Que espécie de mundo essas pessoas criarão? As pessoas doentes são feitas por uma cultura doente; as pessoas sadias são possíveis através de uma cultura saudável. Melhorar a saúde individual é um método para fazer um mundo melhor. Por outras palavras, o encorajamento do desenvolvimento individual é uma possibilidade real; a cura dos sintomas neuróticos reais é muito menos possível sem ajuda exterior. É relativamente fácil tentar, deliberadamente, tornarmo-nos homens mais honestos; é muito difícil tentar curar as nossas próprias compulsões ou obsessões. O método clássico de encarar os problemas da personalidade considera-os problemas num sentido indesejável. Luta, conflito, culpa, autopunição, sentimento de inferioridade ou de indignidade, má consciência, ansiedade, depressão, frustração, tensão, vergonha — tudo isso causa dor psíquica, perturba a eficiência do desempenho e é incontrolável. Portanto, as pessoas são automaticamente consideradas doentes e indesejáveis, e têm de ser “curadas” o mais depressa possível. Mas todos esses sintomas são igualmente encontrados em pessoas sadias ou em pessoas que estão crescendo saudavelmente. Suponhamos que o leitor devia sentir-se culpado e não se sente? Suponhamos que atingiu uma bela estabilização de forças e está ajustado? Será, talvez, que o ajustamento e a estabilização, conquanto bons porque [pág. 30] eliminam a dor, também são maus, visto que cessa o desenvolvimento no sentido de um ideal superior? Erich Fromm, num livro muito importante (50), atacou a clássica noção freudiana de um Superego porque esse conceito era inteiramente autoritário e relativista. Quer dizer, Freud supunha que o nosso superego ou a nossa consciência era, primordialmente, a internalização dos desejos, exigências e ideais do pai e da mãe, quem quer que eles fossem. Mas, supondo que eram criminosos? Então, que espécie de consciência temos? Ou supondo que temos um pai rigidamente moralizante, que detesta divertimentos? Ou um psicopata? Essa consciência existe — Freud estava certo. Obtemos os nossos ideais, em grande parte, dessas primeiras figuras e não dos livros recomendados pela Escola Dominical, que lemos mais tarde. Mas existe também outro elemento na consciência ou, se preferirem, outra espécie 2 O que a Psicologia Pode Aprender dos Existencialistas Se estudarmos o existencialismo do ponto de vista de “O que é que nele interessa ao psicólogo?”, encontramos muita coisa que é demasiado vaga e demasiado difícil de entender no plano científico (não confirmável ou desconfirmável). Mas também encontramos muita coisa proveitosa. De um tal ponto de vista, verificamos que não se trata tanto de uma revelação totalmente nova quanto de uma enfatização, confirmação, refinamento e redescoberta de tendências já existentes na “Psicologia da Terceira Força”. Quanto a mim, a Psicologia Existencial significa, essencialmente, duas ênfases principais. Primeiro, é uma acentuação radical do conceito de identidade e da expe- riência de identidade como um sine qua non da natureza humana e de qualquer filosofia ou ciência da natureza humana. Escolho esse conceito como o básico, em parte porque o compreendo melhor do que termos como essência, existência, ontologia etc.; e, em parte, porque também acho que pode ser trabalhado empiricamente, se não agora, pelo menos em breve. Mas, então, resulta um paradoxo, pois os psicólogos americanos também ficaram impressionados com a busca de identidade. (Allport, Rogers, Goldstein, Fromm, Wheelis, Erikson, Murray, Murphy, Horney, May e outros.) E devo acrescentar que esses autores são muito mais [pág. 35] claros e estão muito mais próximos dos latos concretos, isto é, são mais empíricos do que, por exemplo, os alemães, Heidegger, Jaspers. Em segundo lugar, incute grande ênfase a que se parta do conhecimento experimental, e não de sistemas de conceitos ou categorias abstratas ou apriorísticas. O existencialismo assenta na fenomenologia, isto é, usa a experiência pessoal e subjetiva como fundação sobre a qual o conhecimento abstrato é construído. Mas houve muitos psicólogos que também partiram dessa mesma ênfase, para não mencionar as várias escolas de psicanalistas. 1. Portanto, a conclusão número 1 é que os filósofos europeus e os psicólogos americanos não estão tão distanciados uns dos outros quanto parece à primeira vista. Nós, americanos, estivemos “fazendo prosa o tempo todo sem saber”. Em parte, é claro, esse desenvolvimento simultâneo em diferentes países é, por si mesmo, uma indicação de que as pessoas que chegaram ou estão chegando independentemente às mesmas conclusões estão respondendo todas a algo real, fora delas próprias. 2. Esse algo real, creio eu, é o colapso total de todas as fontes de valores fora do indivíduo. Muitos existencialistas europeus estão reagindo, em grande parte, à conclusão de Nietzsche de que Deus está morto e talvez ao fato de que Marx também está morto. Os americanos aprenderam que a democracia política e a prosperidade econômica não resolvem, por si sós, qualquer dos problemas em torno dos valores básicos. Não há outro lugar para onde nos voltarmos senão para dentro, para o eu, como local de valores. Paradoxalmente, até alguns existencialistas religiosos concordam em boa parte com essa conclusão. 3. É extremamente importante, para os psicólogos, que os existencialistas possam suprir a Psicologia de uma Filosofia subjacente que lhe falta agora. O positivismo lógico foi um fracasso, especialmente para os psicólogos clínicos e da personalidade. De qualquer modo, os problemas filosóficos básicos certamente serão reabertos para [pág. 36] discussão e talvez os psicólogos deixem de confiar em pseudo-soluções ou em Filosofias inconscientes, não examinadas, que aprenderam quando crianças. 4. Um enunciado alternativo do âmago (para nós, americanos) do existencialismo europeu é que se ocupa, radicalmente, daquela situação humana criada pelo hiato entre as aspirações e as limitações do homem (entre o que o ser humano é, o que ele gostaria de ser e o que poderia ser). Isso não está tão longe quanto poderá parecer, à primeira vista, do problema de identidade. Uma pessoa é realidade e potencialidade. Não tenho dúvida alguma, em meu espírito, de que uma preocupação séria com essa discrepância poderia revolucionar a Psicologia. Várias literaturas já apóiam tal conclusão, por exemplo, os testes projetivos, a individuação, as várias experiências culminantes1 (em que esse hiato é superado), as Psicologias de raiz junguiana, os vários pensadores teológicos etc. Não só isso, mas também levantam os problemas e técnicas de integração dessa natureza dupla do homem, a inferior e a superior, a sua condição de criatura e a sua sublimação divina. De um modo geral, a maioria das filosofias e religiões, tanto as orientais como as ocidentais, procedeu a uma dicotomia dessa dupla natureza, ensinando que a forma de nos tornarmos “superiores” é renunciando e subjugando “o inferior”. Contudo, os existencialistas nos ensinam que ambas são, simultaneamente, características definidoras de uma natureza humana. Nenhuma delas pode ser repudiada; só podem ser integradas. Mas já conhecemos alguma coisa dessas técnicas de integração — a introvisão (insight), o intelecto, na sua mais ampla acepção, o amor, a criatividade, o humor e a tragédia, o jogo, a arte. Desconfio que focalizaremos doravante os nossos estudos nessas técnicas integradoras, mais do que fizemos no passado. Outra conseqüência para o que penso a respeito dessa ênfase sobre a dupla natureza do homem é a compreensão [pág. 37] de que alguns problemas devem permanecer eternamente insolúveis. 5. Disso decorre, naturalmente, um interesse pelo ser humano ideal, autêntico, perfeito ou de essência divina, um estudo das potencialidades humanas tal como existem agora, num certo sentido, como realidade corrente cognoscível. Isso pode também soar com um timbre meramente literário, mas não é. Lembro ao leitor que isso é apenas uma maneira diferente de formular as velhas e irrespondidas perguntas: “Quais são as metas da terapia? Da educação? Da criação dos filhos?” Também implica outra verdade e outro problema que requer atenção urgente. Praticamente, toda e qualquer descrição séria da “pessoa autêntica” existente implica que uma tal pessoa, em virtude daquilo em que se tornou, assume uma nova relação 1 O Prof. Maslow deu-lhes o nome de peak-experiences. Creio que a minha tradução para “experiências culminantes” corresponde fielmente à idéia do Autor. Cf. por exemplo, no capitulo 7: “3. A pessoa nas experiências culminantes sente-se no auge de seus poderes, usando todas as suas capacidades da melhor e da mais completa forma”. (N. do T.) com as suas demonstrações excruciantemente meticulosas e laboriosas, podem reensinar-nos que a melhor maneira de compreender outro ser humano ou, pelo menos, uma maneira necessária para alguns fins, é penetrar na Wettanschauung desse ser humano e ser capaz de ver o seu mundo, através dos seus olhos. É claro, uma tal conclusão é rudimentar, à luz de qualquer Filosofia positivista da ciência. 11. A ênfase existencialista sobre a solidão fundamental do indivíduo é um útil lembrete para nós, não só para uma elaboração mais completa dos conceitos de decisão, ou responsabilidade, de escolha, de formação do eu e autonomia, enfim, o próprio conceito de identidade. Também torna mais problemático e mais fascinante o mistério da comunicação entre solidões, através, de por exemplo, intuição e empatia, amor e altruísmo, identificação [pág. 40] com outros e a homonomia em geral. Consideramos tais coisas axiomáticas. Seria melhor que as considerássemos milagres a serem explicados. 12. Outra preocupação dos autores existencialistas pode ser, creio eu, descrita de maneira muito simples. Trata-se da seriedade e profundidade da existência (ou, talvez, o “sentimento trágico da vida”), em contraste com a vida superficial e frívola, que é uma espécie de existência diminuída, uma defesa contra os problemas funda- mentais da vida. Isso não é um mero conceito literário. Tem verdadeiro significado operacional, por exemplo, na psicoterapia. Tenho ficado (como outros) cada vez mais impressionado com o fato da tragédia poder, por vezes, ser terapêutica, e da terapia parecer, com freqüência, atuar melhor quando as pessoas são impelidas para ela pela dor. É quando a vida frívola não funciona que é posta em dúvida e ocorre então um apelo aos valores fundamentais. A superficialidade tampouco funciona em Psicologia, como os existencialistas estão demonstrando muito claramente. 13. Os existencialistas, a par de muitos outros grupos, estão ajudando a ensinar-nos os limites da racionalidade verbal, analítica e conceptual. Fazem parte do atual retorno à experiência concreta, como anterior a quaisquer conceitos ou abstrações. Isso equivale ao que acredito ser uma justificada crítica a todo o modo de pensar do mundo ocidental no século XX, incluindo a Ciência e a Filosofia positivistas ortodoxas, as quais estão precisando urgentemente de reexame. 14. Possivelmente, a mais importante de todas as mudanças a serem forjadas pelos fenomenologistas e existencialistas é uma revolução, há muito esperada, na teoria da Ciência. Eu não devia dizer “forjadas”, mas “coadjuvadas”, porque há muitas outras forças ajudando a destruir a Filosofia oficial da Ciência, ou o “cientificismo”. Não é apenas a divisão cartesiana entre sujeito e objeto que precisa ser superada. Há outras mudanças radicais que se tornaram necessárias pela inclusão da psique e da experiência concreta na realidade; e tal mudança afetará não só a Ciência da Psicologia, mas também todas as outras ciências, por exemplo, a parcimônia, a simplicidade, [pág. 41] a precisão, a ordem, a lógica, a elegância, a definição etc., são mais do domínio da abstração do que da experiência. 