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Guias e Dicas
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75901235-03 - a - Rainha - Do - Ferro, Notas de estudo de Química

literatura

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 19/11/2013

karin-adriely-6
karin-adriely-6 🇧🇷

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Baixe 75901235-03 - a - Rainha - Do - Ferro e outras Notas de estudo em PDF para Química, somente na Docsity! j SM AD ICE MELTS HERE'S WHAT'S LEFT : iss ; AR a PE: Es - Não posso voltar para casa. – Sussurrei, sentindo o olhar de Ash sobre mim. – Não agora. Não posso trazer esta loucura para casa, para a minha família. – Olhei fixamente para a casa por um momento mais, então fechei meus olhos. – O falso rei não parará por aqui. Ele continuará mandando coisas atrás de mim, e minha família será pega no meio. Não posso deixar isto acontecer. Eu... eu tenho que ir embora. Agora. Abri meus olhos e olhei fixamente para o lugar onde as feéricas Iron tinham caído, as lascas de metal brilhando nas ervas daninhas. O pensamento de tais monstros movendo-se em segredo dentro do meu quarto, voltando os olhos assassinos deles sobre Ethan ou minha mãe, fez-me gelada de ira. Tudo bem, eu pensei, apertando meus punhos na camisa de Ash, o falso rei quer uma guerra? Darei uma a ele. Este e-book não pode ser vendido ou comercializado de qualquer forma. Todos os direitos pertencem à autora, e às respectivas editoras que detêm os direitos nacionais e internacionais. O objetivo deste e-book é divulgar a obra. Compre o exemplar se gostar deste livro. Não perca o ebook especial de Iron Fey Passagem de Inverno E chegando logo O Cavaleiro de Ferro SUMMER FADES ICE MELTS. HERE'S WHAT'S LEFT. a THE IRON FEV? A RAINHA DE FERRO (The Iron Queen) ÍNDICE PARTE UM CAPÍTULO UM: A Longa Estrada para Casa. ............................................................................................................................13 CAPÍTULO DOIS: Sobre Símbolos e Templos Austeros ..............................................................................................................22 CAPÍTULO TRÊS: Lembrança .......................................................................................................................................................32 CAPÍTULO QUATRO: A Resistência de Glitch ...................................................................................................................................38 CAPÍTULO CINCO: O Santuário Escondido ....................................................................................................................................50 CAPÍTULO SEIS: Lições ..............................................................................................................................................................59 CAPÍTULO SETE: Summer e Iron .................................................................................................................................................65 CAPÍTULO OITO: Entendendo Medidas .......................................................................................................................................72 CAPÍTULO NOVE: Um Voto de Cavaleiro .....................................................................................................................................76 PARTE DOIS CAPÍTULO DEZ: O Limite de Iron ..............................................................................................................................................86 CAPÍTULO ONZE: O Concílio Faery de Guerra ............................................................................................................................95 CAPÍTULO DOZE: O Cavaleiro Traidor .......................................................................................................................................101 CAPÍTULO TREZE: O Ferro Rastejante .........................................................................................................................................109 CAPÍTULO QUATORZE: Dentro do Reino Iron .....................................................................................................................................113 CAPÍTULO QUINZE: O Relojoeiro ..................................................................................................................................................125 CAPÍTULO DEZESSEIS: Ecos do Passado ............................................................................................................................................131 CAPÍTULO DEZESSETE: As Ruínas do Rei Iron ...................................................................................................................................137 CAPÍTULO DEZOITO: Razor .............................................................................................................................................................145 CAPÍTULO DEZENOVE: A proposta de Rowan ....................................................................................................................................154 CAPÍTULO VINTE : Ferro Contra Ferro .........................................................................................................................................158 CAPÍTULO VINTE E UM: O Passado de Ferrum .....................................................................................................................................168 CAPÍTULO VINTE E DOIS: A Última Noite ..............................................................................................................................................176 PARTE TRÊS CAPÍTULO VINTE E TRÊS: A Batalha por Faery ......................................................................................................................................181 CAPÍTULO VINTE E QUATRO: O Falso Rei ....................................................................................................................................................191 CAPÍTULO VINTE E CINCO: A Rainha de Ferro .........................................................................................................................................205 EPÍLOGO: Meia Noite no número 14202, Estrada Cedar, Louisiana .............................................................................207 AGRADECIMENTOS ................................................................................................................................215 PARTE UM - A Rainha de Ferro - 15 enorme peso tivesse sido levantado de seus ombros. Verdade, ele ainda era calmo e solene para os padrões de qualquer um, mas pela primeira vez, senti que estava finalmente obtendo um vislumbre do Ash que eu sabia que estava lá todo o tempo. - Mas e se eles não puderem lidar com isto? – Murmurei, dando voz à preocupação que estava me assolando por toda a manhã. – E se eles virem o que eu sou e entrarem em pânico? E se eles não... me quiserem mais? Eu hesitei no final, sabendo que soava como uma rabugenta criança de cinco anos. Mas Ash me segurou mais firme, e me puxou mais contra ele. - Então será uma órfã, assim como eu. – Ele disse. – E encontraremos um jeito de superar. – Seus lábios roçaram minha orelha, amarrando cerca de meia dúzia de nós no meu estômago. – Juntos. Minha respiração ficou presa, e virei minha cabeça para beijá-lo, estendendo a mão para trás para correr minha mão através de seu sedoso cabelo negro. O tatter-colt bufou e pulou em seu passo, não o suficiente para me derrubar, mas o suficiente para me impelir a algumas polegadas direto para cima. Arrebatei selvagemente sua crina, enquanto Ash agarrava minha cintura, impedindo-me de cair. Com o coração batendo surdamente, lancei um olhar entre as orelhas do tatter-colt, resistindo à urgência de chutar-lhe as costelas e lhe dar outra desculpa para me lançar para fora. Ele ergueu sua cabeça e olhou de volta para nós, os olhos brilhando em carmesim, o desgosto escrito claramente sobre seu rosto equino. Torci meu nariz para ele. – Oh, desculpe-me, estamos deixando você desconfortável? – Perguntei sarcasticamente, e bufei. – Ótimo. Vamos nos comportar. Ash soltou um riso abafado, mas não tentou me puxar de volta. Suspirei e olhei para a estrada por sobre a cabeça oscilante do tatter-colt, procurando por pontos de referência familiares. Meu coração saltou quando vi uma van enferrujada entre as árvores ao lado da estrada, tão velha e corroída que uma árvore tinha crescido pelo teto. Ela tinha estado lá há mais tempo do que eu podia me lembrar, e a via todos os dias de dentro do ônibus indo e voltando da escola. Sempre me dizia quando estava perto de casa. Parecia tanto tempo atrás – uma vida inteira atrás – que eu sentara no ônibus com meu amigo Robbie, quando tudo com que tinha que me preocupar era com as notas, o dever de casa e conseguir a minha carteira de motorista. Tanto tinha mudado; seria estranho voltar para a escola e para a minha velha vida mundana, como se nada tivesse acontecido. – Provavelmente terei que repetir um ano. – Suspirei e senti o olhar confuso de Ash sobre o meu pescoço. Claro, sendo um faery imortal, ele nunca teve que se preocupar com a escola e carteiras e... Interrompi-me enquanto a realidade parecia descer sobre mim de uma vez só. Minha estada em Nevernever foi como um sonho, nebuloso e etéreo, mas estávamos de volta ao mundo real agora. Onde tinha que me preocupar com o dever de casa, notas e com entrar na faculdade. Queria conseguir um trabalho de verão e economizar para comprar um carro. Queria freqüentar o ITT Tech depois do colegial, talvez me mudar para o campus Barton Rouge ou Nova Orleans quando me formasse. Ainda poderia fazer isto? Mesmo depois de tudo o que aconteceu? E onde se encaixaria um sombrio príncipe faery exilado nisto tudo? - O que é? – A respiração de Ash fez cócegas na minha nuca, fazendo-me estremecer. Tomei um fôlego profundo. – Como isto vai funcionar, Ash? – Virei para encará-lo. – Onde estaremos daqui a um ano, daqui a dois anos? Não posso ficar aqui para sempre—mais cedo ou mais tarde, vou ter que continuar com a minha vida. Escola, trabalho, faculdade algum dia... – Parei e olhei para minhas mãos abaixo. – Terei que me mudar eventualmente, mas não quero fazer nenhuma destas coisas sem você. - Julie Kagawa - 16 - Tenho pensado sobre isto. – Ash respondeu. Olhei para ele acima, e ele me surpreendeu com um sorriso breve. – Você tem sua vida inteira a sua frente. Faz sentido que planeje o futuro. Imagino, Goodfellow fingiu ser mortal por dezesseis anos. Não há razão para que eu não possa fazer o mesmo. Pestanejei para ele. – Verdade? Ele tocou minha bochecha suavemente, seus olhos intensos enquanto olhavam dentro dos meus. – Terá que me ensinar um pouco sobre o mundo humano, mas estou disposto a aprender se isto significar estar perto de você. – Sorriu novamente, um capricho irônico de seus lábios. – Estou certo que posso me adaptar a “ser humano”, se preciso. Se você quiser que eu frequente aulas como um estudante, posso fazer isto. Se quiser se mudar para uma enorme cidade para perseguir seus sonhos, eu te seguirei. E se, algum dia, desejar se casar em um vestido branco e tornar isto oficial aos olhos humanos, desejarei fazer isto também. – Ele se inclinou, perto o bastante para que eu visse meu reflexo em seus olhos prateados. – Para o melhor ou o pior, temo que esteja presa a mim agora. Senti-me sem ar, sem saber o que dizer. Quis agradecê-lo, mas aquelas palavras não significavam o mesmo nos termos faery. Quis recostar-me pelo resto do caminho e o beijar, mas o tatter-colt provavelmente me atiraria dentro da vala se tentasse. – Ash – Comecei, mas fui salva de uma resposta quando o tatter-colt parou, abruptamente, no final de uma longa entrada de garagem de cascalhos, que se estendia por uma pequena elevação. Uma familiar caixa verde de correio balançou precariamente sobre seu poste no final da entrada, desbotada pela idade e pelo tempo, mas não tive nenhum problema em lê-la, mesmo na escuridão. Chase. 14202. Meu coração parou. Eu estava em casa. Deslizei para fora das costas do tatter-colt e cambaleei quando atingi o chão, minhas pernas parecedo estranhas e trêmulas depois de estar à cavalo por tanto tempo. Ash desmontou com facilidade, murmurando alguma coisa para o tatter-colt, que bufou, lançou sua cabeça e saltou para a escuridão. Em segundos, tinha desaparecido. Olhei para a longa estrada de cascalhos acima, meu coração martelando em meu peito. Minha casa e família esperavam justo além daquela subida: a velha casa de fazenda verde com tinta descascando da madeira; o celeiro dos porcos nos fundos, passando pelo caminhão enlameado de Luke, e o carro com carroceria de mamãe na entrada da garagem. Ash se moveu até o meu lado, não fazendo nenhum barulho nas pedras. – Está pronta? Não, não estava. Espreitei dentro da escuridão onde o tatter-colt tinha desaparecido, ao invés. – O que aconteceu a nossa montaria? – Perguntei para me distrair do que tinha que fazer. – O que disse a ele? - Falei-lhe que o favor tinha sido pago e que estamos quites agora. – Por alguma razão, isto pareceu diverti-lo; ele olhou para onde o potro tinha ido, com um fraco sorriso em seus lábios. – Parece que não posso mais ordenar a eles como costumava. Terei que recorrer a cobrar favores de agora em diante. - Isto é ruim? O sorriso se contorceu em afetação. – Um monte de pessoas me deve. – Quando ainda hesitei, ele indicou com a cabeça em direção à entrada da garagem. – Vá em frente. Sua família está esperando. - E quanto a você? - Provavelmente é melhor que vá sozinha desta vez. – Uma centelha de culpa passou por seus olhos, e ele me deu um sorriso dolorido. – Não acho que seu irmão ficará feliz em me ver de novo. - A Rainha de Ferro - 17 - Mas... - Ficarei por perto. – Ele estendeu a mão e prendeu uma mecha de cabelo atrás das minhas orelhas. – Prometo. Suspirei e olhei para a entrada uma vez mais. – Tudo bem. – Murmurei, endurecendo-me para o inevitável. – Isto não vai dar certo. Dei três passos, sentindo o cascalho triturar debaixo dos meus pés, e olhei por sobre o meu ombro. A estrada vazia zombou de mim, a brisa jogando as folhas para cima no lugar onde Ash tinha estado. Típico de um faery. Eu balancei minha cabeça e continuei minha viagem solitária pela entrada acima. Não demorou muito antes que alcançasse o topo da elevação, e lá, em toda a sua glória rústica, estava a casa na qual vivi por dez anos. Podia ver as luzes na janela, e minha família se movendo ao redor da cozinha. Havia o contorno esguio de mamãe, inclinada sobre a pia, e Luke em seu desbotado macacão, pondo uma pilha de pratos sujos sobre o balcão. E se eu estreitasse meus olhos o suficiente, podia ver o topo da cabeça cacheada de Ethan, despontando sobre a mesa da cozinha. Lágrimas alfinetaram meus olhos. Depois de um ano estando longe, lutando contra faeries, descobrindo quem eu era, enganando a morte mais vezes do que ousava me lembrar, eu finalmente estava em casa. - Isto não é precioso? – Uma voz sibilou. Girei, olhando ao redor descontroladamente. - Aqui em cima, princesa. Olhei direto para cima, e minha visão foi preenchida com uma magra teia cintilante, um instante antes que aquilo me golpeasse e enviasse para trás com uma cambalhota. Amaldiçoando, eu golpeei e rasguei os fios, tentando rasgar a barreira frágil. Uma dor pungente me fez engasgar. O sangue manchou minhas mãos, e eu cerrei os olhos para os fios. A teia era na verdade feita de um fino arame flexível, e meus esforços tinham aberto fatias nos meus dedos. Uma risada desagradável capturou minha atenção, e eu ergui meu pescoço, procurando por meus assaltantes. Em um ponto isolado das linhas poderosas que se estendiam do teto da casa, empoleiravam-se três criaturas bulbosas com pernas aracnídeas, que brilhavam sob a luz da lua. Meu coração deu um pulo violento quando, como uma, elas desfraldaram-se e saltaram das linhas, pousando no cascalho com fracos sons tinidos. Endireitando-se, correram com pequenos movimentos em minha direção. Recuei, enredando-me ainda mais na teia de arame. Agora que as via claramente, elas me lembraram aranhas gigantes, só que de alguma maneira ainda mais horrível. Suas pernas aracnídeas eram enormes agulhas, brilhantes e pontiagudas, enquanto escorregavam sobre o chão. Mas a parte superior de seus corpos era de esqueléticas mulheres emaciadas, com pele pálida e protuberantes olhos negros. Seus braços eram feitos de arame, e longos dedos em forma de agulha desenrolavam-se como garras enquanto elas se aproximavam, suas pernas tinindo sobre o cascalho. - Aqui está ela. – Sibilou uma, enquanto elas me cercavam, sorrindo. – Justo como o rei disse que ela estaria. - Muito fácil. – Disse com voz áspera outra, espreitando-me com um bulboso olho negro. – Estou meio desapontada. Pensei que ela seria uma boa captura, mas é só um insetinho magro, preso na teia. Do que o rei tem tanto medo? - O rei. – Eu disse, e todas as três piscaram para mim, surpresas de que eu estivesse falando com elas ao invés de encolher de medo, talvez. – Querem dizer o falso rei, não é? Ele ainda está atrás de mim. - Julie Kagawa - 20 - Para onde vai? – A voz firme de Ash atravessou meu desespero. – Não podemos voltar para Faery, e os feéricos Iron estão em todo o lugar no mundo mortal. - Não sei. – Cobri meu rosto com minhas mãos. Tudo o que eu sabia era que não poderia estar com a minha família, não poderia ir para casa, e não poderia ter uma vida normal. Não até que o falso rei desistisse de procurar por mim, ou que miraculosamente tombasse e morresse. Ou que eu tombasse e morresse. – Não importa agora, importa? – Gemi pelos meus dedos. – Não importa aonde eu vá, eles me seguirão. Dedos fortes envolveram-se ao redor dos meus punhos e gentilmente puxaram minhas mãos para baixo. Tremi e olhei para cima, para os brilhantes olhos prateados. – Eu continuarei lutando por você. – Ash disse em uma voz baixa e intensa. – Faça o que deve. Estarei aqui, o que quer que decida. Se tomar um ano ou mil, manterei você a salvo. Meu coração bateu fortemente. Ash soltou meus punhos e deslizou suas mãos por meus braços acima, puxando-me para perto. Afundei em seu abraço e enterrei meu rosto em seu peito, usando-o como escudo contra o desapontamento e o pesar, contra o conhecimento que minhas andanças não tinham acabado ainda. A escolha assomava-se diante de mim. Se eu queria mesmo que esta luta e corrida sem fim acabassem, teria que lidar com o Rei Iron. De novo. Abri meus olhos e olhei fixamente para o lugar onde as feéricas Iron tinham caído, para as lascas de metal brilhando nas ervas daninhas. O pensamento de tais monstros movendo-se em segredo dentro do meu quarto, voltando seus olhos assassinos sobre Ethan ou minha mãe, fez-me gelada de ira. Tudo bem, pensei, apertando meus punhos na camisa de Ash, o falso rei quer uma guerra? Darei uma a ele. Não estava pronta. Não ainda. Tinha que ficar mais forte. Tinha que aprender a controlar minha magia, tanto glamour Summer quanto Iron, se realmente era possível se aprender a ambas. E por isto, precisava de tempo. Precisava de um lugar onde os feéricos Iron não pudessem me seguir. E havia apenas um lugar que eu conhecia que era seguro, onde os servos do falso rei nunca me encontrariam. Ash deve ter sentido a mudança. – Onde estamos indo? – Murmurou em meu cabelo. Tomei um profundo fôlego e recuei para encará-lo. – Para Leanansidhe7. Surpresa e uma centelha de alarme cruzaram seu rosto. – A Rainha dos Exilados? Tem certeza que ela nos ajudará? Não, eu não tinha. A Rainha dos Exilados, como ela era chamada entre outras coisas, era capciosa e imprevisível e, francamente, bastante aterrorizante. Mas tinha me ajudado antes, e sua casa no Meio8 – o véu separando o mundo mortal de Faery – era o único refúgio potencialmente seguro que tínhamos. Além disso, eu tinha uma conta a acertar com Leanansidhe, e mais do que algumas perguntas que eu precisava ter respondidas. Ash ainda estava me observando, seus olhos prateados preocupados. – Não sei. – Falei para ele francamente. – Mas ela é a única que posso pensar que pode ajudar, e ela odeia os feéricos Iron com uma cólera inflamada. Além disto, ela é a Rainha dos Exilados. Isto significa que nos qualificamos, certo? - Diga-me você. – Ash cruzou seus braços e se encostou contra uma árvore. – Não tive o 7 Leanansidhe. Personagem provavelmente inspirada no folclere celta, lennán si, (Barrow-Lover). É uma bela mulher dos Aos Sí (pessoas do povo das fadas) que tem um amante humano. Os amantes da leannán sídhe, dizem, vivem pouco, mas altamente inspirados. O nome vem das palavras gaélicas para querido, amante ou concubino e o termo para “barrow”, que é um monte de terra ou pedras colocadas sobre um local de enterro. 