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Guias e Dicas
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50 - Anos - Luz - Camera - Edgar - Moura, Notas de estudo de Video e Cinema

História do desenvolvimento da câmera.

Tipologia: Notas de estudo

2013
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Compartilhado em 22/04/2013

marcia-lohss-1
marcia-lohss-1 🇧🇷

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Baixe 50 - Anos - Luz - Camera - Edgar - Moura e outras Notas de estudo em PDF para Video e Cinema, somente na Docsity! 50 ANOS LUZ CÂMERA E AÇÃO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SENAC NO ESTADO DE SÃO PAULO Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman Diretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de Assis Salgado Superintendente de Operações: Darcio Sayad Maia EDITORA SENAC SÃO PAULO Conselho Editorial: Luiz Francisco de Assis Salgado Clairton Martins Luiz Carlos Dourado Darcio Sayad Maia A. P. Quartim de Moraes Editor: A. P. Quartim de Moraes (quartim@sp.senac.br) Coordenação de Prospecção Editorial: Isabel M. M. Alexandre (ialexand@sp.senac.br) Coordenação de Produção Editorial: Antonio Roberto Bertelli (abertell@sp.senac.br) Preparação de Texto: Ibraíma Dafonte Tavares Revisão de Texto: J. Monteiro Luiza Eleita Luchini Luiz Carlos Cardoso Capa: Sidney Itto Foto da Capa: Ricardo Pimentel (filmagens de Um trem para as estrelas) Editoração Eletrônica: Antonio Carlos De Angelo Gerência Comercial: Marcus Vinicius Barili Alves (vinicius@sp.senac.br) Vendas: José Carlos de Souza Jr. (jjr@sp.senac.br) Administração: Rubens Gonçalves Folha (rfolha@sp.senac.br) ______________________________________________________________________________________________ ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELA EDITORA SENAC SÃO PAULO EM GARAMOND E IMPRESSA PELA CROMOSETE GRÁFICA E EDITORA LTDA. EM OFF-SET SOBRE PAPEL BAHIA SUL 90 G/M² DA BAHIA SUL CELULOSE E PAPEL EM JUNHO DE 2001. _____________________________________________________________________ Editora SENAC São Paulo Rua Rui Barbosa, 377 – P andar – Bela Vista – CEP 01326-010 Caixa Postal 3595 – CEP 01060-970 – São Paulo – SP Tel. (11) 284- 4322 – Fax (11) 289-9634 E-mail: eds@sp.senac.br Home page: http://www.sp.senac.br © Edgar Moura, 1999 Sumário Nota do Editor 7 Um prefácio para o do Millôr 9 E a luz foi feita 11 Millôr Fernandes Livro I — A luz 15 Livro II — Quem faz o quê 203 Livro III — Como fazer 375 Índice geral 441 Nota do Editor Em alguma parte deste livro seu autor comenta que os fotógrafos de cinema têm sempre a aspiração secreta ou não de ser diretores de filme, de participar dele numa escala de criação principal. E não há dúvida de que uma afirmação dessa feita por Edgar Moura vale por expressão da verdade porque ele próprio, na maneira como observa o mundo, explica processos de trabalho e narra com admirável sentido de informação e interesse, é de uma criatividade surpreendente. Sempre bem-humorado, com uma verve que revela neste texto em dezenas de "causos" a servir de deflagradores dos temas que expõe, Edgar Moura conduz o leitor por caminhos que seriam áridos se o guia fosse outro. Aqui, as sutilezas da luz, por exemplo, assim como os movimentos da câmera, e todo o complexo universo da realização cinematográfica, encontram um expositor que gosta do que faz e adora falar disso. Entre os personagens que com nome próprio ou não desfilam pelas páginas deste 50 anos luz, câmera e ação, o autor refere-se ao fotógrafo que, não sabendo pôr em palavras o específico de seu ofício, dá uma impressão de ter poucos recursos — e no entanto é um verdadeiro artista. Pois o que há de notável neste livro é que seu autor, um mestre da fotografia, prova-se também um hábil expositor de assuntos que ficam na fronteira do rigor técnico e da arte figurativa, sem nunca perder o fio da meada de uma narrativa saborosa. casa, tua mulher é melhor que você". (E eu ainda digo que o cara é o "meu melhor amigo"! Enfim...) Antes de ler o que escrevi, leia o que o Millôr escreveu sobre o que escrevi. E, se for possível, tenha a mesma paciência que ele teve. E a luz foi feita Edgar Moura foi um desenhista do Pasquim, jornal publicado aqui no Rio, no fim dos anos 60. Bom de traço e de significado, o Edgar. Quase menino, não chegou a amadurecer desenhos e legendas, se mandou para artes e ofícios mais importantes. Cinema, iluminação, direção de fotografia, estudos dessas habilidades urbe et orbi. De longe eu o acompanhava. Em nossas profissões, apaixonantes, jornalismo, ciclismo, tiro ao alvo, cinema, roleta-russa, todos, mais ou menos, nos acompanhamos. Vi Edgar crescer — inclusive em tamanho, acho que chegou aí a um e noventa — pelas ruas de Paris, Bruxelas, Michigan e até Moçambique (até por quê, Millôr?), pelo casamento (que inveja!). De repente me telefona por um prefácio para o livro do qual eu nem suspeitava — não suspeitava o escritor no Edgar, ora!, ora! — e que agora está aqui. Se chama 50 anos luz, câmera e ação. Um calhamaço. Um calhamaço de 444 páginas. Soberbo calhamaço. Se você gosta alguma coisa de fotografia (não still, mas a foto-grafia em movimento, de cinema), vai pedir mais. O homem entende do riscado, vai da prática à teoria e volta desta a modos de fazer (não pense em livrinhos how-to-do, é filosofia de trabalho) com uma elegância e uma precisão de escritor nato. E experimentado. Por tudo perpassa (?) o mais fino humor, em sua forma melhor, a ironia, em sua forma maior — auto-ironia. Sem explicitar, Edgar deixa claro que não pretende salvar o mundo com a sua profissão. Nem com seu livro. Acho bom. Dê uma olhada em qualquer capítulo. Comece pelas janelas de Vermeer. Como você não vai parar, logo ficará encantado em saber o que é a natureza da luz e onde está sua origem – o homem leu tudo sobre o assunto e aqui entra, acho, até Goethe –, o que é uma luz dura, um corpo negro, um contraluz difuso, o tripé (iluminado) da criação. E por aí vão muitos capítulos de visão criativa sobre a admirável realidade que nos cerca, mas que, Edgar me convence, pode ser muito melhor iluminada. Afinal de contas o fiat lux foi só um improviso. Millôr Fernandes LIVROI A luz Barão e Gomide Barão e Gomide brigavam sempre Barão sempre bateu em Gomide Gomide sempre apanhou do Barão Gomide depois viajou muito fez muito esporte nos USA Nadou pulou correu e voltou muito forte Quando chegou, passou a mão no telefone e desafiou o Barão Barão aceitou o desafio veio e sentou a mão em Gomide de novo Eu, quando voltei a Paris liguei para Flore e nunca mais a vi Já no telefone senti que não tinha a menor chance. O metrô era: primeiro Gare du Nord, depois... Alexandre não se lembrava mais. Continuando naquela direção, a próxima parada seria a casa dela. Ela gostava muito da cor mauve que ele imaginava que fosse violeta. Ele se orgulhava de estar em Paris com uma namorada vestida de mauve, na direção Porte de Orleans/Porte de Cligancourt. Pois bem. Na manhã seguinte ao começo desse namoro, depois de uma chegada apaixonada a Paris, estavam ali dormindo. Dormitavam de manhã, sim e não, sem se levantarem da cama. Ainda meio sonado, ele ouviu a maçaneta da porta girar com cuidado. Olhou, sem se virar, e viu Flore, a irmã. Uma paixão fulminante. Não era mais aquela mulher que estava ao seu lado na cama quem ele sempre desejara. Era aquela outra, vista de cabeça para baixo pela fresta da porta. Que engano! Quanto tempo perdido! A porta se fechou de novo. como o fotógrafo de todos os filmes de Bernardo Bertolucci — Último tango em Paris (1972), O conformista (1970), 1900 (1975), etc. Depois de cair nas graças de Coppola, fotografando Apocalypse Now (1977), foi chamado para fazer até filmes de cineastas que não eram cinéfilos, como Reds (1979), de Warren Beatty. Nos Estados Unidos, virou a grande moda. Era quase um fotógrafo pop. Quando chega a esse ponto, a pessoa é chamada para dar aulas e conferências. Numa dessas conferências, Storaro falava sobre seu trabalho. Como sempre, nas suas entrevistas, falava muito pouco de técnica e muito sobre arte. Dizia que era um "escritor que escrevia com a luz", que "photo-grafava", e que "pintava com a luz". Falava da "psicologia da cor", de Freud, e da mãe ser a lua/azul, e do pai ser o sol/vermelho. Súbito, um aluno o interrompeu: "Muito bem, senhor, a lua é a mãe, é azul, o pai é o sol, é vermelho, mas... onde, como e quando eu coloco o refletor, e de quantos watts?". É o nosso caso. Você quer saber onde, como e quando, e eu acho que, para se chegar lá, é preciso passar por Deus, pela lua e pelos homens. O único jeito de saber como é saber por quê. Existem vários caminhos. Storaro, quando está procurando a cor do pai e da mãe, na realidade está falando de um método para se resolver problemas da fotografia. Está tentando dizer que é a partir da idéia psicanalítica que ele raciocina para resolver os problemas do dia-a-dia. A minha tese é que nada em fotografia se diferencia da natureza. Todas as luzes e efeitos estão à mostra para o olho educado. Os efeitos dos filtros, os contrastes das luzes, as densidades das cores, tudo e todos estão na natureza, à vista, para quem quiser ver. Se você prestar atenção ao tipo de luz que o sol gera, saberá qual refletor, de quanto, como e onde colocar. Se você se abstrair do tamanho do sol e se concentrar no efeito da sua luz, poderá intuir a direção, a natureza e a intensidade da luz que você precisará para ter o mesmo resultado. Afinal de contas, o sol tem que iluminar a Terra toda, e nós, só um pequeno estúdio. As diferenças de tamanho são irrelevantes para o raciocínio. Para se chegar ao pequeno, partimos do grande. Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no vasto mundo de todos nós. Talvez a única coisa que possamos criar e que já não exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita. Então... Este livro seguirá este caminho: do grande ao pequeno. Do universal para o específico. Da natureza para a fotografia (o.k.: do sol para o HMI de 18 kW). Se você, como o aluno do Storaro, quiser ir direto ao como, onde e quando, vá aos capítulos "Como fazer" e "Quem faz o quê". Está tudo lá. Pelo menos aquilo de que me lembrei. Ler assim, porém, é como consultar uma enciclopédia ao invés de ler o livro que deu origem ao verbete. Nada supera a leitura do original. Basta ler um Platão, inteiro, com atenção, e você nunca mais precisará ouvir uma explicação sobre platonismo. Haverá, sempre, alguém que terá lido mais Platão do que você. Que terá lido tudo que Platão escreveu. Que acha que sabe mais sobre Platão que você. Mas não, não sabe. Porque você leu o que ele mesmo escreveu. Você teve o prazer de ouvir, pessoalmente dele, o que ele queria dizer. "A leitura dos bons livros é como uma conversa com as pessoas mais honestas dos séculos passados." Você entendeu aquilo que leu e o que você entendeu nunca mais lhe poderá ser explicado: não podem me explicar melhor o que eu já entendi muito bem. Assim será com Santo Agostinho, Da Vinci, Burckhardt, Zé do Pipo, eu, Deus. Qualquer autor a que você se deu ao trabalho de ler e entender será seu amigo íntimo. Para sempre. E como Sócrates, Maquiavel ou Cyrano, na hora da morte, você irá, tranqüilo, encontrar com os que são como você e que já não são mais. É verdade que dá mais trabalho ler a Guerra do Peloponeso inteiro do que consultar a Britannica sobre Atenas e Esparta. No primeiro caso, porém, você nunca mais esquecerá do discurso de Péricles que levou os atenienses à guerra; enquanto no segundo você continuará pensando na Grécia como o turista americano que não via o menor interesse "nesse monte de pedra velha". Você pode ler dez vezes sobre a Renascença numa enciclopédia e continuar sem o deslumbramento de conhecer Leonardo da Vinci lendo sobre o "homem da Renascença" descrito por Jacob Burckhardt no Cultura do Renascimento na Itália. Até chegar à parte que me interessou, passei dias lendo coisas que mal faziam sentido para mim. Hoje, lembro- me do livro como um maître-à-penser que teria morrido e me deixado órfão de apoio intelectual. Preferia que não tivesse acabado e que, a cada dia, eu pudesse voltar para ouvir mais. Harold Bloom, o crítico americano, autor do Cânone ocidental, diz que ler não é um prazer fácil, por isso mesmo, quando sobrevém, é maior. A fotografia é sempre considerada uma arte de artistas mudos. As entrevistas de fotógrafos são cheias de "não sei explicar direito" e do inevitável "sou visual, não sei falar". Criou-se uma terra onde não é preciso ler. É uma terra de cegos de um olho só, sendo que o olho-rei é aquele que está no visor. Não há saída: quem não lê não escreve, e quem não escreve não sabe o que pensa. Só a escritura é capaz de explicar, para nós mesmos, o que pensamos. Só a palavra escrita é capaz de transformar esses pensamentos em frases que podem ser ditas para os outros. Essas frases, depois de escritas, serão sempre as mesmas frases com o mesmo significado; e não, a cada dia, uma frase diferente, que diria coisas diferentes para pessoas diferentes, e que, com o tempo, desapareceriam para sempre. Só o que foi escrito é eterno. Deus é um livro. Não existia antes de ser colocado no papel. A fotografia é a arte que menos se pensa por escrito. Livros considerados importantes em fotografia, quer dizer, de fotógrafos importantes, como Cartier-Bresson ou Rodchenko, são folheados em minutos. Se há textos nesses livros nunca são lidos. Leonardo da Vinci pintava como Deus, mas ao mesmo tempo era capaz de teorizar e explicar uma técnica como o sfumato: sombras difusas onde a fronteira entre a luz e a sombra forma um dégradé delicado