15. Termino com o estímulo que mais poderosamente me afetou na literatura existencialista, a saber, o problema do tempo futuro em Psicologia. Não que isso, como todos os outros problemas ou influências que mencionei até agora, me fosse totalmente estranho nem, imagino eu, para qualquer estudioso sério da teoria da personalidade. Os escritos de Charlotte Buhler, Gordon Allport e Kurt Goldstein também nos devem ter sensibilizado para a necessidade de abordar e sistematizar o papel dinâmico do futuro na personalidade atualmente existente, por exemplo, o crescimento, o devir e a possibilidade apontam, necessariamente, para o futuro; o mesmo pode dizer-se dos conceitos de potencialidade e de expectativa, de desejar e de imaginar; a redução ao concreto é uma perda de futuro; a ameaça e a apreensão apontam para o futuro (sem futuro = sem neurose); a individuação é desprovida de significado sem referência a um futuro correntemente ativo; a vida pode ser uma gestalt no tempo etc. etc. Entretanto, a importância básica e central desse problema para os existencialistas tem algo a ensinar-nos, por exemplo, o estudo de Erwin Strauss no volume de Rollo May (110). Acho que é de justiça dizer-se que nenhuma teoria da Psicologia será jamais completa se não incorporar, de forma central, o conceito de que o homem tem o seu futuro dentro dele próprio, dinamicamente ativo neste momento presente. Nesse sentido, o futuro pode ser tratado como a-histórico, no sentido de Kurt Lewin. Também devemos compreender que somente o futuro é, em princípio, desconhecido e incognoscível, o que significa que todos os hábitos, defesas e mecanismos de resistência são duvidosos e ambíguos, visto que se baseiam na experiência passada. Somente a pessoa flexivelmente criadora pode realmente dominar o futuro, unicamente aquela que é capaz de enfrentar a novidade com confiança e sem medo. Estou convencido de que muito do que chamamos hoje Psicologia consiste no estudo dos artifícios que usamos para evitar a ansiedade da novidade absoluta, fazendo acreditar que o futuro será como o passado. [pág. 42] Conclusão Estas considerações corroboram a minha esperança de que estamos testemunhando uma expansão da Psicologia, não o desenvolvimento de um novo “ismo” que possa redundar numa antipsicologia ou uma anticiência. É possível que o existencialismo não só enriqueça a Psicologia, mas constitua também um impulso adicional no sentido do estabelecimento de outro ramo da Psicologia: a Psicologia do Eu autêntico e plenamente desenvolvido, e de seus modos de ser. Sutich sugeriu que se desse a isso o nome de Ontopsicologia. Sem dúvida, parece cada vez mais evidente que aquilo a que chamamos “normal” em Psicopatologia é, realmente, uma Psicopatologia do indivíduo comum, tão vulgar e tão generalizada que, habitualmente, nem a notamos. O estudo existencialista da pessoa autêntica e da existência autêntica ajuda a colocar esse artificialismo geral, essa existência baseada em ilusões e no medo, sob uma luz crua e forte que revela claramente a sua natureza doentia, ainda que amplamente compartilhada. Não creio que necessitemos tomar excessivamente a sério o martelar exclusivo dos existencialistas europeus sobre o temor, a angústia, o desespero etc., para os quais o único remédio parece ser a manutenção de uma conduta de altaneira superioridade e estoicismo. Essa lamúria em torno de um alto QI numa escala cósmica ocorre sempre que uma fonte externa de valores deixa de funcionar. Eles deveriam ter aprendido com os psicoterapeutas que a perda de ilusões e a descoberta de identidade, embora dolorosas no começo, podem ser, finalmente, estimulantes e fortalecedoras. E depois, é claro, a ausência de qualquer menção de experiências culminantes, de experiências de júbilo ou êxtase, ou mesmo de felicidade normal, leva à forte suspeita de que esses autores são “não-culminativos”, isto é, pessoas que não experimentam alegria em toda a sua plenitude. É como se pudessem ver apenas 3 Motivação de Deficiência e Motivação de Crescimento O conceito de “necessidade básica” pode ser definido em função das perguntas a que responde e das operações que o desvendam (97). A minha interrogação original foi sobre psicopatogênese. “O que é que faz as pessoas neuróticas?” A minha resposta (uma modificação e, penso eu, um progresso em relação ã resposta analítica) foi, em resumo, que a neurose parecia ser, em seu núcleo e em seu começo, \urna doença de deficiência; que se originava na privação de certas satisfações, a que chamei necessidades, no mesmo sentido em que a água, os aminoácidos e o cálcio são necessidades, isto é, a sua ausência produz doença. A maioria das neuroses envolve, a par de outras determinantes complexas, desejos insatisfeitos de segurança, de filiação e de identificação, de estreitas relações de amor, de respeito e prestígio. Os meus “dados” foram reunidos ao longo de doze anos de trabalho piscoterapêutico e pesquisa, e de vinte anos de estudo da personalidade. Uma óbvia pesquisa de controle (feita ao mesmo tempo e na mesma operação) foi sobre o efeito da terapia de substituição, a qual mostrou, com muitas complexidades, que as doenças tendiam a desaparecer quando essas deficiências eram eliminadas. Essas conclusões, que hoje, de fato, são compartilhadas pela maioria dos psicólogos clínicos, dos psicoterapeutas e dos psicólogos infantis (muitos deles usariam [pág. 47] uma fraseologia diferente da minha) tornaram mais possível, ano após ano, definir necessidade, de uma forma natural, fácil e espontânea, como uma generalização dos dados experienciais concretos (em vez de, arbitrária e prematuramente, por “decreta”, antes da acumulação de conhecimentos e não subseqüentemente (141), tão-só por uma questão de maior objetividade). As características de deficiência são, pois, a longo prazo, as seguintes. Ela é uma necessidade básica ou instintóide se 1. a sua ausência gerar doença, 2. a sua presença evitar a doença, 3. a sua restauração curar a doença, 4. em certas situações (muito complexas) de livre escolha, for preferida a outras satisfações pela pessoa privada, 5. for comprovadamente inativa, num baixo nível, ou funcionalmente ausente na pessoa sadia. Duas características adicionais são subjetivas, a saber, o anseio e desejo consciente ou inconsciente, e a sensação de carência ou deficiência, como de algo que falta, por uma parte, e, por outra, de palatabilidade. (“Isso sabe bem.”) Uma última palavra sobre definição. Muitos dos problemas que têm flagelado os autores nessa área, quando tentaram definir e delimitar a motivação, são uma con- seqüência da demanda exclusiva de critérios comportamentais, externamente observáveis. O critério original de motivação e aquele que ainda é usado por todos os seres humanos, exceto os psicólogos behavioristas, é o subjetivo. Sou motivado quando sinto desejo, ou carência, ou anseio, ou desejo, ou falta. Ainda não foi descoberto qualquer estado objetivamente observável que se correlacione decen- temente com essas informações subjetivas, isto é, ainda não foi encontrada uma boa definição comportamental de motivação. Ora, evidentemente, nós devemos persistir na procura de correlatos ou indicadores objetivos de estados subjetivos. No dia em que descobrirmos um tal indicador público e externo do prazer, da ansiedade ou do desejo, a Psicologia terá avançado um século. Mas, até que o descubramos, não devemos fazer crer que já o conseguimos. Nem devemos [pág. 48] negligenciar os dados subjetivos de que dispomos. É uma pena que não possamos pedir a um rato que nos forneça informações subjetivas. Felizmente, porém, podemos pedi-las ao ser humano e não existe razão alguma no mundo que nos impeça de fazê-lo, enquanto não dispuser- mos de melhor fonte de dados. Essas necessidades é que constituem, essencialmente, deficits no organismo, por assim dizer, buracos vazios que devem ser preenchidos a bem da saúde e, além disso, devem ser preenchidos de fora por outros seres humanos que não sejam o próprio sujeito; e é às que eu chamo necessidades por deficit ou de deficiência para os fins dessa exposição e para situá-las em contraste com outra e muito diferente espécie de motivação. Não ocorreria a ninguém pôr em dúvida a afirmação de que “necessitamos” de iodo ou vitamina C. Quero lembrar que a prova de que “necessitamos” de amor é exatamente do mesmo tipo. Em anos recentes, um número cada vez maior de psicólogos viu-se compelido a postular alguma tendência para o crescimento ou autoperfeição, a fim de suplementar os conceitos de equilíbrio, homeostase, redução de tensão, defesa e outras motivações conservadoras. Isso ocorreu por várias razões. 1. Psicoterapia. A pressão no sentido da saúde torna possível a terapia. É um sine qua non absoluto. Se não existisse tal tendência, a terapia seria inexplicável, na medida em que vai além da construção de defesas contra a dor e a ansiedade (6, 142, 50, 67). 2. Soldados com lesões cerebrais. O trabalho de Goldstein (55) é bem conhecido de todos. Ele considerou necessário inventar o conceito de individuação para explicar a reorganização das capacidades da pessoa, depois da lesão. 3. Psicanálise. Alguns analistas, notadamente, Fromm (50) e Horney (67), consideraram impossível compreender até as neuroses, a menos que se postule que elas são uma versão destorcida de um impulso para o crescimento, a perfeição do desenvolvimento, a plena realização das possibilidades da pessoa. [pág. 49] 4. Criatividade. Muita luz está sendo projetada sobre a questão geral da criatividade pelo estudo do crescimento de pessoas sadias, especialmente em contraste com pessoas doentes. Em particular, a teoria da arte e da educação artística requer um conceito de crescimento e espontaneidade (179, 180). 5. Psicologia Infantil. A observação de crianças mostra-nos cada vez mais claramente que as crianças sadias comprazem-se no crescimento e no movimento para diante ou progresso, na aquisição de novas aptidões, capacidades e poderes. Isso está em franca contradição com aquela versão da teoria freudiana que concebe São elas: 1. Percepção superior da realidade. 2. Aceitação crescente do eu, dos outros e da natureza. 3. Espontaneidade crescente. 4. Aumento de concentração no problema. 5. Crescente distanciamento e desejo de intimidade. 6. Crescente autonomia e resistência à enculturação. 7. Maior originalidade de apreciação e riqueza de reação emocional. 8. Maior freqüência de experiências culminantes. 9. Maior identificação com a espécie humana. 10. Relações interpessoais mudadas (o clínico diria, neste caso, melhoradas). 11. Estrutura de caráter mais democrática. 12. Grande aumento de criatividade. 