8 No original: Between. - A Rainha de Ferro - 21 prazer de encontrá-la. Apesar de ter ouvido as histórias. Horripilantes como elas são. – Um pequeno sulco se desenhou em sua testa, e ele suspirou. – Isto vai ser muito perigoso, não vai? - Provavelmente. Um sorriso triste curvou seus lábios. – Onde primeiro? Uma fria resolução apertou meu estômago. Olhei para trás, para minha casa, para minha família, tão perto, e engoli o caroço na minha garganta. Ainda não, prometi a eles, mas logo. Logo, serei capaz de vê-los novamente. – Nova Orleans. – Respondi, virando para Ash, que esperava pacientemente, seus olhos nunca deixando meu rosto. – O Museu Histórico do Vodu. Há uma coisa lá que eu tenho que pegar de volta. CAPÍTULO DOIS - Sobre Símbolos e Templos Austeros - Qualquer guia de turismo em Nova Orleans que valha o seu crachá te dirá para não ir vagabundeando pelas ruas da cidade sozinho no meio da noite. No coração do Quarteirão Francês9, onde os postes de luz e o turismo tinham um forte domínio, era razoavelmente seguro; mas justamente fora do distrito, os becos escuros escondiam bandidos, gangues e predadores noturnos. Eu não estava preocupada com os predadores humanos. Eles não poderiam nos ver, exceto por um sem-teto de cabelos brancos que se encolheu de medo contra uma parede e entoou “Aqui não, aqui não”, enquanto nós passávamos. Mas a escuridão escondia outras coisas também, como o phouka10 com cabeça de cabra que nos observava de um beco do outro lado da rua, sorrindo loucamente; e a gangue de barretes vermelhos11 que nos seguiu por muitos bairros até que ficaram cansados e foram procurar por uma presa mais fácil. Nova Orleans era uma cidade faery; mistério, imaginação e tradições antigas misturavam-se perfeitamente aqui e atraíam dezenas de feéricos exilados para este local. Ash caminhava perto de mim, uma silenciosa sombra vigilante, a mão repousando casualmente sobre o punho de sua espada. Tudo, desde seus olhos, o frio no ar enquanto ele passava, à letalidade calma em seu rosto, era um aviso: este não era alguém com quem você queria mexer. Mesmo que ele tivesse sido exilado e que não fosse mais um príncipe da Corte Unseelie, era um guerreiro imponente, ainda o filho da Rainha Mab, e alguns ousariam desafiá-lo. Ao menos, isto era o que eu continuava dizendo para mim mesma, enquanto nós nos aventurávamos mais para dentro dos becos do Quarteirão Francês, movendo-nos firmemente em direção ao nosso objetivo. Mas na boca de um beco estreito, a gangue de barretes vermelhos que pensei que tinha desistido apareceu, bloqueando a saída. Eles eram baixos e robustos, anões perversos com vermelhos chapéus ensanguentados, seus olhos e presas mandibulares brilhando na escuridão. Ash parou e em câmera lenta moveu-me cuidadosamente para trás ele, e puxou sua espada, banhando o beco em tremeluzente luz azul. Apertei meus punhos, extraindo glamour do ar, provando o medo, apreensão e a insinuação de violência. Enquanto eu extraía o glamour para mim, senti náusea e tontura, e tentei permanecer firme sobre os meus pés. Por um momento, ninguém se moveu. Então Ash deu um sombrio sorriso desprovido de humor e pisou adiante. – Nós podemos ficar de pé olhando uns para os outros por toda a noite. – Ele disse, trocando olhares com o maior barrete vermelho, que tinha uma bandana vermelha manchada sobre sua cabeça e um olho faltando. – Ou prefere que eu comece o massacre? 9 No original: French Quarter. 10 Phooka (irlandês antigo), (também Pooka, Puka, Phouka, Púka, Pwca dentro em galês, Bucca eno idioma da cornuália, pouque em gernesiais, também Glashtyn, Gruagach) é uma criatura de do folclore celta, principalmente na Irlanda e no País de Gales. É um dos milhares de povos fairy (do país das fadas), e, como muitos povos do país das fadas, é respeitado e temido por aqueles que acreditam nele. De acordo com a lenta o phouka é um transmorfo habilidoso, podendo assumir uma enorme variedade de formas horríveis ou agradáveis. Não importa a forma, a pele do phouka é sempre escura. Sua forma mais comum é a de um lustroso cavalo com luminescentes olhos dourados. Pode usar fala humana e é conhecido por dar conselhos e levar as pessoas para longe do perigo. Embora goste de confudir os confusos e às vezes terríveis seres humanos, é considerada uma criatura benevolente. 11 No original: redcap. O RedCap (também chamado de powrie, dunter, barrete frígio ou ainda pente vermelho) é descrito como um duende malévolo ou um elfo caracterizado pelo seu chapéu vermelho-vivo, sua baixa estatura e seus olhos escarlates, presentes nas mitologias celta e escocesa. Barretes vermelhos também podem ser chamados de chapéus sangrentos, pelo fato de matarem suas vítimas e depois tingirem o barrete com seu sangue. Um barrete vermelho é um duende pérfido do folclore inglês que assombra as ruínas de castelos onde batalhas sangrentas aconteceram. - A Rainha de Ferro - 25 Ainda sorrindo, Ash virou-se novamente para a porta, pousando a mão na madeira esmaecida e falando uma palavra silenciosa sob sua respiração. A porta estalou e vagarosamente abriu-se com um oscilo. O interior do museu estava mofado e quente. Enquanto atravessávamos facilmente a porta, tropecei sobre o mesmo desnível no tapete que eu tinha tropeçado um ano atrás e dei uma topada em Ash. Ele me estabilizou com um suspiro, justo como há um ano. Só que desta vez, ele estendeu a mão para baixo e tocou a minha, movendo-se para mais perto para sussurrar na minha orelha. - Primeira lição. – Ele disse, e mesmo na escuridão ouvi o divertimento em sua voz. – Sempre fique atenta sobre onde põe seus pés. - Obrigado. – Disse secamente. – Lembrarei disto. Ele se virou e lançou uma bola de fogo faery tirada do nada. A brilhante esfera branco- azulada pairou acima de nossas cabeças, iluminando a sala e a coleção macabra de itens vodu que nos cercavam. O esqueleto com uma cartola e o manequim com a cabeça de jacaré ainda sorriam para nós ao longo do corredor. Mas agora, uma antiga figura parecida com uma múmia tinha sido adicionada ao dueto, uma mulher velha e murcha, com olhos de poços ocos e braços como varetas quebradiças. Então o rosto mirrado se virou e sorriu para mim, e eu engoli um grito. - Olá, Meghan Chase. – O oráculo sussurrou, planando para longe da parede e de seus dois guarda-costas medonhos. – Sabia que retornaria. Ash não tinha buscado sua espada, mas senti seus músculos se contraindo abaixo da pele dele. Tomei um profundo fôlego para acalmar meu coração saltitante e dei um passo à frente. – Então sabe por que estou aqui. O olhar oco do oráculo espreitou meu rosto. – Procura tomar de volta o que deu há um ano. O que não havia parecido tão importante então, tornou-se muito caro para você agora. Este é sempre o caso. Vocês mortais não sabem o que tem até que o percam. - A lembrança do meu pai. – Eu me movi para longe de Ash, diminuindo a distância entre mim e o oráculo. Seu olhar esburacado me seguiu, e o cheiro de jornais empoeirados encheu meu nariz e boca enquanto me aproximava. – Quero-a de volta. Preciso dela se... se vou vê-lo novamente em Leanansidhe. Tenho que saber o que ele significa para mim. Por favor. O conhecimento daquele engano ainda era doloroso. Quando eu estava procurando por meu irmão, tínhamos vindo ao oráculo por ajuda. Ela concordou em nos ajudar, mas pediu uma lembrança em troca; tinha soado insignificante no momento. Eu concordei como o seu preço, e depois não tinha tido nenhuma pista de qual memória ela havia tomado. Então, nós encontramos Leanansidhe, que mantinha muitos humanos na casa dela no Meio. Todos os seus humanos eram artistas de alguma especialidade, brilhantes, talentosos e ligeiramente loucos por viverem no Meio por tanto tempo. Um deles, um dotado pianista, tinha adquirido muito interesse por mim, embora eu não soubesse quem ele era. Descobri somente depois que tínhamos deixado a mansão e era tarde demais para voltar. Meu pai. Meu pai humano, ou ao menos o homem que me criou até os meus seis anos, e desapareceu. Que era a lembrança que o oráculo tinha tomado: todas as lembranças do meu pai humano. E agora, precisava delas de volta. Se iria para Leanansidhe, queria a memória do meu pai intacta quando exigisse saber por que ela o mantinha em primeiro lugar. - Seu pai é Oberon, o Rei Summer. – O oráculo sussurrou, sua boca magra repuxada em um sorriso. – Este homem que procura, este humano, não tem nenhuma relação de sangue com você. Ele é um mero mortal. Um estranho. Por que se importa? - Julie Kagawa - 26 - Eu não sei. – Eu disse miseravelmente. – Não sei se eu deveria me importar, e quero ter certeza. Quem era ele? Por que nos deixou? Por que ele está com Leanansidhe agora? – Interrompi-me e olhei fixamente para o oráculo, sentindo Ash se aproximar atrás de mim como um apoio silencioso. – Eu tenho que saber. – Sussurrei. – Preciso daquela memória de volta. O oráculo bateu de leve suas unhas umas contra as outras, considerando. – A barganha foi justa. – Ela disse com voz áspera. – Uma troca pela outra, nós duas concordamos com isto. Não posso simplesmente dar a você o que procura. – Ela fungou, parecendo momentaneamente indignada. – Terei algo em troca. Entendi. Não se pode esperar que um faery faça-lhe um favor sem dar um preço. Esmagando minha irritação, eu troquei um olhar com Ash, e o vi aquiescer. Ele esperava por isto, também. Suspirei e virei novamente para o oráculo. – O que quer? Ela bateu levemente um dedo contra seu queixo, desalojando algumas lascas de pele morta ou poeira. Enruguei meu nariz e dei um passo para trás. – Hmm, deixe-nos ver. O que a garota estaria disposta a entregar. Talvez... seu futuro fi— - Não. – Ash e eu dissemos em uníssono. Ela bufou. - Não podem me culpar por tentar. Muito bem. – Ela se inclinou, estudando-me com os buracos vazios em seu rosto. Senti uma presença esvoaçar-se levemente contra a minha mente e se retrair, excluindo-a. O oráculo sibilou, enchendo o ar com o cheiro de decadência. – Que... interessante. – Ela meditou. Esperei, mas ela não se explicou, e depois de um momento recuou com um estranho sorriso em seu rosto seco. – Muito bem, Meghan Chase, este é o meu pedido. Você abomina desistir de qualquer coisa que lhe é caro, e seria um desperdício de fôlego pedir estas coisas a você. Então, no lugar, eu lhe pedirei que busque algo que é caro a outro alguém. Pisquei para ela. – O quê? - Quero que me traga um Símbolo. Certamente não é pedir demais. - Um... – Eu lancei um olhar desamparado a Ash. – O que é um símbolo? O oráculo suspirou. – Ainda tão ingênua. – Ela deu a Ash um quase maternal franzir de sobrancelhas. – Confio que você a ensinará melhor do que isto no futuro, jovem príncipe. Agora, escute-me, Meghan Chase, e eu dividirei um pouco da cultura faery. A maioria dos itens – ela continuou, arrancando uma caveira da mesa com suas garras ossudas – são somente isto. Mundanos, ordinários, comuns. Nada de especial. No entanto... – ela recolocou a caveira com um thunk e cuidadosamente catou uma bolsinha de couro, amarrada com uma tira de couro. Escutei o barulho de seixos ou ossos dentro enquanto ela a erguia. – Certos itens tem sido tão amados e queridos pelos mortais que se tornam algo completamente diferente—um símbolo daquela emoção, quer seja amor, ódio, orgulho ou medo. Uma boneca favorita, ou a obra de arte de um artista. E algumas vezes, embora raramente, o item se torna tão importante que ele ganha vida por si mesmo. É como se uma parte da alma humana tivesse sido deixada para trás, agarrando-se ao artigo uma vez ordinário. Nós feéricos chamamos estes itens de Símbolos14, e eles são altamente procurados, por irradiar um glamour especial que nunca desaparece. – O oráculo deu um passo para trás, parecendo esmaecer na parafernália revestindo as paredes. – Ache-me um Símbolo, Meghan Chase – ela sussurrou – e lhe darei de volta sua memória. E então, ela foi embora. Eu esfreguei meus braços e virei para Ash, que exibia uma expressão pensativa. Ele ficou olhando mesmo depois do oráculo desaparecer. – Grande. – Murmurei. – Então, nós precisamos achar uma 14 No original: Tokens. - A Rainha de Ferro - 27 coisa Símbolo. Suponho que eles não estão simplesmente caídos no chão para se pegar, hem? Alguma ideia? Ele despertou e olhou para mim. – Eu posso saber onde podemos encontrar um. – Ele meditou, subitamente solene novamente. – Mas não é um lugar que humanos gostem de visitar, especialmente à noite. Eu ri. – O quê, não acha que eu possa lidar com isto? – Ele ergueu uma sobrancelha, e eu franzi o cenho. – Ash, atravessei Arcádia, Tir Na Nog, as Sarças, o Meio, o Reino Iron, a torre de Machina, e os territórios mortais de Nevernever. Não acho que exista um lugar capaz de me surtar mais. Um traço de humor tocou seus olhos, um desafio silencioso. – Tudo bem, então. – Ele disse, guiando-me. – Siga-me. A CIDADE DOS MORTOS se estendia diante de mim, rígida e negra debaixo da lua inchada, fumegando no ar úmido. Fileiras e mais fileiras de criptas, tumbas, e mausoléus lineavam as ruas estreitas; alguns amorosamente decorados com flores, velas e placas, outros se desintegrando com a idade e a negligência. Alguns deles pareciam miniaturas de cavalos, ou mesmo minúsculas catedrais, torres e cruzes de pedra esquadrinhando o céu. Estátuas de anjos e mulheres chorosas espreitavam dos topos dos tetos abaixo, parecendo severas ou no auge da dor. O olhos esburacados delas pareciam me seguir pelos corredores de tumbas alinhadas. Eu realmente tenho que aprender a manter minha boca fechada, pensei, seguindo Ash através das ruas estreitas, minha pele arrepiando-se com cada barulho e sombra de aparência suspeita. Uma brisa morna sussurrou entre as criptas, chutando poeira para cima e fazendo folhas mortas deslizarem ao longo do chão. Minha imaginação super-ativa começou a todo o vapor, vendo zumbis arrastando pés entre as fileiras, as portas das tumbas abrindo-se com um rangido enquanto mãos esqueléticas estivam-se em nossa direção. Estremeci e me apressei para mais perto de Ash que, maldito seja, parecia bastante imperturbável a respeito de caminhar através de um cemitério de Nova Orleans na calada da noite. Senti seu divertimento secreto às minhas custas, e assim me ajudou; se ele dissesse qualquer coisa ao longo das fileiras perto de Eu te avisei, eu ia socá-lo. Não há fantasmas aqui, disse a mim mesma, meu olhar voando entre as fileiras de criptas. Nada de fantasmas, nada de zumbis, nada de homens com mãos de gancho esperando para emboscar adolescentes estúpidas que vem ao cemitério à noite. Pare de ser paranoi— Captei a luz difusa de um movimento entre as criptas, um agitar de algo branco e fantasmagórico, uma mulher em um capuz manchado de sangue e capote, flutuando sobre o chão. Meu coração quase parou, e com um guincho, eu agarrei a manga de Ash, parando-o com um puxão. Ele virou, e eu me joguei para os seus braços, enterrando meu rosto em seu peito. Pro inferno com o orgulho, eu o mataria mais tarde por trazer-me aqui. - Meghan? – Seu aperto se intensificou em preocupação. – O que está errado? - Um fantasma. – Sussurrei, fracamente apontando na direção do espectro. – Eu vi um fantasma. Lá. Ele virou para olhar naquela direção, e o senti relaxar. – Bean sidhe15. – Murmurou, 15 Bean sidhe. O mesmo que banshee. O termo origina-se do irlandês arcaico "Ben Síde", pelo irlandês moderno "Bean sídhe" ou "bean sí", significando algo como "fada mulher" (onde Bean significa mulher, e Sidhe, que é a forma possessiva de fada). Os Sídh são entidades oriundas das divindades pré-cristãs gaélicas. As Banshee provêm da família das fadas, e é a forma mais obscura delas. Quando alguém avistava uma Banshee, sabia logo que seu fim estava próximo: os dias restantes de sua vida podiam ser - Julie Kagawa - 30 o casal com uma expressão grave em seu rosto. – Quem são eles? – Sussurrei através da minha manga. Ash hesitou, então tomeu um silencioso fôlego. - Há uma história – ele começou em um tom solene – sobre um talentoso saxofonista que veio a Mardi Gras uma noite e capturou o olhar de uma rainha faery. E a rainha convidou-o a vir com ela, porque ele era jovem, bonito e encantador, e sua música podia colocar a alma de alguém em chamas. Mas o saxofonista recusou, porque ele já tinha uma esposa, e seu amor por ela era maior até mesmo do que a beleza da rainha faery. E então, irada porque ele a desprezou, a rainha o levou para longe, e o manteve em Nevernever por muitos dias, forçando-o a entretê-la. Mas não importava o que o jovem homem visse em Faery, e não importava o quanto a rainha tentava fazê-lo dela; mesmo quando ele esqueceu seu próprio nome, ele não podia esquecer sua esposa deixada no mundo mortal Observando o rosto de Ash, as sombras em seus olhos enquanto ele falava, tive a sensação de que não era uma história que ele tinha ouvido em algum lugar. Era um conto que tinha assistido se desenrolar diante dele. Ele conhecia o Símbolo e onde encontrá-lo porque se lembrou do saxofonista da corte da rainha, outro mortal pego na crueldade dos feéricos. - O tempo passou – Ash prosseguiu – e a rainha finalmente o libertou, porque a divertiu fazer isto. E quando o jovem humano, sua cabeça cheia de memórias tanto reais quanto imaginárias, retornou a sua amada esposa, ele a encontrou envelhecida sessenta anos, enquanto ele não tinha mudado um dia desde que tinha desaparecido do mundo mortal. Ela ainda usava seu anel, e não tinha tomado outro marido ou pretendente, porque sempre acreditou que ele retornaria. Ash pausou, e eu usei minha mão livre para secar meus olhos. Os esqueletos não pareciam tão arrepiantes agora, jazendo imóveis na mesa. Ao menos eu podia olhar para eles sem meu estômago se agitar. – O que aconteceu depois disto? – Sussurrei, olhando para Ash esperançosamente, implorando para que este conto de fadas ter um final feliz. Ou ao mesmo um não horrível. Eu já deveria saber a esta altura. Ash balançou a cabeça e suspirou. - Os vizinhos os acharam dias depois, jazendo na cama, um jovem homem e uma mulher velha e murcha, seus dedos entrelaçados em um aperto inquebrantável e seus rostos virados em direção um do outro. O sangue em seus pulsos já tinha secado nos lençóis. Eu engoli o caroço na minha garganta e olhei para os esqueletos novamente, dedos entrelaçados na morte como tinha estado em vida. E desejei que, por uma vez, contos de fada – contos de fada reais, não os contos de fada da Disney – pudessem ter um final feliz. Pergunto-me, como será meu fim? O pensamento veio de lugar nenhum, fazendo-me franzir o cenho. Olhei para Ash por sobre a mesa; seu olhar prateado encontrou o meu, e senti meu coração inchar em meu peito. Eu estava em um conto de fadas, não estava? Estava representando meu papel na história, a garota humana que tinha se apaixonado por um príncipe faery. Histórias como esta raramente terminavam bem. Mesmo que eu tivesse terminado esta coisa com o falso rei, mesmo se eu tivesse voltado para a minha família e vivido uma vida normal, onde Ash se encaixaria? Eu era humana; ele era um imortal faery sem alma. Que tipo de futuro teríamos juntos? Eventualmente, eu iria envelhecer e morrer; Ash viveria para sempre, ou ao menos até que o mundo mortal se tornasse demais para ele e ele simplesmente cessasse de existir. Fechei meus olhos, meu coração doendo com a verdade cortante. Ele não pertencia a este lugar, o mundo mortal. Ele pertencia a Faery, com as outras criaturas de mitos, pesadelos e imaginação. Ash era um lindo e impossível sonho: um conto de fadas. E eu, a despeito do sangue do meu pai, ainda era humana. - Meghan? – Sua voz estava suave, questionadora. – O que é? Subitamente raivosa, eu cortei meus pensamentos desoladores. Não. Não aceitaria isto. Esta era a minha história, nossa história. Encontraria um jeito para nós dois vivermos, sermos felizes. Eu - A Rainha de Ferro - 31 devia muito a Ash. Alguma coisa pousou no teto acima de nossas cabeças com uma batida oca, e uma chuva de poeira caiu sobre mim. Tossindo, eu ondulei minha mão na frente do meu rosto, fechando rapidamente meus olhos à súbita chuva de sujeira. - O que foi isto? Ash olhava para o teto, os olhos estreitando-se. – Nosso sinal para sair. Aqui. – Ele lançou alguma coisa para mim na mesa. Aquilo brilhou brevemente enquanto eu o pegava—o manchado anel de ouro do dedo do esqueleto. – Este é o nosso Símbolo. – Ash murmurou, e eu vi que sua mão lançou-se para dentro do bolso de seu casaco, quase rápido demais para ser vista, antes que ele caminhasse para longe da mesa. – Vamos sair daqui. Ele empurrou a porta para abri-la, movendo-me para fora. Enquanto eu mergulhava através do batente, alguma coisa pingou direto no meu ombro vindo de cima; alguma coisa quente, úmida e pegajosa. Pus minha mão em meu pescoço e ela voltou coberta de baba espumosa. Com o coração em minha garganta, eu olhei para trás e acima. Uma forma monstruosa agachava-se no topo do mausoléu, delineada contra o céu enluarado; alguma coisa magra, musculosa e decididamente antinatural. Tremendo, olhei para os flamejantes olhos carmesim do enorme cão negro acima, grande como uma vaca, lábios repuxados para revelar presas tão longas quanto facas de jantar. - Ash. – Eu guinchei, recuando. Os olhos do cão-monstro me seguiram, seu olhar flamejante presos na mão onde eu agarrava o anel. – Isto é...? A espada de Ash se liberou com um som áspero. – O Grim. – O Grim olhou para ele e rosnou, fazendo o chão tremer, então oscilou seu olhar aterrorizante de volta para mim. Os músculos esgarçaram-se debaixo de sua pele enquanto ele se agachava mais, baba pendendo em fitas brilhantes de seus dentes. Ash brandiu sua espada, falando comigo apesar de nunca tirar seus olhos do Grim. – Meghan, quando eu disser “vai”, corra para a frente, não para longe dele. Entendeu? Aquilo soou muito como suicídio, mas eu confiei em Ash. – É. – Sussurrei, agarrando mais forte o anel, sentindo as bordas se enterrarem dentro da minha palma. – Estou pronta. O Grim rugiu, um ladro ensurdecedor que abriu minha cabeça em duas, fazendo-me querer cobrir minhas orelhas e fechar meu olhos. Ele saltou, e eu teria ficado congelada no lugar se Ash não tivesse me empurrado para fora com o grito “Vá!”