e onde nunca existe uma linha dura. Em jargão de fotografia, é uma mistura de filtro difusor na câmera com iluminação difusa, vinda de uma única grande fonte de luz, como a luz de uma janela num dia luminoso. Talvez por isso seja eterno. A perenidade da fotografia So long as man can breathe or eyes can see, So long live this, and this gives life to thee Shakespeare, Soneto XVIII Nem Deus pôs a lua no céu para que os homens aprendessem a fotografar, nem Shakespeare escreveu esses versos sobre a perenidade da fotografia para nos ajudar. Mas é como se fora, pois, olhando a lua, nela se verá tudo que a luz pode fazer sobre um rosto. E quem é capaz de ver isso no céu sempre verá o que se pode fazer com ela, a luz. Primeiro a segunda parte: a perenidade da fotografia. Estamos no limiar do fim do cinema. Eu sei que parece que estou exagerando e que não se poderia escrever um livro só com frases de efeito; mas vamos ver se estamos ou não no fim do filme do cinema. O filme de cinema está acabando. O ano é 2001. Hoje, quando escrevo, é 1998, mas para aproveitar a mística de fim de milênio, digamos que seja 2001. O filme, película sensível, material químico fotossensível, está ou não está acabando? Está. Ponto. Está e todo mundo sabe que não vai durar nem vinte anos. Dez. Dito assim parece coisa de profeta de cartum anunciando o fim do mundo. Mais inte- ressante do que o mundo acabar, no entanto, é ver como ele acaba. Estar lá na hora do juízo final e não morrer nem antes nem depois, mas na hora certa. Será que as caravelas acabaram de um dia para outro? Terá acontecido por decreto a decadência e queda do Império Romano? Para nós, que não estávamos lá, tudo que desapareceu tem uma data para o ponto final. Acabou e pronto. As coisas parece que passam direto da ascensão à queda, sem passar pela decadência. De uma hora para outra teriam os romanos ido para casa e as caravelas para o fundo do mar. Mas não deve ser assim. No caso do fim do filme "do filme", nós estamos vendo como acaba. E vai indo aos poucos, sem uma última cartela definitiva de "Fim". Nos anos 70, vi sumir um pedaço. Um colega meu de escola escreveu, como tese de formatura, um trabalho intitulado: O uso do Super-8 na TV. A tese apresentada e aprovada em 73 dizia o seguinte: "Com o desenvolvimento do Super-8 Sincro, profissional, as TVs poderão abandonar o 16 mm no jornalismo e usar um material novo, leve e barato: o Super-8 Sincro". Não durou nem o tempo de se fabricar a tal câmera Super-8 Sincro. As câmeras VHS e BETA acabaram com o Super-8 Sincro, com o Super-8 amador, com o Supra e o Infra-8 e, de quebra, com o 16 mm. Junto, desapareceram as câmeras 16 mm que faziam som-sincro no mesmo suporte que a imagem. Sumiram as Frezzolini e Cps. Ninguém se lembra disso e por isso não chora nem pranteia. Mas sumiram todos. E agora? O que falta para sumir o 35 mm ou a última trincheira do filme fotográfico, o CinemaScope? Nada, ou a mesma coisa: uma câmera eletrônica com igual ou maior definição que o CinemaScope, e que seja portátil! Dez anos. Cinco. E isso acaba com a fotografia? Não. E é aí que entra Shakespeare. Enquanto houver ar para respirar e olhos para olhar, Isso viverá, e vivendo vos fará viver. Enquanto houver gente e olhos, isso viverá. "Isso", embora ele não soubesse do que estava falando, é evidentemente a fotografia. Não a fotografia acidental do lambe- lambe da esquina, que fotografa o que pode e tem como resultado o acaso, e sim aquela fotografia que Storaro gosta de citar, o photo-grafar. O escrever com a luz. Só que o sentido que estou usando aqui não é o do Storaro, que pretende escrever como se fosse co-autor do filme que faz. Uso no sentido que Shakespeare quis: enquanto houver olhos para ver Quer dizer: enquanto a luz passar por uma lente e tocar uma superfície photo-sensível, isso viverá. E isso quer dizer ter olhos para ver o efeito que a luz faz quando fere a superfície sensível. Essa superfície tanto pode estar na retina, no fundo do olho, quanto no filme de uma máquina de fotografia, ou no CCD do VT. Pode também estar num telescópio, ou no filme 35, 75, 80 mm, no Super-8 ou em qualquer sistema que você possa imaginar ou inventar. Todos eles têm que ter uma lente para focalizar os raios da luz e uma câmara escura onde os raios se cruzam antes de chegar à superfície photo-sensível. O olho, com o seu cristalino e sua retina, é o melhor, mais perfeito e insuperável desses sistemas óticos. Enquanto houver olhos para olhar, a fotografia viverá. E vivendo vos fará, vocês que vêem a lua, viver. A lua... a lua... mas o que é que tem a lua? Agora, segundamente, a primeira parte. Deus, a lua e os homens A luz se propaga em linha reta. A luz tem três variáveis: direção, natureza e intensidade. Varia ainda a direção de três maneiras; a intensidade também em três, e a natureza da luz varia em outras três que variam em duas cada. Vejamos quais são estas variáveis, mas... Isso está parecendo Aristóteles. Ele escrevia assim como eu estava escrevendo aí em cima. É sempre um eterno: "Isso é isso, que se divide nisso e naquilo que se divide naquilo e nisso...", e assim por diante. Alucinante. Bertrand Russell diz que Alexandre, não o meu amigo, o outro — o Grande —, que foi aluno de Aristóteles, achava ele um velho chato e pedante. Ao ler Aristóteles temos que prestar muita atenção. Você vai lendo e vai se perguntando. Será que ele está certo? Será que está errado? No meu' caso, você pensaria: a luz se propaga em linha reta. Certo. Tem três variáveis. Aí já começa a contestação. São mesmo só três? Vejamos. Quais? Primeiro, a direção. Sim, quanto à direção, a luz pode vir de baixo ou de cima, da esquerda ou da direita, pela frente ou por trás. Certo. Poderia vir de outra direção? Bom, enquanto o Lobsang Rampa não inventar a Quinta Dimensão, parece que não. Mas a luz pode ser direta ou rebatida, dura ou difusa, filtrada ou... Pois bem, estas fazem parte da segunda variável da luz, que é a natureza. Huumm. Muito bem, mas a luz pode ser forte ou fraca. Sem dúvida, mas isso se levarmos em conta o que seria por uma estrela é atraída por um buraco negro. Ela muda de direção, e quando você recebe o raio de luz ele já sofreu um desvio em relação à estrela que o emitiu. Parece complicado, mas é simples. Olhe um espelho. A imagem que você vê parece real, mas os objetos não estão onde está a imagem. A luz é desviada pelo espelho e você pode ver um objeto que está escondido atrás de outro. O que acontece com você, acontece também com as estrelas. Estejam elas na Globo ou em Alpha-Centauro. Embora tenha acabado com velhas seguranças, a teoria da relatividade vai nos ajudar a iluminar, pois ela estabelece a importância do observador nos fenômenos físicos. Para a física, não há fenômeno sem observador. Para nós, não há cena sem câmera. Tendo associado Deus a Einstein, temos agora no nosso set duas coisas: uma fonte de luz e um observador. Esse observador é a câmera. É a partir desse ponto de vista que vamos iluminar. Para Einstein e para os astrônomos, a luz vai continuar fazendo curvas no espaço. Mas nós, fotógrafos, continuaremos etnocentristas: a Terra será nosso set de filmagem, e o sol dará voltas em torno da câmera e dos atores. Sua luz reta, dura e pura. Visto que a luz foi a primeira criação do que conhecemos por natureza e que a luz se propaga em linha reta, podemos concluir que a primeira criação foi uma linha reta. Quer dizer, ao contrário de Niemeyer e Burle Marx, que não vêem retas na natureza, elas não só existem como foram criadas antes das curvas. Essa insistência no caráter natural da reta nos interessa à medida que, ao iluminar uma cena, ela é a segunda coisa que devemos levar em conta: cada vez que posicionamos um refletor, é preciso saber, primeiro, a sua função: se é ataque, compensação ou contraluz; e depois, manter em mente que a luz se propaga em linha reta. Continuemos como Deus, passo a passo. Depois da luz, não me lembro mais do que ele criou no segundo dia, mas deve ter sido alguma coisa para essa luz iluminar. Um astro, um assunto a ser iluminado. Há que se admitir que essa analogia entre um set de filmagem e a criação do mundo não é tão arbitrária quanto parecia no começo. O sol virou nosso refletor primordial, e a teoria da relatividade nos forneceu um ponto de vista que é a câmera. Agora, usando de novo o vocabulário astral, esbarramos de novo no vocabulário paralelo do cinema, com seus astros e estrelas. Aqui estamos nós, com o sol iluminando nossa "estrela" da criação, que é a Terra. Nossa câmera, para filmar esta cena, vai estar colocada num ponto ideal no espaço. A lua parece-me um bom ponto para observar os efeitos da luz do sol batendo na Terra. Vamos deslocar-nos para a lua por duas razões. A primeira é que já conhecemos fotos da Terra vista da lua. Essas imagens são tão conhecidas que, desta maneira, não precisaremos usar, como em todo livro sobre foto-grafia, aquelas fotos de modelos lourinhas com as diferentes luzes e seus efeitos sobre elas. O sol, a Terra e a lua estão aí, fazendo esse papel todo dia, para quem quiser ver. A segunda razão para se usar a lua como base da nossa câmera é que ela é iluminada pelo mesmo sol que ilumina a Terra. Assim, qualquer efeito de luz que descrevermos em relação à Terra pode ser comparado aos efeitos de luz que vemos toda noite quando olhamos para a lua no céu: a lua cheia é o resultado de o sol estar atrás de nós, como se fôssemos uma câmera. Na meia-lua, o refletor está ao lado da câmera. Quando a lua é crescente ou minguante, você já deve ter adivinhado: é o contraluz. Estamos, pois, na lua, observando a Terra. A luz do sol toca a Terra. Só essa luz toca a Terra. É uma fonte de luz única. Quando iluminamos um assunto da mesma maneira, ou seja, com um único refletor, temos um efeito de luz conhecido por qualquer pessoa que já passou vinte e quatro horas na Terra: o dia e a noite. De um lado do nosso astro há uma belíssima iluminação. Do outro, a mais profunda escuridão. Essa opção divina pela iluminação dramática é conseguida por meio da seguinte técnica: uma única fonte de luz. Essa única fonte de luz, para criar o efeito desejado, só funciona se levarmos em conta que a luz se propaga em linha reta. O sol só ilumina a parte do objeto que está voltada para ele. Sem a luz fazer curvas, a parte do objeto que não está tocada pela luz do sol fica preta. Completamente preta. Qualquer outro solzinho colocado em qualquer outra posição acarretaria um outro efeito de luz. Dois sóis fariam duas sombras. Esse efeito de luz secundário causado por um segundo sol seria sempre diferente do sol primário. Nem Deus até hoje tentou colocar dois sólidos ocupando um mesmo local no espaço. Se tivéssemos dois sóis, teríamos uma luz de novela, ou seja, duas sombras do ator correndo, ameaçadoramente, atrás dele na parede. Deus preferiu que um objeto tivesse uma só sombra. Respeitemos. Esse primeiro refletor com que se ilumina um ator é chamado de ataque. Os franceses, que começaram a fazer cinema antes dos americanos, chamam-no de ataque. Em português, a mesma palavra existe, e com o mesmo significado. É prático usá-la. Os americanos o chamam de key light. Ou seja, luz básica. Chamá-la de luz-chave é um erro de tradução, que só aconteceria anos depois, quando da invenção do cinema falado e da legendagem cômica. Qualquer outro refletor que for aceso vai causar um efeito diferente do causado pela primeira luz. Qual efeito? Voltemos à natureza. Vamos falar agora da compensação. A compensação Essa fonte de luz única que é o sol provoca na Terra uma iluminação radical: é noite depois do dia. Tanto faz sermos um observa-dor na lua ou um ator iluminado na Terra. O efeito é definitivo: onde há luz, há claridade, e faz-se o dia; onde não há, é escuro, é a noite. Isso tudo parece óbvio, mas se isso é claro e evidente na natureza, não o é quando estamos iluminando uma cena. Ninguém precisa aprender a respirar para viver, mas se fosse necessário criar, digamos, um robô realista para substituir os atores, teríamos de pensar como fazer, ou refazer, seus atos mais banais — respirar, andar, a luz que nos ilumina nas sombras. Mas como a luz do sol ilumina as sombras na Terra? Não foi gratuita a lembrança num parágrafo anterior sobre a respiração e aquela história de robô-ator. Na Terra, respira-se. Uma matéria formada por vapor-d'água, oxigênio, nitrogênio, ozônio, etc. envolve a Terra. É a atmosfera. É nela que a luz do sol vai tocar e se refletir para iluminar as sombras. A luz do sol, ao iluminar a terra (com t minúsculo mesmo, pois estou falando do chão), ilumina também o céu (igualmente com minúscula, pois não é do paraíso que falo, embora estejamos em Ipanema). É o céu que nos ilumina. E esse céu iluminado pelo sol que nos ilumina debaixo das árvores ou das barracas de praia onde se encontram esses deuses bronzeados. Embora ninguém se dê conta, quando estamos na Terra, durante o dia, somos iluminados por duas fontes de luz. Uma é o sol. A outra é a reflexão da luz desse sol no ar e nas nuvens. É essa luz refletida que ilumina as sombras; sem ela, sem essa segunda fonte de luz, as sombras na Terra seriam tão profundas quanto as da lua, onde não há atmosfera para refletir a luz. A luz do sol, ao se refletir nas nuvens ou se difundir na atmosfera, cria uma segunda fonte de luz. É a compensação (para quem estudou inglês é o fill light, e que, de novo, nas más traduções, aparece fazendo piada como luz de enchimento. Isso quando não vem, supostamente em inglês mesmo, como full light, o que não é nem erro de tradução, apenas ignorância). A função do refletor de compensação é esta: iluminar as