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Guias e Dicas
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Descrição e Análise de Sistemas Agroflorestais em Paraty, Trabalhos de Engenharia Florestal

Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia), como requisito parcial para obtenção do Título de Engenheiro Florestal

Tipologia: Trabalhos

2013

Compartilhado em 28/02/2013

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Baixe Descrição e Análise de Sistemas Agroflorestais em Paraty e outras Trabalhos em PDF para Engenharia Florestal, somente na Docsity! UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FLORESTAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA FLORESTAL LUIZ DANIEL REBUÁ DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS EM PARATY – RJ Prof. LUIS MAURO SAMPAIO MAGALHÃES Orientador SEROPÉDICA - RJ Outubro – 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FLORESTAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA FLORESTAL LUIZ DANIEL REBUÁ DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS EM PARATY – RJ Monografia apresentada ao Curso de Engenharia Florestal como requisito parcial para obtenção do Título de Engenheiro Florestal, Instituto de Florestas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Prof. LUIS MAURO SAMPAIO MAGALHÃES Orientador SEROPÉDICA - RJ Outubro – 2012 iv “Pra entender o sentido da vida, sua vida precisa ter sentido e pra ter sentido, só sentindo. Com tantos sentidos surgindo, que muitas coisas perdem sentido. Sinta-se! Faça sentido! Siga sentindo o seu sentido! Tudo faz sentido, quando se vive sentindo!” AUTOR DESCONHECIDO “O que mais te surpreende na humanidade? Os homens... Porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido” DALAI LAMA “O mundo deles (do homem branco) é quadrado, eles moram em casas que parecem caixas, trabalham dentro de outras caixas, e para irem de uma caixa à outra, entram em caixas que andam. Eles vêem tudo separado porque são o povo das caixas”. PAJÉ DO POVO KAIKANG Que a essência de gaia encontre cada mente e coração dos viventes deste planeta. Criando assim o despertar existencial, através da mais pura seiva do amor! v RESUMO Nosso planeta atravessa profundas e permanentes transformações sociais, econômicas, culturais e ambientais desde a Revolução Industrial do séc. XVIII. De lá para cá muitas destas mudanças se materializaram na forma de expansão dos centros urbanos e industriais (resultantes da acelerada ocupação humana) e no modelo de exploração produtiva dos recursos naturais (por meio da aplicação de pacotes tecnológicos padronizados). A partir do fim do séc. XIX, com o surgimento de inovações tecnológicas na agricultura, e principalmente após a 2ª guerra mundial, o fenômeno denominado de “Revolução Verde” ganhou demasiado espaço, transformando as agriculturas tradicionais realizadas nos distintos trópicos, em modelos convencionais baseados em insumos industriais. A propaganda principal destas mudanças no campo era a promessa de se acabar com a fome do mundo, por meio da incorporação destas novas tecnologias e a adequação de métodos mais eficientes de cultivo. Porém, este fato nunca se concretizou pelo motivo de que a fome no mundo é originada na desigual distribuição dos alimentos (motivações político-econômicas). Ao longo dos dois últimos séculos, atividades milenares e humanamente determinadas como a agricultura e a silvicultura, sofreram notáveis modificações funcionais e estruturais, como consequência da mudança na relação do homem com o meio. A adoção de modelos de plantio em larga escala, destinados a suprir o constante crescimento de nossa moderna civilização, findou por promover a conversão de ambientes anteriormente biodiversos em extensos latifúndios de um só produto (monocultivos). Este processo de conversão acarretou a devastação de florestas de relevante importância nos dois hemisférios (com consequente extinção de inúmeras espécies dos reinos animal e vegetal – perda da biodiversidade genética); a poluição de aquíferos, rios e mananciais por resíduos químicos presentes nos insumos utilizados, a elevação da concentração de nitrogênio na atmosfera devido ao uso incessante de adubação nitrogenada nas áreas de cultivo, a exclusão do homem do campo como consequência da elevada especialização e mecanização dos meios de produção nas zonas rurais, etc. Tal panorama têm trazido à tona questionamentos por parte de entidades governamentais, comunidades científicas, movimentos sociais, etc, sobre os modelos de ocupação e intervenção humana na biosfera terrestre, principalmente pelo fato do planeta ser composto por recursos finitos. Atualmente, estudos críticos aos sistemas convencionais de exploração dos recursos naturais têm recuperado/valorizado as experiências de diversos povos antigos, de distintas zonas do planeta, que tradicionalmente observavam a forma como a natureza “misturava” em um mesmo local, as multivariadas espécies do reino vegetal (com seus respectivos ciclos curto, médio e longo). Através da leitura e interpretação empírica destas observações, estas populações realizavam os manejos de suas áreas estabelecendo “casamentos” de plantas em modelos que imitavam a sucessão natural local. Desta maneira, permitiam ao longo do tempo, o usufruto equilibrado e proporcional aos limites dos ecossistemas (capacidade de suporte), e a obtenção de múltiplos produtos e sub-produtos. Em determinadas regiões da Floresta Amazônica, verifica-se ainda nos dias de hoje, a existência de “Terra Roxa”. Muitos destes locais anteriormente representavam áreas de consórcios agrícolas e florestais, manejadas pelos índios sob princípios ecológicos no uso do solo e das árvores. Recentemente, a ciência passou a conceituar estes arranjos e a