. Instigada a agir, eu mergulhei para frente, abaixo do salto do cão sobre a minha cabeça, e senti o impacto esmagador enquanto o Grim atingia o lugar onde eu tinha estado parada. - Corra! – Ash gritou para mim. – Temos que sair dos terrenos do cemitério, agora! Atrás de nós, o Grim rugiu em fúria e atacou. CAPÍTULO TRÊS - Lembrança - Uma saraivada de cacos brilhantes irromperam da direção de Ash, cobrindo o Grim com adagas congeladas e pedaços de gelo contundentes. Eles se despedaçaram ou resvalaram na musculatura oculta do Grim, nem ferindo a fera, mas foi o suficiente para nos dar alguns segundos de dianteira. Fugimos pelos corredores, lançando-nos entre criptas, esquivando-nos ao redor de estátuas de anjos e santos, o bafo quente do Grim em nossos calcanhares. Se estivéssemos em campo aberto, o cão monstruoso teria me atropelado e me usado como brinquedo para mastigar em três segundos; mas as ruelas estreitas e corredores apertados o desaceleraram um pouco. Nós ziguezagueávamos por nosso caminho pelo cemitério, permanecendo um passo a frente do Grim, até que a parede branca de concreto que marcava os terrenos do cemitério se assomou a nossa frente. Ash alcançou a barreira primeiro e rodopiou para me ajudar a sumir, posicionando-se como uma escadinha. Esperando sentir dentes nas minhas costas a qualquer momento, eu pisei em seu joelho e me lancei para o topo, arranhando e chutando. Ash saltou direto para cima, como se estivesse atado a arames, e pousou na borda, agarrando meu braço. Um rugido ensurdecedor fez minhas orelhas ressoarem, e eu cometi o erro de olhar para trás. A mandíbula aberta do Grim encheu minha visão, o bafo quente e podre no meu rosto, borrifando-me com baba. Ash me puxou para trás justo quando aquelas mandíbulas se fecharam a polegadas do meu rosto, e nós caímos do muro juntos, atingindo o chão com um impacto que tirou o fôlego dos meus pulmões. Arfando, eu olhei para cima. O Grim se agachou no topo do muro, olhando para mim, presas arreganhadas e brilhando na luz da lua. Por um momento, tive certeza que iria saltar e nos rasgar em pedaços. Mas, com um último rosnado, virou e caiu para fora de vista, de volta ao cemitério o qual estava obrigado a proteger. Ash soltou um suspiro e deixou sua cabeça cair na grama. – Tenho que dizer. – Ele arquejou, seus olhos fechados e seu rosto virado para o céu. – Estar com você nunca é entediante. Eu abri meu punho tremente e olhei para o anel, ainda repousando na minha palma. Ele brilhou com sua própria luz interior, cercado por uma áurea de glamour que tremeluzia com emoção: tristeza azul profundo, esperança esmeralda, e amor escarlate. Agora que o via claramente, senti uma punhalada de remorso e culpa; este era o símbolo de um amor que perdurou por décadas, e nós o tínhamos tomado do túmulo mal pensando duas vezes. Engoli o caroço na minha garganta e prendi o anel no bolso do meu jeans. Secando a baba nojenta do Grim do meu rosto, olhei para Ash abaixo. Ele abriu seus olhos, e subitamente me dei conta do quão perto nós estávamos. Eu praticamente estava deitada em cima dele, nossos membros emaranhando-se e nossos rostos a polegadas de distância. Meu coração tartamudeou um pouco, então bateu mais rápido do que antes. Desde o nosso exílio de Faery e minha viagem para casa, nós nunca tínhamos ficado juntos; realmente ficado juntos. Estive tão preocupada com o que diria para a minha família, tão ansiosa por chegar em casa, que não tinha pensado muito nisto. E Ash nunca foi mais longe do que um toque breve ou carinho, parecendo contente em me deixar ditar o ritmo. Só que eu não sabia o que ele queria, o que esperava. O que nós tínhamos, exatamente? - Está preocupada, de novo. – Ash estreitou seus olhos, e a proximidade com ele me fez prender a respiração. – Parece que sempre está preocupada, e não posso fazer nada para ajudar. Eu franzi as sobrancelhas para ele. – Você poderia parar de ler minhas emoções cada vez - A Rainha de Ferro - 35 Hesitei um instante mais, então deixei o anel cair em sua palma. Seus dedos se fecharam com tal velocidade que dei um passo para trás. O oráculo suspirou, segurando o anel em seu peito cavado. – Tanta ânsia. – Ela meditou, como que em transe. – Tanta emoção. Eu lembro. Antes de ter dado todas. Lembro de como se sentia sentir. – Ela fungou, voltando de seu transe, e flutuou de volta, atrás do balcão, sua voz subitamente frágil e azeda. – Não sei como os mortais fazem isto, estes sentimentos que têm que aguentar. Eles te arruinarão, no final. Não está certo, príncipe? Eu me sobressaltei, mas Ash não pareceu surpreso. – Vale a pena. – Ele disse calmamente. - Sim, diz isto a si mesmo agora. – O oráculo deslizou o anel sobre uma garra e ergueu sua mão, admirando-o. – Mas veja como se sentirá daqui a algumas décadas, quando a garota estiver seca e fraca, escorregando para mais longe de você com a passagem de cada dia, e você fica tão eterno quanto o tempo. Ou talvez – ela virou para mim agora -, seu amado príncipe achará o reino mortal mais do que ele pode aguentar, ser, e ele desaparecerá dentro da não-existência. Um dia, você acordará e ele simplesmente terá ido embora, somente uma lembrança, e nunca achará o amor novamente; porque como pode um mero mortal competir com o povo fada? – O oráculo sibilou, lábios curvados em sarcasmo. – Então desejará que fosse completamente vazia por dentro. Como eu. Ash permaneceu calmo, inexpressivo, mas eu senti uma punhalada de medo torcer meu estômago. – Isto é... o que você vê? – Sussurrei, uma faixa apertando-se ao redor do meu coração. – Nosso futuro? - Lampejos. – O oráculo disse, ondulando sua mão desconsideramente. – O futuro distante é uma constante onda cambiante, sempre em movimento, nunca certeza. A história muda com cada respiração. Cada decisão que tomamos o envia para outro caminho. Mas... – Ela estreitou seus olhos esburacados para mim. – Só há uma constante em seu futuro, criança, e é a dor. Dor e vazio, por seus amigos; aqueles que mantém mais queridos em seu coração e que não estão em nenhum lugar à vista. A faixa ao redor do meu peito apertou-se ainda mais. O oráculo sorriu, um amargo sorriso vazio, e quebrou o contato visual. – Mas talvez você mudará tudo isto. – Ela meditou, gesticulando para alguma coisa que eu não podia ver atrás do balcão. – Talvez você achará um final feliz para este conto, um que eu não vi. Depois de tudo – ela ergueu um longo dedo, onde o anel cintilava brilhantemente contra a escuridão – sem esperança, onde estaríamos agora? – Ela gargalhou e abaixou a mão. Um pequeno globo de vidro flutuou para cima, de trás do balcão, pairando no ar diante dele e vindo a pousar na palma do oráculo. As unhas dela se curvaram sobre ele, e ela acenou para mim com sua outra mão. - Aqui está o que procura. – Ela disse com voz áspera, deixando o globo cair na minha mão. Pisquei em surpresa. O vidro parecia mais luminoso e delicado do que uma bolha pousada em minha mão, como se eu pudesse esmagá-lo só flexionando meus dedos. – Quando estiver pronta, simplesmente quebre o globo, e sua lembrança será liberada. - Agora – ela continuou, recuando – acredito que isto é tudo o que precisa, Meghan Chase. Quando eu a vir novamente, não importa o que escolha, você não será a mesma. - O que quer dizer com isto? O oráculo sorriu. Um sopro de vento agitou a sala, e ela se dissolveu dentro de um ciclone rodopiante de poeira, varrendo através do ar e ardendo meus olhos e garganta. Tossindo, virei para longe, e quando fui capaz de olhar novamente, ela tinha partido. Trêmula, eu olhei para o globo em minha mão. Na tremeluzente luz faery, pude ver linhas tênues na superfície refletora, imagens deslizando pelo vidro. Reflexos de coisas que não estavam lá. - Bem? – Veio a voz de Grimalkin, enquanto o gato aparecia em outro balcão no meio de - Julie Kagawa - 36 muitas jarras contendo cobras mortas em um líquido âmbar. – Vai esmagar isto ou não? - Tem certeza que voltará para mim? – Perguntei, observando o rosto de um homem deslizar pelo vidro, seguido por uma garota em uma bicicleta. Mais imagens ondularam-se como miragens, breves demais e distorcidas para se reconhecer. – O oráculo só me falou que elas seriam libertadas—ela não me disse especificamente que voltariam. Se eu quebrar isto agora, minha lembrança não se dissolverá no ar, ou será sugada por alguma outra faery sugadora de lembranças, vai? Grimalkin espirrou, ecoando o silencioso riso de Ash no canto. – Você está por perto por muito tempo. – Ash murmurou, e eu pensei ter ouvido um traço de tristeza em sua voz. Não sabia se isto significava que eu estava sendo desconfiada demais, procurando por brechas em uma barganha faery, ou se ele achava que era exatamente o que eu deveria estar fazendo. Grimalkin bufou, dando-me um olhar desdenhoso. – Nem todos os faery procuram te enganar, humana. – Ele disse em uma voz aborrecida. – Até onde posso dizer, a oferta do oráculo foi genuína. – Ele fungou e martelou seu rabo contra o balcão. – Se ela tivesse querido te apanhar em uma armadilha, teria envolto tantos enigmas ao redor da oferta que você nunca teria uma chance de desembaraçar o significado real. Olhei para Ash, e ele aquiesceu. – Ok, então. – Disse, tomando um profundo fôlego. Ergui o globo sobre minha cabeça. – É o mesmo que nada. – E o arremessei no chão com toda a vontade. O vidro frágil quebrou contra o tapete com um acorde quase musical, os cacos espiralando- se para cima para se tornar fragmentos de luz que giraram ao redor da sala. Eles se fundiram e se uniram em milhares de imagens, rodopiando no ar como pombos frenéticos. Enquanto eu observava, sem ar, eles rodopiaram juntos e desceram como um bando de pássaros em um filme de terror. Fui bombardeada por uma série infinita de imagens e emoções, todas tentando rasgar-se em minha cabeça de uma só vez. Pus minhas mãos em meu rosto, tentando bloqueá-las, mas isto não ajudou. As visões continuavam vindo, passando rapidamente através da minha cabeça como uma luz estroboscópica. De um homem com um liso cabelo castanho, longos dedos gentis, e olhos que estavam sempre sorrindo. As imagens eram todas dele. Dele... empurrando-me no balanço de um parque. Segurando minha primeira bicicleta firmemente enquanto eu oscilava na calçada. Sentando no nosso velho piado, seus longos dedos voando sobre as teclas, enquanto eu sentava no sofá e o observava tocar. Caminhando para um minúsculo lago verde, a água fechando-se sobre sua cabeça, enquanto eu gritava e gritava até a polícia chegar. Quando acabou, eu estava ajoelhada no chão com os braços de Ash ao meu redor, segurando-me contra seu peito. Eu estava arquejando, minhas mãos apertadas em sua camisa, e seu corpo estava rígido contra o meu. Minha cabeça sentia-se cheia demais, latejando como se estivesse a ponto de explodir, pronta para se abrir arrebentando as costuras. Mas eu me lembrava. De tudo. Lembrava-me do homem que tinha cuidado de mim por seis anos. Que me criou, pensando que eu era sua única filha, sem saber minha real herança. Oberon o chamou de um estranho, mas para o inferno com isto. Até onde me concernia, Paul era meu pai em tudo exceto no sangue. Oberon podia ser meu pai biológico, mas ele nunca estava por perto. Era um estranho que nunca teve nenhum interesse na minha vida, que me chamava de filha mas que não me conhecia realmente. O homem que me lia histórias para dormir em uma voz cantada, punha curativos de unicórnios nos meus cotovelos ralados, e me segurava em seu joelho enquanto ele tocava piano – ele era meu pai verdadeiro. E eu sempre tinha pensado nele assim. - Está bem? – A respiração fria de Ash fez cócegas na minha bochecha. Aquiesci e me ergui. Meu coração ainda doía, e não havia muitas horas para tentar resolver a torrente de imagens e emoções, mas eu finalmente sabia o que tinha que fazer. - A Rainha de Ferro - 37 - Tudo bem, Grim. – Disse, olhando para cima com uma determinação nova. – Tenho aquilo pelo que vim. Agora eu estou pronta para ver Leanansidhe. Mas não houve resposta. Grimalkin tinha desaparecido. - Julie Kagawa - 40 - Tem que entender, princesa. – Glitch deu de ombros enquanto recuava para longe de mim, para dentro do círculo de feéricos. – Isto é para a sua própria segurança. Não podemos permitir que caia nas mãos do falso rei, ou ele irá vencer e tudo estará perdido. Temos que mantê-la escondida, e a salvo. Nada mais importa agora. Por favor, venha tranquilamente. Sabe que há muitos de nós para lutar contra. Mesmo o príncipe Winter não pode derrotar a tantos. - Verdade? – Gritou uma voz nova, em algum lugar atrás e acima de todos nós. – Bem, se este é o caso, por que não igualamos a batalha um pouco? Rodopiei, olhando para cima em direção ao topo do telhado, meu coração saltando em meu peito. Delineado contra a lua, com seus braços e seu cabelo vermelho despenteado pelo vento, um rosto familiar sorriu para nós abaixo, balançando sua cabeça. - Você – Puck disse, entrelaçando seus olhos com os meus – é extremamente difícil de rastrear, princesa. Que bom que Grimalkin veio e me achou. Como sempre, parece que tenho que resgatar você e o garoto-gelo de alguma coisa. De novo. Isto está começando a se tornar um hábito. Ash rolou seus olhos, apesar de que sua atenção não deixou os feéricos nos cercando. – Pare de falatório e desça aqui, Goodfellow. - Goodfellow? – Glitch olhou nervosamente fixo para Puck. – Robin Goodfellow? - Oh, olhe isto, ele ouviu sobre mim. Minha fama cresce. – Puck bufou e saltou do teto. No meio do ar, ele se tornou um gigante corvo negro, que se arrebatou em nossa direção com um áspero grito, antes de cair dentro do círculo como Puck, em uma explosão de penas. – Ta-daaaaaaaaaa. Os rebeldes recuaram um passo, apesar de Glitch manter seu espaço. – Ainda há somente três de vocês. – Ele disse firmemente. – Não é o suficiente para lutar com todos nós. Princesa, por favor, só queremos proteger você. Isto não tem que terminar em violência. - Não preciso de sua proteção. – Disse. – Como pode ver, tenho mais do que o suficiente. - Além disto – Puck disse, sorrindo seu perverso sorriso –, quem disse que vim sozinho? - Você veio – gritou outro Puck do topo do telhado que ele tinha acabado de deixar. Os olhos de Glitch se alargaram enquanto o segundo Puck sorria para ele abaixo. - Não, ele não veio. – Disse um terceiro Puck do telhado oposto. - Bem, tenho certeza que eles sabem o que ele quer dizer. – Disse outro Puck, sentado no topo de um poste de iluminação. – Em qualquer caso, aqui estamos. - Isto é um truque. – Glitch murmurou, enquanto os rebeldes lançavam olhares nervosos para o três Pucks, que acenaram de volta alegremente. – Estes não são corpos de verdade. Você está confundindo nossas cabeças. Puck riu em silêncio. – Bem, se é o que acha, é bem vindo a tentar alguma coisa. - Não terminará bem para vocês, de qualquer forma. – Ash interrompeu. – Mesmo que consigam nos derrotar, asseguraremo-nos de dizimar seu pequeno bando de rebeldes antes de cairmos. Conte com isto. - Saia daqui, Glitch. – Eu disse calmamente. – Não vamos a lugar algum com você e seus amigos. Não vou me esconder do falso rei e não fazer nada. - Isto – Glitch disse, estreitando seus olhos – é exatamente o que eu temia. – Mas ele virou e sinalizou para suas forças recuarem, e os feéricos Iron desapareceram nas sombras novamente. – Estaremos observando você, princesa. – Ele avisou, antes que ele, também, virasse e desaparecesse na noite. - A Rainha de Ferro - 41 Com o coração acelerado, eu virei para ver Puck olhando fixo para mim, sorriso torto firmemente no lugar. Alto e desengonçado, ele parecia o mesmo de sempre, ansioso por encrencas, sempre pronto com um dito sarcástico ou uma resposta espirituosa. Mas eu vi a centelha de dor em seus olhos, um cintilar de raiva que ele mal pode ocultar, e isto fez minhas entranhas apertarem-se. – Ei, princesa. - Ei – sussurrei, enquanto Ash deslizava seus braços ao redor da minha cintura por detrás, puxando-me para perto. Pude sentir seu olhar lançando-se para Puck sobre a minha cabeça, um silencioso gesto protetor que falava mais alto que quaisquer palavras. Minha. Para trás. Puck o ignorou, olhando solenemente para mim. Na sombra de seu olhar, lembrei-me de nosso último encontro, e a infeliz decisão que nos trouxe até aqui. - MEGHAN CHASE! A voz de Oberon estalou como um chicote, e um rígido de trovão sacudiu o chão. A voz do Erlking estava sinistramente calma, os olhos brilhando âmbar através da neve que caía suavemente. – As leis de nosso povo são absolutas. – Oberon avisou. – Summer e Winter dividem muitas coisas, mas amor não é uma delas. Se você fizer esta escolha, filha, os trods nunca abrirão para você novamente. - Meghan. – Puck deu um passo à frente, implorando. – Não faça isto. Não posso te seguir desta vez. Fique aqui. Comigo. - Eu não posso. – Sussurrei. – Sinto muito, Puck. Eu realmente amo você, mas tenho que fazer isto. – O rosto dele nublou com dor, e ele virou para longe. A culpa me apunhalou, mas no fim, a escolha sempre tinha sido clara. - Sinto muito. – Sussurrei novamente, e segui Ash através do portal, deixando Faery para trás para sempre. A MEMÓRIA QUEIMAVA como bílis no meu estômago, e eu fechei meus olhos, desejando que não tivesse que ter sido deste jeito. Eu amei Puck como um irmão e um melhor amigo. E ainda, durante um período muito sombrio quando eu estava confusa, sozinha e ferida, minha afeição por ele me deixou fazer algo estúpido, algo que eu não devia ter feito. Sabia que ele me amava, e o fato de que eu tomei vantagem dos sentimentos dele me fez indignada comigo mesma. Desejei saber como consertar isto, mas a dor mal contida nos olhos de Puck me disse que nenhuma quantidade de palavras o faria melhor. Finalmente, achei minha voz. – O que está fazendo aqui? – Sussurrei, subitamente grata pelos braços de Ash ao redor de mim, uma barreira entre mim e Puck. Puck encolheu os ombros e rolou seus olhos. - É óbvio, não é? – Ele respondeu, soando um pouco mais mordaz do que o normal. – Depois que você e o garoto-gelo conseguiram se exilar, eu estava preocupado que os feéricos Iron ainda estivessem procurando por você. Então eu tentei descobrir. Ainda bem que vim, também. Então, quem é o mais novo feérico Iron que você irritou? Glitch, não é? O primeiro tenente de Machina—certamente você sabe como os escolher, princesa. - Mais tarde. – Grimalkin apareceu vindo de uma sombra, o rabo de escova ondulando no vento. – Humana, sua tentativa de sequestro desencadeou muito tumulto entre os feéricos de Nova Orleans. – Ele anunciou, seus olhos dourados entediados voltados para mim. – Devemos nos deslocar antes que alguma coisa a mais aconteça. Os feéricos Iron estão vindo atrás de você, e não tenho nenhum desejo de - Julie Kagawa - 42 fazer este resgatezinho inteiro novamente. Conversem quando chegarmos a Leanansidhe. Vamos. Ele trotou pela estrada com seu rabo erguido alto, parando uma vez para espiar para nós no limite de um beco, os olhos brilhando na escuridão, antes de deslizar para dentro do escuro. Saí vagarosamente do abraço de Ash e dei um passo em direção a Puck, esperando que pudéssemos conversar. Senti falta dele. Ele era meu melhor amigo, e eu queria que fosse como era antes, nós três dando conta do mundo. Mas tão logo eu me movi, Puck moveu-se para longe, como se estar perto de mim fosse desconfortável demais para suportar. Em três longos passos ele alcançou a boca do beco, então virou para nos sorrir, o cabelo vermelho brilhante debaixo das lâmpadas da rua. - Bem, pombinhos? Estão vindo ou não? Não posso esperar para ver o olhar no rosto de Lea quando vocês dois entrarem. – Seus olhos brilharam, e seu sorriso tornou-se levemente selvagem. – Sabem, ouvi falar que ela faz coisas horríveis com aqueles que a aborrecem. Espero que ela não arranque as suas tripas e as use para fazer cordas de harpa, príncipe. – Rindo, ele balançou suas sobrancelhas para nós e se virou , seguindo Grimalkin dentro das sombras. Eu suspirei. – Ele me odeia. Ash grunhiu. – Não, acho que este sentimento em particular está reservado só para mim. – Ele disse em uma voz divertida. Quando eu não respondi, ele nos moveu para frente, e cruzamos a estrada juntos, chegado à boca do beco. – Goodfellow não te odeia. – Continuou, enquanto as sombras pairavam tenebrosas e ameaçadoras além dos postes de iluminação. – Ele está zangado, mas acho que é mais consigo mesmo. Depois de tudo, ele teve dezesseis anos para fazer seu movimento. Não é culpa de ninguém, exceto dele mesmo, que eu o venci nisto. - Então, é uma competição agora, huh? - Se quiser chamar assim. – Eu tinha começado a seguir Puck e Grimalkin dentro do corredor, mas ele capturou minha cintura e me puxou para perto, deslizando a mão para cima das minhas costas, enquanto a outra emoldurava o meu rosto. – Eu já perdi uma garota para ele. – Ash murmurou, enredando seus dedos em meu cabelo. Apesar de sua voz estar suave, uma dor antiga cintilou por seu rosto e desapareceu. – Não perderei outra. – Sua testa tocou suavemente a minha, seu brilhante olhar prateado miraram o meu. – Planejo manter você, de qualquer um, pelo tempo em que eu viva. Isto inclui Puck, o falso rei, e qualquer um mais que possa levá-la embora. – Um canto de sua boca curvou-se abruptamente, enquanto eu lutava para prender minha respiração debaixo de seu poderoso escrutínio. – Acho que deveria ter te avisado que tenho uma veia ligeiramente possessiva. - Não tinha notado. – Sussurrei, tentando manter minha voz clara e sarcástica, mas saiu um pouco ofegante. – Está tudo bem... Não vou desistir de você, tão pouco. Seus olhos se tornaram muito suaves, e ele abaixou sua cabeça, roçando seus lábios nos meus. Eu enlacei minhas mãos atrás de seu pescoço e fechei meus olhos, respirando seu perfume, esquecendo de tudo, só por um momento. - Oi, pombinhos! – A voz de Puck quebrou o silêncio, ressoando através da escuridão. Ash recuou com um pesaroso olhar. – Arranjem um quarto, sim? Temos coisas melhores para fazer do que assistir sua sessão de sugação de línguas! - Certamente. – A voz de Grimalkin ecoou a irritação de Puck, e eu me retraí. Agora até o gato estava concordando com Puck? – Apressem-se, ou nós os deixaremos para trás. NÓS SEGUIMOS GRIMALKIN através da cidade, por um incomumente longo e curvilíneo beco que se tornou - A Rainha de Ferro - 45 - Roubei? – Leanansidhe recostou-se e cruzou suas longas pernas. – Roubei? Estou quase certa de que você quer dizer salvei, não quis, criança? - Eu... – Pestanejei para ela. – Sobre o que está falando? - Oh, então você não