sombras. A gradação que se vai usar, a natureza e a intensidade dessa iluminação das sombras, é uma das grandes dificuldades e um dos desafios da fotografia. O desafio está em resolver qual a relação entre a luz de ataque e a de compensação, saber resolver que intensidade terá uma e outra e decidir a relação entre as duas, saber até que ponto será clara a luz que ilumina o rosto do ator e até que ponto será escura a sua sombra. A dificuldade está em não denunciar a origem dessa segunda fonte de luz, que é, exatamente, a compensação. É uma dificuldade dupla, pois tem-se que colocar um segundo refletor para iluminar a sombra que se formou no rosto do ator e ao mesmo tempo não projetar uma segunda sombra do ator na parede que está atrás dele. A intensidade da compensação natural que as nuvens fazem para a luz dura do sol pode ser considerada Divinamente bem dosada. Ainda mais se levarmos em conta que retiramos deste mesmo refletor, que é o ar, o oxigênio indispensável à vida. Essa compensação, além de vital, é realmente muito agradável ao olhar. E não poderia ser de outro jeito, pois ela não foi criada para agradar ao olho, e sim o contrário. Foi o olho que teve que se adaptar a essa compensação natural, que já existia antes dele, e nela reconhecer a beleza. O fotógrafo é pego, de novo, nessa pequena diferença entre si e Deus. O fotógrafo não cria o espectador; só cria a luz. Essa luz tem que ser aquela que é agradável aos seres já existentes: o público. O fotógrafo vai ter que manter a mente alerta para essa limitação e sempre lembrar-se de que o que ele não iluminar ficará no escuro. A sombra, inclusive. Ficou assim demonstrada a função de duas das três posições de luz previstas no começo deste capítulo. É razoável admitir que, se essas regras de iluminação funcionam para o grande (Deus), funcionarão também para o(s) pequeno(s). Esses pequenos deuses, por serem pequenos, são muitos e sempre competem entre si. Pode-se ler sobre eles no capítulo intitulado "Quem faz o quê". O contraluz Faltou a terceira posição de luz anunciada. Depois de definir, genericamente, a direção do ataque e da compensação, é a vez do contraluz. Em seguida, voltaremos a cada uma dessas luzes para analisar suas naturezas e intensidades. O contraluz é o mais fácil de entender. Passa muitas noites conosco, pelo menos duas vezes por mês. É a lua minguante ou a crescente. Para falarmos dele, ficaremos aqui mesmo na Terra, olhando para a lua. A lua, para o observador plantado na Terra, tem uma característica interessante: não vemos uma metade do que olhamos. Quem nunca ouviu falar da face oculta da lua? Pois é, ela a tem. É esse lado que, observado da Terra, nunca se vê. É como se a lua, para nós, tivesse um lado interessante que está sempre virado para nós, e um outro que se esconde sempre, nunca se mostra. Como uma pessoa. Uma pessoa tem uma face que se mostra sempre para seu interlocutor. É a face dos olhos, da atenção e da boa educação; e uma outra face, coberta por cabelos, que nunca se mostra. Sempre que você se dirige a uma pes-soa, ela lhe mostrará a face descoberta e ocultará a face oculta. Isso admitindo que ela seja bem-educada. A lua é essa moça bem-educada que nunca nos dá as costas. Essas comparações podem parecer esquisitas, mas lembre-se de que, com esses exemplos, evitamos aquelas modelos lourinhas, que têm até um nome — Lili — que infestam os manuais de fotografia. Fiquemos com a nossa gentil modelo, a lua, que nunca nos dará as costas. Como uma pessoa que estamos fotografando para uma pro- saica foto de identidade 3 x 4, ela está ali olhando calmamente para a câmera. Eu, o divino lambe-lambe da lua, tenho um primeiro refletor a colocar. É o ataque. É o sol. Agora, atenção. Vou fazer um paralelo entre a lua e uma modelo que pode parecer ridículo, mas é indispensável. Imagine que a lua tenha orelhas. Duas. Como qualquer pessoa normal, um par delas. Uma de cada lado da cabeça. As orelhas se localizam na fronteira entre a face que se mostra e a face oculta. Esse meridiano lunar, que divide a face visível da face oculta, pode ser comparado à linha formada pelos cabelos, que passa pelas duas orelhas e divide a cabeça das pessoas em face e costas. Frente a frente com a lua, você coloca o seu refletor de ataque, o sol, para iluminar o assunto. Você é livre, pode colocar esse ataque em qualquer posição. Deus se deu ao luxo de não colocar o ataque em nenhuma posição fixa. Fascinado pelas possibilidades, a cada dia do mês coloca seu ataque em uma posição diferente. Em um mês, Da direção Vivemos num espaço de três dimensões. É nesse espaço que a luz se propaga. A quarta dimensão, que seria o tempo, não nos interessa, pois a luz, para toda aplicação prática, se desloca a uma velocidade instantâneo e em linha reta. E nesse mundo que trabalha o diretor de fotografia. Ele não trabalha sozinho. Eletricistas e maquinistas trabalham sob suas ordens. Ordens que, para serem executadas, dependem de um entendimento comum do espaço. Todas as ordens dadas pelo diretor de fotografia para eletricistas e maquinistas são sobre onde e como. Onde colocar o refletor e como operá-lo. No espaço tridimensional, qualquer ponto pode ser definido com três coordenadas. Qualquer objeto perdido pode ser localizado dizendo-se para a pessoa que o está procurando se ele está mais para a direita, ou mais para a esquerda, mais para cima, ou mais para baixo, mais perto ou mais longe. Desse jeito, até uma criança pequena pode encontrar uma bola de futebol perdida no terreno do vizinho. Não há necessidade de outra informação para se localizar um objeto. Você não precisa dizer que a bola caiu lá ontem; nem adianta ir procurar a bola antes de ela ter caído lá. Magia, premonição ou a passagem do tempo não influenciam em nada a orientação num espaço tridimensional. É nesse espaço que atuam os fotógrafos. Até aqui, usamos esferas (a Terra, a lua ou os planetas) como exemplos a ser iluminados. Para entendermos melhor um espaço tridimensional é mais fácil usar um outro sólido: uma esfera simplificada, uma esfera com menos "faces". Um cubo é uma esfera simplificada. Ou um dadinho de pôquer com uma figura desenhada em cada face. Um rei, uma dama, um ás. Faça o seu lance de dados. Esqueça o jogo em si. Por enquanto, note apenas que você só vê três faces do dado. No máximo. Não importa quantas vezes você jogar o dado, sempre três faces apenas se mostrarão. Concentração. Vamos fazer esse dado levitar, ficar livre no espaço. Mesmo flutuando, ele continua com três faces visíveis. Só três faces visíveis. Voltemos há séculos atrás. Voltemos àqueles tempos em que a Terra ainda era quadrada, um pouco burra, e acabava em precipícios eternos. Olhando-se da lua, é um cubo azul a boiar no espaço. Sendo assim quadrada a Terra, o sol só consegue iluminar uma face de cada vez. O mais estranho é que teríamos só um dia de luz por semana. Cada uma das faces da Terra quadrada (cúbica, na realidade) teria seu único dia de luz por semana enquanto as outras cinco faces ficariam no escuro. No domingo, por não ter sete faces o cubo, e também por ser o dia do descanso de Deus, ficaria tudo no escuro. Aí está a nossa Terra quadrada, livre, boiando no espaço. Mantendo nosso observador fixo, ele poderá ver três faces do cubo. Impossível ver mais. Uma delas está virada para nós, é a mais próxima. Uma segunda face está ligeiramente à esquerda. A terceira face faz o papel de teto e cobre as duas primeiras, como numa casinha. Digamos que, ao jogar o dado, dê um ás. Nas outras faces podemos ver um rei e uma dama. Quando o sol estiver na vertical em relação a uma face, iluminará só uma figura de cada vez. Para poder ver as três figuras sempre iluminadas, precisamos ter uma fonte de luz para cada face do cubo. As faces do cubo que não forem iluminadas desaparecerão na mais profunda escuridão. Então, para iluminar, use o ataque para o rei, a compensação para a dama e o contraluz para o ás. Ninguém fugirá disso. Qualquer pessoa que disser que esse sistema de iluminação com ataque/compensação/ contraluz é caretice ou iluminação conservadora estará falando de arte e não de física. Assim como a magia nada tinha a ver com a procura das bolas de futebol perdidas no vizinho, a arte em nada influencia a física. Temos todas as liberdades artísticas para dosar nossas luzes, mas elas sempre existirão. Afinal de contas, quando iluminarmos um assunto e, por exemplo, não usarmos compensação, ela, a compensação, será zero. O que é bem diferente de não existir. Um refletor apagado não deixa de existir por estar apagado, assim como a face oculta da lua não deixa de existir por não estar sendo vista. Um tanque de gasolina vazio não deixa de ser um tanque de gasolina. Ele pode estar com mais ou menos ou nenhuma gasolina. Pode estar cheio de água ou de ferrugem, mas está lá. Não é a mesma coisa que um burro, que pode estar lá ou estar morto. No caso de estar morto, será um ex-burro e não poderá voltar a ser usado como tal. Um refletor apagado, estando na posição de compensação, por exemplo, pode ser aceso de novo. Se não estiver no lugar, pode ser colocado ali. Mas o assunto iluminado por ele só pode ser iluminado daquela posição. Se não houver um refletor naquela posição só a escuridão resultará. Nunca uma gradação. Em fotografia, a escuridão é uma das opções da gradação. O importante é dosar segundo a vontade, o gosto e a arte do fotógrafo. Nada deve ser acidental. E, para que assim seja, o fotógrafo deve ter um método que responda a todas as situações e permita todas as medições. Saber de que direção vem a luz e para que ela serve é o mínimo que se exige de um fotógrafo. Caso contrário, ele estará agindo não como o tanque de gasolina, mas como o outro exemplo citado acima. Não con- fundir com o cubo. De onde veio a luz De onde me veio esta luz de comparar a direção de fotografia com a criação do mundo? Não, não me sinto onipotente por ser capaz de fazer o dia virar noite (da for night) durante as filmagens, nem tenho qualquer sentimento místico. A idéia de iluminar como Deus me veio no Xingu, durante as filmagens do Kuarup. Como diria um personagem do filme, é uma história seminal. y A lua, no Xingu, é muito visível e impressionante. A equipe do filme Kuarup6 morava num acampamento de barracas à beira do rio, onde à noite se apagavam as luzes. Às onze. A partir daí, as estrelas se multiplicavam, e a lua ficava muito presente. Toda noite, Alexandre, o operador de câmera, era encarregado de filmar uma lua para pontuar o filme mais tarde, na montagem. Com isso começou ______________________________ 6 Direção de Ruy Guerra. Produção: Graphos (Brasil, 1988). redonda como a lua, e que, se a lua ia nascer cheia, ela só poderia estar exatamente na direção que indicasse a sombra da câmera. Como se a sombra do tripé da câmera fosse o ponteiro de um relógio de sol a nos dizer a hora exata do nascer da lua. A sombra do tripé era uma flecha que nos indicava a direção precisa em que a lua despontaria no horizonte. Um onde e quando eternos, inventados antes do homem, da bússola e dos relógios, estavam ali a nos indicar hora e direção. Uma dádiva de Deus para os fotógrafos. Se tínhamos a lua sem sombra nenhuma, absolutamente redonda como uma cara de Marlene Dietrich no Anjo azul, só podia ser porque o sol a estava iluminando de frente, como um refletor posicionado atrás da câmera. Só um sol exatamente de frente para a lua poderia iluminá-la totalmente, dando-lhe o efeito de lua cheia. E mais: quando vemos a lua assim, cheia, é porque estamos bem no eixo entre o sol e a lua. Nossa sombra, como um ponteiro de relógio de sol, aponta para a lua na hora que ela nasce. Hora e local, pela luz! Agora, a partir dessa "revelação", mesmo de costas para a lua seríamos capazes de dizer onde ela iria nascer e quando: é ali, exatamente ali, atrás de nós, na direção da nossa sombra. E a que horas vai nascer? Pontualmente, quando o sol começar a se pôr. Dali para a frente, até eclipse Alexandre poderia prever. Uma lua cheia é quase um eclipse. Ora, dirão os astrônomos, isso nós aprendemos na primeira aula, no primeiro dia da faculdade. Sim, mas Alexandre descobriu isso sozinho. E usando um telescópio bem primitivo, que é a câmera. Sem querer exagerar o valor de uma (re)descoberta tão trivial (para quem não é fotógrafo), para nós foi fundamental. Passamos a olhar a lua com um interesse diferente. Olhávamos a lua e, pela maneira que ela estava iluminada, tentávamos dizer onde estava o sol. Mesmo de noite. Mesmo que o sol estivesse do outro lado da Terra. Mesmo que só víssemos um fiapo de lua, passamos a ser capazes de prever, noite ou dia, a direção e o deslocamento dos astros. Começamos a desenvolver um raciocínio espacial de causa e efeito que nos possibilitava prever qualquer coisa: hora do dia, estação do ano, velocidade da Terra, leste, oeste, norte, sul. Qualquer coisa. E a luz e as sombras vieram junto: tal sombra só pode vir de uma fonte de luz em tal posição, tal luz só pode projetar sombra em tal direção. A mania de procurar causas e efeitos no céu transbordou para todos os efeitos de luz. Virou uma segunda natureza. Tudo que tinha sombra tinha uma luz na sua origem. E roda luz tinha uma linha reta que ligava a fonte à sua sombra. Uma direção. Víamos um brilho em um carro e imediatamente procurávamos a origem desse reflexo: "Tal reflexo só é possível se a fonte de luz estiver ali". E estávamos sempre certos. Depois foi a vez dos espelhos perderem seus mistérios. As imagens de espelhos, mesmo múltiplos, passaram a ser previsíveis e controláveis. Olhávamos uma luz refletida num vidro e, por reflexo (!), procurávamos