definí-los como Sistemas Agroflorestais – sistema produtivo da Agroecologia. No que se refere à sustentabilidade, a proposta deste trabalho é justamente avaliar a importância fundamental da prática dos Sistemas Agroflorestais na valorização de muitos dos vi conhecimentos tradicionais e como agente fortalecedor dos laços entre o homem e a natureza. Sistemas de manejo que fundamentam-se na diversificação e otimização produtivas de roças e quintais, permitindo à agricultores, quilombolas, indígenas e demais povos, a busca pela autossuficiência alimentar. Trechos pontuais de normas ambientais nacionais, apresentadas no presente trabalho, contribuem no sentido da construção de alternativas agroflorestais para o manejo sustentável da terra e das árvores nos mais variados ecossistemas. A região de Paraty apresenta paisagens de esplendorosa beleza, além de enorme diversidade cultural, expressa através de suas variadas populações tradicionais. O manejo que estes grupos sociais realizam em seus agroecossistemas são baseados nos conhecimentos acumulados ao longo de gerações e somam-se às recentes contribuições técnicas por parte de instituições como EMBRAPA, IDACO, UFRRJ e extensionistas dedicados à difusão de práticas ecológicas. O escasso acesso a políticas públicas, além da ausência de assistência técnica efetiva e de qualidade, mostraram-se os principais aspectos limitantes às atividades rurais relacionadas, nos diferentes níveis da cadeia produtiva local. Palavras-chave: Revolução Verde, agricultura tradicional, monocultura, sucessão natural, capacidade de suporte, Sistemas Agroflorestais, Agroecologia, diversificação, otimização produtiva, manejo sustentável. ix SUMÁRIO RELAÇÃO DAS FIGURAS .............................................................................................. x SIGLAS ................................................................................................................................ xi ANEXOS ............................................................................................................................. xii INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 4 REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................... 4 Preâmbulo ....................................................................................................................... 4 1) Desenvolvimento Sustentável ........................................................................... 4 2) Sistemas Agroflorestais (SAFs) ....................................................................... 5 Benefícios na utilização dos SAFs ............................................................. 6 Planejando e construindo estes sistemas biodiversos .............................. 8 Principais modelos estruturais e temporais .............................................. 12 3) Estágios Sucessionais ........................................................................................ 17 4) Agricultura familiar, população tradicional, pequena propriedade, APP, RL e DAP ................................................................................................................... 23 5) Planos e Programas de governo disponíveis às práticas agroflorestais ....... 25 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................. 27 COLETA E REGISTRO DE DADOS NO CAMPO ............................................................. 29 PROCESSAMENTO DOS DADOS .................................................................................... 30 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO .................................................................. 30 Histórico .................................................................................................................. 31 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 33 CONTEXTUALIZAÇÃO ENVOLVENDO AS SEGUINTES NORMAS ............................. 40 CÓDIGO FLORESTAL (Lei N° 4.771 de 1965) ........................................................... 40 LEI DA MATA ATLÂNTICA (Lei N° 11.428 de 2006)................................................. 42 RESOLUÇÃO CONAMA N° 369 de 2006 .................................................................. 44 INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 5 de 2009 ................................................................. 46 RESOLUÇÃO CONAMA N° 425 de 2010 .................................................................... 49 INTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N° 5 de 1999 ....................................................... 49 SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (Lei N° 9.985 de 2000 – SNUC) ........................................................................................................................ 51 DECRETO 4.340 de 2002 (REGULAMENTA A LEI 9.985 e DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS) ...................................................................................................... 58 CONCLUSÕES ................................................................................................................... 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 65 ANEXOS .............................................................................................................................. 71 x RELAÇÃO DAS FIGURAS FIGURA 1: SERVIÇOS AMBIENTAIS PROPORCIONADOS PELOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS .............................................................................................................. 7 FIGURA 2: GRÁFICO REPRESENTATIVO DO PROCESSO SUCESSIONAL DE ESPÉCIES, ELABORADO POR ERNST GOTSCH .................................................................................... 