escutou esta história. Puck, querido, que vergonha. Você nunca contou a ela. Olhei penetrantemente para Puck. Ele se mexeu no descanso de braço, não encontrando meu olhar, e eu senti meu estômago afundar até os meus pés. Não, não. Não você, Puck. Conheço você desde sempre. Diga-me que não tem nada haver com isto. Leanansidhe riu novamente. – Bem, este é um drama inesperado. Que fabuloso! Devo arrumar o palco. – Ela bateu palmas, e as luzes abruptamente se apagaram, salvo por um único holofote sobre o piano. - Lea, não. – A voz de Puck me surpreendeu, baixa, rouca, e quase desesperada. Meu estômago afundou ainda mais. – Não assim. Deixe explicar isto para ela. Leanansidhe virou seu olhar sem remorso sobre Puck e balançou a cabeça. – Não, querido. Acho que é hora da garota saber a verdade. Você teve tempo de sobra para contar a ela, então não existe culpa, exceto a sua. – Ela ondulou sua mão, e a música começou, sombria, sinistros acordes de piano, apesar de ninguém estar sentado no banquinho. Outro holofote se acendeu, desta vez sobre Leanansidhe, enquanto ela se erguia em um ondular de roupa e cabelo. Ficando de pé, as suas mãos se ergueram como que para abraçar a audiência, a Musa Sombria18 fechou seus olhos e começou a falar. - Era uma vez, havia dois mortais. Sua voz musical provocou um calafrio dentro da minha cabeça, e eu vi as imagens tão claramente como se estivesse assistindo a um filme. Vi minha mãe, mais jovem, sorrindo, livre de preocupações, entrelaçando as mãos com um alto homem esguio que eu reconhecia agora. Paul. Meu pai. Eles estavam conversando e rindo, obviamente apaixonados e esquecidos do mundo. Um caroço surgiu na minha garganta. - Aos olhos mortais – Leanansidhe continuou – eles eram pouco notáveis. Duas almas em uma multidão de humanos idênticos. Mas para o mundo faery, era montes de glamour, faróis de luz nas trevas. Uma artista cujas pinturas quase cantavam com vida própria, e um músico cuja alma estava entrelaçada com sua música, o amor deles só intensificando seus talentos. - Espere. – Eu disse abruptamente, interrompendo o fluxo da história. Leanansidhe piscou e deixou cair suas mãos, e a corrente de imagens pararam inesperadamente. – Acho que está enganada. Meu pai não era um grande músico, ele era um vendedor de seguros. Quero dizer, sei que ele tocava piano, mas se era tão bom, por que não fazia algo com isto? - Quem está contando a história aqui, criança? – A Rainha dos Exilados eriçou-se, e as luzes tremeluziram novamente. – Não conhece o termo “artista sacrificado”19? Seu pai era muito talentoso, mas a música não pagava as contas. Agora, quer ouvir esta história ou não, criança? - Desculpe. – Murmurei, afundando de volta no sofá. – Continue, por favor. Leanansidhe bufou, sacudindo seu cabelo para trás, e as visões começaram novamente 18 No original: Dark Muse. 19 No original: starving artist. Não encontrei correspondente em português. É uma expressão usada para designar o artista que sacrifica os bens materiais para se concentrar em suas obras de arte. Tipicamente, vivem com despesas mínimas, seja por falta de trabalho ou porque toda a sua renda vai para projetos de arte. - Julie Kagawa - 46 enquanto ela continuava. - Eles se casaram e, como os humanos fazem, começaram a se afastar. O homem conseguiu um novo emprego, um que requeria que ele deixasse a casa por longos períodos de tempo; sua música diminuiu e logo cessou. Sua esposa continuou pintando, menos frequentemente do que antes, mas agora sua arte estava cheia de saudade, uma ânsia por alguma coisa a mais. E talvez tenha sido isto o que atraiu o olhar do Rei Summer. Eu mordi meu lábio. Tinha ouvido isto antes, do próprio Oberon, mas ainda não tornava mais fácil. Ash apertou meu ombro. - Não muito tempo depois, uma criança nasceu, uma criança dos dois mundos, meio faery e meio mortal. Durante este tempo, houve muita especulação na Corte Summer, perguntando se a criança deveria ser levada para Faery e criada como filha de Oberon; ou se ela iria ficar no mundo humano com seus pais mortais. Infelizmente, antes que uma decisão pudesse ser tomada, a família fugiu com a criança, levando-a secretamente para longe do alcance de Oberon. Até hoje, ninguém sabe como eles tinham conseguido isto, apesar de que haja um rumor de que a mãe da menina de alguma forma achou um jeito de esconder a todos, que talvez ela não fosse tão cega a Faery quando pareceu a princípio. - Ironicamente, foi a música do humano que os denunciou novamente, quando o pai da garota começou a compor de novo. Seis anos depois deles terem fugido das cortes, a Rainha Titânia descobriu a localização da família da criança, e estava determinada a ter a sua vingança. Ela não poderia matar a menina e arriscar a ira de Oberon; nem ousaria liquidar a mãe, a humana que capturou o olhar do Rei Summer. Mas o pai mortal da menina não tinha tal proteção. - Então, Titânia pegou meu pai? – Eu tive que interromper, apesar de saber que isto provavelmente irritaria Leanansidhe novamente. Ela olhou zangada para mim, mas eu estava muito frustrada para me importar. – Mas, isto não faz sentido! Como ele terminou aqui com você? Leanansidhe soltou um suspiro dramático e catou sua piteira, sugando-a com seus lábios repuxados. – Eu estava a ponto de chegar ao clímax, querida. – Ela suspirou, soprando uma pantera azul que saltou sobre a minha cabeça. – Você provavelmente é horrível de se levar nos cinemas, não é? - Nada mais de histórias. – Eu disse, ficando de pé. – Por favor, só me conte. Titânia roubou meu pai ou não? - Não, querida. – Leanansidhe rolou seus olhos. – Eu roubei seu pai. Boqueabri a boca para ela. – Você roubou! Por quê? Só para que Titânia não pudesse? - Exatamente, pombinha. Não sou particularmente apaixonada da vaca Summer, perdoe- me o palavrão, uma que a megera ciumenta foi responsável pelo meu exílio. E deveria ser grata que fui eu, no lugar de Titânia, quem tomou seu pai. Ele não teve uma vida ruim, aqui. A Rainha Summer provavelmente o teria transformado em um sapo ou em uma roseira ou alguma coisa similar. - Como sequer soube disto? Por que se envolveu? - Pergunte a Puck. – Leanansidhe disse, ondulando sua piteira em direção ao outro lado do sofá. – Ele era seu tutor nomeado na época. Foi ele quem me contou tudo sobre isto. Senti como se alguém tivesse me socado no estômago. Incrédula, virei para Puck, que estava estudadamente estudando o canto, e me senti sem ar. – Puck? Você contou a ela sobre o meu pai? Ele estremeceu e olhou para mim, esfregando a parte de trás de sua cabeça. – Você não entende, princesa. Quando eu soube dos planos de Titânia, tive que fazer alguma coisa. Oberon não se importava, ele não teria mandado qualquer ajuda. Lea era a única a quem poderia pedir. – Ele encolheu os ombros e ofereceu um brando e apologético sorriso. – Eu não poderia com a Rainha da Corte Seelie, - A Rainha de Ferro - 47 princesa. Seria suicídio, mesmo para mim. Tomei um profundo fôlego para clarear minhas idéias, mas meu humor desviou-se bruscamente para a raiva. Puck sabia. Ele sabia todo o tempo onde o meu pai estava. Todos estes anos sendo meu melhor amigo – fingindo ser meu melhor amigo – observando-me lutar contra a dor de perder um pai, os pesadelos que se seguiram; a confusão, desolação e solidão, e ele tinha sabido todo o tempo. A ira se inflamou, tingindo a minha visão de vermelho, enquanto onze anos de tristeza, confusão e raiva fluíam todos de uma só vez. – Por que não me disse? – Irrompi, fazendo Puck recuar novamente. Apertando meus punhos, movi-me ameaçadoramente para onde ele se sentava. Glamour agitou- se ao meu redor, quente e furioso. – Todo o tempo, todos estes anos, sabendo, e você nunca disse nada! Como pôde? Você deveria ser meu amigo! - Princesa... – Puck começou, mas a fúria me esmagava, e eu o esbofeteei no rosto o mais forte que pude, derrubando-o do descanso de braço. Ele estatelou-se no chão em choque, e eu pairei sobre ele, tremendo com ódio e lágrimas. - Você tomou meu pai de mim! – Gritei, lutando contra a urgência de chutá-lo nas costelas, repetidamente. – Foi você o tempo todo! Ash me agarrou por trás, segurando-me. Eu me debati por um instante, então virei e enterrei meu rosto em seu peito, arfando por ar, enquanto minhas lágrimas manchavam a camisa dele. Certo. Agora eu sabia a verdade, mas não obtive nenhuma satisfação disto. O que você diz quando seu melhor amigo esteve mentindo para você por onze anos? Não sabia como eu poderia olhar para Puck novamente sem querer socá-lo no rosto. Eu sabia, no entanto – que quanto mais meu pai permanecesse aqui no Meio, mais ele esqueceria do mundo real. Não podia deixá-lo ficar com Leanansidhe. Tinha que tirá- lo de lá, hoje. Quando eu olhei para cima novamente, Puck tinha partido, mas Leanansidhe permaneceu, observando-me do sofá com estreitados olhos azuis. – Então, querida. – Ela murmurou, enquanto eu caminhava para longe de Ash, secando minhas lágrimas com a minha manga. – O que fará agora? Tomei um profundo fôlego e encarei Leanansidhe com o que restou da minha calma. – Eu quero que deixe meu pai ir. – Disse, observando-a arquear uma sobrancelha fina. – Ele não pertence a este lugar, com você. Deixe-me levá-lo de volta ao mundo real. Leanansidhe fitou-me com uma expressão vazia; nenhuma emoção aparecia em seus olhos ou rosto enquanto ela tragava seu cigarro e soprava uma serpente enrolada no ar. – Querida, sabe que sua mãe provavelmente irá surtar, se aparecer uma noite com o marido dela há muito perdido. Acha que ela simplesmente o aceitará de volta e as coisas voltarão ao normal? Não funciona assim, pombinha. Provavelmente irá rasgar sua pequena família humana ao meio. - Eu sei. – Eu engoli uma nova carga de lágrimas, mas elas ainda entupiam minha garganta, fazendo mais difícil falar sem chorar. – Não planejo levá-lo para casa. Mamãe... Mamãe tem Luke e Ethan agora. Eu sei... que não podem ser aquela família novamente, nunca mais. – Lágrimas derramaram- se tão logo eu disse as palavras em voz alta. Tinha sido uma fantasia, sim, mas ainda doía vê-la esmagada, sabendo que a família que eu perdi, na época, tinha acabado para sempre. - Então o que quer com ele, pombinha? - Quero que ele seja normal, simplesmente que tenha uma vida normal de novo! – Eu lancei minhas mãos para cima em desespero frustrado. – Não o quero louco! Não o quero vagando por aqui para sempre, sem saber quem ele é ou nada sobre o seu passado. Eu... Eu quero conversar com ele, como uma pessoa comum, e ver se ele se lembra de mim. – Ash se aproximou e tocou minhas costas, só para me assegurar que ele ainda estava lá. Olhei para ele e sorri. CAPÍTULO CINCO - O Santuário Escondido - - Mude-o de volta! – Eu gritei, o horror fixando meus pés no tapete. - Oh, não se aflija, querida. – Leanansidhe golpeou um dedo sobre as teclas, liberando uma lúgubre nota arrepiante. – Não é permanente. No entanto, terá que levá-lo para fora do Meio para mudá-lo de volta. O encantamento dita que enquanto ficar aqui, permanecesse como está. Mas olhe por este lado, querida—ao menos eu não o transformei em um órgão de tubos. - Agora – ela disse, erguendo-se com um espreguiçar felino, indiferente ao meu olhar horrorizado. – Simplesmente insisto que se juntem a mim no jantar, queridos. Cook está fazendo uma sopa de cavalo-marinho hoje à noite, e estou morrendo por ouvir como conseguiram o cetro de volta de Vírus. E é claro, sua pequena declaração em frente à Mab e Oberon, e das cortes inteiras. – Ela enrugou seu nariz de uma maneira quase afetuosa. – Ah, amor jovem. Deve ser maravilhoso ser tão ingênuo. - E quanto ao meu pai? - Aff, querida. Ele não vai a lugar nenhum. – Leanansidhe balançou sua mão alegremente. Se ela me viu me eriçando, não fez nenhum comentário. Ash pôs a mão no meu braço antes que eu pudesse explodir. – Agora, venha comigo, pombinha. Jantar primeiro, talvez um pouco de fofoca, e então poderá escapar se preferir. Creio que Puck e Grimalkin já estão no salão de jantar. A raiva me inflamou novamente à menção de Puck. Bastardo, pensei, seguindo Leanansidhe pelos seus muitos corredores acarpetados em vermelho, ouvindo só pela metade a sua tagarelice. Nunca o perdoarei. Nunca. Não me dizer sobre o meu pai foi imperdoável. Ele foi muito longe desta vez. Puck não estava na sala de jantar com Grimalkin quando nós entramos, o que era uma boa coisa, porque eu não gastaria a noite inteira atirando nele olhares envenenados por sobre a minha taça. Ao invés, eu comi uma sopa extremamente duvidosa, que transformava tudo em estranhas cores rodopiantes a cada gole; respondi as perguntas Leanansidhe sobre o que aconteceu com Vírus e o cetro, e eventualmente veio a parte onde Ash e eu fomos banidos de Nevernever. - E o que aconteceu então, pombinha? – Leanansidhe estimulou quando contei a ela como tinha devolvido o cetro a Mab. - Um... – Eu hesitei, embaraçada, e lancei um olhar furtivo para Ash. Ele sentava em sua cadeira, dedos pousados abaixo de seu queixo, fingindo não ter nenhum interesse na conversa. – Grimalkin não te contou? - Ele contou, querida, mas eu prefiro muito mais escutar em primeira mão. Estou a ponto de perder uma aposta muito alta, sabe, então eu adoraria se você pudesse me dar uma válvula de saída. – Ela franziu o cenho para Grimalkin, que se sentava à mesa, limpando suas patas de uma maneira muito presunçosa. – Ele ficará simplesmente insuportável depois disto, temo. Detalhes, querida, eu preciso de detalhes. - Bem... - Mestra! Felizmente, fui salva de uma resposta pela chegada barulhenta de Razor Dan e seus barretes vermelhos. Ainda vestido em ternos de mordomo com gravadas borboleta rosa, os barretes - A Rainha de Ferro - 51 vermelhos encheram a sala de jantar, cada um deles franzindo o cenho para mim. Os olhos de Ash se alargaram, e ele calmamente escondeu sua boca debaixo de seus dedos entrelaçados, mas eu vi seus ombros balançando com um riso silencioso. Afortunadamente, os barretes vermelhos não notaram. – Nós entregamos o piano na cabana, como ordenou. – Razor Dan olhou raivosamente, o anzol em seu nariz tremendo indignadamente. – E nós a estocamos com suprimentos, como pediu. Está tudo pronto para a fedelha e os seus preferidos. – Ele olhou para mim e arreganhou suas presas, como SE recordando do nosso último pequeno encontro. Ele havia estado em conluio com Warren, o amargo meio-sátiro que tentou me sequestrar e me levar para o falso rei, da última vez que estive aqui. Leanansidhe tinha punido Warren (não estava certa como, e não queria saber) mas poupou os barretes vermelhos, dizendo que eles estavam apenas seguindo seus instintos básicos. Ou talvez ela só não quisesse perder seu trabalho escravo. Em qualquer caso, eles tinham acabado de me proporcionar uma distração muito necessária. Saltei da minha cadeira, acarretando olhares surpresos de todos na sala. – Nós realmente precisamos ir. – Eu disse, não precisando fingir a minha impaciência. – Meu pai está lá, certo? Não quero que ele fique sozinho enquanto deixa de ser um piano. Leanansidhe bufou com divertimento, e eu me dei conta do quão estranha a sentença soou, até mesmo para mim. – Não se preocupe, pombinha. Levará tempo para que o glamour se desgaste. Mas eu entendo se você tiver que ir. Só se lembre, minha porta sempre estará aberta se quiser voltar. – Ela ondulou seu cigarro para Grimalkin, sentado do outro lado da mesa. – Grim, querido, conhece o caminho, certo? Grimalkin bocejou largamente e se espreguiçou. Curvando seu rabo ao redor de si mesmo, ele fitou a Rainha dos Exilados sem piscar e contraiu uma orelha. – Acredito que eu e você ainda temos uma aposta a acertar. – Ele ronronou. – Uma que você perdeu, se você se recorda. - Você é uma criatura horrível, Grimalkin. – Leanansidhe suspirou e soprou um gato de fumaça no ar, então enviou um cão de caça fumarento atrás dele. – Parece que eu estou destinada a perder barganhas hoje. Muito bem, gato, você tem o seu maldito favor. E pode engasgar nele quando tentar reclamá-lo. Grimalkin ronronou e pareceu sorrir. – Por aqui. – Ele me disse, ondulando seu rabo enquanto passava. – Nós vamos ter que voltar para o porão, mas o trod não está longe. Só fiquem atentos quando nós chegarmos lá—Leanansidhe falhou em mencionar que este lugar em particular está infestado com bogles21. - E quanto a Goodfellow? – Ash disse, antes que eu pudesse perguntar o que um bogle era. – Ele deveria saber onde estamos indo, ou vamos deixá-lo para trás? Meu estômago revirou, raivoso e intratável. – Não ligo. – Rosnei, e vasculhei a sala de jantar, perguntando-me se uma das cadeiras, pratos ou utensílio era na verdade Puck disfarçado. – Ele pode nos seguir ou não, mas é melhor que fique longe do meu caminho se ele sabe o que é bom para ele. Não quero ver o rosto dele por um longo tempo. Vamos, Grim. – Olhei para o gato, observando-nos com uma divertida expressão meio-coberta, e ergui meu queixo. – Vamos sair daqui. 21 Bogles (espectros, fantasmas, duendes). Bogle, boggle ou bogill é um termo escocês para um fantasma ou ser folclórico, usado para uma variedade de criaturas folclóricas (Shellycoats, Barguests, Brags, Hedley Kow). Há uma história popular de um bogle conhecido como Tatty Bogle, que se escondia nos campos de batata (daí seu nome) e que também atacava os humanos incautos ou causava a queima do campo. Este bogle foi descrito como um ser “bogle", um nome antigo para "espantalho" em várias partes da Inglaterra e da Escócia. Não está claro qual é a relação entre "Bogle" e várias outras criaturas de mesmo nome em vários folclores. O "Bocan" das Terras Altas pode ser um cognato do nórdico Púki no entanto e, portanto, também do inglês "Puck". - Julie Kagawa - 52 DE VOLTA ATRAVÉS DO PORÃO nós fomos, Grimalkin na liderança, por outro labirinto de corredores com tochas, para uma velha porta de madeira suspendendo-se tortamente em suas dobradiças. A luz do sol fluía através das rachaduras e o canto de pássaros chilreou em algum lugar além da porta. Abri a porta com um puxão e me encontrei em uma densa floresta em um vale estreito, árvores latifoliadas nos cercando em cada canto e um arroio murmurante cortando a clareira. A luz do sol salpicava o chão da floresta, e um par de cervos sarapintados ergueram suas cabeças para nos observar, curiosos e sem medo. Ash caminhou através do monte de pedra em que nós saímos, e a porta se fechou com um rangido atrás dele. Ele se familiarizou com os arredores da floresta com um ligeiro e prático olhar, e virou para Grimalkin. - Há muitos trows nos observando dos arbustos. Isto vai ser um problema? Sobressaltada, eu vasculhei a clareira procurando pelos aludidos trows, que, pelo o que entendi, eram atarracados e feios feéricos que viviam no subsolo; mas exceto pelo cervo, aparentemente estávamos sozinhos. Grimalkin bocejou e coçou atrás de uma orelha. - Zeladores de Leanansidhe. – Ele disse sem constrangimento. – Nada com que se preocupar. Se escutar pés de movendo ao redor da cabana à noite, provavelmente será eles. Ou as fadinhas. - Que cabana? – Perguntei, olhando pasmada ao redor da clareira. – Não vejo uma cabana. - É claro que não. Por aqui, humana. – Rabo em pé, Grimalkin trotou através da clareira, saltou o córrego, e no meio do salto desapareceu. Eu suspirei. – Por que ele sempre faz isto? - Não acho que foi de propósito desta vez. – Ash disse, e pegou minha mão. – Vamos. Nós cruzamos o vale estreito, passando muito perto do cervo, que ainda não tinha fugido, e saltamos sobre o pequeno córrego. Tão logo meus pés deixaram o chão, senti um arrepio de magia, como se estivesse pulando através de uma barreira invisível. Quando pousei, não estava mais olhando para uma floresta vazia mas uma enorme choupana de dois pisos, com uma varanda que circulava o andar superior e fumaça contorcia-se da chaminé. A frente dela estava sustentada em estacas, bons vinte e tantos pés de altura do chão, e dava à cobertura uma boa vista da clareira inteira. Ofeguei. – Este é o “pequeno refúgio pitoresco” dela? Estava pensando em algo mais nas linhas de uma cabana de um quarto, com um banheiro externo ou algo assim. - Esta é Leanansidhe. – Ash disse, soando divertido. – Ela poderia ter glamourado o exterior para parecer como uma cabana degradada, no lugar de esconder a coisa toda, mas não acho que seria o estilo dela. – Ele olhou para a assomante estrutura acima e franziu o cenho. – Escuto música. Meu coração saltou. – Música de piano? Meu pai! Nós corremos pelos degraus, pulando de dois em dois, e irrompemos na sala de estar, onde um alegre fogo crepitava na lareira e sombrios acordes de música de piano martelavam vindos do canto. Meu pai sentava-se no banquinho do piano, seu liso cabelo castanho caindo em seus olhos, seus ombros magros arqueados sobre as teclas. Desmazelado a alguns pés de distância, com seus sapatos sobre a mesa no café e suas mãos atrás de sua cabeça, estava Puck. Puck capturou meu olhar e se desfez em sorrisos, mas eu o ignorei enquanto me apressava para o banco de piano. – Papai! – Eu tive que gritar para ser ouvida acima da música. – Papai! Você me - A Rainha de Ferro - 55 alcançá-lo, mas eu estava me afogando em uma sobrecarga de emoções: raiva de Puck, preocupação por meu pai, medo que tivesse acabado de sabotar meu relacionamento com Ash. – Não posso ficar sozinha logo agora. – Sussurrei, aferrando-me a sua mão. – Por favor, só fique comigo um pouco. Não tem que dizer nada, não temos que conversar. Só... fique. Por favor. Ele hesitou. Vi a indecisão em seus olhos, a batalha silenciosa, antes que ele finalmente aquiescesse. Deslizando em direção à cama, ele se encostou contra a cabeceira e eu me reclinei encolhida ao seu lado, contente em só senti-lo perto de mim. Ouvi o bater de seu coração, a despeito do jeito rígido que ele se mantinha, e capturei um vislumbre de emoção cercando-o como uma nebulosa áurea, uma reação que ele