sua origem. Por fim, começamos a visualizar a Terra vista do espaço. Observando a lua, tornamo-nos capazes de ver a Terra como se estivéssemos nós mesmos no espaço. Agora podíamos ver os objetos, em todas as suas dimensões, como fazem os gráficos de computador, que, ao toque de uma tecla, mudam de ponto de vista. Foi assim que passamos a ver o mundo. Sem esforço, éramos capazes de ver as coisas por todos os seus lados sem sair do lugar. Éramos cubistas ao vivo. Assim, aos poucos, veio vindo a Luz de que estávamos de posse de todos os dados para resolver qualquer problema de iluminação e de câmera. Depois, nos lembramos de que se a lua já havia servido de ponto de partida para Newton descobrir a lei da gravidade, para os matemáticos gregos calcularem o tamanho da Terra, para os astrólogos da Babilônia preverem se eu serei feliz ou não, então, graças a Deus e à lua, nós, homens, acabamos descobrindo aquilo de que pre- cisávamos para trabalhar na Terra. Da direção do ataque A parte mais misteriosa da fotografia, aquela sobre a qual sempre ouvimos falar quando se trata da iluminação e seus efeitos mágicos, é a que cita a iluminação das estrelas do cinema. Fala-se sempre sobre a genialidade de fotógrafos que escondem rugas. Ou que alongam o rosto de mulheres com cara de lua(!). Ou que tal e tal estrela exigia nos seus contratos hollywoodianos que seu fotógrafo exclusivo fosse igualmente contratado. Veja, por exemplo, este texto de Marlene Dietrich 8 a respeito de como era iluminada por Von Sternberg 9 durante O anjo azul. [...] Von Sternberg serviu-se do projetor principal para acentuar mais a redondez do meu rosto. Nada de faces afundadas em O anjo azul. [É ele! É o nosso refletor de ataque, que em inglês se chama key light. Na tradução para o português, key virou "principal". Não é errado. Key pode ser traduzido por "principal". Quanto à confusão de chamar um refletor de projetor, é um problema sério. Os profissionais da fotografia chamam uma fonte de luz de refletor. É errado. Deveria ser projetor, como em francês... ou português de Portugal. Passemos.] O projetor principal estava longe de mim, muito baixo. Para obter o misterioso rosto de faces chupadas basta dispor o projetor principal bem alto e próximo do rosto. Parece fácil, não é verdade? [É ela ainda que continua e não eu que estaria comentando]. Mas quando os alunos, assim como outros membros da profissão, invadiam o cenário para medir a distância e a altura do projetor, Von Sternberg deslocava o tripé dizendo: "Recolham a fita métrica, vou iluminar a senhorita Marlene utilizando qualquer técnica". Agradava-lhe dizer coisas desse tipo. Ninguém podia medir nem em polegadas nem em centímetros seu gênio artístico. Vamos interromper Marlene Dietrich. A mistificação foi um pouco longe demais. O que poderia servir-nos como demonstração do uso de um refletor de ataque fica embotado pela mistificação das polegadas e dos centímetros do talento do Von Sternberg. Mas uma coisa não atrapalha a outra. Uma é a utilização do projetor. A outra é a mistificação, que a própria Marlene avaliza. Se a coisa não é fácil, ________________________________________________ 8 Marlene Dietrich (Berlim 1901—Paris 1992). Trecho de sua autobiografia, Irh bin, Gott sei Dank, Berlinerin ("Sou, graças a Deus, uma berlinense"), traduzida para o português como Marlene D. (Rio de Janeiro: Nórdica, 1984). 9 Josef von Sternberg (Viena 1894—EUA 1969). Roteirista, diretor e diretor de fotografia. E só aí o refletor estará nessa posição. Nos outros deslocamentos dela pelo cenário, outros refletores serão colocados para se obter outros efeitos. O importante é que, a cada ponto, tenha-se a consciência da função de cada refletor. Não é nada fácil, como ironizou a D. Marlene. Mas também não é nada misterioso. Definitivamente, não é nada que não possa ser medido em centímetros ou polegadas. Ao contrário, tudo é previsível e mensurável. Quanto à direção do refletor de ataque, vejamos então como refilmar o rosto de faces chupadas. Marlene já nos ensinou isso: o ataque fica bem alto e bem próximo do rosto. Esqueça o bem próximo. Marlene, definitivamente, não sabe do que está falando. Se soubesse, não teria dado coordenadas erradas, que não nos ajudam em nada para conseguirmos o efeito desejado. Quando queremos dar uma forma a um rosto, tanto faz o refletor estar mais longe ou mais perto. Uma luz vindo de uma direção causa um tipo de relevo. Esteja perto ou longe. Tanto faz. O fato de estar perto ou longe só influencia a intensidade (quantidade da luz) e a natureza (das sombras). A distância não tem nenhuma influência na direção (qualidade) da luz. A direção da luz tem a capacidade de fazer aparecer o relevo de um rosto. Modelar. Dar a forma desejada. Arredondar ou tornar oval. Alongar para a direita ou para esquerda. A direção modela, independentemente da distância, cor ou tamanho da fonte. Como este texto não se dirige só a atrizes, mas também a quem entende ou virá a entender de luz, é necessário sair um pouco do assunto da direção da luz e explicar por que a distância afeta a natureza da luz. Um refletor que emite uma luz pontual, quer dizer, que tenha uma área pequena por onde a luz sai, terá sua luz influenciada pela distância em termos de intensidade. Se ele estiver perto, vai render mais. Vai ter mais força. Se estiver longe, vai ser mais fraco. Mas o mesmo pequeno refletor, se colocado perto ou longe, continuará tendo a mesma natureza. Um refletor que é pequeno, visto de perto, continuará sendo pequeno ao ser colocado longe. A conseqüência é que as sombras projetadas por ele continuarão a ser da mesma natureza. Serão sempre sombras duras, bem desenhadas. São sempre duras as sombras projetadas por urna fonte de luz pontual, pequena. Se a fonte que ilumina o assunto, porém, for de uma grande difusão, o efeito será completamente diverso em função da distância. Uma grande fonte de luz difusa, colocada a pouca distância, não projeta sombra alguma. É natural que seja assim, pois, se a luz for decomposta em pontos luminosos, esses pontos serão como pequenos refletores pontuais, espalhados por todos os lados, iluminando o assunto. O resultado desses infinitos pontos luminosos funcionando uns ao lado dos outros é uma luz sem sombras. Cada ponto do assunto será iluminado por um ponto luminoso e sua sombra será neutralizada pela luz que vem dos outros pontos. É assim que funciona a luminosidade das nuvens. Um céu nublado clareia, mas não faz sombras. Como o sol foi difundido pelas nuvens, a luz vem de todas as direções. Cada ponto que faria uma sombra na luz do norte é iluminado por toda a área de luz do sul. Se essa mesma fonte de luz difusa, entretanto, estiver distanciada do assunto, o efeito não será o mesmo. Por quê? Porque, com a distância, essa grande fonte terá se tornado pequena. Parece difícil, mas é sempre a mesma história: olhe para o céu. O céu nublado não faz sombra para um objeto colocado na Terra. O "na Terra" é que faz toda a diferença. E a diferença é a distância. Digamos que o objeto a ser iluminado seja uma casa. Essa casa tem, como todas as casas, quatro paredes e um teto. Parede norte, sul, leste, oeste, e um teto virado para cima. Com o céu nublado, todas essas faces recebem seu quinhão de luz. Será pouca luz, mas será para todos. E, sem sombra de dúvida, sem sombras. Já a luz do sol, que segundo a "sabedoria" popular deveria brilhar para todos, por estar distante, funciona como uma luz pontual, pequena, e só ilumina uma parede da casa de cada vez. Leste primeiro. Depois, ao meio-dia, o teto e a parede norte (ou sul, dependendo da época do ano e do hemisfério). À tarde, o oeste. Agora faça um esforço de imaginação. Imagine que o mundo está acabando (como irá acabar daqui a milhões de anos), com o sol se expandindo e aumentando de tamanho até ficar tão grande que englobará todo o sistema solar. A Terra junto. Um pouco antes disso, o sol estará tão grande que ocupará todo o firmamento. Visto da nossa casinha de quatro paredes, o sol estará então iluminando, ao mesmo tempo, o leste, o oeste, o norte e o sul. Não haverá, nesse momento, nenhuma sombra. Infelizmente, nem casa, nem norte, nem sul, nem nada. E sombra também não haverá. Não somente porque ficou tudo esturricado, mas porque, a essa distância, o sol, que antes era uma fonte de luz pontual, passou a ser uma grande fonte de luz. Ele não mudou de natureza, mudou de distância. Concluímos que a natureza da luz também é influenciada pela distância. Uma grande fonte de luz difusa, se colocada perto do assunto, não projeta sombras. É para isso que ela é útil. A mesma fonte colocada a distância passa a funcionar como uma pequena fonte de luz pontual e projeta sombras. Isso é um erro. Um erro e um desperdício de energia. Um erro, pois ela deixará de funcionar como luz difusa. Um desperdício, porque uma luz difusa colocada a distância teria que ser muito intensa. Por outro lado, usar um refletor de luz pontual, muito forte, muito perto, é um estorvo para os atores e, de novo, um desperdício de energia elétrica, pois o mesmo refletor, por ter penetraçdo (punch), pode-ria fazer o mesmo efeito se colocado a distância. Dois casos, dois erros. Erros devidos à utilização do refletor errado, na distância errada. O mais importante é lembrar-se de que, em fotografia, nunca está em jogo apenas um dos dados do problema. Todas as variantes têm que ser consideradas ao mesmo tempo. O tempo todo. São poucas as variantes da luz (direção, natureza e intensidade), mas suas combinações, se não são infinitas, são, mesmo assim, o problema. Cada vez que pensarmos em colocar um refletor, existirão mil possibilidades entre direção, natureza e intensidade. Na realidade são 990, ou uma combinação de 11, 3 a 3, sendo as variantes as três citadas anteriormente mais as suas próprias variantes. E isso se estabelecermos que a intensidade pode ser apenas forte ou fraca, e a cor, quente ou fria. Assim compreendemos que um refletor de ataque colocado baixo e alinhado com a câmera vai ter o mesmo efeito do sol numa lua nariz da Marlene. Ele, o nariz, estará entre o refletor e a sombra que ele, nariz, projeta. Eu, entre o sol e a lua; e a ponta do nariz da Marlene D., entre a fonte e a sua sombra. Como a luz se propaga em linha reta e como dois pontos determinam uma reta, basta ter dois desses pontos para determinar o terceiro. Não importa que a fonte seja o sol ou o refletor que nos serve de ataque. Não importa que o assunto seja a lua ou a ponta do nariz da Marlene ou o bigodinho de Hitler. Fosse eu pequenininho, me posicionaria na ponta do nariz dela, olharia para a sombra que faço nos seus lábios e teria certeza de que o "refletor misterioso" do Von Sternberg estaria exatamente às minhas costas. Como o sol. Como a lua. É esse exercício de relatividade e raciocínio espacial que devemos fazer o tempo todo. Quanto à direção do ataque, interessa apenas saber qual relevo queremos dar ao assunto. Não é preciso ironizar D. Marlene fazendo-se "pequenininho" para descobrir todos os seus segredos. Basta saber que a luz funciona assim e exercitar-se em viajar pelo espaço sem sair do lugar. O fotógrafo, sem deslocar-se, deve ser capaz de visualizar que, para conseguir tal sombra, de tal objeto, necessita de tal fonte em tal lugar. Nessa fase do raciocínio, saber a que distância do objeto colocará o refletor é irrelevante. Estamos lidando só com a direção. A natureza e a intensidade virão depois. Por onde atacar O ataque e sua sombra determinam uma reta. No meio dessa reta, a atriz. O ataque deve vir sempre de uma única fonte. Se for necessário usar vários ataques, faça com que eles pareçam um só. A um ataque corresponderá uma sombra. Única. Quando se decide por onde atacar, há que se concentrar todos os esforços para que esse ataque seja eficaz. O ataque eficaz é o que produz a sombra desejada. E só ela. A função do ataque é dar relevo. Para haver relevo, há que haver sombras. Se a frase é evidente, a posição do refletor também é: 90° em relação à câmera. Ou melhor, entre 90° e 45° em relação à câmera. Isso já não é tão evidente. Para quem não tem o hábito de raciocinar espacialmente, uma frase do tipo "90° em relação à câmera" é de desencorajar. É daquelas fórmulas cabalísticas que só fazem sentido para quem já sabe o que elas querem dizer. Não há outro recurso à mão para tornar a frase clara, a não ser os velhos e bons sol e lua. Como sempre, a câmera estará na Terra. A lua cheia será o assunto. Sem falar de geometria ou ângulos, coloque- se na posição da câmera. Olhe de frente para a lua cheia. Como já sabemos, nessa posição o sol estará nas nossas costas. Mesmo à meia-noite, quando a lua estiver no ponto mais alto do céu, ainda assim o sol estará atrás de nós. Estará, na realidade, iluminando o Japão. Lá, será meio-dia. Para estar de verdade de frente para a lua e de costas para o sol, você deveria estar deitado no chão olhando para cima. Estaria, então, de costas para o Japão e de frente para a lua. Nessa posição, o sol, ou um refletor que estivesse nas nossas costas, daria uma iluminação sem relevo, sem sombras: uma lua cheia. Se olhássemos a lua nessas condições com um telescópio, veríamos somente uma claridade muito intensa. Nenhuma cratera. Nenhuma montanha. Nenhum relevo. Para que os relevos apareçam, é necessário que o refletor esteja em alguma posição que não aquela em que estaria enfileirado com a câmera e a atriz. A partir do momento em que o refletor sair de trás da câmera e se deslocar para qualquer outra posição, começará a projetar sombras. Quanto mais de perfil para a câmera ele estiver, sombras mais longas produzirá. Enquanto