20 FIGURA 3: MAPA DE LOCALIZAÇÃO DA CIDADE NO CONTEXTO REGIONAL ............ 30 FIGURA 4: MAPA DE LOCALIZAÇÃO DOS BAIRROS NO CONTEXTO LOCAL ............... 30 FIGURA 5: FEIRA AGROECOLÓGICA DE PARATY - DIVERSIDADE DE PRODUTOS OFERECIDOS ........................................................................................................................ 33 FIGURA 6: PERCENTUAIS DE AGRICULTORES QUE POSSUEM DAP e QUE JÁ UTILIZARAM FOGO .............................................................................................................. 34 FIGURA 7: PERCENTUAIS TOTAIS DE CURSOS REALIZADOS e DE AGRICULTORES QUE JÁ FIZERAM INTERCÂMBIO ................................................................................................ 35 FIGURA 8: PERCENTUAIS DE ÁREAS ESTIMADAS COM SAFs e DOS MODELOS UTILIZADOS .......................................................................................................................... 35 FIGURA 9: PERCENTUAIS TOTAIS DO N° DE COMPONENTES AGRÍCOLAS E FRUTÍFERAS CULTIVADOS ................................................................................................. 36 FIGURA 10: PERCENTUAIS TOTAIS DE COMPONENTES UTILIZADOS NOS SAFs e DE COMPONENTES COMUMENTE COMERCIALIZADOS ........................................................ 37 FIGURA 11: PERCENTUAIS TOTAIS DE DIFICULDADES ENVOLVENDO OS ASPECTOS DE BENEFICIAMENTO, ASSISTÊNCIA TÉCNICA, JUVENTUDE NO CAMPO E FORMAÇÃO DE UMA ASSOCIAÇÃO .............................................................................................................. 38 FIGURA 12: PERCENTUAIS TOTAIS DE DIFICULDADES ENVOLVENDO OS ASPECTOS DE COLETA DE SEMENTES, PRODUÇÃO DE MUDAS, MÃO DE OBRA e LOCAL PRA VENDA .................................................................................................................................... 39 FIGURA 13: AGRICULTORES EXPONDO SEUS PRODUTOS NO MERCADO MUNICIPAL DO PRODUTOR RURAL ............................................................................................................... 40 FIGURA 14: REAÇÃO DE UM SISTEMA AMBIENTAL DIANTE DE ESFORÇO OU TENSÃO QUE LHE É IMPOSTO. QUANDO HÁ ELIMINAÇÃO DO ESFORÇO, A ESTABILIZAÇÃO OCORRE EM NOVO NÍVEL DE EQUILÍBRIO ....................................................................... 53 FIGURA 15: DIVERSIDADE DE VIDAS E CORES NOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS EM PARATY .................................................................................................................................. 64 xi SIGLAS AMOQC – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO QUILOMBO DO CAMPINHO ANVISA – AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA CEPLAC – COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA CONAMA – CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE CONTAG – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA COOPERAFLORESTA – ASSOCIAÇÃO DE AGRICULTORES AGROFLORESTAIS DE BARRA DO TURVO/SP E ADRIANÓPOLIS/PR DAP – DOCUMENTO DE APTIDÃO AO PRONAF DLIS - REDE DE DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO E SUSTENTÁVEL EMATER – EMPRESA BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EMATER – EMPRESA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISAS AGROPECUÁRIA FETRAF – FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA FAMILIAR FUNAI – FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO GPS – SISTEMA DE POSCIONAMENTO GLOBAL IBAMA – INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA ESPACIAL IDACO – INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO COMUNITÁRIA INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA INPA – INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA IPEMA – INSITUTO DE PERMACULTURA DA MATA ATLÂNTICA IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL ITR – IMPOSTO TERRITORIAL RURAL MAPA – MINISTÉRIO DA ARICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO MDA – MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO MMA – MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE PFNM – PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MADEIREIROS SAF – SISTEMA AGROFLORESTAL SNUC – SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO UFRRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO 2 agricultura predatória, como a nossa, destruidora da produtividade futura do solo; partiu para a grande monocultura, mantida pela mão do escravo. Naquela época a escravatura era direta, o chicote disciplinava o escravo. Hoje a máquina fixa o homem na estrutura de poder e destrói o ambiente. Pouco a pouco nos tornamos todos servos das grandes burocracias. Estas alicerçam seu poder na crescente sofisticação tecnológica, na progressiva concentração de capital e na acelerada centralização de poder de decisão econômica. (...) A tecnologia da vida não conhece a concentração nem a uniformização, a não ser como mera fase de transição a equilíbrios mais complexos e disseminados”. O resultado divulgado recentemente pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, relativo ao ano de 2010, da ANVISA, revela que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Média de 5,2 kg/habitante/ano. Fatos como este têm gerado crescente demanda por produtos de origem saudável e ecológica, que preservem o equilíbrio do meio ambiente, utilizando-se para isso de métodos e técnicas de manejo que sejam compatíveis com a diversidade dos ecossistemas e culturas locais. Seguindo esta linha de pensamento e constituída pela união do conhecimento tradicional a determinados segmentos científicos, surgiu a agroecologia. Segundo Altieri (1995) e citado por Caporal e Costabeber (2000), tal pode ser definida como “ciência ou disciplina científica que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade no curto, médio e longo prazos”. Como sistema produtivo da agroecologia, o sistema agroflorestal ou SAF não preconiza a maximização da produção, mas sim sua otimização no agroecossistema 1 , permitindo a estabilização produtiva satisfatória. Segundo Neto (1991) e citado por Pollmann (2008), “A atividade agrícola e florestal, fundamentada na ótica da maximização de uso e exploração dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas, constitui uma das mais impactantes ações do homem moderno”. “O uso adequado das terras é o primeiro passo para a preservação e conservação dos recursos naturais e para a sustentabilidade da agricultura; (...) O Brasil detém vasta extensão territorial para a produção agropecuária: são cerca de 5,5 milhões de Km2 (...). Entretanto, 76% do total dessas terras aptas apresentam alguma fragilidade decorrente de limitações nos solos. (...) o desperdício dos recursos naturais decorrente do uso inadequado das terras é uma realidade a ser enfrentada, levando a repensar essa ocupação para evitar os erros do passado e promover uma gradual adequação ambiental da atividade rural” (SILVA et al.; 2011). Atualmente, muitos projetos no meio rural são direcionados a difusão de melhorias nas técnicas de cultivo de plantas e manejo de animais, objetivando maior produtividade e renda para as famílias do campo. Sustentam-se na diversificação da produção e dependem do incentivo de políticas públicas, de programas de ação e de projetos. O apoio do governo, de organizações de produtores e até mesmo de ONG's, é relevante no suporte à obtenção de fornecedores de sementes, mudas, insumos relacionados, canais de comercialização, assistência técnica, etc. 1 O agroecossistema corresponde a “um sistema ecológico e socioeconômico que compreende plantas e/ou animais domesticados e as pessoas que nele vivem, com o propósito de produção de alimentos, fibras ou outros produtos agrícolas” (Conway, 1997). 3 É de suma importância que as ações para implementação destes sistemas diferenciados de manejo, estejam alicerçadas na evolução histórica local dos povos, compatibilizando-se às condições ambientais, econômicas, sociais e culturais predominantes em cada região. Estas ações devem ser executadas e acompanhadas pelos técnicos ou profissionais da extensão rural existentes em nosso país. Portanto, torna-se indispensável verificar de que maneira estes agricultores se relacionam com seus meios de produção e quais problemas mais significativos vêm enfrentando. A partir daí é possível determinar os potenciais e as limitações dos ecossistemas ou das infraestruturas locais, para enfim fomentar projetos extensionistas. Segundo o Plano Nacional de Silvicultura com Espécies Nativas e Sistemas Agroflorestais (2006): “(...) existe no país grande quantidade de áreas aptas à inserção de florestas e agroflorestas, inclusive extensas áreas degradadas e de Reserva Legal. (...) a silvicultura com espécies nativas e os sistemas agroflorestais, apresentam-se como alternativas potencialmente viáveis para o uso da terra, com grande possibilidade de se transformarem em um importante segmento de geração de riquezas com agregação de valores ambientais e inclusão social. (...) Esta realidade associada aos diversos fatores sócio-econômicos e ambientais conseqüentes, demonstra o evidente mercado que pode ser abastecido por produtos vindos da silvicultura e agrossilvicultura, fazendo transparecer a necessidade e oportunidade de se desenvolver um efetivo plano para estas atividades”. Consta no Programa Nacional de Florestas (2000): “(...) apesar de todo o potencial do setor florestal brasileiro, há significativa carência de assistência técnica. Para se ter uma idéia, em um universo de 20 mil técnicos que atuam em assistência técnica rural, menos de 1% estão capacitados para o manejo sustentável das florestas. Portanto uma das metas do plano é assegurar que um terço da produção florestal sustentável tenha origem em florestas sociais, com produção familiar, comunitária ou extrativista”. Conforme destaca Mattos (2011), “há uma variedade de estudos científicos que procuram comprovar as evoluções das práticas agroflorestais em todas as dimensões da sustentabilidade, seja social, econômica, ambiental e cultural. Para tanto, tais trabalhos partem de diferentes enfoques e objetivos. Alguns avaliam e analisam, outros intentam caracterizar, enquanto alguns trabalhos procuram sistematizar as informações acerca das práticas agroflorestais. Os recursos metodológicos também são variados, partindo de revisões bibliográficas, estudos de casos, diagnósticos participativos e, até mesmo, o uso de geotecnologias”. Através destes estudos são abordadas variadas aplicações metodológicas, que buscam promover a transição de modelos tradicionais de exploração dos recursos naturais (que por adotarem certas práticas geram “passivos” ou “déficits” ambientais), para modelos sustentáveis de manejo agrícola e florestal. O presente trabalho descreverá e analisará sistemas agroflorestais estabelecidos em diferentes comunidades de agricultores, quilombolas e caiçaras, localizadas tanto dentro, quanto nas zonas de amortecimento de UCs, na cidade de Paraty, Estado do Rio de Janeiro. A área do estudo localiza-se em domínio de Mata Atlântica e representa um dos mais significativos remanescentes florestais contínuos deste bioma na atualidade. A ampla e genuína relevância deste conjunto de fisionomias e formações florestais se dá em razão de abrigarem abundantes e preciosos ecossistemas aquáticos e florestais. Inclusive integram sete das nove maiores bacias hidrográficas brasileiras, permitindo desta maneira, a sobrevivência de mais de 60% da população brasileira em suas zonas de abrangência. 