13. Certas mudanças no sistema de valores. Além disso, também descrevemos neste livro as limitações impostas à definição por inevitáveis deficiências na amostragem e na acessibilidade dos dados. Uma grande dificuldade nessa concepção, tal como foi apresentada até agora, consiste no seu caráter algo estático. A individuação, dado que a tenho estudado sobretudo em pessoas mais velhas, tende a ser vista como um estado final ou último de coisas, uma meta distante, em vez de um processo dinâmico e ativo durante a vida inteira, Ser em vez de Vir a Ser. [pág. 52] Se definirmos o crescimento como os vários processos que levam a pessoa no sentido da sua individuação final, então isso ajusta-se melhor ao fato observado que se está desenrolando o tempo todo, na biografia do indivíduo. Também desencoraja a concepção gradativa, saltante, de tudo ou nada, da progressão motivacional para a individuação, em que as necessidades básicas são completamente satisfeitas, uma por uma, antes de surgir na consciência a necessidade seguinte e mais elevada. Assim, o crescimento é visto não só como a satisfação progressiva de necessidades básicas, até ao ponto em que elas “desaparecem”, mas também na forma de motivações específicas do crescimento, além e acima dessas necessidades básicas, por exemplo, talentos, capacidades, tendências criadoras, potencialidades constitucionais. Dessa maneira, somos também ajudados a compreender que necessidades básicas e individuação não se contradizem entre si mais do que a infância e a maturidade. Uma pessoa transita de uma para a outra e a primeira é condição prévia e necessária da segunda. A diferenciação entre essas necessidades de crescimento e as necessidades básicas, que iremos explorar aqui, é uma conseqüência da percepção clínica de diferenças qualitativas entre a vida motivacional dos que conquistaram a sua própria autonomia ou individuação e das outras pessoas. Essas diferenças, abaixo enumeradas, são razoavelmente, ainda que não perfeitamente, descritas pelos nomes de necessidades por deficiências e necessidades de crescimento. É claro que nem todas as necessidades fisiológicas são deficits, por exemplo, sexo, eliminação, sono e repouso. Em qualquer dos casos, a vida psicológica da pessoa, em muitos dos seus aspectos, é vivida de forma diferente quando ela é propensa à satisfação das necessidades de deficiência e quando é dominada pelo crescimento, ou “metamotivada”, ou motivada pelo crescimento ou pela necessidade de individuação. As seguintes diferenças deixam isso bem claro. 1. Atitude em Relação ao Impulso: Rejeição de Impulso e Aceitação de Impulso Praticamente, todas as teorias históricas e contemporâneas de motivação se unem na consideração das necessidades, [pág. 53] impulsos e estados motivadores, em geral, como importunos, irritantes, indesejáveis, desagradáveis, enfim, como algo de que nos devemos livrar. O comportamento motivado, a procura de metas, as respostas consumatórias, são técnicas para reduzir esses tipos de desconforto. Essa atitude é assumida, de maneira muito explícita, em numerosas descrições amplamente usadas da motivação como redução de necessidade, redução de tensão, redução de impulso e redução de ansiedade. Tal abordagem é compreensível na Psicologia Animal e no Behaviorismo, que se baseia tão substancialmente no trabalho com animais. É possível que os animais tenham unicamente necessidades por deficiência. Se assim é ou não, temos tratado os animais, em todo o caso, como se assim fosse, a bem da objetividade. Um objeto- meta tem de ser algo fora do organismo animal, para que possamos medir o esforço despendido pelo animal na realização desse objetivo. Também é compreensível que a Psicologia Freudiana tenha sido erguida sobre a mesma atitude em relação à motivação, ou seja, que os impulsos são perigosos e devem ser combatidos. No fim de contas, essa Psicologia baseia-se, toda ela, na experiência com pessoas doentes, pessoas que, de fato, sofrem de más experiências com as suas necessidades, e com as suas satisfações e frustrações. Não admira, pois, que essas pessoas temam ou odeiem até os seus impulsos que lhes causaram tais perturbações e que elas manipulam tão mal; e que uma forma usual de manipulação seja a repressão. Essa degradação do desejo e da necessidade tem sido, é claro, um tema constante ao longo da história da Filosofia, Teologia e Psicologia. Os estóicos, a maioria dos hedonistas, praticamente todos os teólogos, muitos filósofos políticos e a maior parte dos teorizadores econômicos uniram-se na afirmação do fato de que o bem, ou felicidade, ou prazer, é essencialmente a conseqüência da melhoria desse desagradável estado de coisas de carência, de desejo, de necessidade. Para dizê-lo da maneira mais sucinta possível, todas essas pessoas acham que o desejo ou impulso é um inconveniente ou mesmo uma ameaça; e, portanto, tentarão livrar-se dela, negá-lo ou evitá-lo. [pág. 54] Essa asserção é, por vezes, uma explicação exata do caso. As necessidades fisiológicas, as necessidades de segurança, amor, respeito, informação, constituem, de fato, com freqüência, inconvenientes para muitas pessoas, fatores de perturbação psíquica e geradores de problemas, especialmente para aquelas que tiveram experiências mal sucedidas na tentativa de satisfazê-las e para aquelas que não podem contar agora com a sua satisfação. Contudo, mesmo no caso dessas deficiências, as alegações não sublinham adequadamente o que se passa: podemos aceitar e desfrutar as nossas necessidades e acolhê-las na consciência se a) a experiência passada com elas foi satisfatória e b) se podemos contar com a satisfação presente e futura. Por exemplo, se uma pessoa sentiu, em geral, prazer em comer e se dispõe agora de boa comida, o surgimento de apetite na consciência é bem recebido, em vez de ser temido. (“O inconveniente de comer é que mata o meu apetite.”) Algo do mesmo gênero é verdadeiro no tocante à sede, ao sono, ao sexo, às necessidades de dependência e às necessidades de amor. Contudo, uma refutação muito mais poderosa da teoria da “necessidade-é-um- recrudescimento constante da compreensão sobre outras pessoas ou sobre o universo, ou sobre nós próprios; o desenvolvimento da criatividade em qualquer campo ou, mais importante ainda, a simples ambição de ser um bom ser humano? Wertheimer (172) salientou há muito tempo outro aspecto dessa mesma diferenciação, ao afirmar, num aparente paradoxo, que a atividade para a realização de autênticos objetivos cobre menos de 10% do seu tempo. A atividade pode ser desfrutada intrinsecamente (a atividade pela atividade) ou então só tem valor porque constitui um instrumento para gerar uma satisfação desejada. Neste último caso, perde o seu valor e deixa de ser agradável quando não consegue ser eficiente ou bem sucedida. Mais freqüentemente, não é motivo de prazer algum, visto que só o objetivo é saboreado. Isso é semelhante àquela atitude em relação à vida que a aprecia menos pelo que ela é o pelo que nos oferece do que pelo fato de, no fim dela, irmos para o Céu. A observação em que se baseia essa generalização é que as pessoas dotadas de capacidade; [pág. 57] de individuação desfrutam a vida em geral e, praticamente, em todos os seus aspectos, enquanto que as outras pessoas gozam apenas de momentos dispersos de triunfo, de realização ou de clímax ou experiências culminantes. Em parte, essa validade intrínseca da existência provém da natureza inerentemente agradável do crescimento e do ser crescido. Mas também promana da capacidade das pessoas sadias para transformarem a atividade-meio em experiência- fim, de modo que até a atividade instrumental é desfrutada como se fosse uma atividade final (97). A motivação do crescimento pode ter um caráter a longo prazo. A maioria do tempo de vida poderá estar envolvida em tornarmo-nos tons psicólogos ou bons artistas. Todas as teorias de equilíbrio, ou homeostase, ou repouso, tratam apenas de episódios a curto prazo, cada um dos quais nada tem a ver com os outros. Allport, em particular, sublinhou esse ponto. Traçar planos e pensar no futuro, acentuou ele, fazem parte da substância central ou da natureza humana sadia. Concorda Allport (2) que “os motivos de déficit requerem, de fato, a redução de tensão e a restauração do equilíbrio. Os motivos de crescimento, por outro lado, mantêm a tensão no interesse de objetivos distantes e freqüentemente inatingíveis. Como tal, eles fazem distinção entre o devir animal e o devir humano, e entre o devir infantil e o do adulto”. 3. Efeitos Clínicos e Personológicos da Satisfação As satisfações da necessidade por déficit e as satisfações da necessidade de crescimento têm efeitos subjetivos e objetivos diferenciais sobre a personalidade. Se me permitem enunciar o que pretendo dizer aqui de uma forma generalizada, os termos são os seguintes: a satisfação de deficiências evita a doença; as satisfações do crescimento produzem a saúde positiva. Devo reconhecer que, no presente, isso será difícil de fixar para fins de pesquisa. Entretanto, existe uma verdadeira diferença clínica entre rechaçar ameaças ou ataques e o triunfo e a realização positivos; entre proteger, defender e preservar o eu e esforçar-se por atingir a plena realização, a excitação e a ampliação do eu. Tentei expressar isso como um contraste entre viver plenamente e a preparação para viver plenamente, entre crescer e ser crescido. Outro contraste [pág. 58] que usei (94, capítulo 10) foi entre mecanismos de defesa (para eliminar a dor) e mecanismos de interação (para triunfar e superar as dificuldades). 4. Diferentes Espécies de Prazer Erich Fromm (50) realizou um interessante e importante esforço para distinguir os prazeres superiores dos inferiores, como fizeram tantos antes dele. Isso é uma necessidade crucial para romper caminho através da relatividade ética subjetiva e é um requisito prévio para uma teoria científica de valores. Fromm distingue o prazer de escassez do prazer de abundância, o prazer “inferior” da saciação de uma necessidade do prazer “superior” de produção, criação e desenvolvimento da introvisão. A saciedade, o relaxamento e a perda de tensão que se segue à saciação de deficiência podem, na melhor das hipóteses, ser denominados “alívio”, em contraste com o Funktionslust, o êxtase, a serenidade, que uma pessoa experimenta quando funciona facilmente, perfeitamente e no auge de seus poderes — por assim dizer, em “superprise” (ver o capítulo 7). O “alívio”, dependendo tão fortemente de algo que desaparece, tem maiores probabilidades de desaparecer. Deve ser menos estável, menos duradouro, menos constante do que o prazer que acompanha o crescimento, o qual pode continuar se desenrolando para sempre. 5. Estados-Metas Atingíveis (Episódicos) e Inatingíveis A satisfação da necessidade por deficiência tende a ser episódica e ascendente. O mais freqüente esquema, neste caso, começa com um estado instigador e motivador que desencadeia o comportamento motivado, destinado a realizar um estado-meta que, aumentando gradual e constantemente em desejo e excitação, atinge finalmente um pico, num momento de sucesso e consumação. Desse pico, a curva de desejo, excitação e prazer cai rapidamente para um platô de sereno alívio de tensão e falta de motivação. Esse esquema, embora não seja universalmente aplicável, contrasta acentuadamente, em todo o caso, com a situação de motivação de crescimento, porquanto, neste caso, caracteristicamente, não existe clímax ou consumação, [pág. 59] nenhum momento orgástico, nenhum estado final, nem sequer uma meta, se esta for definida em termos de clímax. Pelo contrário, o crescimento é um desenvolvi- mento contínuo, mais ou menos em constante progressão. Quanto mais se obtém, mais se quer, de modo que essa espécie de carência é interminável e nunca pode ser atingida ou satisfeita. Por essa razão é que a separação usual entre instigação, comportamento em função de um objetivo, o objeto-meta e o efeito concomitante se decompõe completamente. O comportamento é, em si mesmo, o objetivo; e diferençar a meta do crescimento da instigação para o crescimento é impossível. Uma e outra são, de fato, a mesma coisa. 