o refletor estiver atrás da câmera, fará pouca sombra e produzirá poucos relevos. Quando o refletor chegar aos 45° em relação à câmera, estará na posição ideal. Entender qual a posição de um refletor a 45° em relação à câmera é fácil. Bastaria fazer um desenho. Difícil é sentir o que ele ilumina dessa posição. Para isso, olhe para o seu braço. Acenda um fósforo com a mão direita. Sempre olhando para a frente, como se você fosse a atriz e a câmera estivesse bem na sua frente, estique o braço para o lado até onde você não possa mais ver a chama do fósforo. Feche o olho direito. Vá aos poucos rodando o braço para a frente até ser capaz de ver o fósforo com o olho esquerdo, no limite do seu campo de visão. Aí estão os 45° em relação à direção que você está olhando. Se você colocar um refletor mais ou menos nessa posição em relação à atriz, estará atacando a 45°e fazendo o que é mais importante: iluminando seus dois olhos. É só por isso que se ilumina a 45°. Para a luz bater nos dois olhos. Os 90° são um pouco mais para lá. Lá onde não se via fósforo nenhum. Essa posição mais para lá, que parece vaga, é, na realidade, de grande precisão. Ela pode ser definida pela seguinte referência espacial: enquanto você puder ver o refletor, com qualquer um dos seus dois olhos, ele estará até 90°, no máximo. Assim que desaparecer, terá passado dos 90°. É lógico e simples. Em linguagem do dia-a-dia, você diria que o refletor está "na minha frente ou ao meu lado". Quando o refletor passar dessa linha, estará atrás de você. A partir daí, o refletor estará em posição de contraluz. Enquanto o refletor estiver de frente, ele o estará incomodando por estar iluminando diretamente seus olhos. Incomodando a nós, mortais. Aos atores, nunca. É isso que eles mais procuram: a luz nos olhos. Como girassóis, sempre se virarão na direção da luz. Qualquer ator sabe o que é bom para ele: olhos brilhantes, luz nos olhos. Então, qual seria a melhor posição para o ataque? Resposta simples, prática, direta e, sobretudo, que nenhum manual de fotografia nunca dá: pra lá do nariz da atriz. Há que ter pretensões literárias. Evitar escrever sem elegância, mas, neste caso, não há como escapar. Nada pode substituir a frase "pra lá do nariz da atriz". Esta é a realidade que se deve manter em mente quando se ilumina um rosto. A cada vez que se começa a iluminar uma pessoa, é preciso ter um ponto de partida. É preciso saber se o ataque está sendo feito de maneira que dê relevo e beleza ao mesmo tempo... ou não. Essa preocupação se resume a esta frase: Estou com a luz pra lá do nariz da atriz? Todo slogan traz em si uma idéia longa atrás da sua simplificação. Essa simplificação, a do nariz da atriz, pode parecer indevida. O único meio de checar se a simplificação é válida é testá-la na prática, ver se a idéia original é boa e se refletor estar iluminando o rosto de uma direção em que se mostram todos os relevos do rosto. Concordamos que a luz, para dar algum relevo, deverá estar ao lado da câmera, nunca atrás. Quanto mais para o lado da câmera estiver, mais relevo dará. Imaginemos agora que a atriz esteja olhando para a esquerda da câmera. Para algum ponto que se encontra à nossa esquerda. Nesse caso, seu nariz estará apontando, igualmente, para a nossa esquerda. Se colocássemos a fonte de luz entre a atriz e a câmera, para cá do nariz da atriz, a luz estaria apontando praticamente na mesma direção da câmera. Estaria iluminando o rosto da atriz de frente. Conseqüentemente, o nariz não teria relevo, nem a testa, nem a maçã do rosto. Nada teria relevo. A partir do momento em. que a fonte de luz passar para lá da direção em que o nariz aponta, tudo, de repente, terá volume. No outro extremo, caso a luz estivesse tão para lá do nariz da atriz que não iluminasse nenhum dos dois olhos, não estaria mais cumprindo a segunda função do ataque, que é fazer brilhar os olhos. A luz estaria então de tal maneira de frente para a câmera que teria se tornado outro tipo de luz. Não iluminaria nem um pouco o rosto da atriz. Não seria mais um ataque, e sim um contraluz. A segunda função do refletor de ataque é esta: iluminar os olhos. Sem olhos, sem alma. Como as esculturas. Por melhor que sejam as esculturas, luz nos olhos elas nunca terão. É aí que a pintura leva vantagem sobre a escultura. No brilho dos olhos. É aí que gostaríamos de emular os pintores. Na impressão de realidade interior que vem dos olhos. Na luz que brilha nos olhos dela. É claro que é preciso relativizar e dizer que o ataque não foi condenado a ficar parado ali no ar, cumprindo essas funções que foram descritas. Qualquer outro lugar é válido, desde que seja consciente e voluntário. E que fique bonito. Só não se pode esperar que um rosto ganhe volume se for iluminado com uma luz atrás da câmera. Nem que os olhos brilhem se não receberem luz. Já que tocamos no assunto das outras direções possíveis para se iluminar, vamos a duas exceções que são clássicas e úteis. Escolhi es- tas duas exceções por estarem em contradição com as prescrições acima e por darem resultados muito bonitos. A primeira exceção é um ataque sem relevo. A segunda, um ataque que não ilumina os olhos. Cone of youth Para as atrizes que querem saber se estão sendo bem fotografadas, eu diria o seguinte: quanto maior for a luz que você estiver vendo, melhor você vai ficar. Quanto mais velha você for, maiores luzes é melhor você ver. Se o câmera estiver cercada de grandes luzes por todos os lados, e por cima, e por baixo, e por um lodo, e pelo outro, aí, então, você vai ficar linda. Esse é o cone of youth, a fonte (de luz) da juventude. O primeiro exemplo de ataque não-ortodoxo é o uso de uma luz sem relevo: o cone of youth. (Em inglês mesmo, pois foi dos Estados Unidos que veio esse nome. Para português, ainda não traduziram. Seria algo como "cone da juventude", mas ficaria tão sem autoridade que seria como traduzir o nome do grupo de rock The Doors para Os Portas.) Esse ataque não-convencional é um bom exemplo e uma empulhação ao mesmo tempo. É um bom exemplo, pois o cone of youth é a luz usada para rejuvenescer as atrizes que necessitam de uma ajuda. A empulhação fica por conta do nome. Cone of youth é um daqueles termos que são jogados no meio da arena como se fossem uma fórmula mágica, conhecida apenas pelos poucos que tiveram acesso ao saber. No entanto, é um artifício simples e fácil. Antes de ensinar o "truque", porém, vamos ver se não chegaríamos a ele sozinhos? Uma velha atriz (Aqui não vai nenhum preconceito. Para que usar um cone da juventude para uma jovem atriz com a pele impecável?) tem que tipo de problemas? Rugas. Rugas, papadas e pés-de-galinha são dobras. Dobras são relevos. Se é para não ter revelo, como já vimos antes, na lua cheia, a luz tem que estar atrás da câmera. Mas, se essa luz fosse uma luz dura, que viesse de uma fonte de luz pontual, como a luz vinda de um pequeno refletor único, essa luz tiraria uns relevos e reforçaria outros. Aqui, no caso da atriz com algumas pequenas rugas, não queremos relevo nenhum, nenhuma sombra. Precisamos de uma luz que ilumine e não faça sombra. Essa luz é a grande difusão. Em vez de uma fonte de luz pontual, precisamos de uma grande área de luz difusa, de frente para a atriz. Além de estar de frente para a atriz, a luz tem que vir, para não dar relevo, de todas as direções: de cima e de baixo, da direita e da esquerda. Da direita e da esquerda não há problema, pois é só colocar uma fonte de luz difusa de cada lado da câmera. De cima também não haverá dificuldade. É o lugar tradicional de onde se ilumina. De baixo, é o problema. Essa fonte de baixo é dispensável, mas útil. É ela que dará um brilho nos olhos e apagará os últimos relevos das sombras sobreviventes. Mas é aqui que teremos problemas. Para estar de frente para a atriz essa luz teria que estar na frente da câmera. Na frente, não é possível. Não esqueçamos que é necessária uma gran-de fonte de luz. Uma grande difusão de mais ou menos dois metros por um. Parece que essa fonte de luz estaria atrás da câmera. Mas estando atrás da câmera, ela estaria criando a sombra da câmera, ou, pelo menos, diminuindo a intensidade da fonte. Ora, restou uma posição, em volta da câmera. Pois é aí, exatamente em volta da câmera, que estará o cone of youth. É por isso que se chama cone: a grande fonte de luz, composta por quatro difusões, uma por cima, uma por baixo, outra pela direita e uma quarta pela esquerda, formam a base do cone (parece mais uma pirâmide, mas passemos). A atriz é o vértice. A câmera está na base do cone, olhando o vértice. Por dentro. Para ser mais preciso, o nome deveria ter um sobrenome. Deveria ser lying cone of youth, o cone da juventude deitado. Eu acho que teria sido mais fácil dizer que, para iluminar uma senhora atriz, de quem se quer atenuar as marcas da idade, deve-se usar uma luz difusa, vinda de todas as direções. E ponto. Uma precisão técnica se faz necessária. Uma fonte de luz colocada abaixo de uma câmera pode causar um problema inesperado. Qualquer fonte de luz gera calor. O calor aquece o ar, que começa a vibrar e subir. Esse ar, ao passar pela frente da câmera, vai fazer a imagem luzes mais usadas ao final daqueles dias, quando se está com muita pressa. É a luz universal dos apressados. Muito usada no fotojornalismo mundano e na televisão quando algum ator está numa área mal iluminada. Conta-se que já se ouviu aquela voz de deus, que sai de dentro da suite, ordenar: "Ô Coisa, queima mais o Tarcísio ali". Nesse caso o iluminador faz o que lhe foi mandado, coloca um refletor atrás da câmera e queima mais o Tarcísio, que devia estar com um nível de luz insuficiente. É também um STABAFF aquele flash assassino que vem colocado em cima da máquina de fotografia e que dá naquelas fotos de capa de Contigo. O equivalente em cinema são os dois minibrutos, um de cada lado da câmera. Essa luz, que é desprezível e fácil de ser feita, é usada em diversas ocasiões. É também a luz básica do fotógrafo interventor . O fotógrafo interventor é aquele fotógrafo que passa a vida sendo mandado de um lado para outro do mundo para intervir em algum filme em que o fotógrafo titular foi despedido. Em geral é por causa da pressa. O produtor acha que o fotógrafo está sendo mole, que não está cumprindo seu plano de trabalho. Acusa então o fotógrafo de estar "fazendo arte", atrasando a filmagem, e o despede. Aí entram em cena as duas coisas: o fotógrafo interventor e o STABAFF. Sempre. De proa. Stabaff ! Bem no meio da cara! Paf ! Da direção da compensação A compensação é o drama. É a técnica. É a continuidade. Foto- grafia é contraste. A compensação é o contraste. O ataque dá relevo. O ataque é a primeira luz que se coloco. O ataque é a luz principal, mas é na compensação que está o clima da fotografia. Tudo que se diz quando se quer descrever uma imagem é em função da compensação. Por exemplo: o cinema noir. E noir porque não tem compensação. Nele, as sombras são negras. A compensação é o brilho nos olhos dela. A compensação está sempre atrás da câmera. Sua luz não se vê, se sente. Em compensação, a natureza da compensação é constante. A compensação é sempre difusa. A compensação, por si só, nunca é de mais ou de menos. Ela se define, sempre, tonto em direção quanto em intensidade, em função do ataque. E na compensação que está o erro ou o acerto do fotógrafo: compensação demais, desaparece o relevo; de menos, não se vê nada nas áreas de sombra. Depois de deixar clara a função do refletor de ataque (que é modelar), vamos entrar na compensação. Os nomes, tanto em português, "compensação" (que é o mesmo em francês, compensation), quanto em inglês, fill light, são bem escolhidos, e já dão uma boa pista sobre a função desse refletor. Compensar pressupõe uma ação para equilibrar uma outra ação que já foi exercida. O verbo fill quer dizer "encher". O nome em português foi escolhido a partir da idéia de que, para uma ação (a colocação do refletor de ataque), seria necessária uma reação. Essa reação seria a colocação de um segundo refletor, que compensasse o efeito do primeiro. Qual efeito? Conhecer a expressão usada em inglês para designar esse refletor vai nos ajudar a não mais esquecer a sua função. Fill light seria, numa tradução deselegante, luz de enchimento. Felizmente, as traduções do inglês não são usadas. Seria ridículo chamar key light de luz-chave e fill de enchimento. Quem estudou fotografia em inglês não traduz. Chama key de key e fill de fill. Fazem isso mesmo quando o resto da frase vem em português. Ao contrário da escolha da nomenclatura em português e francês, a palavra em inglês foi escolhida não em função do refletor de ataque, mas pensando na função específica desse novo refletor. Fill: encher. Encher o quê? De quê? Encher a sombra de luz! Que sombra?, perguntaria um leitor desavisado, mas se juntarmos as duas nomenclaturas, francesa e inglesa, a idéia ficará clara para sempre: encher de luz a sombra causada pelo refletor de ataque. Compensar a ação do ataque. Encher as sombras do ataque. Se a função fica clara em poucas palavras, o uso ainda não é tão evidente. Como poderíamos iluminar as sombras? À primeira vista parece uma iluminação de alta precisão. Direcionadíssima. Como seria possível fazer uma luz que iluminasse somente as sombras? Não há com que se preocupar. Não iluminamos só as sombras. O refletor de compensação iluminará não só as sombras, mas também as áreas já iluminadas. A compensação terá uma quantidade de luz, que chama-remos de luz adicional, que iluminará, mais um pouco, a área já iluminada pelo ataque. A compensação incidirá sobre as sombras, mas também sobre