não era capaz de esconder. Pisquei. – Você está... com ciúmes. – Eu disse em descrença. Ash, antigo príncipe da Corte Unseelie, estava com ciúmes. De Puck. Não sabia por que achei aquilo tão surpreendente; talvez porque Ash parecia muito calmo e seguro de si para estar com ciúmes. Mas não havia nenhum engano no que eu vi. Ash se mexeu desconfortavelmente e me deu um olhar do canto de seu olho. – Isto é tão errado? – Ele perguntou suavemente, voltando a olhar fixo para a parede distante. – É tão errado estar com ciúmes, quando ouvi que você o beijou, quando você disse a ele... – Ele se interrompeu, alisando a mão através do cabelo, e eu mordi o meu lábio. – Sei que sou aquele que partiu. – Ele continuou, ainda olhando para a parede. – Eu disse que éramos inimigos e que não poderíamos ficar juntos. Sabia que isto quebraria seu coração, mas... Também sabia que Puck estaria lá para juntar os pedaços. O que haja vindo disto, eu o trouxe para mim mesmo. Sei que não tenho nenhum direito de perguntar... – Parou, tomando um curto fôlego, como se aquela confissão fosse muito difícil. Segurei minha respiração, sabendo que havia mais. - Mas – ele continuou, finalmente virando para mim – eu tenho que saber, Meghan. Não posso ficar pensando sobre isto, não com ele. Ou você. Me deixará maluco. – Ele suspirou e subitamente tomou minha mão, olhando fixo para nossos dedos entrelaçados. – Sabe o que sinto por você. Sabe que a protegerei do quer que venha para nós, mas esta é a única coisa contra a qual não posso lutar. - Ash... - Se estiver indecisa se quer ficar com Goodfellow, diga-me agora. Eu me afastarei, darei espaço a você, o que quer que queria que faça. – Ash tremeu, só um pouco, quando ele disse isto. Senti seu coração acelerar enquanto ele virava para encontrar meu olhar, seus olhos prateados intensos. – Só me responda isto hoje, e eu nunca mais te perguntarei novamente. Você o ama? Tomei fôlego, pronta para negar imediatamente, mas parei. Não poderia dar-lhe uma resposta curta e superficial, não quando ele estava olhando para mim assim. Ele queria saber a verdade. Toda ela. - Eu amei. – Disse suavemente. – Ao menos, pensei que sim. Não estou certa agora. – Pausei, escolhendo minhas palavras cuidadosamente. Ash esperou, seu corpo inteiro tenso como um arame esticado, enquanto eu reunia meus pensamentos. – Quando você partiu – continuei – eu estava ferida. Pensei que nunca mais o veria. Você me disse que éramos inimigos, que não poderíamos ficar juntos, e eu acreditei em você. Estava zangada e confusa, e Puck estava lá para catar os pedaços, como você disse. Foi fácil me voltar para Puck porque eu sabia como ele se sentia. E, por um instante, eu pensei que podia... amá-lo, também. - Mas – continuei, enquanto minha voz começava a tremer – quando vi você novamente, descobri que o que eu sentia por Puck não era o mesmo. Ele era meu melhor amigo, e eu sempre teria um lugar para ele em meu coração, mas... era você, Ash. Eu não tinha realmente uma escolha. Sempre foi você. Ash não disse nada, mas eu ouvi seu fraco suspiro, como se ele estivesse segurando sua respiração, e ele me puxou para perto, envolvendo seus braços ao redor de mim. Eu pousei minha cabeça em seu peito e fechei meus olhos, empurrado os pensamentos sobre Puck, meu pai e o falso rei para o fundo da minha mente. Iria lidar com eles amanhã. Agora mesmo, eu só queria dormir, afundar-me na indiferença e - Julie Kagawa - 56 esquecer de tudo por um momento. Ash ainda estava quieto, pensativo. A aura de seu glamour brilhou mais uma vez, então tremeluziu para fora de vista novamente. Mas tudo o que eu tinha que fazer era ouvir seu coração, batendo em seu peito, para saber o que ele estava sentindo. - Converse comigo. – Sussurrei, tracejando suas costelas através de sua camisa, fazendo-o estremecer. – Por favor. O silêncio está me deixando louca. Não quero ouvir meus pensamentos agora. - O que quer que diga? - Qualquer coisa. Conte-me uma história. Conte-me sobre os lugares em que esteve. Qualquer coisa para manter minha mente desligada... de tudo. Ash fez uma pausa. Depois de um momento, ele começou a sussurrar uma suave e baixa melodia, afogando o silêncio. Era uma assombrosa e pacífica melodia; lembrando-me da neve caindo, as árvores hibernando e animais amontoados em suas tocas, dormindo pelo inverno afora. Senti sua mão correndo pela extensão das minhas costas, um ritmo gentil em compasso com a canção de ninar, e o sono arrastou-se sobre mim como um cobertor quente. - Ash? – Eu sussurrei, enquanto meus olhos começavam a fechar. - Sim? - Não me deixe, tudo bem? - Eu já prometi que ficaria. – Ele afagou meu cabelo, sua voz caindo próxima a um sussurro. – Pelo tempo que me quiser. - Ash? - Mmm? - ... eu te amo. Suas mãos se imobilizaram; eu as senti tremer. – Eu sei. – Ele murmurou, inclinando sua cabeça perto da minha. – Durma um pouco. Ficarei bem aqui. – Sua voz profunda foi a última coisa que ouvi antes de mergulhar no vazio. - OLÁ, MEU AMOR. – Machina sussurrou, estendendo suas mãos enquanto eu me aproximava, os cabos de aço se contorcendo atrás dele com uma dança hipnótica. Alto e elegante, seu longo cabelo prateado ondulando como mercúrio líquido, ele me observava com olhos tão negros quanto a noite. – Estive esperando por você. - Machina. – Eu estremeci, olhando ao redor do vazio completo, escutando minha voz ecoar por todo o nosso arredor. Nós estávamos sozinhos na insondável escuridão. – Onde estou? Por que está aqui? Pensei que tivesse matado você. O Rei de Ferro sorriu, o cabelo prateado brilhando na escuridão completa. – Você nunca poderá se livrar de mim, Meghan Chase. Somos um, agora e sempre. Só que você ainda não aceitou isto. Venha. – Ele fez um gesto para eu seguir em frente. – Venha comigo, meu amor, e me deixe te mostrar o que eu quero dizer. Eu recuei. – Pare de me chamar assim. Não sou sua. – Ele se aproximou, e eu dei um passo para trás. – E você não deveria estar aqui. Pare de espreitar meus sonhos. Já tenho alguém, e não é você. O sorriso de Machina não falhou. – Ah, sim. Seu príncipe Unseelie. Acha realmente que - A Rainha de Ferro - 57 será capaz de mantê-lo uma vez que você descubra quem você realmente é? Acha que ele vai mesmo te querer mais? - O que você sabe sobre isto? Você é só um sonho... um pesadelo, na realidade. - Não, meu amor. – Machina balançou seu cabelo. – Eu sou a parte de você que não consegue fazer a si mesma aceitar. E enquanto continuar me negando, você nunca entenderá seu potencial verdadeiro. Sem mim, nunca será capaz de vencer o falso rei. - Correrei os riscos. – Estreitando meus olhos, apontei um dedo para ele. – E agora, acho que é hora de você ir embora. Este é o meu sonho, e você não é bem-vindo aqui. Caia fora. Machina balançou sua cabeça tristemente. – Muito bem, Meghan Chase. Se decidir que precisa de mim depois de tudo... e você o fará... estarei bem aqui. - Não espere de pé. – Murmurei, e minha própria voz me acordou. EU PISQUEI E ERGUI minha cabeça do meu travesseiro. O quarto estava escuro, mas pelo lado de fora da janela do sótão, uma luz cinza se infiltrava do céu brilhante. Ash tinha partido e o espaço ao meu lado estava frio. Ele tinha saído em algum momento durante a noite. O cheiro de bacon flutuou vindo de baixo, e meu estômago resmungou uma resposta. Dirigi-me ao andar de baixo, perguntando-me quem estava na cozinha a tal hora da madrugada. A imagem de Ash lançando panquecas, em um avental branco, veio a minha mente e dei risadinhas histericamente enquanto entrava na cozinha. Ash não estava lá, e nem estava Puck, mas Grimalkin olhou por cima da mesa carregada com comida. Ovos, panquecas, bacon, biscoitos, frutas e aveia cobriam cada superfície da mesa, junto com jarras cheias de leite e suco de laranja. Grimalkin, sentado no canto, piscou para mim uma vez, então voltou a ensopar suas patas em um copo de leite e lambê-lo. - O que é isto tudo? – Perguntei, maravilhada. – Papai cozinhou? Ou... Ash? Grimalkin bufou. – Aqueles dois? Eu tremo em pensar nas consequências. Não, as fadinhas de Leanansidhe cuidaram disto, exatamente como têm limpado sua sala e feito sua cama a esta altura. – Ele observou o branco opaco das gotículas em sua pata e as sacudiu rapidamente. - Onde está todo mundo? - O humano ainda está dormindo. Goodfellow não retornou, apesar de eu estar certo de que ele irá em alguma hora no futuro, provavelmente com a ira de todos os feéricos locais em seus calcanhares. - Eu não logo para o que Puck faz. Ele pode ser comido por trolls pelo que me concerne. – Grimalkin pareceu imperturbável pela minha hostilidade e calmamente lambeu uma pata. Eu escolhi os ovos mexidos situados diante de mim. – Onde está Ash? - O príncipe Winter saiu ontem à noite, enquanto você estava dormindo e não disse nada sobre onde estava indo, é claro. Ele retornou alguns minutos atrás. - Ele saiu? Onde ele está agora? Uma batida da porta capturou nossa atenção. Paul vagou para dentro da cozinha, vacilando como um zumbi, seu cabelo em desordem. Ele não olhou para nenhum de nós. - Julie Kagawa - 60 A lâmina era feita de aço. Não aço faery. Não uma espada faery coberta em glamour. Ferro comum e verdadeiro. O tipo que queimaria carne faery e fulminaria o glamour. O tipo que deixaria feridas impossíveis de curar. Ofeguei diante dela, então para Ash, que parecia extraordinariamente calmo para estar encarando sua maior fraqueza. – É aço. – Eu disse a ele, certa que Leanansidhe tinha cometido um erro. Ele aquiesceu. – Um sabre espanhol do século dezoito. Leanansidhe quase teve um colapso quando eu lhe contei o que queria, mas ela foi capaz de rastrear uma em troca de um favor. – Ele parou então, estremecendo suavemente. – Um favor muito grande. Alarmada, eu olhei fixo para ele. – O que prometeu a ela? - Não importa. Nada que de qualquer forma nos ponha em perigo. – Ele se apressou, antes que eu pudesse arguir. – Queria uma arma leve e formidável para você, uma com boa quantidade de alcance, para manter os oponentes longe. – Ele gesticulou para o sabre com sua própria arma, uma rápida e cegante ponta de azul. – Terá que se mover muito, usando velocidade ao invés de força bruta contra seus inimigos. Esta lâmina não bloqueará armas mais pesadas, e você não tem a força para efetivamente rebater uma espada longa, então vamos ter que ensiná-la como se esquivar. Esta é a melhor escolha. - Mas é aço. – Repeti, escutando-o em espanto. Ele poderia dar aulas com o seu conhecimento sobre armas e lutas. – Por que uma arma verdadeira? Eu poderia ferir seriamente a alguém. - Meghan. – Ash me deu um olhar paciente. – Isto é exatamente porque eu a escolhi. Tem uma vantagem com esta arma que nenhum de nós pode tocar. Mesmo o mais violento barrete vermelho irá pensar duas vezes sobre encarar uma lâmina real e mortal. Não irá assustar os feéricos Iron, é claro, mas é onde o treinamento entra. - Mas... mas e se eu atingir você? Um bufo. – Você não vai me atingir. - Como sabe? – Eu me ericei diante de seu tom divertido. – Poderia atingi-lo. Mesmo um mestre em armas comete erros. Poderia ter um golpe de sorte, ou você poderia não me ver chegando. Não quero ferir você. Ele me favoreceu com outro olhar paciente. – E quanta experiência tem com espadas e armas em geral? - Um. – Olhei para o sabre abaixo na minha mão. – Trinta segundos? Ele sorriu, aquele calmo e irritante sorriso confiante. – Não vai me atingir. Fiz uma carranca. Ash riu silenciosamente, então ergueu sua espada e se moveu de vagar para frente; todo o divertimento se fora. – Contudo – ele continuou, passando a um modo predador sem qualquer esforço – eu realmente quero vê-la tentar. Eu traguei e recuei. – Agora? Não tem um aquecimento ou algo assim? Nem mesmo sei como segurar a coisa propriamente. - Segurar é fácil. – Ash deslizou mais perto, circulando-me como um lobo. Um dedo apontou para a ponta de sua espada. – A ponta afiada vem primeiro. - Isto não ajuda muito, Ash. Ele sorriu severamente e continuou a avançar. – Meghan, eu adoraria ensiná-la apropriadamente, do começo, mas isto levaria anos, séculos, talvez. E uma vez que não temos tempo, estou dando a você a versão condensada. Além disso, o melhor jeito de aprender é fazendo. – Ele apontou para - A Rainha de Ferro - 61 mim com sua espada, longe de se aproximar, mas eu saltei mesmo assim. – Agora, tente me atingir. E não se segure. Eu não queria, mas eu tinha lhe pedido para me ensinar, afinal. Agrupando meus músculos, soltei um gemido fraco e investi contra ele com a ponta. Ash deslizou para o lado. No espaço de um piscar de olhos, sua espada girou, batendo em minhas costelas com o lado da lâmina. Eu estremeci enquanto sentia a mordida do frio absoluto através da minha pele, e olhei para ele. - Maldição, Ash, isto machuca! Ele me deu um sorriso desprovido de humor. – Então não se deixe atingir. Minhas costelas latejavam. Provavelmente haveria um vergão lá nesta noite. Por um momento, fiquei tentada a derrubar a espada e caminhar de volta para a casa. Mas engoli meu orgulho por um momento e o encarei novamente, determinada. Precisava disto. Precisava aprender a me defender, e a aqueles com quem me importava. Poderia levar alguns ferimentos na costela, se isto significasse salvar uma vida um dia. Ash brandiu sua espada de uma maneira experiente e ergueu dois dedos para mim. – De novo. Pelo resto da manhã, nós praticamos. Ou, mais precisamente, eu tentei atingir Ash e recebi mais pancadas que ardiam e queimavam em seu caminho através das minhas roupas. Ele não fazia aquilo todo o tempo, e nem uma vez me cortou, mas eu me tornei paranóica sobre ser atingida. Depois de muitas bordoadas a mais que alfinetaram meu orgulho tanto quanto minha pele, eu tentei mudar para o modo de ampla defesa, e Ash começou a me atacar. Fui atingida muito mais. A raiva me queimou, inflamando-se a cada pancada, a cada tapa sem esforço, que deixava minha pele formigando de fracasso. Ele não estava sendo gentil. Tinha anos, décadas mesmo, de prática com a espada, e ele não estava nem mesmo me dando uma chance. Estava brincando comigo ao invés de me ensinar como afastar seus ataques. Isto não era uma lição, isto era apenas exibicionismo. Finalmente, meu temperamento explodiu. Depois de afastar desesperadamente uma série de ataques rápidos e ofuscantes, recebi uma pancada no meu traseiro que desencadeou uma fúria. Gritando, eu voei para Ash, pretendendo atingi-lo desta vez, ao menos estapear aquela eficiência calma para fora de seu rosto. Desta vez, Ash não se esquivou ou bloqueou, mas girou e me capturou ao redor da cintura quando eu passei atacando. Descartando sua espada, ele agarrou meu pulso com uma mão e me puxou para seu peito, segurando-me ainda com a lâmina, enquanto eu amaldiçoava e me contorcia. - Isto. – Ele murmurou em uma voz de satisfação cansada. – Era isto pelo que eu estava esperando. Apesar de ainda irada, eu parei de lutar contra ele. Meus sentidos zumbiam e eu me mantive rígida em seus braços. – O quê? – Rosnei. – Que eu ficasse tão fula que quisesse te furar nos olhos? - O momento em que você tomasse isto a serio o bastante para realmente tentar me atingir. – A voz de Ash, sombria e séria, fez-me congelar. Ele suspirou, descansando sua testa na parte de trás da minha cabeça. – Isto não é um passatempo, Meghan. – Ele exalou, enviando um arrepio pela minha espinha abaixo. – Não é um jogo, um esporte ou uma simples diversão. Isto é vida e morte. Qualquer uma daquelas pancadas poderia ter matado você, se tivesse sido a sério. Por uma arma em suas mãos significa isto; em algum ponto, você terá que usá-la. Em uma luta como esta, você vai ser ferida. Cometa um único erro, e será - Julie Kagawa - 62 morta. E eu perderei... você. Sua voz falhou no final, como se a última parte simplesmente saísse involuntariamente. Minha garganta fechou, e toda a minha ira se escoou. Ash pressionou seus lábios no vergão ao longo do meu ombro, e o bater do meu coração falhou. – Sinto muito. – Ele murmurou, genuíno pesar em sua voz. – Não queria machucar você. Mas realmente quero que entenda. Ensiná-la a lutar significa que estará em ainda mais perigo, e terei que ser duro com você algumas vezes porque não quero que perca. – Ele soltou meu pulso e correu sua mão pelo meu ombro, afastando o cabelo do meu pescoço. – Ainda quer continuar? Eu não podia falar. Simplesmente aquiesci, e Ash beijou minha nuca. – Amanhã, então. – Ele disse, recuando mesmo que eu desejasse que ele ficasse lá para sempre. – Mesma hora. Agora, vamos por alguma coisa nestes vergões. ESCUTEI MÚSICA DE PIANO tão logo cruzamos o córrego. Meu pai estava sentado no banquinho do piano quando entramos, e não olhou para mim acima das teclas. Mas a música hoje não estava tão sombria e frenética como tinha sido na noite anterior; era mais calma e pacífica. Grimalkin jazia no topo do piano, os pés escondidos debaixo de si e olhos fechados, ronronando em apreciação. - Oi, papai. – Aventurei-me, perguntando-me se ele realmente olharia para mim hoje. A música vacilou, e por meio segundo, pensei que ele iria olhar para cima. Mas então seus ombros arquearam e ele voltou a tocar, um pouco mais rápido do que antes. Grimalkin não se incomodou em abrir seus olhos. - Acho que é um começo. – Suspirei, enquanto Ash desaparecia na cozinha por um momento. Escutei-o conversando com alguns desconhecidos, vozes agudas – as fadinhas de Leanansidhe? – antes que ele reaparecesse segurando um vidrinho dourado. Meu pai continuou a tocar. Tentei parecer calma e esperançosa, mas o desapontamento se assentou pesadamente em meu peito, e Ash o viu, também. Ele não disse nada enquanto me levava para cima para o sótão, sentando-me na cama perfeitamente feita depois de tirar o tapete de urso. Ao abrir o vidro, ele liberou um perfume fortemente herbáceo que era estranhamente familiar, lembrando-me de uma cena similar em um quarto frio e gélido, com Ash descamisado e de mim enfaixando suas feridas. Abaixo, a música de piano continuava, uma baixa e lúgubre canção que puxou minhas entranhas. Ash se ajoelhou atrás de mim na cama e gentilmente puxou a manga para fora do meu ombro, só o suficiente para expor a fina linha de vermelho talhada ao longo da minha pele. Capturei uma centelha de remorso vinda dele, um lampejo de lamento aborrecido, enquanto um unguento frio e formigante era espalhado sobre a ferida. - Ainda estou louca da vida com você, sabe. – Disse sem virar-me. Os acordes sombrios do piano me faziam mal-humorada e pensativa, e eu tentei ignorar os dedos frios deslizando sobre minhas costelas, deixando uma abençoada dormência onde passavam. – Um pequeno aviso teria sido bom. Não poderia ter dito, “Ei, como parte do seu treinamento hoje, vou bater em você sem razão”? Ash estendeu os dois braços ao redor e pôs o vidro em minhas mãos, usando o movimento para me puxar para seu peito. – Seu pai ficará bem. – Ele murmurou, enquanto meu peito ardia com a dor engarrafada. – Simplesmente leva um tempo para que a mente alcance tudo o que estava esquecido. Neste momento, ele está confuso, assustado e tomando consolo da única coisa que lhe é familiar. Só continue conversando com ele, e eventualmente ele começará a se lembrar. CAPÍTULO SETE - Summer e Iron - Os dias passaram em uma segura, se não confortável, rotina. Ao amanhecer, antes que a luz do sol tocasse o chão da floresta, eu ia para a pequena clareira para praticar exercícios de esgrima com Ash. Ele era um paciente professor, ainda que rigoroso, instigando-me a forçar além da minha zona de conforto e lutar como se eu quisesse matá-lo. Ele ensinou a me defender; como dançar ao redor do inimigo sem ser atingida, como virar a energia dos meus oponentes contra eles. Enquanto minha habilidade e confiança cresciam e nossas lutas práticas se tornavam mais sérias, comecei a ver um padrão, um ritmo na arte de esgrimir. Se tornou mais como uma dança: um tempo de girar, arremessar lâminas e um constante trabalho de pés. Ainda estava longe de ser tão boa quando Ash, e nunca seria, mas estava aprendendo. As tardes eram gastas conversando com meu pai, tentando tirá-lo de sua concha de loucura, sentindo-me como se estivesse repetidamente batendo minha cabeça contra uma parede. Era um lento e doloroso processo. Seus instantes de lucidez eram poucos e distantes entre si, e ele não me reconhecia a metade do tempo. Muitos dos nossos dias passavam com ele tocando o piano, enquanto eu me sentava na cadeira de braços próxima e falava com ele sempre que a música parava. Algumas vezes Ash estava lá, deitado no sofá lendo um livro; algumas vezes ele desaparecia dentro da floresta por horas a fio. Não sabia onde ele estava indo ou o que estava fazendo, até que um coelho ou outros animais o começaram a aparecer em nossos pratos para o jantar e me ocorreu que Ash devia estar impaciente com a falta de progresso também. Um dia, no entanto, ele veio e me entregou um largo livro encadernado em couro. Quando o abri, fiquei surpresa de encontrar fotos da minha família olhando de volta para mim. Fotos da minha família... antes. Paul e minha mãe, no dia de seu casamento. Um filhote fofo e mestiço que eu não reconheci. Eu quando era bebê, então criança, então sorrindo com quatro anos montada em um triciclo. - Cobrei um favor. – Ash explicou diante da minha expressão aturdida. – O bicho-papão no roupeiro de seu irmão o achou para mim. Talvez possa ajudar seu pai a se lembrar. Eu o abracei. Ele me segurou levemente, cuidadoso em não pressionar ou corresponder de um jeito que poderia levá-lo à tentação. Eu saboreei a sensação de seus braços ao redor de mim, respirando seu perfume, antes que ele gentilmente me afastasse. Sorri meus agradecimentos e virei para meu pai no piano novamente. - Papai. – Murmurei, cuidadosamente sentando ao lado dele no banco. Ele me atirou um olhar cauteloso, mas ao menos não se esquivou ou se empurrou para longe, e