6. Metas da Espécie e Metas Idiossincrásicas As necessidades deficitárias são compartilhadas por todos os membros da espécie humana e, em certa medida, também por outras espécies. A individuação é idiossincrásica, visto que as pessoas são todas diferentes umas das outras. Os deficits, isto é, os requisitos da espécie, devem ser ordinariamente satisfeitos, de maneira razoável, antes da individualidade real poder desenvolver-se plenamente. Assim como todas as árvores precisam de sol, água e alimento do ambiente, também todas as pessoas necessitam de segurança, amor e status em seu próprio meio. Contudo, em ambos os casos, isso é justamente onde o verdadeiro 8. Relações Interpessoais Interessadas e Desinteressadas Em essência, o homem deficit-motivado é muito mais dependente de outras pessoas do que o homem que é predominantemente motivado para o crescimento. Ele é mais “interessado”, mais necessitado, mais vinculado, mais desejoso. [pág. 62] Essa dependência dá cor e fixa os limites às relações interpessoais. Ver as pessoas, primordialmente, como saciadoras de necessidades ou como fontes de abastecimento é um ato abstrativo. Elas são vistas não como todos, como indivíduos complicados e singulares, mas, antes, do ponto de vista da utilidade. O que nelas não está relacionado com as necessidades do percebedor ou é inteiramente negligenciado ou então irrita, entedia ou ameaça. Isso equipara-se às nossas relações com vacas, cavalos e ovelhas, assim como com motoristas de táxi, criados, carregadores, policiais ou outros a quem usamos. A percepção totalmente desinteressada, isenta de desejo, objetiva e holística de outro ser humano só se torna possível quando nada se precisa dele, quando ele não é necessário. A percepção idiográfica, estética, da pessoa toda é muito mais viável para as pessoas individuacionantes (ou em momentos de individuação); e, além disso, a aprovação, a admiração e o amor baseiam-se menos na gratidão pela utilidade e mais nas qualidades objetivas e intrínsecas da pessoa percebida. Ela é admirada mais por qualidades objetivamente admiráveis do que por causa de lisonjas ou elogios. Ela é amada mais porque é digna de amor do que por dar amor. Isso é o que será analisado mais adiante como amor desinteressado, por exemplo, por Abraham Lincoln. Uma característica das relações “interessadas” e supridoras de necessidade com outras pessoas é que, em grande parte, essas pessoas supridoras de necessidade são intermutáveis. Como, por exemplo, a moça adolescente necessita de admiração per se, pouca diferença faz, portanto, quem fornece essa admiração; um supridor de admiração é tão bom quanto qualquer outro. O mesmo ocorre com o supridor de amor ou o supridor de segurança. A percepção desinteressada, não-premiada, inútil, sem desejo, do outro como ser único, independente, um fim-em-si — por outras palavras, como pessoa e não como instrumento — é tanto mais difícil quanto mais o percebedor estiver ávido por satisfazer o deficit. Uma Psicologia interpessoal de “teto alto”, isto é, uma compreensão do desenvolvimento mais elevado possível das relações humanas, não pode basear-se na teoria deficitária da motivação. [pág. 63] 9. Egocentrismo e Egotranscendência. Deparamos cora um difícil paradoxo quando tentamos descrever a complexa atitude em relação ao eu ou ego da pessoa orientada para o crescimento e a individuação. É justamente essa pessoa, em quem o vigor do ego está no auge, aquela que mais facilmente esquece ou transcende o ego, a que pode ser mais centrada no problema, mais desprendida do ego, mais espontânea em suas ativi- dades, mais homônoma, para usar o termo de Angyal (6). Em tais pessoas, a absorção em perceber, em fazer, em fruir e em criar, pode ser muito completa, muito integrada e muito pura. Essa capacidade para centrar-se no mundo em vez de ser autoconsciente, egocêntrica e orientada para a satisfação, torna-se tanto mais difícil quanto mais deficits de necessidades a pessoa tem. Quanto mais motivada para o crescimento a pessoa for, mais centrada no problema poderá ser, e, quanto mais deixar para trás a consciência de si própria, mais envolvida estará com o mundo objetivo. 10. Psicoterapia Interpessoal e Psicologia Intrapessoal Uma característica principal das pessoas que recorrem à psicoterapia é uma antiga e (ou) presente deficiência de satisfação de uma necessidade básica. A neurose pode ser considerada uma doença de deficiência. Sendo assim, uma necessidade básica de cura fornece o que estava faltando ou possibilita que o doente o faça por si mesmo. Como esses suprimentos provêm de outras pessoas, a terapia comum deve ser interpessoal. Mas esse fato foi erroneamente generalizado, de uma forma excessiva. É certo que as pessoas cujas necessidades por deficiência foram satisfeitas e são, primordialmente, motivadas para o crescimento, de maneira nenhuma estão isentas de conflito, infelicidade, confusão e angústia. Em tais momentos, elas também são passíveis de procurar ajuda e poderão multo bem recorrer à terapia interpessoal. Contudo, não será prudente esquecer que, freqüentemente, os problemas e conflitos da pessoa motivada para o crescimento são resolvidos por ela própria, recolhendo-se à meditação, isto é, analisando-se e perscrutando o seu íntimo, em vez de procurar a ajuda de outrem. Mesmo em [pág. 64] princípio, muitas das tarefas da individuação são largamente intrapessoais, como a elaboração de planos, a descoberta do eu, a seleção de potencialidades a desenvolver, a construção de uma perspectiva geral da vida. Na teoria do aperfeiçoamento da personalidade, um lugar deve ser reservado para o auto-aperfeiçoamento e a auto-análise, para a contemplação e a meditação sobre o eu. Nas fases subseqüentes do crescimento, a pessoa está essencialmente só e pode confiar unicamente em si mesma. A esse aperfeiçoamento de uma pessoa que já está bem chamou Oswald Schwarz (151) psicogogia. Se a psicoterapia faz das pessoas doentes não-doentes e remove os sintomas, então a psicogogia começa onde a terapia -parou e faz das não-doentes pessoas sadias. Fiquei interessado ao notar em Rogers (142) que a terapia bem sucedida elevava o “score” médio dos pacientes na Escola de Maturidade de Willoughby do 25.° para o 50.° percentil. Quem o elevará depois para o 75.° percentil? Ou para o 100.°? E não será possível que necessitemos de novos princípios e novas técnicas para fazer isso? 11. Aprendizagem Instrumental e Mudança de Personalidade A chamada teoria de aprendizagem, nos Estados Unidos, baseou-se, quase inteiramente, na motivação por deficit com objetivos usualmente externos ao organismo, isto é, aprender a melhor maneira de satisfazer uma necessidade. Por essa razão, entre outras, a nossa Psicologia da Aprendizagem é um corpo limitado de conhecimento, útil apenas em pequenas áreas da vida e de real interesse unicamente para outros “teóricos da aprendizagem”. Isso ajuda pouco na resolução do problema do crescimento e da individuação. Aqui, as técnicas de aquisição repetida, do mundo exterior, das satisfações de deficiências motivacionais são muito menos precisas. A aprendizagem associativa e as canalizações cedem lugar à aprendizagem perceptual (123), ao aumento de compreensão e introvisão, ao conhecimento do eu e ao crescimento firme e constante da personalidade, isto é, sinergia, integração e coesão interna aumentadas. A mudança passa a ser menos uma aquisição de hábitos ou associações, uma a uma, e muito [pág. 65] mais uma transformação total da pessoa total, isto é, uma nova deve ser então sutil, delicada; não deve ser importuna nem insistente; deve estar apta a ajustar-se passivamente à natureza das coisas, tal como a água penetra docemente nas fendas do solo. Não deve ser a espécie de percepção motivada pela necessidade que molda as coisas de uma forma tempestuosa, violenta, exploradora e deliberada, à maneira de um açougueiro talhando uma carcaça. O modo mais eficiente de perceber a natureza intrínseca do mundo é ser mais receptivo do que ativo, determinado, tanto quanto possível, pela organização intrínseca do que é percebido e o menos possível pela natureza do percebedor. Essa espécie de consciência desprendida, tauísta, passiva e não-interferente de todos os aspectos simultaneamente existentes do concreto tem muito em comum com algumas descrições da experiência estética e da experiência mística. A tônica é a mesma. Vemos, de fato, o mundo real e concreto ou vemos o nosso próprio sistema de rubricas, motivos, expectativas e abstrações que projetamos no mundo real? Ou, em palavras mais claras ainda, vemos ou somos cegos? 13. Amor Interessado e Amor Desinteressado A necessidade de amor, tal como é usualmente estudada, por exemplo, por Bowlby (17), Spitz (159) e Levy (91), é uma necessidade de deficit. É um buraco que tem de se encher, um vazio em que se despeja o amor. Se essa necessidade curativa não estiver ao alcance do indivíduo, resultará uma grave patologia; se estiver acessível no momento certo, nas quantidades certas e no estilo apropriado, então a patologia será evitada. Estados intermédios de patologia e saúde acompanham os estados intermédios de frustração e saciação. Se a patologia não for muito severa e for percebida suficientemente cedo, a terapia de substituição pode curar. Isso quer dizer que a doença, a “fome de amor”, pode ser curada, em certos [pág. 68] casos, suprindo a deficiência patológica. A fome de amor é uma doença de deficiência, como a carência de sal ou as avitaminoses. A pessoa sadia, não tendo essa deficiência, não precisa receber amor, salvo em pequenas e regulares doses de manutenção, e pode até passar sem elas durante razoáveis períodos de tempo. Mas se a motivação é inteiramente uma questão de satisfação de deficits e, portanto, de eliminação de necessidades, então ocorre uma contradição. A satisfação da necessidade deveria causar o seu desaparecimento, o que significa que as pessoas que mantêm satisfatórias relações de amor seriam, precisamente, as menos suscetíveis de dar e receber amor! Mas o estudo clinico de pessoas mais sadias, que foram saciadas em sua necessidade de amor, mostram que, embora precisem menos de receber amor, são as mais suscetíveis de dar amor. Nesse sentido, são pessoas mais amantes. Esta conclusão expõe, só por si, a limitação da teoria comum de motivação (centrada na necessidade por deficiência) e indica a necessidade de uma teoria de “meta-motivação” (ou teoria de motivação de crescimento ou de individuação) (260, 261). Já descrevi de forma preliminar (9Y) a dinâmica contrastante do S-amor (amor pelo Ser de uma outra pessoa, amor desinteressado, amor altruísta) e do D-amor (amor-deficiência, necessidade de amor, amor egoísta). Neste ponto, desejo apenas usar esses dois grupos contrastantes de pessoas para exemplificar e ilustrar algumas das generalizações acima formuladas. 1. O S-amor é acolhido na consciência e completamente fruído. Visto que é não-possessivo, e mais admirador do que exigente, não causa perturbações e, praticamente, é sempre uma fonte de prazer. 2. Nunca pode ser saciado; pode ser interminavelmente fruido. Usualmente, em vez de desaparecer, cresce e avoluma-se. É intrinsecamente agradável. É mais um fim do que um meio. 3. A experiência de S-amor é freqüentemente descrita como idêntica à experiência estética ou à experiência mística e tendo os mesmos efeitos. (Ver os capítulos 6 e 7 sobre “Experiências Culminantes”. Ver também a Referência 104.) [pág. 69] 4. Os efeitos terapêuticos e psicogógicos da experiência de S-amor são muito profundos e generalizados. Semelhantes são os efeitos caracterológicos do amor relativamente puro de uma mãe sadia pelo seu bebê, ou o amor perfeito do seu Deus que alguns místicos descreveram (69, 36). 5. Sem sombra de dúvida, o S-amor é uma experiência subjetiva mais rica, “superior”, mais valiosa, do que o D-amor (que todos os S-amantes também experimentaram previamente). Essa experiência também é relatada pelos meus outros sujeitos mais velhos e mais comuns, muitos dos quais experimentam simultaneamente ambas as espécies de amor em diversas combinações. 6. O D-amor pode ser satisfeito. O conceito de “satisfação” dificilmente se aplica ao amor-admiração por outra pessoa digna de admiração e digna de amor. 7. No S-amor há um mínimo de ansiedade-hostilidade. Para todos os fins humanos práticos, podemos considerar até que está ausente. Pode haver, é claro, ansiedade-pelo-outro. No D-amor, entretanto, devemos esperar sempre um certo grau de ansiedade-hostilidade. 