a luz dos outros refletores. Só essa constatação já seria suficiente para determinar a posição e a direção do refletor de compensação. Como ele está colocado para encher as sombras do ataque, deverá estar numa direção, senão oposta, pelo menos diferente daquela do refletor de ataque. Diferente até que ponto? Se o refletor de compensação estivesse diametralmente oposto ao ataque o que acon- teceria? Lembre-se do cubo. Da câmera, só vemos três faces. Se o ataque está iluminando uma face, um outro refletor, colocado diametralmente oposto a ele, estará iluminando uma face do cubo que não está sendo vista da câmera. Uma face oculta para a câmera. Quer dizer, uma face que não nos interessa a mínima iluminar. O fundamental é nunca se esquecer do a partir da câmera. O mundo fora do quadro não existe. Em fotografia, tudo só se define depois de visto através da câmera. Só assim podemos ver que sombras queremos iluminar: são as sombras causadas pelo ataque. Se é nessas sombras que queremos atuar, é com um refletor de compensação atrás da câmera que teremos mais efeito. A compensação estará sempre atrás da câmera. Acima ou abaixo. Ou um pouco ao lado. Ou em todos esses lugares ao mesmo tempo. Onde está a câmera, está a compensação. Ela está lá para isso, para que, vistas da câmera, as sombras sejam densas ou delicadas, negras ou cinzentas, ou brancas, ou mais ou menos. Como o fotógrafo resolver que deverão ser. Existem problemas. Se esse refletor de compensação for muito for-te, teremos um excesso de luz adicional. A luz que seria apenas para iluminar as sombras teria um efeito inesperado e involuntário. O exemplo mais comum desse erro é o ator ficar com dois narizes. Duas sombras de nariz. Uma sombra projetada para a direita e outra para a esquerda. Esse erro não é causado apenas pelo mau uso da compensação. São, na realidade, três erros em cascata. Errou-se em tudo que é perceptível, mas renderá o máximo no branco dos olhos. Quanto maior for a área da fonte de luz da compensação, mais brancos e vivos serão os olhos. Por vezes, o ataque nem tocará no rosto do ator, mas ainda assim todo o seu jogo estará visível nos seus olhos, que brilham, sutilmente, graças à compensação que está atrás da câmera. O atrás aqui é magnânimo; pode ser atrás, literalmente, ou ao lado, colado na câmera. Ou acima. Colado na câmera. Ou abaixo. Claro, colado na câmera. É justamente aqui, abaixo da câmera, que a compensação fará seu mais belo efeito. Vinda assim de baixo, uma luz que seja larga e branda fará o branco dos olhos brilhar. É emocionante. Isso acontece por serem os olhos o espelho da alma. Um espelho convexo, é verdade, mas, ainda assim, um espelho. As superfícies convexas refletem a luz como se fossem pequenos pontos muito luminosos. Por causa disso, a imagem do sol, refletida num automóvel, que é formado por uma série de espelhos convexos, é uma série de pontos luminosos ofuscan- tes. A única maneira de iluminar um automóvel é com uma única e enorme fonte de luz difusa. Com os olhos, se dá o mesmo. Para que a luz ilumine a totalidade do branco dos olhos é necessário que essa fonte seja difusa, grande, e que esteja próxima a eles. Só um lugar, no espaço, corresponde a essas coordenadas. Abaixo da câmera e próximo do ator e de seus olhos. Por todas essas razões, a luz da compensação estará sempre atrelada à câmera. Acima, abaixo ou dos lados dela. Sua posição é definitiva: junto à câmera. Sua direção também: na direção do ator. Da direção do contraluz Essa direção da luz é, com certeza, a de mais fácil compreensão. A sua posição já está descrita no próprio nome. Quando se posiciona um refletor em contraluz, fica implícito que ele estará na direção contrária a tudo o mais que estiver na filmagem. Na contramão. Se tudo no set está apontado em uma direção, é na direção oposta que se colocará o refletor de contraluz. Esse é o sentimento que a palavra nos dá. É uma palavra que já desbordou da fotografia para o dia-a-dia de todo mundo. O sol, quando entra pelo pára-brisa da frente do carro, cegando-nos, será descrito até por uma pessoa que nunca pensou em fotografia como um sol em contraluz. Não? Estaria eu exagerando quanto à universalidade do conhecimento do contraluz? Bom, se esse for o seu caso, se você nunca tiver ouvido falar de contraluz, este texto otimista sobre o conhecimento universal do contraluz já terá servido de introdução ao assunto. O sol, de novo, nos deu uma pista de como iluminar um assunto. E isso com um exemplo definitivo: o sol, entrando pela janela da frente de um carro, é uma imagem radical da posição e dos problemas enfrentados ao se posicionar um refletor em contraluz. A primeira imagem, e a mais importante, é a posição espacial do contraluz. O caso do sol entrando pela janela da frente do carro nos dá duas pistas sobre como definir o que chamei de posição espacial do contraluz. As pistas são as seguintes: entrando e janela da frente. Se a luz está entrando pela janela da frente, isso pressupõe que existe a frente de alguma coisa. Essa coisa não é nem a atriz que está sendo iluminada, nem o olho do diretor de fotografia que está iluminando a atriz. Essa referência de pela frente é em relação à câmera. É em função da direção em que a câmera está apontando que pensaremos em frente e costas. O contraluz estará na direção oposta àquela em que está apontando a câmera. É por isso que ele, eventualmente, estaria entrando pela janela da frente. A câmera, no caso do exemplo acima, quando o sol ofuscava o motorista, seria o próprio motorista. Esse ofuscamento é o problema que pode causar um refletor em contraluz. Não vamos deixar o problema para depois. Ele é de simples solução. Está em todos os carros e todas as cabeças. Nos carros, é o quebra-luz. Nas cabeças, os chapéus. Chapéus, bonés e sombrinhas são quebra-luzes. Iguais aos dos carros. Qualquer solução que se encontre para a luz não bater na lente é válida. No nosso caso, dos humanos, não necessariamente fotógrafos, nossa lente é o olho. Deus achou que a testa seria o suficien- te para não deixar a luz do sol nos ferir o olho. Nós, não. Inventamos os chapéus para nós e o pára-sol para as câmeras. Ninguém suporta luz no olho. Ou na lente. Fere o olho e destrói a imagem da câmera. Resolvido o problema de usar o contraluz sem ser ofuscado, vejamos sua função. É histórica. A função do contraluz é histórica. E é a seguinte: separar o assunto do fundo. Vou explicar em detalhes por que a função do contraluz é histórica e também como ela atua para separar o assunto do fundo. Assim como o ataque e a compensação tinham slogans para ajudar-nos a lembrar suas funções (o ataque modela, a compensação é o drama), também o contraluz tem o seu: o contraluz separa o assunto do fundo. Primeiro, à história. Nem sempre a fotografia foi em cores. Em preto-e-branco, todas as cores são traduzidas por tons de cinza. Isso é evidente. Mas é menos evidente que, em preto-e-branco, um rosa possa ser igual a um verde. Depende, é claro, de o rosa ser um rosa clarinho e o verde, um verde luminoso. Assim, eles poderiam sair na foto como um mesmo cinza. Imagine agora uma moça rebolando dentro de uma linda roupa de baiana verde e rosa. Qual não seria a surpresa do fotógrafo ao ver, na sua foto, este verde e este rosa se confundirem num mesmo cinza? O destaque da verde e rosa se tornaria assim um monótono vestidinho de uma só cor. Cinza. O que teria sido o sucesso do Carnaval na Rio Branco seria agora um fracasso nas páginas do Cruzeiro, a Caras da época do preto-e-branco. Mesmo em preto-e-branco, poderíamos dizer que o vestido verde e rosa se tornou monocromático, com as cores desaparecendo numa única tonalidade de cinza. Esse exemplo causaria apenas surpresa e não seria suficiente para mandar o fotógrafo para a rua, mas imaginemos outra imagem. Um ator moreno sendo filmado com uma floresta tropical ao fundo. Em preto-e-branco. O "moreno" aqui não está sendo usado como eufemismo. Apenas quer dizer que o ator porta uma bela cabeleira escura. Preta. Ao fundo, a verdejante floresta tropical. Esses dois elementos, numa foto em preto-e-branco, se traduziriam pela seguinte imagem: a cabeleira do ator se-ria vista como é, preta. E a floresta? Bom, o verde é a cor que menos não pode ter vários nomes para essa mesma função. Dois refletores fazendo um ataque, para um mesmo ator, serão dois refletores fazendo um ataque, e estarão na área em frente ao ator. O mesmo se passará com a compensação. O contraluz é um pouco mais sutil, pois em sua área sempre falta definirmos uma das coordenadas. Além de ser atrás, necessitaríamos dar, pelo menos, mais uma coordenada. Seria: contraluz da direita ou da esquerda. Você poderia, realmente, ter um contraluz iluminando somente o lado direito da cabeça do ator, ficando assim o lado esquerdo sem contraluz. Pela "geografia" da ca- beça das pessoas, esse contraluz não lhe tocaria a orelha esquerda. Se quiséssemos iluminar, por trás, o lado esquerdo desse mesmo ator, seríamos obrigados a colocar um segundo contraluz. Essa subdivisão do contraluz existe. Os americanos batizaram esse segundo contraluz com um nome só deles, kicker.11 É um segundo contraluz, que estaria à esquerda do outro. Um contraluz do contra. É necessário conhecer também o uso artístico do contraluz. Depois de ter sido definido como uma luz histórica, é preciso saber que o contraluz não deixou de ser usado quando os filmes passaram a ser em cores. Como a cor é suficiente para separar um assunto do fundo, fica a impressão de que o contraluz deixou de ser necessário. Qual seria então o uso do contraluz em cores? Primeiro, continua-se a usar o contraluz exatamente com a mesma função de antigamente. Como uma luz que separa o assunto do fundo. Essa função, que era quase indispensável na fotografia em preto-e-branco, passou a ser uma opção quando se fotografa em cores. E uma opção é sempre uma opção artística. Não somos mais obrigados a usar o contraluz para separar duas áreas escuras, mas agora podemos usá-lo apenas para obter os efeitos que essa luz possibilita. Com um refletor em contraluz, conseguiremos louras mais louras e morenas com belos reflexos azuis em seus penteados. Primeiro as ______________________________________ 11 Na realidade, eles batizaram cinco tipos de contraluz. São eles: (1) batklight, a 180° em relação à câmera; (2) rim, a 157,5° em relação à câmera; (3) kicker, a 135°; (4) liner, a 112,5°; e, finalmente, glow light, um pouquinho pra lá dos 90° em relação à câmera. Meio confuso, não? É necessário ter uma linguagem precisa, mas essas subdivisões são excessivas. louras. A experiência nos ensinou que, ao atacarmos as louras pelas costas, causamos bastante efeito. Como o contraluz ilumina a cabeça pelo alto e por trás, faz aparecer, por transparência, um belo brilho nos cabelos. É o mesmo efeito de separação descrito antes. Mas, no caso das louras, esse efeito fica realçado, pois os cabelos, que já eram claros, ganham uma aura quase branca. Para as morenas, o efeito é igual àquele descrito para os filmes em preto-e-branco. Mas quando pensamos em reflexos azuis, estamos entrando com um dado novo, a cor. Se o contraluz tiver cor diferente da do ataque, deixará reflexos. E existe um efeito causado pelo contraluz quando falta cabelo. Os carecas não se dão bem com o contraluz. Brilham. E o fotógrafo fica nas mãos do maquiador para dar um jeito nisso. Podemos pensar ainda em outras situações em que o contraluz é utilizado. Dois exemplos: os clips e as noturnas. Clips musicais sempre usam muito contraluz, e muitos fotógrafos se valem dele para fazer suas noturnas. É útil descrever esses dois exemplos para possibilitar um raciocínio que nos ajude a pensar em outros usos. Quanto aos fotógrafos que se utilizam do contraluz para criar uma iluminação noturna, o fazem assim: imagine uma cena iluminada só com um grande refletor em contraluz. Qual seria o resultado? — Como assim? Sem ataque, nem compensação? — Exatamente, somente com uma forte luz atacando o ator pelas costas. — Ora, que besteira. Desse jeito não veríamos nada de seu rosto. Sem ataque nem compensação, só veríamos um brilho no cabelo e o contorno do corpo. Talvez, se o quadro estivesse bem aberto, víssemos também o reflexo do refletor no asfalto. Veríamos a silhueta do ator e possivelmente sua sombra projetada no chão. Seria uma sombra nítida, que se projetaria na direção da câmera. — Não é uma bela descrição de uma cena noturna? Não é exata-mente essa a imagem que faríamos de uma pessoa que passasse por baixo de um poste e se encaminhasse na nossa direção? Não veríamos apenas o desenho de sua cabeça e de seu corpo iluminados pela luz que vem do alto, enquanto sua sombra seria projetada no chão? Ao mesmo tempo esse chão não estaria claramente iluminado, pois a mesma luz que ilumina o ator em contraluz não iluminaria o chão tão bem como se fosse um ataque frontal? — É verdade! Realmente temos aí uma boa idéia de como fazer uma iluminação para uma cena noturna. Mas há uma coisa que me chamou a atenção: o mesmo refletor que deu um efeito de contraluz para o ator foi citado como sendo o ataque frontal do chão, certo? O.k., chega de diálogos tipo TV Educativa. Assim ficou explicado como os fotógrafos usam o contraluz para fazer uma iluminação noturna. Também foi introduzido um outro assunto: o uso de um mesmo refletor para diferentes funções. Mais disso, mais tarde. Por enquanto ainda falta ver o contraluz nos clips de música pop. O que seria dos clips sem fumaça? E da fumaça sem o fogo? Negativo. Sem o contraluz. Fu-maça sem contraluz não existe. Não aparece. Ou, para usar o vocabulário da fotografia, não