4 OBJETIVOS:  Descrever e analisar sistemas agroflorestais utilizados por pequenos ou médios agricultores no município de Paraty-RJ.  Obter indicativos dos diferentes aspectos sócio-econômico-culturais presentes na realidade destes atores sociais.  Contextualizar trechos do Código Florestal e demais leis ambientais nacionais, que estabeleçam conceitos e diretrizes relacionadas às práticas dos sistemas agroflorestais. REVISÃO DE LITERATURA: Preâmbulo 1) Desenvolvimento Sustentável: "Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do presente, sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades". (Gro Brundtland - Comissão da Organização das Nações Unidas 1987) Conforme SILVA, V. S. M. (2006) “O desenvolvimento sustentável consiste na busca de um desenvolvimento alternativo, em que as preocupações com a qualidade da vida e do ambiente estejam presentes como fatores determinantes nas definições do estilo de desenvolvimento”. Segundo Neto (1991) e citado por Pollmann (2008), “Para ser alcançado, o desenvolvimento sustentável depende de planejamento e do reconhecimento de que os recursos naturais são finitos. Esse conceito representou uma nova forma de desenvolvimento econômico, que leva em conta o meio ambiente. Muitas vezes, desenvolvimento é confundido com crescimento econômico, que depende do consumo crescente de energia e recursos naturais. Esse tipo de desenvolvimento tende a ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade depende”. Constanza (1991) vai mais à frente nesta discussão quando afirma que a sustentabilidade pode ser descrita como: “a relação entre os sistemas econômicos, humanos e os sistemas ecológicos mais abrangentes, dinâmicos, mas normalmente com mudanças mais vagarosas, nas quais: a) a vida humana possa continuar indefinidamente, b) as individualidades humanas possam florescer, c) a cultura humana possa se desenvolver, d) os efeitos das atividades humanas permaneçam dentro de limites, a fim de que não destruam a diversidade, complexidade e funções do sistema ecológico de suporte da vida.” Sachs (2000) define cinco diferentes formas de sustentabilidade, sendo elas: Sustentabilidade Social - melhoria da qualidade de vida da população, eqüidade na distribuição de renda e de diminuição das diferenças sociais, com participação e organização popular; 7 Os ecossistemas florestais tropicais apresentam um eficiente sistema de ciclagem de nutrientes, com altas taxas de ciclagem interna no sistema solo-planta. Estes mecanismos ecológicos é que conferem aos sistemas agroflorestais características da sustentabilidade. A presença do componente arbóreo e da biodiversidade constituinte destes sistemas produtivos contribui significativamente no aporte de serapilheira e nutrientes no solo (GOTSCH, 1995; ALTIERI, 2002). Segundo Dubois et al, (2008): “(...) as áreas ocupadas pelos cultivos de ciclo curto iniciais são enriquecidas com o plantio de espécies mais persistentes ou perenes. A maior variedade de espécies cultivadas no SAF melhora a qualidade da dieta alimentar e aumenta a renda gerada pela comercialização dos produtos (café, cacau, erva mate, frutas, frutas desidratadas, etc)”. (...) “Nos programas de restauração de reservas legais e de áreas de proteção permanente (APPs) e na formação de corredores de biodiversidade, agricultores familiares podem utilizar alternativas agroflorestais. No caso mais específico de restauração de APPs, uma forma é ocupar durante dois anos por cultivos agrícolas de ciclo curto, caracterizando, dessa forma, um tipo de SAF genericamente denominado de “Taungya” (sistema que prioriza a produção de madeira)”. Os SAF’s podem promover a integração de áreas rurais, considerando a participação das comunidades locais na procura de soluções comuns e negociadas para o desenvolvimento sustentado, assegurando o acesso e utilização racional dos recursos naturais por todas as famílias que ali residem (COSTA et al., 2002). Como exemplo de produtos e serviços disponibilizados pela introdução das árvores em um agroecossistema, temos: “o fornecimento de fontes de proteína para animais; a adubação verde para o solo; o bosque de proteção para as culturas; o fornecimento de matriz energética para obtenção de biocombustíveis; favorecem o exercício da apicultura; incrementam a produção de alimentos; propiciam a produção de produtos medicinais; a produção de artesanatos; podem repelir ou serem atrativos de fauna e ou insetos além, claro, da produção de madeira (PENEIREIRO et al.; 2008; OLIVEIRA, 2011)”. FIGURA 1: SERVIÇOS AMBIENTAIS PROPORCIONADOS PELOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS. Fonte: Figura do autor Os diferentes cultivares introduzidos proporcionam, além dos serviços ambientais ou ecológicos destacados na Figura 1, produtos e sub-produtos para múltiplos propósitos (conforme peculiaridades de cada cultivar). Dentre as diversas utilizações/aplicações destes componentes introduzidos, temos: 8 a) medicinal ou cosmético (princípios ativos, óleos, resinas...); b) madeira (lâminas, ripas, tábuas, madeira sólida, mourões...); c) energia (lenha ou carvão vegetal); d) alimento e) apicultura e meliponicultura (mel, própolis, pólen, geléia-real...) f) artesanato (fibra, palha, semente, lenho...) Planejando e construindo estes sistemas biodiversos: Um sistema ou prática agroflorestal é adotado, quando é compatível com as necessidades, a estrutura social, as crenças e os costumes dos agricultores, além da disponibilidade da mão de obra, infra-estrutura e mercado, aceitabilidade dos insumos, a existência de informações sobre o manejo do sistema e a compreensão de seus impactos e benefícios (RAINTREE, 1990). Estas importantes observações também são confirmadas por Floriani et al, (2008), “Cada modelo ou padrão de SAF é fruto tanto do saber ecológico acumulado, como das interações e