8. Os S-amantes são mais independentes um do outro, mais autônomos, menos ciumentos ou ameaçados, menos exigentes, mais individuais, mais desinteressados, mas, simultaneamente, também mais pressurosos em ajudar o outro no sentido da individuação, mais orgulhosos de seus triunfos, mais altruístas, generosos e estimulantes. 9. O S-amor torna possível uma percepção mais verdadeira e mais penetrante do outro. É uma reação, como já enfatizei (97, pág. 257), que tem tanto de cognitiva quanto de emocional-volitiva. Isso é tão impressionante e tem sido tão freqüentemente validado pela experiência subseqüente de outras pessoas que, longe de aceitar o lugar-comum trivial de que o amor cega as pessoas, tornei-me cada vez mais propenso a pensar que a verdade é precisamente o oposto, isto é, que o não- amor nos cega. 10. Finalmente, posso dizer que o S-amor, num sentido profundo, mas demonstrável, cria o parceiro. Dá-lhe uma imagem e uma aceitação do próprio eu, um sentimento de dignidade no amor, o que lhe permite crescer. A verdadeira questão é se o pleno desenvolvimento do ser humano é possível sem ele. [pág. 70] sem expectativas, planos, previsões, deliberação ou meta.1 Só quando a criança se sacia, quando fica entediada, é que está pronta para se voltar para outros prazeres, talvez “mais elevados”. Surgem então as perguntas inevitáveis: O que é que retém a criança? O que impede o seu desenvolvimento? Onde se localiza o conflito? Qual é a alternativa para o progresso? Por que é tão árduo e penoso para algumas progredir? Aqui, devemos nos tornar mais plenamente cônscios do poder regressivo e fixador das necessidades por deficiência que não foram satisfeitas, dos atrativos da segurança, das funções de defesa e proteção contra a dor, o medo, a perda e a ameaça, da necessidade de coragem para seguir adiante. Todo o ser humano tem dentro de si ambos os conjuntos de forças. Um conjunto apega-se à segurança e à defensiva por medo, tendendo a regredir, a aferrar-se ao passado, receoso de se desenvolver longe da comunicação primitiva com o útero e o seio maternos, receoso de correr riscos, receoso de pôr em perigo o que já possui, receoso de independência, liberdade e separação. O outro conjunto de forças impele-o para a totalidade do Eu e a singularidade do Eu, para o funcionamento pleno de todas as suas capacidades, para a confiança em face do mundo externo, ao mesmo tempo que pode aceitar o seu mais profundo, real e inconsciente Eu. Posso reunir tudo isso num esquema que, embora muito simples, também é muito poderoso, tanto heurística como teoricamente. Esse dilema ou conflito básico entre as forças defensivas e as tendências de crescimento é por mim concebido como existencial, imbuído na mais profunda [pág. 73] natureza do ser humano, agora e para sempre no futuro. O seu diagrama é este: Segurança PESSOA Crescimento Então, podemos classificar muito simplesmente os vários mecanismos de crescimento de uma forma nada complicada, na medida em que 1 “Mas, paradoxalmente, a experiência artística não pode ser efetivamente usada para este fim ou qualquer outro. Deve ser uma atividade sem propósito determinado, até onde entendemos o significado de “propósito”. Só pode ser uma experiência em ser — ser um organismo humano que faz o que deve fazer e o que tem o privilégio de fazer — experimentando a vida intensa e totalmente, consumindo energia e criando beleza no seu próprio estilo — e a maior sensibilidade, integridade, eficiência e sensação de bem- estar são subprodutos” (179, pág. 213). a. Promovem os vectores do crescimento, por exemplo, tornam o crescimento mais atraente e gerador de prazer. b. Minimizam os temores do crescimento. c. Minimizam os vectores de segurança, isto é, tornam esses vectores menos atraentes. d. Elevam ao máximo os temores de segurança, defesa, patologia e regressão. Podemos então adicionar ao nosso esquema básico estes quatro conjuntos de valências: Promover os perigos Promover os atrativos Segurança PESSOA Crescimento Minimizar os atrativos Minimizar os perigos Portanto, podemos considerar o processo de crescimento sadio uma série interminável de situações de livre escolha, com que cada indivíduo se defronta a todo o instante, ao longo da vida, quando deve escolher entre os prazeres da segurança e do crescimento, dependência e independência, regressão e progressão, imaturidade e maturidade. A segurança tem suas angústias e seus prazeres; o crescimento tem suas angústias e seus prazeres. Progredimos quando os prazeres do crescimento e a ansiedade da segurança são maiores do que a ansiedade do cresci- mento e os prazeres da segurança. Até aqui, isso soa a truísmo. Mas não o é para os psicólogos que se esforçam, acima de tudo, por ser objetivos, públicos e behavioristas. E foram necessários muitos experimentos com animais e muita teorização para convencer os estudiosos da motivação animal de que devem recorrer ao que P. T. Young (185) chamou um fator [pág. 74] hedonista, além e acima da redução da necessidade, para explicar os resultados até agora obtidos na experimentação de livre escolha. Por exemplo, a sacarina é redutora de necessidade, sob qualquer forma; e, entretanto, os ratos brancos preferirão a água pura e simples. O seu gosto (inútil) deve ter algo a ver com isso. Observe-se, além disso, que o prazer subjetivo na experiência é algo que podemos atribuir a qualquer organismo; por exemplo, tanto se aplica à criança como ao adulto, tanto ao animal como ao ser humano. A possibilidade que assim se nos abre é muito sedutora para o teórico. Talvez todos esses conceitos de alto nível — Eu, Crescimento, Individuação e Saúde Psicológica — possam ser reunidos no mesmo sistema de explicação, em conjunto com os experimentos sobre apetite em animais, as observações de livre escolha na alimentação do bebê e nas decisões vocacionais, e os fecundos estudos de homeostase (27). É claro, essa formulação do crescimento através do prazer também nos vincula à necessária postulação de que o que sabe bem também é, no sentido de crescimento, “melhor” para nós. Fundamo-nos aqui na crença de que, se a livre escolha é realmente livre e se quem escolhe não está demasiado doente ou assustado para escolher, escolherá sensatamente, numa direção saudável e progressiva, na maioria das vezes. Para esse postulado já existe considerável apoio experimental, mas, na sua maioria, é em nível animal e imp5e-se a necessidade de pesquisas mais detalhadas sobre livre escolha, mas com seres humanos. Devemos conhecer muito mais sobre as razões por que se fazem escolhas ruins e insensatas, ao nível constitucional e ao nível psicodinâmico. Existe outra razão pela qual o meu lado sistematiza-dor gosta dessa noção de crescimento através do prazer. É porque acho possível, assim, conjugá-la perfeitamente com a teoria dinâmica, com iodos as teorias dinâmicas de Freud, Adler, Jung, Schachtel, Horney, Fromm, Burrow, Reich e Rank, assim como com as teorias de Rogers, Buhler, Combs, Angyal, Allport, Goldstein, Murray, Moustakas, Perls, Bugental, Assagioli, Frankl, Jourard, May, White e outros. [pág. 75] Eu critico os freudianos clássicos pela sua tendência (no caso extremo) para patologizar tudo e por não ver com suficiente clareza as possibilidades de desenvolvimento sadio no ser humano, e verem tudo através de lentes sombrias. Mas a escola do crescimento (no caso extremo) é igualmente vulnerável, pois é propensa a ver tudo através de lentes cor-de-rosa e, geralmente, contorna os problemas de patologia, de fraqueza, de fracasso no desenvolvimento. Uma é como uma teologia onde o mal inexiste por completo e, portanto, é igualmente incorreta e irrealista. Uma relação adicional entre segurança e crescimento deve ser especialmente atrever. Como podemos ajudá-lo a avançar? Igualmente importante, como poderemos pôr em risco o seu desenvolvimento? O oposto da experiência subjetiva de prazer (confiança em si próprio), no que diz respeito à criança, é a opinião de outras pessoas (amor, respeito, aprovação, admiração, recompensa de outros, confiar mais em outros do que em si próprio). Como os outros são tão importantes e vitais para o bebê impotente e para a criança, o meio de perdê-los (como supridores de segurança, alimento, amor, respeito etc.) é um perigo aterrador e primacial. Portanto, a criança, diante da difícil escolha entre as suas próprias experiências deleitosas e a experiência de aprovação por outros, deve geralmente optar pela aprovação por outros e, depois, manipular o seu prazer pela repressão ou deixando-o morrer, ou ignorando-o, ou controlando-o pela força de vontade. De um modo geral, desenvolver-se-á simultaneamente uma desaprovação da experiência deleitosa, ou um sentimento de vergonha, de embaraço e de [pág. 78] dissimulação a seu respeito, que redundará, finalmente, na incapacidade até de experimentá-la de novo.3 Assim, a escolha primacial, a encruzilhada na estrada, é entre o eu dos outros e 3 “Como é possível perder um eu? A insídia, desconhecida e inimaginável, começa com a nossa secreta morte psíquica na infância — se e quando não somos amados e somos separados dos nossos desejos espontâneos. (Pensamento: O que resta?) Mas espere — a vítima poderia até “esquecer” isso com o tempo — mas é um perfeito crime duplo, em que ela se liquida e a liquidam a ela — não é apenas esse simples assassinato de uma psique. Isso poderia ser cancelado, o minúsculo eu também participa, gradual e inadvertidamente. O indivíduo não foi aceito por si mesmo, tal como é. “Oh, eles “amam-no”, mas querem-no, ou forçam-no, ou esperem dele que seja diferente! Portanto, ele deve ser inaceitável. Ele próprio aprende a acreditar nisso e, finalmente, até o aceita como ponto assente. Verdadeiramente, ele renunciou a si mesmo. Agora, não interessa se lhes obedece ou não, se se obstina, revolta ou retrai — o seu comportamento, o seu desempenho, é tudo o que importa. O seu centro de gravidade está “neles”, não nele próprio — entretanto, se ao notá-lo pensasse nisso, acharia bastante natural. E a coisa é toda ela inteiramente plausível; tudo invisível, automático e anônimo! “Isso é o perfeito paradoxo. Tudo parece normal; não houve intenção de crime; não há cadáver, não há culpa. Tudo o que podemos ver é o Sol nascer e morrer como de costume. Mas o que sucedeu? Ele foi rejeitado, não só por eles, mas por ele próprio. (Realmente, ele está sem um eu.) O que foi que perdeu? Apenas a única parte verdadeira e vital de si mesmo: o seu próprio sentimento de afirmação, que é a sua própria capacidade de desenvolvimento, o seu sistema fundamental, as suas raízes. Mas, ai dele, não está morto. A “vida” continua e ele também deve continuar. A partir do momento em que renunciou a si mesmo e na medida em que o faz, ele decide, inconscientemente, criar e manter um pseudo-eu. Mas isso é apenas um expediente: um “eu” sem desejos. Este será amado (ou temido), quando é desprezado; será forte, quando é fraco; simulará ações (oh, mas são caricaturas!), não por diversão ou alegria, mas por uma questão de sobrevivência; não apenas porque quer mover-se, mas porque tem de obedecer. Essa necessidade não é vida — não a sua vida — é um mecanismo de defesa contra a morte. É também a máquina da morte. Doravante, ele será despedaçado por necessidades compulsivas (inconscientes) ou derrubado por conflitos (inconscientes) que o paralisam, cada movimento e cada instante neutralizando o seu ser, a sua integridade; e, durante todo esse tempo, ele está disfarçado de pessoa normal e todos esperam que ele se comporte como tal! “Numa palavra, vejo que nos tornamos neuróticos ao criar ou defender um pseudo-eu, um sistema de eu; e somos neuróticos na medida em que carecemos de eu” (7, pág. 3). o eu próprio. Se a única maneira de manter o eu é perder os