imprime. Experimente. Câmera colocada. Cantor de rock à nossa frente. Refletor de ataque e de compensação colocados. Fumaça. Onde estão aqueles fachos de luz que sempre saem de trás dos astros de rock? Sem contraluz, não aparecerá nada. Sem contraluz, a fumaça só criará uma difusão no ar. Essa quantidade de fumaça que se encontra entre a câmera e o ator vai criar um obstáculo para se ver quem está cantando. Agora, coloque um contraluz radical. Por radical, entenda-se uma fonte de luz que se encontre exatamente atrás do assunto que está sendo filmado. O refletor ficará escondido da câmera pelo próprio corpo do cantor. Luz, câmera, ação! Não é necessário nem pedir "câmera". Bastou o comando de "Luz!" e, quando o contraluz acendeu, apareceram em volta do cantor todos os raios e fachos de luz que se espera ver em um concerto pop. É evidente. Não é muito criativo. Todo mundo usa. Já está muito batido. Mas pouco importa, é assim que se faz. Com contraluz e fumaça. Como em toda iluminação, aqui também, no concerto pop, os efeitos só apareceram pela acumulação de técnicas. Neste caso, para se ter os fachos de luz desenhados no ar, foi preciso colocar fumaça e cheia em vez das faces chupadas. Como contraluz, são menos perniciosos e por isso mesmo usados mais impunemente. Usam-se vários contraluzes quando se ilumina com pressa. Coloca-se uma saraivada deles. Acertarão qualquer ator desavisado que trafegar por ali. É uma "técnica" muito utilizada nos estúdios de TV, onde os iluminadores, sob pressão, são obrigados a se precaver e iluminar áreas em vez de pessoas. Ao descrever o boiota e suas aplicações, fomos acabar na televisão. Não quero que fique nenhum mal- entendido, o boiota se sente em casa em qualquer estúdio onde se filme com pressa, seja na TV ou no cinema. É o que chamamos de luz acidental. Pode até dar certo, mas é irreproduzível por ter sido obra do acaso. Esse é o maior dos problemas da fotografia. Ao contrário das outras artes, a fotografia possibilita resultados acidentais, involuntários. E que não são necessariamente ruins. Essa eventual boa imagem acidental, feita pelo acaso, só levará o fotógrafo ao desespero: "Como foi mesmo que eu fiz aquilo?". Isso não acontece em nenhuma outra arte. Em música ninguém é capaz de tirar um som razoável por acidente. Nenhum batucar acidental passará por um improviso de jazz. Em pintura, a pincelada amadora se denuncia sozinha. É verdade que, em pintura, existem os naïf; estes, no entanto, comovem mais pela dedicação do pintor primitivo à pintura do que propriamente pela obra. Em geral os naïf são muito ruins. Um Heitor dos Prazeres ou um Rousseau existem para confirmar a regra das exceções. Também em poesia, não existem acidentes. Todos garatujam seus poemas de gaveta e os editores os deixam adormecer lá. Para sempre. Mas em fotografia o acaso faz parte da técnica. Metade das imagens que acreditamos estar conseguindo fazer, ao ser projetadas na tela, se revelam outras. As cores não são mais o que eram. Os contrastes mudaram. E ninguém, a não ser o próprio fotógrafo, sabe disso. Mas ele sabe. Mesmo que todos fiquem satisfeitos. Mesmo que o diretor o cumprimente e que a crítica o elogie, o fotógrafo sabe, e só ele sabe, a distância entre o que queria fazer e o que vê na tela. Na televisão, a vida é um pouco mais fácil. Aqui, a imagem está ali para todo mundo ver, e é recusada ou aceita na mes- ma hora em que é feita. É uma imagem feita abertamente, pública. Julga-se na hora se é boa ou ruim. Se vai ao ar ruim, é porque acharam que assim, ruim mesmo, era suficiente para o que era. Em filme é diferente. É um vôo cego de longo curso. Por instrumentos. Em alguns filmes, aqueles feitos longe das cidades e dos laboratórios, filma-se dias seguidos, guiando-se só pelos fotômetros. E ainda se passarão outros tantos dias antes de poder-se ver o que foi filmado. Aí, o resultado é definitivo. Chega-se ou não ao destino. Como nos aviões. Também em fotografia, o vôo em si não é difícil. Pode-se voar às cegas. O chão é o problema. Depois da queda, não haverá uma segunda chance. Então, para se voar por instrumentos, é indispensável que, além de bons instrumentos, se tenha uma técnica confiável. Uma boa imagem acidental, obra do acaso, não levará o fotógrafo a lugar nenhum. A única saída é ter um sólido ponto de partida. Não existem muitos. Saber para que serve cada refletor é o mínimo necessário para se chegar a bom porto. Ser possuidor de uma boa técnica não protegerá ninguém do erro, mas permitirá saber de onde ele veio. Também não livrará o fotógrafo de ter que assumir riscos, mas fará com que ele tenha uma idéia de onde queria chegar e onde finalmente aportou. Sabendo o que faz, poderá usar o acaso como aliado. O bom fotógrafo sabe que, a cada vez que assumir um risco, o acaso estará lá, ao seu lado, para trabalhar. Agora, porém, sua obra será reconhecida. Mesmo aquilo que o fotógrafo não fez sozinho e, portanto, foi obra do acaso, será possível de ser aferido, e a partir de então, repetido. Depois de dominado, o acaso será incorporado ao seu estilo. Voltemos ao estúdio bem iluminado. Ao nos deslocarmos pelo set, como fez o ator durante a cena, além de reconhecer a função de cada refletor, observamos também que alguns refletores têm dupla ou tripla função. Aquele mesmo doce calor que nos tocou a face era a luz do ataque e pode ter servido de contraluz para a atriz que estava à sua frente antes daquele beijo. Talvez não vejamos nenhuma luz que possamos identificar como compensação. A não ser que seja aquela grande luz vestida por uma tela de seda. É ela, é a compensação. Uma só, magnânima, que a todos ilumina. Enfim, notamos que não são usados refletores sem acessórios. Alguns têm sedas e outras difusões interrompendo o caminho da sua luz. Outros têm diferentes vidros na frente e comandos atrás. Outros, mais estranhamente, nem apontam na direção em que se está filmando. Por vezes, iluminam grandes placas de isopor que rebatem a luz para dentro do set. Essa luz rebatida é de natureza diferente daquela que a gerou. Qual a razão dessa variedade de refletores e acessórios? A razão é a natureza da luz. A razão está na necessidade de haver um tipo de luz para cada função de refletor. É na natureza da luz que sai do ataque, da compensação e do contraluz que se deve procurar a diferença entre os refletores. O re- fletor de ataque não usa o mesmo tipo de acessório que o de contraluz. E esses dois, por sua vez, serão diferentes do refletor que está sendo usado na compensação. São de naturezas diferentes. A natureza da luz Sim, a natureza da luz. O que tem a natureza da luz? Vá lá saber. Talvez tenha alguma coisa a ver com a natureza das pessoas. Umas são assim, brilhantes todo dia; outras não, são soturnas quase sempre. Algumas são, dia sim, dia não, soturnas ou brilhantes. Será assim também a natureza da luz que me ilumina? Vá lá saber. Eu a tenho visto todo dia. Parece-me sempre brilhante. Mas, de quando em vez, fica triste, mos isso nem dura, quase sempre já brilha de novo. Parece que sua luz só tem uma natureza, e, portanto, quando lhe toca o rosto, parece ser diferente a cada momento. Nem sempre é ela que é brilhante e a luz que a ilumino, complacente. Há vezes que a mesmo luz, vista por duas pessoas diferentes, é assim... linda ou... abrupta. Ah, a natureza da luz, como será a natureza da luz? A natureza da luz é assim... Da natureza da luz se pode falar de dois pontos de vista diferentes. Primeiro, o do refletor, que é de onde ela sai, e depois, da sombra, que é onde ela chega. Falar da sombra não tem problema, ela é dura de números e escalas acabariam sendo como os números de um catálogo de telefone: estão todos lá, mas só precisam ser decorados por mágico ou matemático de programa de calouros. Para nós, o que conta são os telefones da família e dos amigos; estes acabam ficando na memória. Hoje são as máquinas de fotografia para amadores que nos incomodam. Estas vêm sempre com uns desenhozinhos infantis que supostamente ajudariam o fotógrafo iniciante. É sempre um solzinho, descoberto ou encoberto por uma nuvem cinza. Há também a família, que pode ou não ter uma montanha atrás, indicando que estamos ao ar livre, ou pior ainda, um bonequinho, coitado, sempre sozinho, como eu. Essas máquinas automáticas não inspiram confiança. Os fotógrafos profissionais preferem as máquinas de fotografia manuais, cheias de números e mais números. São todos de amigos e familiares. Estes são como velhos conhecidos dos quais sabemos as origens e as tradições. Quando conhecemos as origens de uma família, podemos confiar em todos os seus membros. Uns serão sempre fiscais e fiadores dos outros. A família da luz não é diferente. Basta conhecer-lhe as origens e tradições para poder lidar com ela. A origem da luz As famílias dos refletores também têm na sua árvore genealógica um tronco comum. O Adão e a Eva dos refletores é a eletricidade e algum tipo de lâmpada. Nisso são todos iguais. Na alma, então, nem se distinguem um do outro. O sopro divino que os anima é o luz. Todas as fontes de luz são iguais. Só há luz onde acontece a transformação de matéria em energia. A energia gerada se dissipa, expulsando partículas. Algumas dessas partículas atingem aceleração suficiente para se transformarem em fótons. É a luz. Tudo isso é mais ou menos assim, e não é. Nenhuma teoria sobre a luz é abrangente. A luz ora se comporta como partícula, ora como onda. Ora as partículas são todas iguais, ora se comportam como se fossem diferentes. Resolver esses problemas pode ser fundamental para os físicos, mas interfere muito pouco no dia-a-dia da fotografia. Para nós, o importante é saber que a luz é gerada por matéria que se transforma em energia. No núcleo do sol, por exemplo, a fusão do hidrogênio em hélio, causada pela massa do astro, transforma matéria em energia. A luz é uma das formas de energia geradas pelo sol. Não é a única. Seria mais preciso dizer que a matéria, ao se transformar em energia, se dispersa. Essa dispersão se faz sob várias formas de energia. O calor e a luz são duas dessas formas de energia se dispersando. Uma acompanha a outra. Isso é tão evidente que permeou até a sabedoria popular, que cunhou a frase: "Onde há luz, há calor". Não, não é bem assim. Acho que é: Onde há fumaça, há fogo. Dá no mesmo: onde há luz, há calor, há fumaça e há fogo. Há tam- bém raios gama, raios X, ondas de rádio, de radar e microondas. São todas formas de energia radiante. Todas irradiam do sol e de um palito de fósforo em chamas. A diferença aqui é de quantidade, e, de novo, para o raciocínio isso não faz diferença nenhuma. Para a matéria se transformar em energia é preciso que, primeiro, ela tenha sido concentrada. É por isso que as fontes de luz são pontuais: filamentos, descargas elétricas, pontos onde a energia se concentrou para depois se dispersar. Só existem fontes de luz pontuais. Uma lâmpada elétrica também é um local de concentração e dispersão de energia. O filamento da lâmpada, que é o que gera a luz, é, como bem diz o nome, um filamento, um fio, um ponto. Nesse ponto, a energia elétrica é concentrada numa resistência para depois se dispersar em forma de luz. As lâmpadas a descarga elétrica, como os flashes de fotografia ou os HMI, geram luz por meio de uma descarga elétrica. Essa descarga elétrica é um raio intenso e controlado, mas é um raio. Um raio é uma fonte de luz ainda mais pontual do que um filamento. Não há exceção, todas as fontes de luz são pontuais. Mesmo uma luz fria, dessas que iluminam supermercados e bancos e que aparentemente seriam fontes de luz difusa, são, na realidade, raios em atmosfera fechada. Por isso, essas lâmpadas são conhecidas tecnicamente pelo nome genérico de lâmpadas a descarga. A fonte de luz de verdade dentro de uma luz fria é uma descarga elétrica que, ao passar dentro do tubo da lâmpada, anima uma matéria luminescente e a faz brilhar. É essa atmosfera fechada, brilhante por causa da faísca elétrica, que sai de dentro da lâmpada como luz difusa. A fonte foi, na realidade, uma descarga elétrica, um raio. A fonte de origem é, de novo, como sempre, pontual. Finalmente, tudo isso só nos interessa por uma razão: é por se originar num ponto que a luz faz sombra. Depois de sair do filamento da lâmpada, a luz vai se dispersando em todas as direções. Ao encontrar um objeto, sua trajetória é interrompida. Como a luz não faz curvas, tudo na projeção desse obstáculo fica na sombra. Esses três elementos formam um cone de luz e sombra. No vértice, está a lâmpada; no meio, o assunto; na base, sua sombra. O buraco de luz causado pelo assunto projeta um desenho no cenário. É uma imagem nítida, uma silhueta. Cada ponto de luz no bordo da silhueta pode ter sua trajetória retraçada até a lâmpada. Por isso, as fontes de luz pontuais geram sombras duras, bem desenhadas. Imagine que estamos iluminando um ator. A parte da luz que ilumina seu rosto não chega até o cenário. Alguns dos raios de luz que passaram rasantes com a face do ator iluminam a parede lá atrás. O desenho formado pela luz e pela falta de luz é a silhueta do ator. Esses raios de luz quase podem ser vistos no espaço. O raio de luz que ilumina a ponta do nariz do ator é a linha reta que liga a luz até a ponta do nariz e que continua até sua sombra projetada no cenário. Em geometria se define uma reta com dois pontos. A luz na origem, e a sombra no fim nos fazem viver essa definição a cada dia. O mais bonito dessa definição instantânea é ela conter no seu trajeto um terceiro ponto: o ator que está sendo iluminado. O milagre dessa história é que essa linha reta, perfeita, traçada pela natureza, é