condicionantes culturais e econômicas locais, regionais e mesmo globais a que são expostos os agricultores. Eles são, portanto, o resultado do saber ecológico acumulado e dos conhecimentos externos e desafios de entorno aos quais foi exposto”. As espécies a serem introduzidas no sistema são escolhidas de acordo com a observação das características ecofisiológicas daquelas que compõem a vegetação local. Neste sentido, cada planta terá uma função específica na melhoria do ecossistema, expressando determinada velocidade de crescimento, ocupando um extrato da vegetação e exigindo um mínimo de qualidade e quantidade de vida consolidada para se desenvolver (VAZ, 2002; GOTSCH, 1995). Cada espécie tem um lugar a ocupar no desenho da paisagem, de acordo com sua altura e forma de copa. Portanto as podas de formação possuem a função de conduzir a distribuição do crescimento destas árvores ao longo do tempo, evitando o sombreamento excessivo de certos indivíduos e dinamizando a composição dos diferentes “andares verticais” do sistema. A analogia destes andares se faz em relação aos prédios da construção civil e que, seguindo a mesma lógica da estratificação de uma floresta natural, as árvores irão ocupar os diferentes andares ao longo do tempo. Em um sistema equilibrado, cada etapa sucessional intentará apresentar todos os estratos (“andares”) do perfil da vegetação ocupados. Vaz (1997) aborda perfeitamente a análise desta prática da seguinte forma: “(...) a época da poda deve respeitar o ciclo da vegetação, principalmente quando se trata de clima onde há estação seca ou fria, que atuam como referência para indução de lançamento de nova folhagem ou floração. Quando uma planta está lançando nova folhagem, rebrotando, crescendo, enfim, toda a organização daquele ser vivo está direcionada para atingir o auge daquele processo, que são folhas adultas, ramos formados. Num sistema sincronizado que comporta-se como um só organismo, todo o rebrote significa a organização daquele sistema também para atingir o auge do processo, que são plantas adultas e aptas para reprodução. A poda de uma planta que está lançando nova folhagem ou de um sistema que está rebrotando atua como um corte no fluxo do processo, um baque na organização daquele ser que está em processo de crescimento e resulta numa grande perda de energia de todo o sistema. A matéria orgânica gerada com tal poda é insignificante em relação ao que o sistema maduro pode gerar e traz uma situação de déficit de energia, pois o esforço de organização foi maior do que o produto gerado. Assim, a poda de um sistema ou de uma planta deve obedecer o ciclo natural da vegetação, geralmente reflexo do clima da região. Por isso, a poda é uma atividade direcionada a tudo que está velho, em 9 senescência. A poda de um rebrote, mesmo que seja de um capim, transgride o fluxo de organização do ser vivo e do sistema como um todo”. Ou seja, sempre que as espécies apresentarem sinais de envelhecimento (senescência 2 ) como folhas amareladas ou secas, estas deverão ser podadas e incorporadas ao solo. Todo o material podado deverá ser picado e depositado nas áreas da forma mais distribuída possível, permitindo o contato físico da maior parte destes materiais com a superfície do solo. Isto irá facilitar o processo de decomposição da matéria orgânica, através da atuação dos “renovadores da natureza” e permitirá que o sistema acelere seu fluxo energético. Sempre que é efetuada uma poda em um arbusto ou árvore, a planta manifesta resposta fisiológica natural, eliminando no solo um volume de raízes equivalente ao anteriormente necessário para nutrição dos galhos podados e que não terão mais funcionalidade até que se desenvolvam novos ramos no indivíduo. “Dados experimentais de Bowen (1984) indicam que, em ecossistemas naturais, a decomposição de raízes finas somados as micorrizas pode contribuir em 2 a 4 vezes mais N e de 6 a 10 vezes mais P que a decomposição da serapilheira. Pode-se inferir que as raízes das árvores contribuem, assim, de forma considerável para a nutrição dos cultivos associados em sistemas agroflorestais” (PENEIREIRO et al.; 2008). Conforme Vivan (1998), “a trajetória da sombra projetada por árvores dos estratos mais altos associada ao relevo e a horários mais ou menos regulares de nebulosidade podem influenciar na composição de espécies. Também aliada à umidade alta, a sombra não ajuda muito os plantios de determinadas culturas anuais e certas fases de frutíferas, como a floração. Do mesmo modo, podas drásticas e extensas da vegetação no pleno verão do trópico, aceleram a perda de água e a oxidação da matéria orgânica, podendo causar perda irreversível do potencial produtivo de uma área”. Antes da poda, é recomendável ser realizada a capina seletiva, arrancando-se pela raiz ou mesmo roçando todos os capins e herbáceas que não integrarão a composição desejada. Este material verde será depositado sobre o solo enriquecendo-o com seus nutrientes e dificultando a rebrota destas mesmas ervas e gramíneas roçadas, que carecem de luminosidade. È bastante importante preservar as mudas jovens encontradas, pois futuramente, farão parte dos diferentes “andares ou estratos” no sistema. Tal processo facilita o estabelecimento de culturas que serão introduzidas após a poda, evitando sombreamentos excessivos. Conforme o sistema evolua juntamente com as capinas e podas, o que se observará será o desaparecimento progressivo das plantas mais rústicas que não comporão mais o conjunto, dando vez à espécies que se relacionarão por meio de consórcios mais complexos e fechados. Peneireiro (1999) torna mais clara esta compreensão quando afirma: “Interferindo na vegetação pela introdução de espécies e seu manejo, automaticamente interfere-se sobre o solo e sobre a vida que ocorre nele, e, assim, as mudanças vão ocorrendo paralelamente em todos os compartimentos do sistema. Com o manejo do SAF, ao dirigir a sucessão natural (inserindo ou conservando as espécies mais avançadas na sucessão e "eliminando" as que já cumpriram seu papel na sucessão, através da capina seletiva, poda e plantio adensado de consórcios), dinamiza-se a biota do solo (os dinamizadores do sistema), contribuindo com 2 Processo natural de envelhecimento ao nível celular ou o conjunto de fenômenos associados a este processo. A senescência é um processo metabólico ativo essencial para o envelhecimento. 