começou a bater nas teclas do piano. – Tenho algo para mostrar a você. Olhe isto. Abrindo a primeira página, esperei que ele olhasse para cima. Primeiro, ele estudadamente o ignorou, arqueando os ombros ainda mais e não erguendo os olhos. Seu olhar voou para a página do álbum uma vez, mas ele continuou a tocar, nenhuma mudança em sua expressão. Depois de alguns minutos mais, estava pronta para desistir e recuar para o sofá para paginá-lo eu mesma, quando a música subitamente vacilou. Sobressaltada, olhei para ele, e meu coração se contorceu. Lágrimas estavam correndo por seu rosto, salpicando as teclas do piano. Enquanto eu olhava fixo, petrificada, a música lentamente parou, e meu pai começou a soluçar. Ele se inclinou, e seus longos dedos tracejaram as fotos no livro, enquanto suas lágrimas caíam nas paginas e nas minhas mãos. Ash silenciosamente saiu da sala, e eu pus um braço ao redor do meu pai e nós choramos juntos. Daquele dia em diante, ele começou a falar comigo, de vagar, balbuciando conversas primeiro, enquanto nós sentávamos no sofá e folheávamos o álbum de fotos. Ele estava tão frágil, sua - Julie Kagawa - 66 sanidade como vidro fino que um golpe de ar poderia quebrar a qualquer momento. Mas vagarosamente, ele começou a se lembrar de mamãe e de mim, e de sua vida antiga, apesar de que ele nunca podia conectar a criancinha no álbum com a adolescente sentada ao lado dele no sofá. Ele frequentemente perguntava onde estavam mamãe e a bebê-Meghan, e eu tinha que contar a ele, de novo e de novo, que mamãe estava casada com outra pessoa agora, que ele tinha desaparecido por onze anos, e que ela não estava mais esperando por ele. E tinha que assistir as lágrimas caírem de seus olhos cada vez que ele ouvia isto. Isto fazia minha alma doer. As noites era o mais duro. Ash foi tão bom quanto sua palavra e nunca pressionou, mantendo todas as nossas interações superficiais e suaves. Ele nunca se afastou; quando precisava de alguém para desabafar depois de um dia exaustivo com meu pai, ele estava sempre lá, calmo e forte. Eu me enrolaria nele no sofá, e ele ouviria enquanto eu despejava meus medos e frustrações. Algumas vezes nós não fazíamos nada exceto lermos juntos, eu deitada em seu colo enquanto ele virava as páginas – apesar de que nossos gostos para livros fosse imensamente diferentes, e eu geralmente cochilava no meio da página. Uma noite, entediada e inquieta, achei uma pilha de jogos de tabuleiro empoeirados, e intimei Ash a aprender Scrabble22, damas e Yahtzee23. Surpreendemente, Ash descobriu que gostava desses jogos “humanos”, e logo estava convidando a mim para jogar mais frequentemente do que não. Isto preencheu algumas das longas e irrequietas noites e manteve minha mente desligada de certas coisas. Infelizmente para mim, uma vez que Ash aprendeu as regras, ele era quase impossível de se derrotar em jogos estratégicos como damas, e sua longa vida deu a ele um vasto conhecimento de extensas e complicadas palavras com as quais ele me atordoava no Scrabble. Apesar de que algumas vezes nós terminávamos debatendo se era ou não legal usar termos faery como Gwragedd Annwn e hobyahs. Independentemente, eu estimava nosso tempo juntos, sabendo que esta pacífica calmaria iria terminar algum dia. Mas havia uma parede invisível entre nós, uma barreira que só eu poderia quebrar, e isto estava me matando. E, apesar de não querer, sentia falta de Puck. Puck podia sempre me fazer rir, mesmo quando as coisas estavam em seu ponto mais sombrio. Algumas vezes eu capturava um vislumbre de um cervo ou um pássaro na floresta e me perguntava se era Puck, observando-nos. Então eu ficava brava comigo mesma por me preocupar e gastava o dia tentando me convencer que eu não me importava onde ele estava ou o que estava fazendo. Mas ainda sentia falta dele. Uma manhã, algumas semanas mais tarde, Ash e eu estávamos começando nossa sessão de treino diário quando Grimalkin apareceu nas proximidades de uma pedra, observando-nos. - Você ainda está telegrafando seus movimentos. – Ash disse enquanto nós circulávamos um ao outro, lâminas erguidas e prontas. – Não olhe para o lugar que está tentando atingir, deixe a espada ir sozinha. – Ele estocou, cortando acima da minha cabeça. Eu me esquivei e girei para longe, golpeando em suas costas, e ele desviou o golpe, parecendo satisfeito. – Bom. Você está ficando mais rápida, também. Será páreo para a maioria dos bandidos barretes vermelhos se eles tentarem começar qualquer coisa. Sorri diante do cumprimento, mas Grimalkin, que tinha permanecido em silêncio até agora, disse. – E o que acontece se eles usarem glamour contra ela? Virei. Grimalkin sentava-se com seu rabo ao redor de seus pés, observando uma abelha amarela oscilar sobre a grama em extasiada fascinação. – O quê? 22 Scrabble. Jogo que usa o mesmo princípio das palavras cruzadas. 23 Yahtzee. Jogo em que se usa dados. O objetivo do jogo é marcar o maior número de pontos por lançamento de cinco dados para fazer as combinações certas. Os dados podem ser rolados até três vezes em um turno para tentar fazer uma das treze possíveis combinações de pontuação. Um jogo é composto de treze rodadas durante as quais o jogador escolhe qual a combinação de pontos deve ser usada nessa rodada. Assim que uma combinação foi usada no jogo, não pode ser usada novamente. - A Rainha de Ferro - 67 - Glamour. Você sabe, a magia que tentei ensinar a você uma vez, antes de descobrir que você não tinha nenhum talento para isto tudo? – Grimalkin estapeou a abelha quando ela se aproximou, perdeu-a, e fingiu nenhum interesse enquanto ela ziguezagueava para longe. Ele bufou e olhou para mim novamente, contorcendo seu rabo. – O príncipe Winter não usa somente sua espada quando luta—ele tem glamour a sua disposição também, como terão os seus inimigos. Como planeja enfrentar a isto, humana? – Antes que pudesse responder, ele animou-se, sua atenção desviada para uma enorme borboleta laranja voando em nossa direção, e saltou para fora da pedra, desaparecendo dentro da grama alta. Olhei para Ash, que suspirou e embainhou sua lâmina. – Ele está certo, infelizmente. – Disse, alisando a mão por seu cabelo. – Ensiná-la a esgrimir deveria ser só metade de nosso treinamento. Queria que aprendesse como usar seu glamour também. - Sei como usar glamour. – Argumentei, ainda ardida pelo comentário casual de Grimalkin sobre a minha falta de talento. Ash ergueu uma sobrancelha, um desafio silencioso, e eu suspirei. – Ótimo, então. Provarei. Observe isto. Ele recuou alguns passos, e eu fechei meus olhos, sentindo a floresta ao meu redor. Instantaneamente, minha mente foi preenchida com todo o tipo de coisas crescendo: a grama abaixo dos meus pés, as videiras resvalando ao longo do chão, as raízes das árvores nos cercando. Nesta clareira, Summer mantinha pleno domínio. Fosse pela influência de Leanansidhe ou alguma coisa a mais, as plantas daqui não tinham conhecido o toque do inverno, ou do frio, ou da morte, por um longo tempo. A voz de Ash atravessou minha concentração, e eu abri meus olhos. – Você realmente tem muito poder, mas precisa aprender a controlá-lo se vai usar. – Ele se inclinou, apanhou alguma coisa na grama, e a ergueu. Era uma minúscula flor, pétalas brancas ainda fortemente fechadas, curvada em uma bola. - Faça-a desabrochar. – Ash ordenou suavemente. Franzindo o cenho, eu olhei fixo para o pequeno broto, a mente acelerando. Ok, eu posso fazer isto. Eu puxei raízes para cima e fiz as árvores se moverem e arremessei uma barreira de flechas do ar. Posso fazer esta minúscula florzinha florescer. Ainda assim, eu hesitei. Ash estava certo; podia sentir o glamour ao meu redor, mas ainda estava incerta de como realmente dominá-lo. - Gostaria de uma sugestão? – Grimalkin perguntou de uma rocha próxima, sobressaltando-me. Eu pulei, e ele contraiu uma orelha em diversão. – Retrate a magia como um fluxo – ele continuou -, em seguida uma tira, em seguida uma linha. Quando estiver tão fino quanto você pode possivelmente fazê-lo, use-o gentilmente para provocar as pétalas a se abrirem. Qualquer coisa mais forte fará a flor dividir-se ao meio e o glamour se dispersar. – Ele piscou sabiamente, então a borboleta próxima ao córrego capturou sua atenção e ele saltou mais uma vez. Olhei para Ash, perguntando-me se ele estava irritado por Grimalkin me ajudar, mas ele aquiesceu. Tomando fôlego, segurei o glamour com a minha mente, um rodopiante vórtice de emoção e sonho de cheio de cor. Concentrando-me muito, eu o encolhi até que fosse um cordão brilhante, então mais adiante, até que fosse somente um fio brilhante e muito delicado na minha mente. O suor frisou e rolou pela minha testa, e meus braços começaram a tremer. Segurando minha respiração, eu cuidadosamente toquei a flor com o fio de glamour, enrolando a magia dentro do minúsculo broto e expandindo gentilmente. As pétalas estremeceram e vagarosamente se abriram encurvando-se. Ash aquiesceu aprovador. Sorri, mas antes que pudesse celebrar, um ataque de vertigem me atacou como uma onda, quase me derrubando. O mundo virou violentamente, e senti minhas pernas cederem, como se alguém tivesse puxado uma tomada e deixado toda a minha magia escoar. Ofegando, caí - Julie Kagawa - 70 Eu estava seriamente tentada a arremessar uma pedra em sua cabeça, mas ele não estava mais reluzindo aquele sorriso presunçoso para mim, então talvez estivesse sendo sério. – Não sei. – Suspirei. – Não posso mais usar glamour sem ficar ou realmente cansada ou realmente doente. Não sei o que está errado comigo. Não costumava ser assim. - Huh. – Puck saltou para fora da árvore, pousando tão suavemente quanto um gato. Ele deu dois passos em nossa direção e parou, espreitando-me com intensos olhos verdes. – Quando foi a última vez que usou glamour, princesa? Sem ficar doente ou cansada? Pensei. Tinha usado magia Summer nas bruxas-aranha e quase caí com o esforço. Antes disto, meu glamour tinha sido selado por Mab, então... – No entreposto. – Respondi, lembrando da batalha com outra velha tenente de Machina, Vírus. – Quando lutamos contra Vírus, lembra? Impedi os bugs24 dela de enxamearem-se sobre nós. Puck oscilou sua cabeça, parecendo pensativo. – Mas aquilo era magia Iron, não era, princesa? – Ele perguntou, e eu aquiesci. – Quando foi a última vez que usou glamour Summer, glamour normal, sem se sentir doente ou cansada? - No reino de Machina. – Ash disse suavemente, olhando para mim. O entendimento estava começando a despontar sobre ele, apesar de que eu não tinha nenhuma ideia sobre aonde isto iria levar. – Você puxou as raízes para cima para prender o Rei de Ferro – ele continuou – justo antes dele apunhalar você. Justo antes de ele morrer. - Foi aí que conseguiu seu glamour Iron, princesa. – Puck acrescentou, aquiescendo pensativo. – Eu apostaria o espelho dourado de Titânia nisto. De alguma forma você se prendeu à magia Iron de Machina—é por isto que o falso rei a quer, aposto. Tem algo haver com o poder do Rei de Ferro. Tremi. Glitch tinha dito algo assim, mas eu não tinha querido pensar sobre isto. – Então o que isto tem haver com os meus problemas de glamour? – Perguntei. Ash e Puck trocaram um olhar. – Porque, princesa – Puck disse, recostando-se contra uma árvore -, você tem dois poderes dentro de você bem agora, Summer e Iron. E, colocando de forma simples, eles não vão com a cara um do outro. - Eles não podem coexistir. – Ash interveio, como se tivesse acabado de entender. – Sempre que tentar, um glamour reagirá violentamente ao outro, do mesmo jeito que nós reagimos ao ferro. Então o glamour Summer está te deixando doente porque tocou a magia Iron, e vice-e-versa. Puck assobiou. – Agora isto é que estar entre a cruz e a espada. - Mas... mas eu usei glamour Iron antes disto. – Protestei, não gostando nem um pouco das explicações deles. – Na fábrica, com Vírus. E não tive problemas então. Nós todos estaríamos mortos de outra forma. - Sua magia habitual estava selada então. – Ash franziu o cenho, meditativo. – Quando voltamos para Winter, Mab pôs uma amarra em você, selando sua magia Summer. Ela não sabia sobre o glamour Iron. – Ele olhou para cima. – Depois que a amarra se quebrou, foi aí que você começou a ter dificuldades. Cruzei meus braços em frustração. – Isto não é justo. – Murmurei, enquanto Ash e Puck observavam com variantes graus de simpatia. Olhei intensamente para os dois. – O que devo fazer agora? – Questionei. – Como devo consertar isto? - Terá que aprender a usar os dois. – Ash disse calmamente. – Tem que existir um jeito de 24 A tradução literal é “inseto”, mas também é uma expressão da informática significando defeitos na programação de um computador. No enredo, os bugs de Vírus se aproximavam das duas coisas (Ver: The Iron Daughter – A Filha de Ferro). - A Rainha de Ferro - 71 manejar ambos os glamoures separadamente, sem que um contamine o outro. - Talvez fique mais fácil com a prática. – Puck acrescentou, e aquele irritante sorriso afetado voltou engatinhando. – Poderia ensiná-la. Como usar glamour Summer ao menos. Se quiser que o faça. Olhei fixo para ele, procurando por uma alusão do meu velho melhor amigo, por uma centelha da afeição que nós tínhamos um pelo outro. O sorriso detestável nunca vacilou, mas eu vi alguma coisa em seus olhos, um brilho de remorso, talvez? O que quer que fora, foi o suficiente. Não poderia fazer isto sozinha. Alguma coisa me dizia que iria precisar de toda a ajudar que pudesse conseguir. - Está bem. – Disse a ele, observando seu sorriso tornar-se perigosamente perto de um sorriso torto. – Mas isto não quer dizer que nós estamos bem. Ainda não te perdoei pelo que fez a minha família. Puck suspirou dramaticamente e deu uma olhadela para Ash. – Junte-se ao clube, princesa. CAPÍTULO OITO - Entendendo Medidas - Então, aqui estávamos novamente, nós três: eu, Ash e Puck, juntos uma vez mais, mas não era o mesmo de verdade. Praticava exercícios de espada com Ash pela manhã, e magia Summer com Puck à tarde, geralmente por volta do período mais quente do dia. Nas noites, escutava o piano ou conversava com meu pai, enquanto tentava ignorar a tensão óbvia entre os dois faeries na sala. Paul estava melhorando, ao menos, seus momentos de confusão diminuíram e se espaçaram. Na manhã em que ele fez o café, eu fiquei com os olhos lacrimejantes com alívio, apesar de que nossas fadinhas residentes tiveram um chilique e quase deixaram a casa. Fui capaz de persuadi-las a voltarem com tigelas de creme de leite e mel, e a promessa de que Paul não iria se intrometer em suas tarefas novamente. Meu uso do glamour não melhorou. Todos os dias, quando o sol estava em seu zênite, deixava a mesa do almoço e vagava pelo campo, onde Puck esperava por mim. Ele me mostrava como convocar glamour das plantas, como fazê-las crescer mais rápido, como tecer ilusões do nada, e como convocar ajuda da floresta. A magia Summer era a magia da vida, calor e paixão, ele explicou. O desenvolvimento da Primavera, a beleza letal do fogo, a destruição violenta de uma tempestade de verão – todos estes exemplos da magia Summer no mundo de cada dia. Ele demonstrava pequenos milagres – fazendo uma flor morta voltar a vida, convocando um esquilo bem em seu colo – e então me instruía a fazer o mesmo. Eu tentava. Convocar a magia era muito fácil; vinha tão naturalmente quanto respirar. Podia senti-la ao meu redor, pulsando com vida e energia. Mas quando eu tentava usá-la de alguma forma, a náusea me atingia e eu era deixada ofegando na lama, tão doente e tonta que sentia que desmaiaria. - Tente de novo. – Puck disse uma tarde, sentado com as pernas cruzadas em uma pedra lisa perto do córrego, o queixo em suas mãos. Entre nós, um cabo de esfregão erguido na vertical na grama, como uma árvore nua. Puck o tinha “pego emprestado” do armário de vassouras mais cedo naquela manhã, e provavelmente incorreria na ira das fadinhas quando elas descobrissem que uma das suas sagradas ferramentas tinha desaparecido. Olhei fixo para o cabo, tomando fôlego. Deveria fazer a coisa estúpida florescer com rosas e tal, mas tudo o que tinha feito foi dar a mim mesma uma monumental dor de cabeça. Puxando glamour para mim, tentei novamente. Ok, concentração, Meghan. Concentração... Ash apareceu na borda da minha visão, braços cruzados, observando-nos intensamente. – Alguma sorte? – Murmurou, facilmente quebrando minha concentração. Puck gesticulou para mim. – Veja por si mesmo. Chateada com os dois, foquei no cabo. Madeira é madeira, Puck tinha dito naquela manhã. Seja uma árvore morta, a lateral de um barco, um arco de madeira, ou um simples cabo de vassoura,, magia Summer pode fazê-la voltar à vida novamente, ao menos por um momento. Este é o seu direito de nascença. Concentre-se. Glamour rodopiou ao redor de mim, bruto e poderoso. Enviei-o em direção ao cabo, e a doença desceu como um martelo, fazendo meu estômago apertar-se. Eu me curvei com um ofego, lutando contra a urgência de vomitar. Se isto era o que faeries experimentavam cada vez que eles tocavam algo feito de ferro, não era de se admirar que o evitassem como a peste negra. - Isto não está funcionando. – Ouvi Ash dizer. – Ela deve parar antes que realmente se - A Rainha de Ferro - 75 E ele tocou uma canção tão linda que atingiu minha garganta, fazendo-me querer sorrir, gargalhar e chorar, tudo ao mesmo tempo. Tinha ouvido sua música antes, mas isto era diferente, como se ele pusesse seu coração inteiro e alma dentro dela, e ela havia ganho vida própria. Glamour voou e rodopiou ao redor dele, um vórtice das mais deslumbrantes cores que eu tinha visto. Não era de se admirar que os feéricos fossem atraídos por mortais talentosos. Não era de se admirar que Leanansidhe tivesse estado tão relutante em deixá-lo ir. O pedaço foi curto e terminou abruptamente, como se Paul acabasse de esgotar-se de notas. – Bem, ainda não está terminada – ele murmurou, abaixando suas mãos -, mas você pegou a ideia. - Como se chama? – Sussurrei, o eco da canção ainda refluindo através de mim. Paul sorriu. - Lembranças de Meghan. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu de um golpe e Ash caminhou através dela com Puck bem atrás dele. Eu pulei enquanto Ash cruzava a sala, seu rosto contraído e severo, e Puck parou de pé na frente da porta com seus braços cruzados, olhando para fora da janela. - O que está acontecendo? – Perguntei enquanto Ash se aproximava, parecendo como se quisesse me catar e correr pela porta afora. Olhei para meu pai para ver como isto o estava afetando, aliviada ao ver que ele parecia alerta e alarmado, mas não louco. Ash tomou meu braço e me puxou para longe. - As cortes Seelie e Unseelie. – Ele murmurou, baixo o suficiente para que meu pai não ouvisse. – Elas estão aqui, e estão procurando por você. CAPÍTULO NOVE - Um Voto de Cavaleiro - Eu pestanejei para Ash, e meu estômago contorceu-se selvagemente, tanto de excitação quanto de medo. – As duas? – Sussurrei, lançando uma olhadela para meu pai, que tinha se desviado para a mesa e estava inclinado sobre sua música novamente. Ele tendia a ignorar os faeries sempre que eles estavam na sala, nunca falando com eles, mal olhando para a direção deles, e os garotos ficavam contentes em retornar o favor. Isto tornou algumas noites embaraçosas, mas acho que Paul temia que se ele chamasse a atenção deles, eles poderiam deixá-lo maluco uma vez mais. Ash deu de ombros. – Eles não falariam comigo ou Puck, exceto para dizer que Leanansidhe já lhes deu sua permissão para virem aqui. Querem falar com você. Estão na clareira agora. Caminhei até a janela e espiei lá fora. No limite das árvores, podia somente ver um par de cavaleiros sidhe, cada um segurando um estandarte; uma verde e dourada e embrasonada com a cabeça de um magnífico cervo, a outra negra e branca, um espinheiro erguendo-se no centro. - O emissário disse que tinha uma mensagem especificamente para você, princesa. – Puck disse, encostando-se contra a porta com seus braços cruzados. – Disse que era do próprio Oberon. - Oberon. – A última vez que vi meu pai biológico, ele tinha me banido para o reino mortal, depois de Mab ter feito o mesmo a Ash. Pensei que já havíamos cortado todos os laços; ele tornou isto muito claro quando nós partimos, que eu estava por mim mesma e Faery nunca me daria as boas vindas novamente. O que o Rei da Corte Summer queria comigo agora? Havia um único jeito de descobrir. – Papai. – Eu chamei, virando-me em direção à mesa. – Estou saindo agora, mas estarei logo de volta. Não deixe a casa, certo? Ele acenou para mim sem olhar para cima, e eu suspirei. Ao menos Paul estaria muito ocupado para se preocupar com reuniões inesperadas no campo. – Tudo bem. – Murmurei, caminhando em direção à porta, que Puck abriu para mim. – Vamos terminar com isto. Nós cruzamos o córrego, onde Grimalkin estava se aprumando em uma pedra lisa, despreocupado com a chegada das cortes, e me dirigi ao lado mais distante do campo. A tarde estava adiantada, e vaga-lumes piscavam sobre a grama. Ash e Puck caminhavam ao meu lado, auras protetoras brilhando forte, e qualquer medo que eu tinha desapareceu instantaneamente. Tínhamos passado por muito mais, nós três. O que tinha restado, que não poderíamos encarar juntos? Os dois cavaleiros inclinaram-se enquanto nos aproximávamos. Capturei uma centelha de surpresa vinda de Ash e Puck, assombro que aquele dois guerreiros vindos de cortes opostas pudessem estar na presença do outro sem lutar. Eu achei divertidamente irônico. Entre os cavaleiros, quase escondido na grama, um gnomo com rosto de batata caminhou para frente e inclinou-se adiante de sua cintura. – Meghan Chase. – Ele cumprimentou em uma surpreendente voz profunda, firme e formal como um mordomo. – Seu pai, Lorde Oberon, envia seus cumprimentos. Senti uma centelha de aborrecimento. Oberon não tinha nenhum direito de declarar-se como meu pai. Não