feita, assim, num piscar de olhos. Além da sombra projetada atrás do ator existe também o seu lado sombrio. É aquele lado não exposto à luz. Ao iluminar o assunto, a luz os franceses chamam os refletores de projecteurs. Isto é, são refletores e são projetores ao mesmo tempo, todo mundo está certo. A luz que vem do filamento se reflete no espelho, passa por uma lente e sai de dentro do refletor como um feixe. Essa é a segunda intenção dos fabricantes de refletores: transformar a luz de natureza pontual/ dispersiva em alguma outra coisa mais controlável. Essa mudança na natureza da luz pode se dar tanto dentro quanto fora dos refletores. Quando se dá dentro, pode-se falar em diferentes tipos de refletores. Aí dentro, as mudanças na natureza da luz se fazem por meios óticos ou mecânicos. Os meios óticos são os diferentes espelhos, refletores e lentes que colocamos dentro dos refletores. Os espelhos podem ser parabólicos ou elipsoidais; os refletores, planos ou côncavos. Os meios mecânicos usados para controlar a luz são os deslocamentos da lâmpada dentro do refletor. A luz passa de flood a spot conforme os raios de luz saiam mais paralelos ou dispersos, isso dependendo de a lâmpada estar longe (flood) ou perto (spot) do espelho. Já quando modificamos a natureza da luz fora dos refletores, difundindo-a ou rebatendo-a, estamos usando os refletores apenas como fontes primárias de luz. Por isso tudo, é mais correto falar dos diferentes tipos de refletores e não das diferentes naturezas da luz que lhes sai de dentro. Quando você ligar para uma locadora e quiser alugar uma luz, vai ver que, na prática, os refletores dividem-se em três grandes grupos: fresnel, PAR e soft. No dia-a-dia, chamamos de fresnel a todo e qualquer refletor que tenha cara de refletor, ou seja, que tenha dentro dele um espelho, um carrinho e uma lente. O espelho é para refletir e concentrar a luz. O carrinho é para aproximá-la ou afastá-la da lente, tornando o facho de luz mais aberto (flood) ou fechado (spot). A lente é para manter os raios que saíram do espelho na mesma direção, em feixe. Na verdade, "fresnel" é só o nome da lente. Aliás, não é nem o nome da lente. É o nome do físico francês 16 que descobriu uma maneira ____________________________ 16 Augustin Fresnel (1788-1827). de enfiar uma lente pesada dentro de um refletor leve. A lente fresnel é uma lente sem miolo. Não tem miolo pela mesma razão que uma pessoa que não quer engordar tira o miolo do pão. Assim, usa só a casca. Se cortarmos um pão desmiolado em fatias, podemos enfiar uma fatia dentro da outra e assim fazer um pão com a espessura de uma única fatia. Seria então um pão raso, baixinho, leve. Do mesmo modo, uma lente que era pesadíssima pode ser cortada em rodelas, ter seu miolo de vidro retirado e ser colocada na frente de um refletor mais leve. Essa lente diet vai fazer um trabalho tão bom quanto o da sua irmã mais gorda. A irmã mais gorda é a spot. Na família fresnel existe esta outra ramificação. Entende-se por spot qualquer refletor que tenha uma lente plano-convexa inteira, não "fresnada", e que concentra a luz um pouco mais do que as lentes fresnel verdadeiras. Os elipsoidais também freqüentam a mesa dos refletores que têm dentro de si lentes e espelhos. Há espelhos elipsoidais e lentes diversas dentro. O que chamamos de refletor PAR também não é um refletor. É uma lâmpada. O nome vem do mesmo hábito que nos fez chamar os refletores, genericamente, de fresnel. É o habito de chamarmos o todo pelo nome de uma parte. Aliás, nem é a lâmpada, mas sim o artifício de fechar dentro do corpo da lâmpada, junto com o filamento, um espelho côncavo de forma parabólica, um Parabolic Aluminized Reflector — PAR. Pois é, é isso mesmo que você está pensando, é um farol de carro. O sealed beam. O mesmo "silibin" dos maníacos por automóvel. E aquela pequena e potente fonte de luz focalizada na frente. É isso que um espelho parabólico faz com a luz: concentra-a num feixe direcionado e intenso. Os PAR são muito usados porque têm pene-tração. Por penetração, entenda-se força. Em inglês, diz-se que os PAR têm punch, "soco", "força". Tudo que é forte e compacto é PAR. Os brutos, sejam eles "mini" ou "maxi", são apenas lâmpadas PAR montadas em grupos. Os PAR têm tanta penetração que aceitam qualquer lente. Transformam-se, assim, em qualquer tipo de luz; podem substituir desde um fresnel até um spot bem fechado. Se não for colocada nenhuma lente, podem imitar um raio de sol. Finalmente, os soft light. Qualquer refletor que tenha o filamento da lâmpada escondido é soft. A razão é simples. A lâmpada está escondida porque está sendo rebatida dentro do refletor, e assim sai lá de dentro já como luz difusa. Por ter a sua luz rebatida, os refletores soft são grandes e fracos. Nos soft, a luz tem que sair da lâmpada e bater numa superfície refletora para emergir pela frente do refletor. Ninguém gosta muito de usá-los. São fracos e, ao mesmo tempo, não são suficientemente difusos. Para conseguir uma luz bem difusa, todo mundo prefere rebater uma luz potente num isopor ou "qualquer superfície que rebata luz". Quanto a ser HMI ou não, não faz a menor diferença, é só uma questão de a lâmpada do refletor ser ou não ser HMI. HMI não é nenhuma lâmpada mágica, é só uma lâmpada a descarga, numa ampola de quartzo, que contém um gás de mercúrio, ou seja Hydragyum Medium Arc-Length lodide — HMI). Os refletores HMI não fogem à regra; também são ou fresnel, ou PAR, ou soft. Quando se escolhe um refletor, de maneira geral é importante manter em mente só uma coisa: os de luz dura podem ser difundidos. O contrário é muito difícil. Você sempre poderá ter os dois tipos de luz — a dura e a difusa — se tiver à sua disposição refletores potentes de luz dura. Estes, mesmo depois de rebatidos ou difundidos, guardam potência suficiente para iluminar uma cena. Se, ao contrário, você só tiver refletores pequenos e fracos, não lhe sobrará muita coisa depois de torná-los difusos. Lembre-se de que do sol se faz um dia nublado, mas das nuvens só vem chuva. Um fator inesperado na natureza da luz é o fato desta natureza variar em função da distância. Uma mesma luz muda de natureza, se a distância a que ela se encontra do objeto variar. Essa é a mais difícil das qualidades da natureza da luz para se entender e usar. Quando se utiliza um refletor soft, muitos fotógrafos não se dão conta de que, dependendo da distância a que o refletor se encontra do assunto, ele pode vir a se tornar duro e projetar sombras. Os filmes, para verem como nós, precisam da ajuda dos fotógrafos. Para essa ajuda ser eficaz, é necessário que as naturezas das luzes que usamos na ficção sejam parecidas com as que Deus usou na criação. Se quisermos que um estúdio fique parecido com o que estamos habitua-dos a ver, é recomendável que se entenda qual a natureza do ataque que dá a ilusão de um dia ensolarado ou qual a compensação que fará um dia nublado. Assim também será com o int./noite ou o ext./dia/ fim de tarde. Ou qualquer outra luz. Cada cena terá sua luz. Cada luz, sua natureza. Cada natureza, seu refletor: de ataque, de compensação e de contraluz. Os refletores sempre lhe serão entregues pelos fabricantes como se estivessem prontos para serem usados. Cada um serviria, suposta-mente, para alguma coisa. Mas para que serviriam refletores que têm o filamento aparente, sem lentes na frente e apenas com refletores atrás? Para iluminar delicadas atrizes não poderia ser. Sob essa luz, tudo se mostra, tanto as crateras da lua quanto as plis d'expression da veterana atriz. Para o contraluz também não há de ser. Sua luz é muito dispersa, e como não tem nenhum sistema ótico para concentrar os raios de luz, estes saem em qualquer direção. Ora, para abreviar essa questão, vamos relacionar os refletores disponíveis no mercado, mas isso é chato, muito chato. A primeira vez que tentei escrever sobre essa história de tipos de refletores, desisti. Cheguei até aqui e... desisti. Era de uma aridez e uma chatice insuportáveis. Aos poucos, foram diminuindo o interesse pelo assunto e o tamanho das páginas, até se tornarem pequenas notas técnicas e chatas. Todo fotógrafo tem, de vez em quando, este enfado com a técnica. Depois dos primeiros anos de deslumbramento com filmes e filtros, porcas e parafusos, lentes e gruas, ninguém mais agüenta falar do assunto. Preferimos conversar sobre qualquer coisa a ter que ouvir sobre filtros e laboratórios. É o enfado decorrente da dedicação exclusiva. Tom Jobim odiava música. Para espanto de todos os que iam puxar um papinho sobre música, declarava: "Detesto música". E se explicava: "Passo minhas manhãs inteiras debruçado em cima do pia- no, procurando aquela notinha certa. Agora que saí para almoçar, por favor não me venham falar de música. Detesto música!". O filósofo dizia que a filosofia "só servia para falar coisas aparentemente coerentes e impressionar os mais burros".17 Nonato Estrela18 tem uma ladainha irretocável sobre a chatice da rotina do fotógrafo. É um eterno "bota um de mil ali... sobe de cano... baixa de cabeça... fecha o facho... bota outro de mil ali.., sobe de cano... baixa de cabeça...". Walter Carvalho19 falou do "embrutecimento causado pelos refletores". Sabemos do que ele está falando. É uma praga mundial. Michael Chapman conseguiu elaborar algo mais sobre o mesmo problema: "Eu gostaria de poder dizer algo mais profundo sobre o assunto [... mas a direção de fotografia] é uma arte que envolve muita coisa técnica. Você tem que fazer essas coisas e aceitar que a beleza virá delas".20 Mas de vez em quando é tudo chato, muito chato. Ainda tentei escrever sobre os diferentes refletores, misturando com outras coisas que eu considerava mais interessantes. Tentei ser sistemático e disciplinado. Na primeira tentativa, fui até à temperatura de cor. Aí, esses assuntos técnicos começaram a ser entremeados por outros que não obedeciam a qualquer sistematização. Apareceram coisas sobre televisão e cinema, ensaios sobre qualquer assunto vagamente associado à fotografia ou não, e anedotas sobre pessoas e filmagens. Qualquer coisa. Mil coisas. Até que o método desapareceu de vez. E não mais voltou. Tentei, de novo, reorganizar, recolocar as coisas nos seus devidos... editar os textos antigos. De novo, deu-se o _____________________________ 17 "La philosophie donne moyen de parler vraisemblablement des toutes choses, et se faire admirer der moins savants. " René Descartes, Discours de la méthode (Paris: Flamarion, 1992), p. 27. 18 Nonato Estrela, fotógrafo de A maldição do Sanpaku (Brasil, 1992) e Quem matou Pixote? (Brasil, 1996), de José Jofilly; e de O homem nu (Brasil, 1997), de Hugo Carvana. 19 Walter Carvalho, fotógrafo de Terra estrangeira (Brasil, 1995) e Central do Brasil (Brasil, 1998), de Walter Salles; e de América (Brasil, 1988), de João Salles, em entrevista para a revista Lume, nov./dez. de 1997. 20 "I wish I could have some more profound things to tell you. I wish there were some great thing dredged up my psyche that I could say was the key to all there things, but there isn't. It's a mechanical medium and you've got to do the mechanics and let the mechanics give the aesthetic pleasure. " Michael Chapman, fotógrafo de Taxi Driver (EUA, 1976) e Touro indomável (EUA, 1980), ambos de Martin Scorcese, entrevista em Dennis Schaefer & Larry Salvato, Marters of Light (Berkeley: University of California Press, 1984). mesmo: quando cheguei nesse ponto, no buraco negro dos nomes e tipos de refletores, falhei. Então me rendi. A partir daqui não tem mais método. Dei-me ao trabalho de tentar ser tão organizado e sistemático como seria necessário para criar um sistema inexpugnável para se entender a luz. No fundo, me dou conta de que tentava usar aquele artifício de me esconder atrás de um "aristotélico" para ver se colava e constrangia o leitor a me respeitar. Desisto. A Grécia antiga sempre foi a primeira pátria dos pedantes e o último refúgio dos pederastas. Como não me sinto rude o suficiente para viver na primeira, nem tão velho para precisar da segunda, volto à anarquia e à falta de método. Às favas com a natureza da luz e as intensidades do contraluz e da compensação. Não para sempre. Voltarei daqui a pouco. Afinal, eu entendo o que se procura num livro de fotografia. Procuram-se coisas que possam ser usadas na próxima vez que nos defrontarmos com um set às escuras. Gostaria de aprender um truque para começar, uma dica simples e prática? Eu entendo isso, porque tentei ser pintor e não consegui. Quando chegou a época de escolher entre os dois, esco- lhi a fotografia. Estudei fotografia numa escola. Hoje, por ter estudado e aprendido uma técnica, não tenho nenhuma limitação além das minhas naturais. Nada me limita tecnicamente, basta eu ter uma boa idéia e sou capaz de realizá-la. Alguns fotógrafos terão idéias melhores que as minhas. Algumas vezes, eu conseguirei realizar melhor minhas idéias do que outro, que tem boas idéias mas não sabe como realizá-las. E esse é o problema de estudar só a técnica, pois a técnica nunca vai lhe dar idéias, só vai lhe possibilitar concretizá-las. Sei onde botar o refletor, e de quantos watts. Isso não é mistério para mim. Ao mesmo tempo, nunca deixei de desenhar e pintar. Aí sofro. Entendo, então, a ânsia de quem não sabe a técnica da fotografia e está lendo para ver se descobre aquele algo mais profundo de que fala o Michael Chapman aí em cima, um clique que resolverá tudo. Vejo que é como quando tento pintar uma coisa e não consigo por me faltar a técnica. Tenho as idéias e não consigo fazer nada, não consigo
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