12 minerais novamente disponíveis e criam as condições para que outras plantas menos rústicas possam então se instalar. As palmeiras, por exemplo, imobilizam grandes quantidades de Al em sua própria biomassa e fazem simbioses com fungos que atuam na liberação do P, tanto que muitas vezes se encontram raízes de muitas plantas entrelaçadas com as raízes das palmeiras. Também é comum um solo apresentar altos níveis de Al, após ter sido devastada sua vegetação natural, composta de inúmeras palmeiras em grande densidade, que antes imobilizavam aquele elemento “indesejável”. Ao se restaurar uma vegetação de palmeiras, pode-se devolver o ambiente fértil àquela “terra pobre” e ver os cupins de terra ácida serem substituídos por minhocas, cujas fezes têm um pH perto do neutro”. Principais modelos estruturais e temporais: Os SAFs têm sido classificados de diferentes formas, segundo sua estrutura no espaço, seu desenho através do tempo, a importância relativa e a função dos diferentes componentes, assim como os objetivos da produção e suas características sociais e econômicas (Macedo et. al, 2000). Os SAFs podem ser classificados de acordo com seus componentes em: Silviagrícolas ou Agrossilviculturais, compostos por espécies florestais e culturas agrícolas; Silvipastoris, compostos por espécies florestais e forrageiras para alimentação animal ou espécies florestais, forrageiras e animais e; Agrossilvipastoris, compostos por espécies florestais, culturas agrícolas e forrageiras para alimentação animal. Segundo o mesmo autor, os SAFs podem ser classificados ainda, de acordo com a disposição das espécies ao longo do tempo, como simultâneos ou sequenciais (BERNARDES apud OLIVEIRA, 2011, pág 14). Mattos (2011) afirma que “um SAF é considerado concomitante, quando todos os componentes (espécies arbóreas e agrícolas) são associados no mesmo período de tempo, durante todo o ciclo das culturas existentes. Já a combinação do SAF é considerada seqüencial, quando a relação e seqüência cronológica entre os componentes do sistema são levados em consideração”. Este mesmo autor ainda complementa, “um SAF pode ser distinguido de outro conforme o manejo adotado que tem relação direta com o seu desenho e a sua composição. Assim, pode se caracterizar como estático, quando o manejo e outras intervenções realizadas, pelo agricultor, não modificam a sua composição ou estrutura”. Porém quando esta combinação estrutural é alterada ao longo da condução do sistema, considera-se dinâmico. Segundo Vaz (2001) e citado por Silveira (2003) os “SAFRAs” ou Sistemas Agroflorestais Regenerativos e Análogos: “(...) visam a recuperação ou regeneração das funções ambientais, através da tentativa de replicar as estratégias utilizadas pela natureza para aumentar a vida dos ecossistemas, fundamentando-se na sucessão natural de espécies (vegetais e animais) e na substituição ecofisiológica das espécies vegetais, buscando formar um sistema produtivo com composição, estrutura e funcionamento semelhantes à vegetação natural do lugar, cuja dinâmica leva à complexificação do ambiente e ao aumento da biodiversidade.” Silveira (2003) chega a seguinte conclusão em relação a este modelo de agrofloresta: “sob o aspecto do aporte de nutrientes via serrapilheira, são os sistemas mais promissores na recomposição de formações vegetais de Mata Atlântica, quando comparados à Capoeira e à monocultura de banana”. São encontrados em variadas publicações, modelos de SAFs compostos por poucos componentes, ou seja, que não vislumbram a biodiversidade. Logicamente esta interpretação também é considerada válida, ao levar-se em conta que, em uma determinada área, basta 13 existir o consórcio entre um componente agrícola e um florestal para que o sistema seja considerado agroflorestal. Caso estes simplificados modelos representem transições temporárias de monocultivos à consórcios mais complexos e dinâmicos, pelo qual o proprietário tenha optado em experimentar mudanças graduais de seus plantios 3 , este será um caminho interessante. No entanto, se a opção for manter ao longo do tempo estes sistemas estáticos, com variação de espécies mínima ou nula, os ecossistemas em questão não apresentarão a mesma sustentabilidade ecológica observada, por exemplo, nos modelos de SAFRA. Peneireiro et al.; (2008) discutem esta questão da seguinte maneira: “A abordagem mais comumente encontrada a respeito de sistemas agroflorestais simultâneos ainda parte da visão reducionista da monocultura, isto é, os desenhos dos SAFs resultam de combinações simplificadas e de baixa diversidade. Embora com melhor aproveitamento dos fatores de produção (luz, água, nutrientes), apenas isso não é garantia de sustentabilidade do sistema de produção, sendo comum, a luta contra as plantas invasoras, consideradas “daninhas” e a necessidade de uso de fertilizantes e agrotóxicos”. Cultivo em Aléias (Alley Cropping) - Conforme Macedo (2000a) e citado por Costantin, (2008): “Esse sistema surgiu na Ásia, em regiões montanhosas das Filipinas, com a principal finalidade de reduzir a erosão do solo. O sistema de aléias é uma prática normalmente empregada em regiões tropicais da África e