depois de me renegar na frente da grotesca corte inteira. Cruzando meus braços, olhei fixo para o gnomo. – Queria me ver. Aqui estou. O que Oberon quer agora? O gnomo piscou. Os cavaleiros trocaram um olhar. Puck e Ash estavam a esta altura atrás de mim, silenciosos e protetores. Mesmo que não estivesse olhando para eles, podia sentir o divertimento - A Rainha de Ferro - 77 satisfeito de Puck. O gnomo clareou sua garganta. – Ahem. Bem, como sabe, princesa, seu pai está em guerra com o Reino Iron. Pela primeira vez em séculos, criamos uma aliança mútua com a Rainha Mab e a Corte Winter. – Seu olhar pasmado vacilou para Ash antes de focar-se sobre mim de novo. – Um exército de feéricos Iron arrasta-se para a nossa porta, ansioso por corromper nossa terra e matar a todos nela. A situação se tornou mais lúgubre. - Sei disto. De fato, acho que fui a que primeiro contou a Oberon sobre isto. Justo antes de ele me exilar. – Sustentei o olhar pasmado, tentando impedir a amargura na minha voz. – Alertei Oberon sobre o Rei Iron há Eras; a ambos, a ele a Mab. Eles não me escutaram. Por que está me contando isto agora? O gnomo suspirou e, por um momento, perdeu seu tom formal. – Porque, princesa, as cortes não podem tocá-lo. O Rei Iron se esconde fundo dentro de seu reino venenoso, e as forças de Summer e Winter não podem penetrar longe o bastante para combatê-lo. Estamos perdendo território, soldados e recursos, e os feéricos Iron continuam a avançar sobre ambas as cortes. A Nevernever está morrendo rápido, e logo não haverá nenhum lugar seguro para irmos. Ele clareou sua garganta novamente, parecendo embaraçado, e tornou-se respeitável uma vez mais. – Por causa disto, o Rei Oberon e a Rainha Mab estão preparados para propor a você um acordo, Meghan Chase. – Ele estendeu a mão para sua bolsa e puxou um pergaminho amarrado com uma fita verde, desenrolando-o com um floreio. - Aqui vamos nós. – Murmurou Puck. O gnomo franziu o cenho para ele, então rodou o pergaminho e anunciou em uma grande e imponente voz. – Meghan Chase, por ordem do Rei Oberon e da Rainha Mab, as cortes estão dispostas a suspender seu exílio, como também os exílios do Príncipe Ash e Robin Goodfellow, abolindo todos os crimes e concedendo o perdão total. Puck puxou um forte ofego. Ash permaneceu silencioso; nenhuma expressão mostrada em seu rosto, mas eu capturei a mais breve centelha de esperança, de saudade. Eles queriam ir para casa. Eles sentiam falta de Faery, e quem poderia culpá-los? Pertenciam aquele lugar, não ao mundo mortal, com seu vasto ceticismo e descrença em qualquer coisa exceto a ciência. Era de admirar-se pouco que os feéricos Iron estivessem se apossando do mundo; tão poucas pessoas acreditavam mais em magia. Mas, porque eu sabia que as barganhas faery nunca vinham sem um preço, mantive minha expressão vazia e perguntei. – Em retorno do quê? - Em retorno... – O gnomo deixou cair suas mãos, desviando seus olhos – de viajar para o Reino Iron e eliminar seu rei. Aquiesci vagarosamente, subitamente muito cansada. – Isto é o que pensei. Ash se moveu para mais perto, atraindo olhares alarmados do gnomo para os dois guardas. – Sozinha? – Ele disse calmamente, mascarando a ira abaixo. – Oberon não está oferecendo qualquer ajuda? Parece muito a se pedir, se seus próprios exércitos não podem atravessar. - Rei Oberon acredita que uma única pessoa pode se mover despercebida através do Reino Iron – o gnomo respondeu -, e, portanto ter uma chance melhor de achar o Rei Iron. Tanto Oberon quanto Mab concordam que a princesa Summer é a melhor escolha—ela é imune aos efeitos do ferro, ela esteve lá antes, e já derrotou um Rei Iron. - Tive ajuda então. – Murmurei, sentindo um aperto se espalhar pelo meu estômago. Lembranças vieram à tona, sombrias e aterrorizantes, e a despeito de mim mesma, minhas mãos começaram a tremer. Lembrei da horrível terra devastada do Reino Iron: o deserto fustigante, a chuva ácida e corrosiva, - Julie Kagawa - 80 não pode me forçar—vou com você gostando disto ou não, então pode parar de olhar fixamente. Mas, de todo o jeito... – Ele acenou com a mão para a porta. – Vá achar o garoto-gelo e o liberte de sua promessa tola. Nunca o verá novamente, isso é certo. Isto é o que basicamente liberar um faery significa—que você não o quer mais por perto. Fui derrotada. – Eu só... eu só queria... eu não posso assistir a nenhum de vocês morrer. – Murmurei novamente, uma desculpa fraca que soava mais aleijada a cada segundo. Puck bufou. - Vamos lá, Meghan. Um pouco de fé, por favor? – Ele cruzou seus braços e me deu um olhar aborrecido. – Você está nos considerando perdedores antes mesmo de termos começado. Tanto eu quanto o garoto-gelo. Estamos por aqui por algum tempo, pretendo ficar por um pouco mais. - Não achei que seria tão cedo. – Comecei a me afundar de novo no sofá, mas parei rapidamente enquanto Grimalkin sibilava para mim. – Quero dizer, sei que teria que encará-lo eventualmente, o falso rei. Mas pensei que teríamos mais tempo para nos preparar. – Eu me movi para o lado a alguns pés, longe do gato, e me empoleirei no braço. – Todo este tempo, senti que estive apenas tropeçando, tendo sorte de novo e de novo. Que a sorte vai fugir algum dia. - Ela nos trouxe até aqui, princesa. – Puck desdenhou e pôs um braço ao redor de mim. Eu não me debati para sair. Estava cansada de lutar. Queria meu melhor amigo de volta. Inclinada contra ele, escutei as fadinhas correrem para trás e para frente na cozinha. O cheiro de pão cozinhando soprou dentro da sala, quente e confortante. Nossa última refeição, talvez? Que maneira de pensar positiva, Meghan. - Você está certo. – Disse. – E eu tenho que fazer isto. Sei disto. Se eu quero mesmo uma vida normal, tenho que encarar o falso rei ou ele nunca me deixará em paz. – Suspirei e caminhei até a janela, meditando no iminente crepúsculo. – É só... que desta vez parece diferente. – Disse, vendo meu reflexo no vidro, olhando fixo de volta para mim. – Tenho muito mais a perder. Você e Ash, a Nevernever, minha família, meu pai. – Parei, repousando minha testa contra o vidro. – Meu pai. – Gemi. – O que vou fazer com o meu pai? Houve um baque vindo do corredor, e eu fechei meus olhos. Bem, isto que era um cronômetro perfeito. Suspirei e me endireitei. – Há quanto tempo está de pé aí, papai? - Desde que começou a falar sobre sorte. – Paul entrou na sala, sentando do outro lado do banquinho do piano. Observei-o no reflexo do vidro. – Está partindo, não está? – Ele perguntou suavemente. Puck ficou de pé discretamente saiu pela porta, deixando a mim e ao meu pai sozinhos, exceto pelo dormitante Grimalkin. Hesitei, então aquiesci. – Odeio deixá-lo sozinho assim. – Disse, virando- me. – Queria que não tivesse que ir. A testa de Paul se franziu, como se ele estivesse lutando para entender, mas seus olhos permaneceram claros enquanto ele vagarosamente aquiescia. – Isto é... importante? – Perguntou. - É. - Voltará? Minha garganta fechou. Engoli em seco e tomei um profundo fôlego para abri-la. – Espero que sim. - Meghan. – Papai hesitou, lutando com as palavras. – Eu sei... Eu não entendo um monte de coisas. Sei que é... parte de algo além de mim, algo que eu nem mesmo entendo. E devo ser seu pai, mas... mas sei que pode cuidar de si mesma muito bem. Então, vá. – Ele sorriu, então, as rugas ao redor de seus olhos vincando. – Não diga adeus, e não se preocupe comigo. Faça o que tem que fazer. Estarei aqui quando voltar. - A Rainha de Ferro - 81 Sorri para ele. – Obrigada, papai. Ele aquiesceu, mas então seus olhos ficaram vítreos, como se tivesse usado toda a sua cota de sanidade naquela conversa. Cheirando o ar, ele animou-se, seu rosto brilhante como o de uma criancinha. – Comida? Fiz que sim com a cabeça, sentindo-me subitamente velha. – É. Por que não volta para o seu quarto, e eu vou te chamar quando o jantar estiver pronto, ok? Você pode... trabalhar em sua canção até lá. - Oh. Certo. – Ele irradiou alegria para mim enquanto se erguia, caminhando de volta ao corredor. – Está quase pronta, sabe. – Ele anunciou sobre seu ombro, inchando de orgulho. – É para minha filha, mas eu a tocarei para você amanhã, certo? - Certo. – Sussurrei, e ele se foi. O silêncio encheu a sala, quebrado apenas pelo tique-taque do relógio na parede e o ocasional arrastar de pés na cozinha. Caminhei de volta ao sofá e afundei perto de Grimalkin, incerta sobre o que fazer em seguida. Sabia que devia encontrar Ash e me desculpar, ou ao menos explicar porque eu não tinha querido que ele viesse. Meu estômago estava em nós, sabendo que ele estava zangado comigo. Só tinha querido poupá-lo de mais dor; como eu poderia saber que liberar um faery de uma promessa era tal qual uma quebra de confiança? - Se está tão preocupada com ele – Grimalkin disse de dentro do silêncio -, por que não lhe pede para ser seu cavaleiro? Pestanejei para ele. – O quê? Seus olhos se abriram em fendas, fendas douradas, observando-me com divertimento. – Seu cavaleiro. – Ele disse novamente, mais devagar desta vez. – Você deve entender a palavra, não é? Não faz tanto tempo assim para os humanos terem esquecido. - Eu sei o que é um cavaleiro, Grim. - Oh, bom. Então deve ser fácil para você entender o significado. – Grimalkin sentou-se e bocejou, curvando seu rabo ao redor de suas pernas. – É uma velha tradição. – Ele começou. – Mesmo entre os feéricos. Uma dama pede a seu guerreiro que se torne seu cavaleiro, seu protetor escolhido, enquanto ambos respirarem. Só aqueles com sangue real podem legalizar este ritual, e a escolha do campeão é algo que somente a dama pode fazer. Mas é a derradeira demonstração de fé entre a dama e o cavaleiro, porque ela confia nele acima de todos os outros para mantê-la segura, sabendo que ele daria sua vida por ela. – Ele bocejou novamente e ergueu uma pata dianteira no ar, examinando seus dedos. – Uma tradição encantadora, isto é certo. As cortes adoram tais tragédias dramáticas. - Por que é uma tragédia? - Porque – veio a voz de Ash vinda da entrada, fazendo-me pular – morre a dama, o cavaleiro irá morrer também. Eu fiquei de pé rapidamente, o coração martelando. Ash não entrou na sala, continuando a me observar do batente. Sua aura de glamour estava escondida, cuidadosamente selada, e seus olhos prateados estavam frios e vazios. – Caminhe comigo lá fora – ele ordenou suavemente, e então hesitou, acrescentando -, por favor. Olhei para Grimalkin, mas o gato tinha se enrolado uma vez mais com seus olhos fechados, ronronando em contentamento. Gato miserável, eu pensei, seguindo Ash pelas escadas abaixo para a noite quente de verão. Ele não se importaria se Ash me apunhalasse ou me transformasse em um pingente de gelo. Provavelmente tem uma aposta em andamento com Leanansidhe para ver quanto tempo - Julie Kagawa - 82 isto levará. Chocada e sentindo culpa que pudesse pensar aquilo, tanto de Ash quanto de Grimalkin, segui o príncipe Winter através do córrego e do campo em silêncio. Vaga-lumes pairavam sobre a grama, tornando a clareira uma minúscula galáxia de luzes piscantes, e uma brisa arreliou meu cabelo, cheirando a pinho e cedro. Descobri que sentiria falta deste lugar. A despeito de tudo, foi o mais perto do normal que tinha chegado por um longo tempo. Aqui, eu não era uma princesa faery, não era a filha de um poderoso rei, ou um peão nas lutas eternas das cortes. Amanhã ao amanhecer, isto tudo iria mudar. - Se vai me liberar – Ash murmurou, e eu ouvi o mais fraco dos tremores abaixo de sua voz -, faça isto agora, então eu poderei ir. Preferiria não estar aqui quando você retornar para Nevernever. Parei, o que o fez se deter, apesar de que ele não se virou. Olhei pasmada para suas costas, para os ombros fortes e o cabelo cor de meia-noite, e a orgulhosa postura rígida de sua coluna. Esperando que eu determinasse eu destino. Se você realmente se importasse com ele, uma voz sussurrou em minha mente, você o deixaria livre. Vocês estariam separados, mas ele ainda estaria vivo. Deixá-lo seguir você para dentro do Reino Iron poderia matá-lo, sabe disto. Mas o pensamento dele partindo fez um buraco em meu coração, o que me deixou ofegando por dentro. Não poderia fazer isto. Não poderia deixá-lo ir. Que os deuses me perdoassem se eu estava sendo egoísta, mas eu não queria nada mais do que ficar com ele para sempre. - Ash. – Murmurei, o que o fez hesitar, abraçando a si mesmo. Meu coração martelou, mas eu ignorei as dúvidas e me apressei. – Eu... quero... – Fechando meus olhos, tomei um profundo fôlego e sussurrei. – Você seria meu cavaleiro? Ele girou, os olhos se alargando pelo mais breve dos momentos. Por algumas batidas de coração, ele olhou fixo para mim, a surpresa e a descrença escritas ao longo de seu rosto. Eu olhei pasmada de volta, perguntando-me se tinha sido um erro pedir, se eu apenas o tivesse o sujeitado ainda mais e ele que estivesse ressentido de ser forçado a outro contrato. Estremeci enquanto ele se aproximava, vindo a parar justo a algumas polegadas de distância. Vagarosamente, ele alcançou minha mão, mal segurando meus dedos, enquanto seus olhos encontravam os meus. – Tem certeza? – Ele perguntou tão calmamente que a brisa deve ter soprado para longe. Aquiesci. – Mas, só se quiser. Eu nunca forçaria... Soltando minha mão, ele deu um meio passo para trás, e então se abaixou em um joelho, inclinando sua cabeça. Meu coração revolveu-se, e eu mordi meu lábio, piscando para conter as lágrimas. - Meu nome é Ashallyn’darkmyr Tallyn, terceiro filho da Corte Unseelie. – Apesar de sua voz estar suave, ela nunca vacilou, e eu me senti sem ar ao ouvir o seu nome inteiro. Seu Nome Verdadeiro. – Que todos saibam—que deste dia em diante, eu juro proteger Meghan Chase, filha do Rei Summer, com minha espada, minha honra, e minha vida. Suas vontades são minhas. Seus desejos são meus. Mesmo que o mundo se erga contra ela, minha espada estará ao seu lado. E se eu falhar em protegê-la, deixe que minha própria existência esteja perdida. Isto eu juro, por minha honra, meu Nome Verdadeiro, e minha vida. Desde dia em diante... – A voz dele ficou mais suave, mas eu ainda o ouvia como se tivesse sussurrado em meu ouvido. – Eu sou seu. Eu não podia conter mais as lágrimas. Elas nublaram a minha visão e rolaram pelas minhas bochechas, e não me importei de secá-las. Ash ficou de pé, e eu me joguei em seus braços, sentindo-o tremer enquanto me esmagava para mais perto dele. Ele era meu agora, meu cavaleiro, e nada ficaria entre nós. - Bem. – Puck suspirou, sua voz flutuando por sobre a grama. – Eu estava me perguntando quanto tempo levaria para chegar a isto. PARTE DOIS CAPÍTULO DEZ - O Limite de Iron - Faery não estava como eu me lembrava. Recordei a primeira vez em que pisei em Nevernever, atravessando a porta do roupeiro de Ethan. Lembrei das árvores enormes, tão perto e emaranhadas que seus galhos fechavam a vista do céu, a bruma retorcendo-se ao longo do chão, o eterno crepúsculo que pairara sobre tudo. Aqui na wyldwood25, nenhuma corte mantinha o mando; ela era um território feroz e neutro que não se importava em nada com os costumes medievais de Summer ou a sociedade viciosa de Winter. E estava morrendo. Era uma coisa sutil, o contágio que tinha se afundado profundamente na terra e na floresta, corrompendo-os por dentro. Às vezes, uma árvore ficava vazia de folhas, e uma roseira tinha espinheiros de aço que cintilavam na luz. Caminhei para uma teia de aranha, só para descobrir que era feita de fios de arame finos como cabelo, mais parecido com a teia que as bruxas-aranha tinham usado em mim. Aparentemente, a mudança foi sutil, quase invisível. Mas o coração pulsante de Nevernever, o qual eu senti ao redor de cada árvore, cada folha e lâmina de grama, estava pulsando com podridão. Tudo estava tocado com glamour Iron, e estava vagarosamente consumindo Nevernever, como papel segurado sobre uma chama. E, a julgar pelos olhares gêmeos de horror nos rostos de Ash e Puck, eles sentiram isto também. - É horrível, não é? - Disse o emissário gnomo, olhando pasmado ao redor, solenemente. – Não muito depois que vocês foram... ahem... banidos, o exército do Rei Iron atacou, e de onde quer que viessem, o Reino Iron se estendia com eles. As forças combinadas de Summer e Winter foram capazes de fazê-los recuar, mas mesmo depois que eles se foram, o veneno permaneceu. Nossos exércitos estão acampados nos limites, onde a wyldwood encontra o Reino Iron, para tentar parar os feéricos Iron que continuam ultrapassando o limite. - Estão somente defendendo a fronteira? – Ash virou seu frio olhar sobre o gnomo, que se encolheu diante dele. – E quanto a um assalto frontal, para estancá-los completamente? O gnomo balançou sua cabeça. – Não funciona. Enviamos numerosas forças para dentro da fronteira, mas nenhuma delas sequer retornou. - E o Rei Iron não mostrou sua cara feia nem uma vez? – Puck perguntou. – Ele simplesmente fica na retaguarda como um covarde e deixa o exército vir por ele? - É claro que ele fica. – Grimalkin bufou, enrugando os bigodes em desgosto. – Por que ele poria a si mesmo em perigo, quando tem todas as vantagens? Ele tem o tempo a seu lado—as cortes não. Oberon e Mab devem estar desesperados se estão dispostos a suspender o seu exílio. Não posso pensar em outra vez em que eles estiveram dispostos a retratar suas ordens. – Ele piscou e olhou para mim, estreitando seus olhos. – As coisas devem mesmo estar sérias. Parece que você é a esperança final de salvação da Nevernever inteira. - Obrigada, Grim. Eu certamente precisava deste lembrete. – Suspirei, empurrando pensamentos sombrios e terríveis para o fundo da minha mente, e virei para o emissário. – Suponho que 25 Não há tradução, e no original (talvez algo próximo de wild = selvagem e wood = floresta). Apesar de aparentar ser o nome ou adjetivo de uma floresta, está escrita em inicial minúscula. Então, optou-se por deixá-la assim. - A Rainha de Ferro - 87 Oberon está esperando por mim? - Ele está, vossa alteza. – O gnomo oscilou sua cabeça e disse mecanicamente. – Por aqui, por favor. Vou levá-la à frente de batalha. DO TOPO DA ELEVAÇÃO, eu olhei para o vale abaixo, onde os exércitos de Summer e Winter estavam acampados. Tendas estavam arranjadas em um padrão livre e aleatório, parecendo como uma pequena cidade de tecido colorido e ruas de lama. Mesmo desta distância, eu podia ver a distinção entre Seelie e Unseelie: os Seelie preferiam tendas com cores mais claras e de verão, marrom, verde e amarelo; enquanto o campo Unseelie estava marcado com matizes de preto, azul e vermelho escuro. Mesmo estando do mesmo lado, Summer e Winter não se misturavam, nem mesmo para dividir o mesmo espaço ou até o mesmo lado do vale. No centro, no entanto, os dois campos pareciam convergir, uma larga estrutura erguia-se no ar, tremulando ao vento os estandartes das duas cortes lado a lado. Ao menos Mab e Oberon estavam tentando conviver. Por enquanto, de qualquer forma. Além dos campos, uma floresta espiralada de aço brilhante marcava a entrada do Rei Iron. Atrás de mim, Ash vasculhou o fronte de batalha com olhos estreitos, familiarizando-se com tudo. – Eles tiveram que recuar muitas vezes. – Murmurou, sua voz baixa e grave. – O campo inteiro parece pronto para se levantar e se mover a uma palavra. Pergunto-me o quão rápido o Reino Iron está se expandindo. - Acho que estamos prestes a descobrir. – Puck acrescentou, enquanto o emissário gnomo acenava para avançarmos e descemos para o campo. A cidade de tendas era muito mais larga e dispersa de perto, renovando meu desconforto em andar através de um grande número de feéricos, vendo seus olhares brilhantes e inumanos seguir cada movimento meu. Felizmente, tivemos que caminhar somente através do campo Seelie para conseguir chegar à larga tenda no meio, apesar de que Puck e Ash permanecessem muito perto enquanto nós navegávamos pelas ruas estreitas. Elegantes cavaleiros Summer, vestidos em armaduras estilizadas para parecerem como milhares de folhas sobrepostas, afiadas asas de libélulas roçando-se, apressavam-se para sair do caminho, olhando fixo para mim com ousada curiosidade. Um grifo26 amarrado ergueu sua cabeça e sibilou, ostentando uma colorida crina de penas. Uma de suas asas tinha sido ferida e arrastava no chão, enquanto o grifo mancava para frente e para trás. - Este lugar cheira como sangue. – Ash murmurou, seus olhos lançando-se sobre o campo. Um troll27 verde-pântano passou claudicando, um braço queimado em negro e gotejando fluido, e eu estremeci. – Parece que a guerra não está indo bem para nós. - É isto que eu gosto em você, príncipe. Sempre é tão alegre. – Puck balançou sua cabeça, olhando ao redor do campo, e torcendo seu nariz. – No entanto, eu tenho que dizer, este lugar já teve dias melhores. Alguém mais sente como se eles estivessem prestes a cair ou sou só eu? - É o ferro. – Grimalkin selecionou seu caminho ao longo de um charco, então saltou para o topo de uma árvore caída, sacudindo suas patas. – Perto assim do reino do falso rei, sua influência é mais forte do que nunca. Ficará pior uma vez que estiverem realmente dentro de suas fronteiras. 26 Grifo é uma criatura lendária com cabeça e asas de águia e corpo de leão. Fazia seu ninho perto de tesouros e punha ovos de ouro sobre ninhos também de ouro. Outros ovos são frequentemente descritos como sendo de ágata. 