outros, então a criança comum renunciará ao eu. Isso é verdade pela razão já mencionada, a de que a segurança é uma necessidade básica para as crianças e uma das mais prepotentes, de longe mais primordialmente necessária do que a independência e a individuação. Se os adultos a forçam a essa escolha — escolher entre a perda de uma necessidade vital (inferior e mais forte) ou outra necessidade vital (superior e mais fraca) — a criança deve escolher a segurança, mesmo à custa de renunciar ao eu e o desenvolvimento. (Em princípio, não há a necessidade de forçar a criança a fazer tal escolha. As pessoas, simplesmente, fazem-no [pág. 79] com freqüência, por causa de suas próprias enfermidades e de sua própria ignorância. Sabemos que não é necessário porque temos bastantes exemplos de crianças a quem são oferecidos todos esses bens, simultaneamente, sem nenhum preço vital, isto é, que podem ter segurança e amor e também respeito.) Neste ponto, podemos aprender importantes lições da situação terapêutica, da situação educativa criadora, da educação artística criadora, e acredito que também da educação através da dança criadora. Assim, quando a situação é estabelecida, diversamente, como tolerante, admirativa, elogiosa, receptiva, segura, gratificante, tranqüilizadora, sustentadora, livre de ameaças, não-judicativa e não-comparativa, isto é, quando a pessoa pode sentir-se completamente segura e livre de ameaças, então torna-se possível para ela elaborar e expressar toda a espécie de prazeres menores, por exemplo, hostilidade e dependência neurótica. Quando a catarse foi suficiente, a pessoa tende então, espontaneamente, para outros prazeres que os es- tranhos perceberão serem “superiores” ou estarem no rumo de desenvolvimento, como o amor e a criatividade, e que ela própria preferirá aos prazeres anteriores, uma vez que experimentou uns e outros. (Pouca diferença faz, freqüentemente, que espécie de teoria explícita é sustentada pelo terapeuta, o professor etc. O terapeuta realmente bom, que tenha abraçado uma teoria freudiana pessimista, atua como se o desenvolvimento fosse possível. O professor realmente bom, que adota, verbalmente, um quadro completamente róseo e otimista da natureza humana, implicará no ensino que ministra uma completa compreensão e um total respeito pelas forças regressivas e defensivas. Também é possível ter uma filosofia maravilhosamente realista e abrangente, e negá-la na prática, na terapia, no ensino ou na paternidade. Somente aquele que respeita o medo e a defesa pode ensinar; somente aquele que respeita a saúde pode fazer terapia.) Parte do paradoxo, nessa situação, está em que, de um modo muito concreto, até a “má” escolha é “boa para” o escolhedor neurótico ou, pelo menos, compreensível e mesmo necessária, nos termos da sua própria dinâmica. Sabemos que extirpar um sintoma neurótico funcional pela força, ou por um confronto ou interpretação demasiado [pág. 80] diretos, ou por uma situação de tensão que derrube as defesas da pessoa contra uma introvisão insuportavelmente dolorosa, pode despedaçar completamente essa pessoa. Isso nos envolve na questão do ritmo de crescimento. E, uma vez mais, o bom pai, terapeuta ou educador faz como se entendesse que a gentileza, a ternura, o respeito pelo medo, a compreensão do caráter natural das forças defensivas e regressivas, são necessários, se não se quiser que o crescimento pareça um perigo esmagador, em vez de uma perspectiva deliciosa. Ele deixa entrever que compreende que o desenvolvimento só pode ser uma decorrência da segurança. Ele sente que, se as defesas de uma pessoa são muito rígidas, isso deve ser por uma boa razão; e está disposto a ser paciente e compreensivo, ainda que conheça o rumo que a criança “deveria” seguir. Encaradas do ponto de vista dinâmico, todas as escolhas, em última instância, são, de fato, sábias — desde que aceitemos duas espécies de sabedoria: a sabedoria da segurança e a sabedoria do desenvolvimento. (Ver o capítulo 12, para uma análise de um terceiro tipo de “sabedoria”: a regressão sadia.) Uma conduta defensiva pode ser tão sábia quanto uma audaciosa; depende da própria pessoa, do seu status e da situação particular em que ela tem de escolher. A escolha de segurança é sábia quando evita uma situação dolorosa que pode ser mais do que a pessoa é capaz de suportar no momento. Se desejamos que ela se desenvolva (por sabermos que a escolha sistemática de segurança acabará, a longo prazo, por levá-la à catástrofe e lhe cortará possibilidades que ela própria desfrutaria com prazer, se pudesse saboreá-las), então tudo o que podemos fazer é ajudá-la, se pedir que a ajudem a sair do sofrimento, ou então, simultaneamente, permitir-lhe que se sinta segura e instigá- la a tentar a nova experiência, como a mãe cujos braços abertos convidam o bebê a tentar caminhar até ela. Não podemos forçar a pessoa a progredir, apenas podemos Com o que deparamos é, pois, um recurso subjetivo a somar ao princípio da disposição hierárquica das nossas várias necessidades, um recurso que guia e dirige o indivíduo no sentido do crescimento “sadio”. O princípio mantém a sua validade em qualquer idade. A recuperação da capacidade de perceber os nossos próprios prazeres é a melhor maneira de redescobrir o eu sacrificado, até na idade adulta. O processo de terapia ajuda o adulto a descobrir que a necessidade infantil (reprimida) de aprovação por parte de outros já não precisa de continuar existindo na forma e grau infantis, e que o terror de perder esses outros, com o medo concomitante de ser fraco, impotente e abandonado já não tem qualquer justificação realista, como tinha para a criança. Para o adulto, os outros podem e devem ser menos importantes que para a criança. [pág. 84] Portanto, a nossa fórmula final tem os seguintes elementos: 1. A criança sadiamente espontânea, em sua espontaneidade, de dentro para fora, em resposta ao seu próprio Ser íntimo, entra em contato com o meio ambiente e expressa seu encantamento e interesse mediante as aptidões que possuir. 2. Na medida em que não for tolhida pelo medo, na medida em que se sentir bastante segura para se atrever. 3. Nesse processo, aquilo que lhe proporciona a experiência de prazer é encontrado fortuitamente ou é oferecido à criança pelas pessoas que a ajudam. 4. Deve estar suficientemente segura e confiante em si mesma para poder libidinais. A criança na fase oral obtém a maioria dos seus prazeres através da boca. E um, em particular, que tem sido negligenciado é o domínio. Devemos recordar que a única coisa que um bebê pode fazer bem e eficientemente é chupar. Em tudo o mais ele é ineficaz, incapaz, e se, como penso, isso é o precursor mais remoto do amor-próprio (sentimento de domínio), então essa é a única maneira pela qual o bebê pode experimentar o prazer de domínio (eficiência, controle, auto-expressão, volição). Mas a criança em breve estará desenvolvendo outras capacidades de domínio e controle. Refiro- me aqui não só ao controle anal que, embora correto, tem tido, em minha opinião, a sua importância extremamente exagerada. As capacidades sensoriais e a motilidade também se desenvolvem suficientemente, na chamada fase “anal”, para proporcionar à criança sensações de prazer e domínio. Mas o que para nós é importante aqui é que a criança oral tende a esgotar o seu domínio oral e o mostrar-se entediada com ele, tal como se cansa de ingerir apenas leite. Numa situação de livre escolha, ela tende a renunciar ao seio materno e ao leite, favorecendo atividades e gostos mais complexos ou, pelo menos, a adicionar ao seio esses outros desenvolvimentos “superiores”. Dada uma satisfação suficiente, livre escolha e ausência de ameaça, a criança supera a fase oral e renuncia a ela por sua própria iniciativa. Não precisa ser “empurrada para cima” ou forçada à maturidade, como tantas vezes é insinuado. Ela escolhe continuar crescendo para prazeres superiores e aborrecer-se com os mais antigos. Somente sob o impacto do perigo, ameaça, fracasso, frustração ou tensão, a criança será propensa à regressão ou fixação; só então preferirá a segurança ao desenvolvimento. Sem dúvida, a renúncia, a demora na satisfação e a capacidade de suportar a frustração também são necessárias para o robustecimento, e sabemos que a satisfação desenfreada é perigosa. Entretanto, permanece verdadeiro o fato de que essas qualificações são subsidiárias do principio segundo o qual a satisfação de necessidades básicas é sine qua non. escolher e preferir esses prazeres, em vez de ser assustada por eles. 5. Se pode escolher essas experiências que são validadas pela sensação de prazer, então pode retornar quantas vezes quiser à experiência, repeti-la e saboreá-la até ao ponto de repleção, saciedade ou tédio. 6. Neste ponto, manifesta a tendência para passar a experiências mais complexas e mais ricas, a cometimentos superiores e mais fecundos no mesmo setor (repetimos, se a criança se sentir suficientemente segura para se atrever). 7. Tais experiências não só significam um avanço como têm um efeito de retroalimentação sobre o Eu, no sentimento de certeza (“Gosto disto; isso eu não faço, com certeza”), de capacidade, domínio, autoconfiança, auto-estima. 8. Nessa interminável série de escolhas em que a vida consiste, a opção pode, em geral, ser esquematizada entre segurança (ou, em termos genéricos, atitude defensiva) e desenvolvimento; e como só não necessita de segurança aquela criança que já a tem, podemos esperar que a escolha de desenvolvimento será feita pela criança que viu satisfeita a sua necessidade de segurança. 9. Para estar apta a escolher de acordo com a sua própria natureza e desenvolvê-la, deve ser permitido à criança que retenha as experiências subjetivas de prazer e tédio como critérios de uma opção correta para ela. O critério alternativo é fazer a escolha em função do desejo de outra pessoa. O Eu está perdido quando isso acontece. [pág. 85] Isso também constitui a limitação da escolha à segurança, apenas, visto que a criança deixará de confiar, por meio (de perda de proteção, de amor etc.), no seu próprio critério de prazer. 10. Se a escolha é realmente livre e se a criança não é tolhida, então podemos esperar que ela, normalmente, escolha a progressão, a marcha em frente.5 11. As provas indicam que o que delicia a criança sadia, o que lhe sabe bem, também é, com grande freqüência, o “melhor” para ela, em termos de metas dis- tantes que são percebíveis pelo observador. 12. Nesse processo, o ambiente (pais, terapeutas, professores) é da maior 5 Tem lugar uma espécie de pseudocrescimento multo comum quando a pessoa tenta (por melo de repressão, negativa, formação de reação etc.) convencer-se a si mesma de que uma necessidade básica insatisfeita foi, realmente, satisfeita ou de que tal necessidade não existe. Nesse caso, ela permite-se passar a níveis superiores de necessidade que, é claro, daí em diante, assentarão sempre em alicerces muito frágeis e abalados. Chamo a isso “pseudocrescimento por evasão a uma necessidade que não foi sa- tisfeita”. Essa necessidade, que assim foi ladeada, persistirá para sempre como uma força inconsciente (compulsão de repetição). importância sob vários aspectos, ainda que a escolha final deva ser feita pela própria criança: a. pode satisfazer as suas necessidades básicas de segurança, pertença, amor e respeito, de modo que a criança não se sinta ameaçada, possa sentir-se au- tônoma, interessada e espontânea, atrevendo-se por conseguinte, a optar pelo desconhecido; b. pode ajudar a tornar a escolha de desenvolvimento positivamente atraente e menos perigosa, e a tornar a escolha regressiva menos atraente e mais custosa. 