27 Os trolls são criaturas antropomórficas do folclore escandinavo. Poderiam ser tanto como gigantes horrendos – como ogros – ou como pequenas criaturas semelhantes a goblins. Viviam em cavernas ou grutas subterrâneas. - Julie Kagawa - 90 Titânia fez um barulho estrangulado de ira e caminhou a passos largos para fora da clareira, deixando-me vitoriosa no campo. Eu respirei profundamente para acalmar meu martelante coração e virei para Oberon novamente. - E quanto a Ash e Puck? - Goodfellow está livre para retornar a Faery como lhe aprouver. – Oberon disse com um breve olhar para Puck. – Apesar que, eu estou certo, ele fará alguma coisa mais que erguerá minha ira nos próximos um ou dois séculos. – Puck deu a Oberon um olhar inocente. O Erlking não pareceu apaziguado. – No entanto – ele continuou, virando novamente para mim -, não sou eu quem decretou o exílio de Ash. Terá que tratar disto com a Rainha Winter. - Onde ela está? - Meghan. – Ash se moveu para mais perto, pondo a mão no meu ombro. – Não tem que confrontar Mab por minha causa. Ignorando Oberon, virei, encontrando seu olhar. – Não se importa em voltar para casa? Ele se deteve, e eu vi em seus olhos. Ele se importava. Fora de Nevernever, ele eventualmente desapareceria na não-existência; nós dois sabíamos disso. Mas tudo o que ele disse foi – Meu único dever agora é para com você. - Mab está no acampamento Winter. – Oberon disse, depois de um longo, penetrante olhar para Ash. Virando para mim, ele me fixou um olhar solene. – Haverá um conselho de guerra hoje à noite, filha, entre todos os generais de Summer e de Winter. Faria bem para você se o assistisse. Eu aquiesci, e o Erlking acenou em dispensa. – Logo mandarei alguém para lhe mostrar seus alojamentos. – Ele murmurou. – Agora, vá. Tínhamos começado a nos retirar quando a voz de Oberon nos parou, a meio caminho da porta. – Robin Goodfellow – ele disse, fazendo Puck estremecer – você fica aqui. - Maldição. – Puck murmurou. – Isto foi rápido. Um minuto de volta a Nevernever e ele já está puxando minhas cordas. Vocês vão na frente. – Ele disse, acenando para nós em despedida. – Vou encontrá-los tão logo eu possa. – Rolando seus olhos, Puck passeou de volta em direção a Oberon, e nós deixamos a clareira. - Isto foi impressionante. – Ash disse calmamente enquanto caminhávamos através do labirinto de tendas. Feéricos Summer se afastaram de nós, correndo para fora de vista enquanto nos direcionávamos mais para dentro do campo. – Oberon estava jogando todo o glamour alterador de mente que ele podia em você, tentando fazê-la concordar com seus termos rapidamente e não o questionar. Não somente você resistiu, como virou o contrato para sua vantagem. Não são muitas pessoas que poderiam ter feito isto. - Verdade? – Recordei o sentimento denso e lento na tenda do Erlking. – Então Oberon estava tentando me manipular de novo, huh? Talvez eu pudesse resistir uma vez que sou da família. Metade sangue de Oberon e coisa e tal. - Ou só é inacreditavelmente teimosa. – Ash acrescentou, e eu bati em seu braço. Ele riu entre os dentes, tomando minha mão, e nós continuamos pelo território Winter. O campo Unseelie assentava-se no limite do Reino Iron, e a tensão aqui estava definitivamente alta. Os cavaleiros Winter atravessavam a passos largos as fronteiras do campo, severos e perigosos em suas armaduras de gelo. Ogros29 olharam furiosamente para mim de seus postos, baba 29 O ogro é um gigante mitológico, que em algumas versões se alimentava de carne humana. - A Rainha de Ferro - 91 pingando de suas presas, seus olhos vazios e ameaçadores. Uma serpe30 guinchou de onde estava amarrada por muitas estacas, agitando as asas e tentando se libertar com puxões, vociferando iradamente para seus tratadores. Estremeci, e a mão de Ash se apertou sobre a minha. Não encontramos nenhuma resistência, mesmo entre os muitos duendes, barretes vermelhos e boggarts31 vagando em fileiras. Os Unseelie nos deram uma larga distância, olhando fixo para Ash com um misto de fascinação, medo e desprezo – o desobediente príncipe que virara suas costas a todos eles para estar com a mestiça humana. Eles nunca foram mais longe do que me olhar pétriamente, ou me lançar um sorriso sugestivo, mas estava extremamente contente tanto pelo príncipe Winter quanto pela espada ao meu lado. Justo além do campo, a entrada do Reino Iron se assomava, árvores metálicas e galhos de aço retorcidos brilhando na luz difusa. Parei para olhar fixo para aquilo, sentindo gelo se formar no meu estômago enquanto eu lembrava com o que isto se parecia; a fustigante terra árida de lixo, a chuva corrosiva que consumia a carne e que varria a terra, a torre negra de Machina lançando-se para o céu. - Bem, olhe quem está de volta. Virei para ver um trio de cavaleiros Winter bloqueando nosso caminho, armados e de aparência perigosa, cacos de pingentes de gelo eriçando-se de seus ombros e elmos. - Faolan. – Ash gesticulou com a cabeça, movendo-se subitamente em frente de mim. - Você tem alguma coragem para voltar aqui, Ash. – O cavaleiro do meio disse. Seus olhos brilharam abaixo de seu elmo, azul-vítreo e cheio com repugnância. – Mab estava certa em exilar você. Você e mestiça Summer vadia deveriam ter ficado no reino mortal onde pertencem. Ash puxou sua espada, enviando um guincho áspero através do campo. Os cavaleiros se enrijeceram e rapidamente recuaram, as mãos pousando em suas próprias espadas. – Insulte-a novamente, e vou cortar você em tantos pedaços que nunca encontrarão todos eles. – Ash declarou calmamente. Faolan eriçou-se e começou a avançar, mas Ash elevou a ponta para ele. – Não temos tempo de jogar com você, então vou pedir que saia. - Você não é um mais um príncipe, Ash. – Faolan rosnou, puxando sua própria espada. – É só um exilado, mais baixo que esterco de duende. – Ele cuspiu em nossos pés, a saliva cristalizando-se na grama, virando gelo. – Acho que é hora de ensinarmos o seu lugar, vossa alteza. Mais cavaleiros apareceram, sacando suas espadas e nos margeando. Contei cinco ao todo, e meu coração martelou. Enquanto o círculo começava a se fechar, puxei minha espada e fiquei costa-a- costa com Ash, erguendo a lâmina de forma que a luz brilhou na borda de seu metal. – Parem bem aí. – Eu falei aos cavaleiros, fingindo uma bravata que eu não sentia. – Isto é ferro, como estou certa que pode ver. – Eu cortei o ar com um satisfeito whuff, e apontei para meu atacante. – Querem ser atravessador com isto, venham em frente. Estou morrendo para ver o que isto pode fazer a armaduras feéricas. - Meghan, recue. – Ash murmurou, seu olhar nunca deixando seus oponentes. – Não tem nada haver com isto. Eles não estão aqui por você. - Não vou deixar você lutar com eles sozinho. – Sibilei de volta. 30 Serpe, também conhecida pela muito usada designação inglesa wyvern (ou wivern, derivado da palavra francesa wivre, víbora), é todo réptil alado semelhante a um dragão, mas de dimensões distintas, muito encontrado na heráldica medieval. Geralmente as serpes apresentam apenas duas patas (ao contrário dos dragões ocidentais, que sempre possuem quatro), sendo que no lugar das dianteiras estão suas asas, o que a torna similar a uma ave. Diferentemente dos dragões, é muitas vezes tida mais como um ser desprezível do que como sábio. Geralmente não possui habilidades como cuspir fogo, embora às vezes seja retratada fazendo-o. Outra característica que a diferencia de um dragão é a falta ou menor número de escamas, que lhe confere uma aparência mais "lisa". (Fonte: Wikipédia). 31 Boggart. Muitas vezes traduzido como “bicho-papão”. No folclore inglês, é um faery doméstico que faz as coisas desaparecerem, azedar o leite, e os cães ficarem mancos. Malévolo sempre, o bicho papão acha a sua família onde quer que ela vá. No norte da Inglaterra havia a crença de que não devia ser dado um nome a ele, pois ele se tornaria incontrolável e destrutivo. - Julie Kagawa - 92 Uma multidão estava se reunindo, espiando para nós das fileiras de tendas, curiosos e ávidos por ver uma luta. Alguns duendes e barretes vermelhos gritaram “Luta!” e “Matem eles!” das margens. Amparado pela plebe e pelos gritos por sangue, Faolan sorriu ironicamente e ergueu sua espada. – Não se preocupe, Ash. – Ele sorriu. – Nós não vamos danificar sua humana muito severamente. Infelizmente, não podemos dizer o mesmo para você. Ataquem! Os cavaleiros investiram. Equilibrada na ponta dos meus pés, como Ash tinha me ensinado, eu foquei nos dois vindo por trás e deixei o instinto tomar conta. Os cavaleiros estavam zombando enquanto se aproximavam, suas posturas frouxas e desleixadas. Obviamente, eles não achavam que eu era muito a se temer. Uma espada varreu para mim em um arco preguiçoso em direção a minha cabeça, e eu ergui minha própria lâmina para detê-la, batendo nela de lado. Vi o olhar de choque do cavaleiro ao ver que tinha bloqueado seu ataque, e vi uma abertura. Reagindo somente no instinto, meu braço lançou-se para fora, mais rápido do que pensei que poderia, e a ponta da minha espada perfurou sua coxa armadurada. O grito do cavaleiro tirou-me do meu transe da batalha, e o cheiro fétido de carne queimada contaminou o ar, fazendo meu estômago se agitar. Tinha completamente esperado que ele saltasse para o lado ou interceptasse, como Ash sempre fazia. Ao invés, eu assisti meu oponente cambalear para longe, agarrando sua perna e gritando; e meu ritmo gaguejando até parar. Dando-me um olhar furioso, o outro cavaleiro ergueu uma enorme espada larga e azul, e investiu com um rosnado. Eu recuei freneticamente, mal o evitando. Ele estava possesso agora, vindo para mim rápido, e o medo agitou minhas entranhas. - Meghan! Foco! A voz de Ash me tirou do meu torpor aterrorizado, e eu instintivamente tremi em atenção, erguendo minha espada. – Lembre-se do que ensinei a você. – Ele rugiu de algum lugar à minha esquerda, recortado e sem fôlego de sua luta com seus próprios atacantes. – Isto não é diferente. O cavaleiro atacou selvagemente, os dentes arreganhados em um terrível rosnado, sua larga espada varrendo o ar em um arco letal. Sua espada, eu pensei, esquivando-me. É mais pesada do que a minha, deixando-o mais devagar. Sempre use as fraquezas de seu inimigo como uma vantagem sua. Eu dancei ao redor dele, mantendo-me simplesmente fora de alcance, observando-o arfar e ranger seus dentes enquanto prosseguia, golpeando-me como uma mosca incômoda. Com um berro frustrado, o cavaleiro bateu com força a borda de sua espada na terra, e um borrifo de cascalho e cacos de gelo voaram para o meu rosto. Virei rapidamente para proteger meus olhos, sentindo o gelo agulhar minha bochecha e a pele exposta, e ouvi o cavaleiro investir contra mim. No instinto, eu mergulhei, quase caindo em meus joelhos, sentindo a lâmina ressoar acima da minha cabeça. Subindo cega, eu deixei o braço da minha espada me levar para frente e estoquei com toda a minha vontade. Um impacto brusco balançou meu braço para trás, e o cavaleiro gritou. Olhado para cima, eu descobri a mim mesma em frente do cavaleiro, a lâmina de ferro encravada em seu estômago. O cavaleiro sufocou e deixou cair sua espada, apertando seu meio enquanto ele cambaleava para trás, o súbito fedor de carne queimada erguendo-se na brisa. Com o rosto apertado em fúria e dor, o cavaleiro se virou e desapareceu na multidão, e eu soltei um suspiro rasgado. Tremendo com a adrenalina, eu olhei ao redor procurando por Ash e o vi levantando sua espada para a garganta de um ajoelhado Faolan. Os outros cavaleiros espalhavam-se pelo chão, gemendo. - Terminamos aqui? – Ash disse suavemente, e Faolan, olhos queimando de ódio, aquiesceu. Ash o deixou se levantar e os cavaleiros saíram manchando, para as vaias e insultos dos feéricos Winter. CAPÍTULO ONZE - O Conselho de Guerra Faery - Uma lua inchada e carmesim pairava sobre o campo naquela noite, vermelho-ferrugem e agourenta, banhando a tudo em uma estranha tinta sangrenta. Pequenas extensões de neve se amontoavam de um céu próximo e limpo, flocos de ferrugem dançando no vento, como se a própria lua estivesse contaminada e se corroendo. Deixei minha tenda, que era pequena, mofada e desprovida de uma clareira de floresta ilusória, para encontrar Ash e Puck esperando por mim no outro lado do batente. A misteriosa luz vermelha delineava as feições angulosas e fortes deles, fazendo-os parecerem mais inumanos que antes, seus olhos brilhando nas sombras. Além deles, o campo estava silencioso; nada se movia abaixo da lua vermelha, e a cidade de tendas assemelhava-se a uma vila fantasma. - Eles estão perguntando por você. – Ash disse solenemente. Aquiesci. – Então não vamos deixá-los esperando. A tenda de Oberon pairava sobre as outras, bandeiras gêmeas agitando-se flacidamente na brisa. Uma fina camada de neve jazia no chão, desfigurada por botas, pés com garras e cascos, todos se dirigindo em direção ao centro do campo. Tremeluzente luz amarela derramava-se pelas rachaduras nos batentes da tenda, e eu forcei meu caminho para dentro. A clareira de floresta ainda estava lá, mas desta vez uma enorme mesa de pedra se assentava no meio, cercada por faeries em armaduras. Oberon e Mab estavam de pé na cabeceira, imponentes e sérios, flanqueados por muitos nobres sidhe. Um enorme troll, chifres de carneiro curvando-se do seu elmo de osso, parava de pé calmamente com seus braços cruzados, observando os procedimentos, enquanto um centauro arguia com um comandante duende, ambos apontando dedos para o mapa sobre a mesa. Um enorme homem de carvalho, corroído e retorcido, acocorava-se para ouvir as vozes aos seus pés, seu intemperizado rosto impassivo. - Estou avisando você – o centauro disse, os músculos em seus flancos agitando-se com raiva -, se seus batedores vão posicionar armadilhas na fronteira do deserto, deixe-me saber; então meus batedores não caminharão direto para elas! Tive dois com a perna quebrada pisando em um buraco, e outro quase morreu por causa de um dardo envenenado. O comandante duende riu em silêncio. – Num é minha culpa se seus batedores não olham onde andam. – Ele zombou, arregaçando uma boca cheia de presas encurvadas. – Além disto, o que tão seus batedores fazendu tão perto do nosso campo, hmm? Roubandu segredos, aposto. Ciumentos que sempre somos os melhores rastreadores, aposto. - Basta. – Oberon interrompeu antes que o centauro pudesse saltar sobre a mesa e estrangular o duende. – Nós não estamos aqui para lutar uns contra outros. Desejo somente saber o que seus batedores têm reportado, não a guerra silenciosa entre eles. O centauro suspirou e deu ao duende um olhar assassino. – É como os duendes dizem, meu lorde. – Ele disse, virando para Oberon. – As escaramuças que encontramos com as abominações parecem ser de unidades avançadas. Eles estão nos testando, sondando nossas fraquezas, sabendo que não podemos segui-los para dentro do Reino Iron. Temos ainda que ver o exército inteiro. Ou o Rei Iron. - Sire – disse um dos generais sidhe, inclinando-se para Oberon – e se isto for um ardil? E se o Rei Iron pretende atacar outro lugar? Devemos estar melhor cobertos defendendo Arcádia e a Corte - Julie Kagawa - 96 Summer do que esperando nos limites da wyldwood. - Não. – Foi Mab que falou então, fria e inflexível. – Se partirem para retornar a sua corte- lar, estaremos perdidos. Se o Rei Iron contaminar a wyldwood, Summer e Winter logo cairão. Não podemos recuar para nossos lares. Devemos segurar a linha da fronteira aqui. - Concordo. – Disse Oberon em uma voz que era decisiva. – Summer não recuará daqui. A única forma de proteger Arcádia, e toda a Nevernever, é parar o avanço aqui. Kruxas – ele disse, olhando para o troll. – Onde estão nossas forças? Estão a caminho? - Sim, vossa majestade. – Rosnou o troll, aquiescendo com sua enorme cabeça. – Eles estarão aqui em três dias, exceto por quaisquer complicações. - E quando aos Antigos? – Mab olhou para o general que tinha falado. – Este é o mundo deles, mesmo que dormitem por ele. Os dragões atenderam ao nosso apelo às armas? - Não sabemos realmente a condição dos poucos Antigos restantes, vossa majestade. – O general inclinou sua cabeça. – Até agora, só fomos capazes de encontrar um, e estamos incertos se ela nos ajudará. Quanto ao resto, eles ou ainda dormem ou recuaram fundo na terra para esperar por isto de fora. Oberon aquiesceu. – Então faremos sem eles. - Perdoe-me, vossa majestade. – Foi o centauro que falou novamente, dando a Oberon um olhar suplicante. – Mas como pararemos o Rei Iron se ele se recusa a se juntar a nós? Ele ainda se esconde dentro de sua terra envenenada, enquanto nós desperdiçamos vidas e recursos esperando por ele. Não podemos sentar aqui para sempre, enquanto as abominações Iron nos apanham um por um. - Não. – Disse Oberon, e olhou diretamente para mim. – Não podemos. Todos os olhos se viraram para mim. Engoli em seco e resisti à urgência de me encolher e recuar, enquanto Puck soltava um sopro de ar e me dava um olhar torto. – Bem, esta é a nossa deixa. - Meghan Chase concordou em ir para a terra devastada e achar o Rei Iron. – Oberon disse enquanto eu me aproximava da mesa, seguida de Ash e Puck. Curiosos, descrentes, e desdenhosos olhares me seguiram. – Seu sangue meio-humano a protegerá do veneno do reino, e sem um exército ela tem a chance de se esgueirar sem ser notada. – Os olhos de Oberon estreitaram-se, e ele apontou um dedo para o mapa. – Enquanto ela está lá, devemos manter esta posição a todo o custo. Nós temos que dar a ela o tempo que precisa para descobrir a localização do Rei Iron e matá-lo. Minhas vísceras se apertaram, e minha garganta secou. Realmente não queria ter que matar novamente. Ainda tinha pesadelos sobre apunhalar uma flecha no peito do último Rei Iron. Mas tinha dado a minha palavra, e todos estavam contando comigo. Se eu quisesse ver minha família novamente, tinha que terminar isto agora. - Vossa majestade. – Foi um sidhe Winter que falou desta vez, um guerreiro alto em armadura de gelo, seu cabelo branco trançado em suas costas. – Perdoe-me, sire. Mas realmente estamos confiando a segurança do reino, a Nevernever inteira a esta... mestiça? Esta exilada que escarnece das leis de ambas as cortes? – Ele me atirou um olhar hostil, seus olhos brilhando azul. – Ela não é uma de nós. Nunca será uma de nós. Por que ela deveria se importar com o que acontece à Nevernever? Por que nós deveríamos confiar nela? - Ela é minha filha. – A voz de Oberon estava calma, mas tinha o tremor de um terremoto se aproximando. – E você não precisa confiar nela. Precisa somente obedecer. - Mas ele ergueu um bom ponto, Erlking. – Mab disse, sorrindo para mim de um jeito que fez minha pele arrepiar. – Quais são seus planos, mestiça? Como espera achar o Rei Iron, e se achar, como espera pará-lo? - A Rainha de Ferro - 97 - Não sei. – Admiti suavemente, e rosnados aborrecidos surgiram ao redor da mesa. – Não sei onde ele está. – Mas eu o encontrarei, prometo isto a vocês. Derrubei um Rei Iron—terão apenas que acreditar que posso fazer isto novamente. - Está nos pedindo muito, mestiça. – Disse outro faery, um cavaleiro Summer desta vez, fixando-me com um duvidoso olhar verde-ácido. – Não posso dizer que gosto deste seu plano, tal como é. - Não tem que gostar dele. – Disse, encarando a eles todos. – E não tem que confiar em mim. Mas me parece que sou a melhor chance que têm de parar o falso rei. Não vi nenhum de vocês se voluntariando a ir para dentro do Reino Iron. Se alguém mais tem uma ideia melhor, adoraria ouvi-la. Silêncio por um longo momento, interrompido por um fraco relincho de Puck. Olhares zangados e mal-humorados foram levantados em minha direção, mas ninguém se ergueu para me desafiar. O rosto de Oberon estava inexpressivo, mas Mab me observava com um olhar frio e aterrorizante. - Você está correto, Erlking. – Ela disse finalmente, virando para Oberon. – Tempo é essencial. Enviaremos a mestiça para a terra devastada para matar a abominação chamada de Rei Iron. Se ela tiver êxito, a guerra será nossa. Se ela morrer... – Mab se interrompeu para olhar para mim, seus perfeitos lábios vermelhos curvando em um sorriso - ... nós não perderemos nada. Oberon aquiesceu, ainda inexpressivo. – Não a enviaria sozinha a menos que fosse a mais grave das circunstâncias, filha. – Ele continuou. – Sei que peço demais de você, mas você me surpreendeu antes. Só rezo para que me surpreenda novamente. - Ela não estará sozinha. – Ash disse suavemente, sobressaltando a todos. O príncipe se moveu ao meu lado para encarar o conselho de guerra, seu rosto e voz firmes. – Goodfellow e eu iremos com ela. O Erlking olhou fixamente para ele. – Assim achei, cavaleiro. – Ele meditou. – E admiro sua lealdade, apesar de temer que isto os destruirá no final. Mas... façam o que devem. Não os deteremos. - Ainda acho que é um tolo, garoto. – Mab disse, virando seu olhar frio para seu filho mais novo. – Se fosse por mim, eu teria rasgado a sua garganta para impedi-lo de fazer este juramento. Mas se insiste quanto a ir com a garota, a Corte Unseelie tem algo que pode ajudar. Pisquei em surpresa, e Oberon virou para Mab, erguendo uma sobrancelha. Obviamente, isto era novidade para ele, também. Mas a Rainha Winter o ignorou, seus olhos negros voltando para mim, sombrios e selvagens. - Isto a surpreende, mestiça? – Ela bufou em desdém. – Acredite no que quiser, eu não tenho nenhum desejo de ver meu último filho morto. Se Ash insiste em seguir você dentro do Reino Iron de novo, ele precisará de algo que o protegerá do veneno daquele lugar. Meus ferreiros têm estado trabalhando em um encantamento que pode possivelmente proteger o portador do glamour Iron. Eles me disseram que está quase pronto. Meu coração saltou. – O que é? Mab sorriu, fria e eriçada, e virou para espectadores feéricos. – Saiam. – Ela sibilou. – Todos vocês, exceto a garota e os protetores dela, vão embora. Os faeries Winter se endireitaram imediatamente e saíram, deixando a clareira sem um olhar para trás. Os cavaleiros Summer olharam questionadoramente para Oberon, que os dispensou com um aquiescer breve. Relutantemente, eles recuaram, inclinando-se para seu rei, e seguiram os feéricos Winter para fora da tenda, deixando-nos sozinhos com os governantes de Faery. Oberon deu a Mab um olhar horizontal. – Escondendo coisas da Corte Summer, Lady Mab?
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