13. Dessa forma, a Psicologia do Ser e a Psicologia do Devir podem ser reconciliadas e a criança, sendo simplesmente ela própria, pode ainda avançar e desenvolver-se. [pág. 86] certamente, provocar sentimentos exultantes, mas também um medo dos perigos e responsabilidades e deveres que concorrem no fato de ser um líder, um pioneiro e estar completamente só. A responsabilidade poderá ser encarada como um pesado fardo e evitada, tanto quanto possível. Pense-se no misto de sentimentos de temor, humildade e até de medo que nos têm sido relatados, digamos, por pessoas que foram eleitas Presidentes. Alguns exemplos clínicos típicos podem nos ensinar muito. Primeiro, temos o fenômeno bastante comum encontrado na terapia com mulheres (131). Muitas mulheres brilhantes são colhidas no problema de fazer uma identificação inconsciente entre inteligência e masculinidade. Sondar, pesquisar, investigar, ser curiosa, afirmar, descobrir, tudo isso pode ser sentido pela mulher como desfeminizante, sobretudo se o marido, em sua masculinidade incerta, for ameaçado por tudo isso. Muitas culturas e muitas religiões impediram as mulheres de saber e de estudar, e creio que uma raiz dinâmica dessa ação é o desejo de mantê-las “femininas” (num sentido sadomasoquista), por exemplo, as mulheres não podem ser padres nem rabinos (103). O homem tímido também pode ser propenso a identificar a curiosidade penetrante como algo que desafia os outros, como se, de algum modo, ao ser inteligente e procurar a verdade, estivesse sendo categórico, afoito e viril de um modo que não lhe permite recuar; e que tal postura fará recair sobre ele a ira de outros homens mais velhos e mais fortes. Assim, também muitas crianças identificam a sondagem curiosa como uma invasão das prerrogativas de seus deuses, os adultos todo-poderosos. E, naturalmente, é ainda mais fácil encontrar a atitude complementar em adultos. Pois, com freqüência, eles acham a incansável curiosidade de seus filhos, pelo menos, uma amolação e, por vezes, uma ameaça e um perigo, especialmente [pág. 89] quando essa curiosidade envolve questões sexuais. Ainda é invulgar o pai que aprova e sente prazer na curiosidade de seus filhos pequenos. Algo semelhante pode ser observado entre as minorias exploradas, oprimidas e fracas ou entre escravos. Os indivíduos pertencentes a essas categorias podem recear saber demais, investigar livremente. Isso poderia provocar a ira de seus senhores. Uma atitude defensiva de pseudo-estupidez é comum em tais grupos. Em qualquer caso, não é provável que o explorador ou o tirano, por força da dinâmica da situação, encoraje a curiosidade, a aprendizagem e o saber em seus súditos. As pessoas que sabem demais são atreitas à rebelião. Tanto o explorado como o explorador são impelidos a considerar o saber como algo incompatível com um bom escravo, obediente e bem ajustado. Numa tal situação, o conhecimento ê perigoso, muito perigoso. Um status de fraqueza ou subordinação, ou de pouca auto- estima, inibe a necessidade de saber. Um olhar fixo, direto e desinibido é a principal técnica que um macaco emprega para estabelecer a sua soberania e domínio (103). Caracteristicamente, o animal subordinado baixa os olhos. Essa dinâmica pode ser observada, por vezes, até numa sala de aula, infelizmente. O estudante realmente brilhante, o que é fértil em formular perguntas coerentes e profundas, especialmente se for mais inteligente que o seu professor, é muitas vezes tido na conta de “sabido”, uma ameaça à disciplina, um desafiante da autoridade dos seus professores. Que o “saber” pode significar, inconscientemente, dominação, controle e, talvez, até desacato, pode ser também observado no caso do escotofílico, aquele que é capaz de experimentar uma certa sensação do poder sobre o corpo da mulher nua que ele espreita, como se os seus olhos fossem um instrumento de dominação que ele pode usar para violação. Nesse sentido, muitos homens são bisbilhoteiros e olham descaradamente as mulheres, como se estivessem despindo-as com os olhos. O uso bíblico da palavra “saber” em sentido idêntico ao de “saber” sexual é outro uso da metáfora. Num nível inconsciente, saber como uma espécie de equivalente sexual masculino, intrusivo e penetrante, pode ajudar-nos a compreender o complexo arcaico de emoções [pág. 90] conflitantes que se aglomeram em torno da conduta infantil de espreitar segredos, bisbilhotar no desconhecido; do pressentimento de algumas mulheres de que existe uma contradição entre a feminilidade e o conhecimento ousado e saliente; do sentimento do oprimido de que o saber é prerrogativa do senhor; do medo do homem religioso de que o saber infrinja a jurisdição dos deuses, seja perigoso e provoque a ira divina. O conhecimento, como “saber”, pode ser um ato de auto-afirmação. Saber para Redução de Ansiedade e para Crescimento Até agora, estive falando sobre a necessidade de saber pelo saber, pelo puro prazer e a satisfação primitiva de conhecimento e entendimento per se. Torna a pessoa maior, mais sábia e mais prudente, mais rica e mais forte, mais evoluída e mais madura. Representa a concretização de uma potencialidade humana, a realização daquele destino humano preconizado pelas possibilidades humanas. Temos, então, um paralelo com o livre desabrochar de uma flor ou com o canto dos pássaros. É assim que uma macieira produz maçãs, sem luta nem esforço, simples- mente como expressão da sua natureza inerente. Mas também sabemos que a curiosidade e a exploração constituem necessidades “superiores,” à segurança, isto é, que a necessidade de se sentir seguro, tranqüilo, sem receio, é prepotente e mais forte do que a curiosidade. Tanto nos macacos como nas crianças humanas, isso pode ser abertamente observado. A criança pequena, num ambiente estranho, apegar-se-á caracteristicamente à mãe e só depois, pouco a pouco, se arriscará a afastar-se do seu regaço para sondar coisas, explorar e investigar. Se a mãe desaparece e a criança fica assustada, a curiosidade desaparece até que a segurança seja restaurada. A criança só explora na certeza de contar com um porto seguro onde se refugiar a qualquer momento. O mesmo ocorre com os filhotes de macaco nas pesquisas de Harlow. Qualquer coisa que os assuste faz com que disparem correndo de volta à mãe-substituta. Aferrado nesta, o macaco pode observar primeiro e depois arriscar uma saída. Se a mãe-substituta estiver ausente, o macaco enrola-se, simplesmente, numa bola e choraminga. Os filmes de Harlow mostram-nos isso muito claramente. [pág. 91] O ser humano adulto é muito mais sutil e dissimulado em suas ansiedades e temores. Se estes não o vencem completamente, ele é muito capaz de reprimi-los, de negar até, para si próprio, que existam. Freqüentemente, não “sabe” que está com medo. Há muitas maneiras de enfrentar e combater essas ansiedades e algumas delas são cognitivas. Para uma tal pessoa, o insólito, o vagamente percebido, o misterioso, o oculto, o inesperado, são coisas suscetíveis de representar ameaças. Uma forma de torná-las familiares, previsíveis, controláveis, isto é, não-assustadoras e inofensivas, é conhecê-las e compreendê-las. E, assim, o conhecimento pode ter não só uma de fazer alguma coisa a respeito ou sentir-se-iam culpados de covardia. A criança também pode usar o mesmo estratagema, recusando-se a ver o que é evidente para qualquer outra pessoa: que o pai é uma criatura desprezível e fraca ou que a mãe realmente não a ama. Essa espécie de conhecimento é um convite para uma ação impossível. É melhor não saber. Em todo o caso, conhecemos hoje o bastante sobre ansiedade e cognição para rejeitar a posição extrema que muitos filósofos e psicólogos teóricos sustentaram durante séculos: que todas as necessidades cognitivas são instigadas pela ansiedade e são unicamente esforços para reduzir a ansiedade. Durante muitos anos, isso pareceu plausível, mas, hoje, os nossos experimentos com animais e crianças contradizem essa teoria, em sua forma pura, pois todos eles provam que, geralmente, a ansiedade mata a curiosidade e exploração, e que elas são mutuamente incompa- tíveis, sobretudo quando a ansiedade é extrema. As necessidades cognitivas manifestam-se mais claramente em situações seguras e não-ansiosas. [pág. 94] Um livro recente resume admiravelmente a situação. Um aspecto admirável de um sistema de crenças é que ele parece estar construído para servir simultaneamente a dois amos: compreender o mundo até onde for possível e preservá-lo até onde for necessário. Não concordamos com os que sustentam que as pessoas destorcem seletivamente o seu funcionamento cognitivo, de forma a verem, recordarem e pensarem somente o que querem. Pelo contrário, sustentamos a opinião de que as pessoas só farão isso na medida em que tiverem de fazê-lo e nada mais. Pois todos nós somos motivados pelo desejo, por vezes forte e outras vezes fraco, de ver a realidade tal como ela é, mesmo que isso doa (146, pág. 400). Resumo Parece muito claro que a necessidade de saber, se for bem entendida, deve ser integrada com o medo de conhecimento, com a ansiedade, com as necessidades de segurança e proteção. Chegamos a uma relação dialética de vaivém que, simultaneamente, é uma luta entre o medo e a coragem. Todos aqueles fatores psicológicos e sociais que aumentam o medo sufocarão o nosso impulso para saber; todos os fatores que permitem a coragem, a liberdade e a audácia libertarão também, por conseguinte, a nossa necessidade de saber. [pág. 95] PARTE III CRESCIMENTO E COGNIÇÃO egocêntricos, não-propositais, autovalidantes, experiências terminais e estados de perfeição e de realização de metas) surgiu, primeiramente, de um estudo das relações de amor de pessoas individuacionantes e, depois, também de outras pessoas; e, finalmente, de um mergulho nas literaturas teológica, estética e filo- sófica. Foi necessário diferençar primeiro os dois tipos de amor (D-amor e S-amor), que descrevemos no capítulo 3. No estado de S-amor (pelo Ser de outra pessoa ou objeto), encontrei uma espécie particular de cognição para a qual os meus conhecimentos de Psicologia não me haviam preparado, mas que, depois, tenho visto bem descrita por certos autores sobre questões de estética, religião e filosofia. A isso chamarei Cognição do Ser ou, abreviadamente, S-Cognição. Está em contraste com a cognição organizada pelas necessidades por deficiência do indivíduo, a que chamarei D-cognição. O S-amante está apto a perceber realidades no ser amado, para as quais os outros estão cegos, isto é, ele pode ser mais aguda e penetrantemente perceptivo. Este capítulo é uma tentativa de generalizar, numa única descrição, alguns desses básicos acontecimentos cognitivos na experiência de S-amor, na experiência parental, na experiência mística, ou oceânica, ou natural, a percepção estética, o momento criador, a introvisão terapêutica ou intelectual, a experiência orgástica, certas formas de realização atlética etc. A estes e outros momentos de felicidade e realização supremas chamarei “experiências culminantes”. Portanto, este capítulo é dedicado à “Psicologia Positiva” ou “Ortopsicologia” do futuro, na medida em que trata de seres humanos sadios e em pleno funcionamento [pág. 101] e não apenas dos normalmente doentes. Logo, não está em contradição com a Psicologia como uma “psicopatologia do ser comum”; transcende-a e pode, em teoria, incorporar todas as suas descobertas numa estrutura mais abrangente e global que inclui tanto o doente como o são, tanto a deficiência como o Ser e o Vir a Ser. Chamo-lhe Psicologia do Ser porque se interessa mais pelos fins do que pelos meios, isto é, pelas experiências terminais, valores terminais, cognições terminais e pelas pessoas como fins. A Psicologia contemporânea tem estudado, sobretudo, o não-ter em vez do ter, o esforço para realizar em vez da realização, a frustração em vez da satisfação, a busca de alegria em vez da alegria atingida, a tentativa de “chegar lá” em vez de “estar lá”. Isso está implícito na aceitação universal como axioma de uma definição a priori, embora errada: a de que todo o comportamento é motivado. (Ver 97, capítulo 15.) S-Cognição em Experiências Culminantes Apresentarei agora, uma por uma, num resumo condensado, as características da cognição encontradas na experiência culminante generalizada, usando o termo “cognição” num sentido extremamente genérico. 1. Na S-cognição, a experiência ou o objeto tendem a ser vistos como um todo, uma unidade completa, independentes de relações, utilidade possível, conveniência e propósito. São vistos como se fosse tudo o que existe no universo, como se fossem todos de Ser, sinônimo de universo. Isso contrasta com a D-cognição, que inclui a maioria das experiências cognitivas humanas. Essas experiências são parciais e incompletas, da maneira que será descrita abaixo. Recorda-se aqui o idealismo absoluto do século XIX, em que a totalidade do universo era concebida como uma unidade. Como essa unidade jamais poderia ser abrangida, ou percebida, ou conhecida por um ser humano limitado, todas as cognições humanas reais eram percebidas, necessariamente, como parte do Ser e nunca, concebivelmente, como o seu todo. [pág. 102] 2. Quando existe uma S-cognição, o objeto da percepção é exclusiva e plenamente atendido. Isso pode ser designado como “atenção total” — ver também Schachtel (147). O que estou tentando descrever aqui assemelha-se muito ao fascínio ou completa absorção. Em tal atenção, a figura passa a ser tudo figura e o fundo, com efeito, desaparece ou, pelo menos, não é seriamente percebido. É como se a figura fosse temporariamente isolada de tudo o mais, como se o mundo fosse esquecido, como se o objeto de percepção se tivesse tornado, de momento, todo o Ser. Como a totalidade do Ser está sendo percebida, prevalecem todas aquelas leis que seriam válidas no caso da totalidade do cosmo poder ser abrangida de uma só vez. Essa espécie de percepção está em nítido contraste com a percepção normal. Nesta, o objeto é atendido simultaneamente com a atenção a tudo o mais que for re- levante. É visto no contexto de suas relações com tudo o mais no mundo e como parte do mundo. Valem as relações normais de figura-fundo, isto é, tanto o fundo como a figura são atendidos, embora de maneiras diferentes. Além disso, na cognição normal, o objeto é visto não tanto per se, mas como membro de uma classe, como um exemplar de uma categoria mais vasta. Este tipo de percepção foi por mim descrito como “rubricação” (97, capítulo 14) e sublinho, uma vez mais, que isso não constitui tanto uma percepção completa de todos os aspectos dos objetos ou pessoas que estão sendo percebidos, mas, sobretudo, uma espécie de taxonomia, uma classificação, mediante a qual os objetos ou pessoas são distribuídos pelas diferentes rubricas de um arquivo. Num grau muito mais elevado do que habitualmente nos apercebemos, a cognição implica também a colocação num contínuo. Envolve uma espécie de comparação ou julgamento ou avaliação automática. Implica superior a, menor do que, melhor do que, mais alto que etc. A S-cognição pode ser chamada cognição não-comparativa, ou não-avaliatória, ou não-judicativa. Digo isso no sentido em que Dorothy Lee (88) descreveu a forma como certos novos povos primitivos diferem de nós, em suas percepções. Uma pessoa pode ser vista per se, em si mesma e por si mesma. Pode ser vista singular e idiossincrasicamente, [pág. 103] como se fosse o único membro da sua classe. É isso o que entendemos por percepção do indivíduo singular e, é claro, é o que todos os clínicos tentam conseguir. Mas é uma tarefa muito difícil, muito mais difícil do que habitualmente estamos dispostos a admitir. Entretanto, pode acontecer, ainda que só transitoriamente; e, de fato, acontece, de forma característica, na experiência culminante. A mãe sadia, percebendo amorosamente seu bebê, aproxi- ma-se desse tipo de percepção da singularidade da pessoa. O seu bebê é algo único, não existe no mundo alguém que se lhe assemelhe. É maravilhoso, perfeito e fascinante (pelo menos, na medida em que a mãe for capaz de se desprender das normas e comparações de Gesell com crianças dos vizinhos). A percepção concreta do todo do objeto também implica que ele é visto com “desvelo”. Inversamente, a “afeição” (126) pelo objeto produzirá a atenção contínua, o exame repetido que é tão necessário para a percepção de todos os aspectos do potencialidades um no outro para as quais as outras pessoas são cegas. Habitual- mente, dizemos “O amor é cego”, mas, agora, devemos admitir a possibilidade de que o amor, em certas circunstâncias, seja mais perceptivo do que o não-amor. É claro, isso implica que, num certo sentido, é possível perceber potencialidades que ainda não se concretizaram. Não é um problema de pesquisa tão difícil quanto parece. O teste de Rorschach, nas mãos de um especialista, também é uma percepção de potencialidades que ainda não se concretizaram. Em princípio, isso constitui, portanto, uma hipótese testável. 5. A Psicologia americana ou, de um modo geral, a Psicologia ocidental, pressupõe, no que considero um modo etnocêntrico, que as necessidades, medos e interesses humanos devem ser sempre determinantes da percepção. O “New Look” em percepção baseia-se no pressuposto de que a cognição deve ser sempre motivada. É também esse o [pág. 106] ponto de vista freudiano clássico (137). Está ainda implícita outra pressuposição, a de que a cognição é um mecanismo instrumental e interatuante que, em certa medida, deve ser egocêntrico. Parte do princípio de que o mundo somente pode ser visto pelo prisma dos interesses do percebedor e de que a experiência deve ser organizada em torno do ego, como centro e ponto determinante de toda a interação. Eu poderia acrescentar que isso é um velho ponto de vista da Psicologia americana. A chamada “Psicologia funcional”, fortemente influenciada por uma versão amplamente defendida do darwinismo, também tendia para considerar todas as capacidades do ponto de vista de sua utilidade ou “valor de sobrevivência”. Também considero esse ponto de vista etnocêntrico, não só porque se destaca tão claramente como uma expressão inconsciente da mundivisão ocidental, mas também porque envolve uma persistente e assídua negligência dos escritos de filósofos, teólogos e psicólogos do mundo oriental, particularmente dos chineses, japoneses e hindus, para não mencionar autores como Goldstein, Murphy, C. Buhler, Huxley, Sorokin, Watts, Northrop, Angyal e muitos outros. As minhas investigações indicam que, nas percepções normais das pessoas auto-realizadoras ou capazes de individuação e nas experiências culminantes, mais ocasionais, de pessoas comuns, a percepção pode ser relativamente egotranscendente, altruística e carente de ego. Pode ser não-motivada, impessoal, carente de desejo, desinteressada, desprendida e não-necessitante. Pode ser objeto- cêntrica em vez de egocêntrica. Isso quer dizer que a experiência perceptiva pode ser organizada em torno do objeto como seu epicentro, em vez de se apoiar no ego. É como se as pessoas estivessem percebendo algo que tem uma realidade própria e independente, não dependendo do observador. Na experiência estética ou na experiência amorosa é possível a pessoa ficar tão absorvida e “vazada” no objeto que o eu, num sentido muito concreto, desaparece. Alguns autores que escreveram sobre estética, misticismo, maternidade e amor, por exemplo, Sorokin, chegaram ao ponto de afirmar que, na experiência culminante, podemos até falar de uma identificação do percebedor e do percebido, de uma fusão do que eram dois [pág. 107] num novo e maior todo, uma unidade superordenada. Isso nos poderia lembrar algumas definições de empatia e de identificação; e, é claro, abre muitas possibilidades de pesquisa nessa direção. 6. A experiência culminante ê sentida como um momento autovalidante e autojustificante, que comporta o seu próprio valor intrínseco. Quer dizer, é um fim em si mesmo, aquilo a que podemos chamar uma experiência-fim, em vez de uma experiência-meio. É considerada uma experiência tão valiosa, uma revelação tão grande, que até a tentativa de justificá-la lhe retira dignidade e valor. Isso é universalmente atestado pelos meus sujeitos, ao relatarem suas experiências de amor, suas experiências criadoras e suas explosões de introvisão. Isso torna-se par- ticularmente óbvio no momento de introvisão da situação terapêutica. Pelo próprio fato da pessoa se defender contra a introvisão, esta é, portanto, por definição, dolorosa de se aceitar. A sua penetração na consciência é algo confrangedor para a pessoa. Entretanto, apesar desse fato, é universalmente dito e aceito que a introvisão vale a pena, que é desejada e procurada a longo prazo. Ver é melhor do que ser cego (1V2), mesmo quando ver magoa. É um dos casos em que o valor intrínseco, autojustificante e autovalidante da experiência torna a dor meritória. Numerosos autores sobre estética, religião, criatividade e amor descrevem uniformemente essas experiências não só como intrinsecamente valiosas, mas também como sendo tão valiosas que tornam a vida digna de ser vivida, apenas pela ocorrência de tais momentos. Os místicos já afirmaram esse grande valor da grande experiência mística, a qual, não obstante, pode ocorrer apenas duas ou três vezes numa vida inteira. O contraste é muito nítido com as experiências comuns da vida, especialmente no Ocidente e, ainda mais particularmente, para os psicólogos americanos. O com- portamento está tão identificado com os meios-para-fins que, para muitos autores, as palavras “comportamento” e “comportamento instrumental” são consideradas sinônimos. Tudo é feito em nome de algum objetivo ou meta subseqüente, a fim de se realizar alguma outra coisa. A apoteose dessa atitude foi atingida por John Dewey, na [pág. 108] sua teoria de valor (38a), na qual ele não descobriu a existência de quaisquer fins, mas apenas de meios-para-fins. Até esse enunciado não é muito rigoroso, porquanto implica ainda a existência de fins. Para sermos mais exatos, dever-se-ia dizer que implica que os meios são meios para outros meios, os quais, por seu turno, são meios e assim por diante ad infinitum. As experiências culminantes de puro prazer estão, para os meus sujeitos, entre as metas fundamentais da existência e são validações e justificações desta. Que o psicólogo as despreze, as ultrapasse de largo ou ignore até, oficialmente, a sua existência, ou — o que ainda é pior — nas Psicologias objetivistas, negue a priori a possibilidade de sua existência como objetos para estudo científico, é algo incompreensível. 7. Em todas as experiências culminantes comuns que estudei, existe uma desorientação muito característica no tempo e no espaço. Seria exato dizer que, nesses momentos, a pessoa está, subjetivamente, fora do tempo e do espaço. No furor criativo, o poeta ou artista esquece-se de tudo o que o cerca e da passagem do tempo. Quando desperta, é-lhe impossível ajuizar quanto tempo transcorreu. Freqüentemente, tem de sacudir a cabeça, como se emergisse de uma tortura, para redescobrir onde está. Mas ainda mais do que isso é a informação freqüente, sobretudo por amantes, da completa perda de extensão no tempo. Não só o tempo passa, em seus êxtases, com uma rapidez vertiginosa, de modo que um dia pode transcorrer como se fosse um minuto, mas também um minuto tão intensamente vivido poderá parecer um dia ou um ano. É como se eles tivessem, de um certo modo, algum lugar noutro mundo, onde o tempo simultaneamente parou1 e fugiu com grande rapidez. Para as nossas categorias usuais isso é, evidentemente, um paradoxo e uma contradição. Contudo, é
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