Ásia, o qual vem permitindo melhoria nas características químicas do solo (carbono orgânico e nutrientes), especialmente na camada superficial, quando comparado ao monocultivo. (...) Alley Cropping é descrito como sendo o plantio de árvores nas entrelinhas das culturas agrícolas e/ou forrageiras, para produção de biomassa foliar. O plantio das espécies florestais é feito em faixas e concomitantemente ou intermitentemente no tempo. (...) A cultura anual servirá, em alguns casos de proteção para o estágio inicial de desenvolvimento das espécies florestais ali semeadas”. Diversos experimentos têm sido realizados introduzindo-se plantas leguminosas nas entrelinhas de determinados cultivos, com a finalidade de fixação de nitrogênio e diminuição dos custos com adubação sintética. Estas entrelinhas assumem o desenho conforme interesse de seu autor, podendo ser dispostas em faixas duplas, triplas, etc. Os espaçamentos também poderão ser dos mais variados, levando-se sempre em conta as exigências de luminosidade dos cultivares agrícolas que forem consorciados. Em terrenos declivosos o alinhamento das faixas de cultivos deve seguir as curvas de nível auxiliando na prevenção da erosão do solo, através de uma captação mais eficiente das águas. Deve-se priorizar a utilização de indivíduos arbóreos ou arbustivos aptos a podas constantes, sob distintas intensidades (leve, regular ou drástica). Espécies de leguminosas como guandu (Cajanus cajan), gliricidia (Gliricidia sepium), leucena (Leucaena leucocephala), grevílea (Grevillea sp.), crotalária (Crotalaria sp.), ingá (Ingá sp.) são interessantes para estas aplicações e ainda produzem quantidade considerável de biomassa. 3 O inciso IV art. 2 da lei 7.794 de 20 de agosto de 2012 define transição agroecológica como “processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica”. 14 “Taunguia” (Taungya) - Conforme Macedo (2000a) e citado por Costantin (2008): “Modelo desenvolvido inicialmente na Europa, onde os agricultores faziam semeadura direta de sementes de espécies florestais, misturadamente com sementes de espécies agrícolas. Em 1856 o botânico alemão Dietrich Brandis introduziu o método na Birmânia, onde recebeu o nome de Taungya, que na língua local significa plantio de encosta.” Posteriormente por volta de 1870, foi muito utilizado no Sri Lanka, na Índia e na Indonésia, contendo como componente madeireiro principal a “Teca”, plantada juntamente aos cultivares agrícolas tradicionais da região. Neste modelo, quaisquer cultivares agrícolas de ciclo curto poderão inicialmente ser consorciados a espécies madeireiras introduzidas no local. Com o decorrer do desenvolvimento do sistema, as mudas de árvores crescerão e proporcionarão matéria-prima para exploração ou manejo, podendo acontecer o sombreamento dos demais cultivos. O principal produto no Taungya é a madeira, aproveitada para diversas finalidades. Dentre os fins podem se destacar: madeira serrada, lenha, carvão vegetal, polpa para celulose, madeira compensada, mourão, madeira sólida. Constitui um sistema silviagrícola de substituição florestal ou de reflorestamento, baseado em dois componentes: um florestal (principal e permanente) e outro agrícola (secundário e temporário). A espécie florestal madeireira é plantada junto a cultivos agrícolas de ciclo curto (milho, arroz, feijão e mandioca), aproveitando-se dos cuidados dos cultivos agrícolas. Quando a última safra agrícola termina, a espécie madeireira plantada já alcança boa altura. O lucro obtido pela venda dos produtos agrícolas ajuda a pagar o custo do plantio das espécies madeireiras. (MACEDO 2000a e citado por COSTANTIN 2008) Para que o pequeno produtor obtenha boas safras dos cultivos de ciclo curto e também usufrua de toros de madeira mais grossos para múltiplas finalidades, deve plantar as espécies madeireiras de forma mais espaçada, como 5m x 5m por exemplo, realizando sistemáticos tratos silviculturais que irão garantir a condução e formação adequada do fuste. Quando a perspectiva for a produção de madeira para celulose, lenha ou toros de menor calibre, as espécies arbóreas devem ser plantadas em menor espaçamento, como 2m x 2m por exemplo, que confere densidades populacionais mais elevadas ao sistema. Espécies como mogno (Swietenia macrophylla), cedro (Cedrela sp.), jatobá (Hymenaea courbaril), araribá (Centrolobium tomentosum), paricá/guapuruvu (Schizolobium parahyba), teca (Tectona grandis), seringueira (Hevea brasiliensis), erva-mate (Ilex paraguaiensis), ipê (Tabebuia sp), jequitibá (Cariniana sp.), eucalipto (Eucalypto sp.), copaíba (Copaifera langsdorfii) são muito indicadas nestas consorciações como componentes madeireiros e lenhosos. Multiestratificado - Modelo caracterizado pela consorciação de espécies florestais e agrícolas em distribuição espacial aleatória, baseando-se na fenologia e ecofisiologia de cada componente introduzido. Possibilita variadas formações dos estratos verticais (andares) e no “preenchimento” da estrutura horizontal, em um único sistema. Caso objetive a recuperação da composição, estrutura e funcionamento similares aos originais da vegetação natural, este modelo será caracterizado como um SAFRA. A dinâmica de consorciações e densidade de plantios das espécies constituintes, pode ser fundamentada nos interesses econômicos e/ou ecológicos do agricultor. Por exemplo, em 17 A introdução de espécies nativas nestas áreas poderá acontecer associadamente a tratamentos silviculturais como refinamento, podas ou aberturas de copagem, compatibilizando-se sempre a intensidade dos mesmos às condições ambientais necessárias ao bom estabelecimento dos componentes remanescentes e dos introduzidos (luz, umidade, temperatura e solo adequados). O manejo florestal sustentável (MFS), desenvolvido pelo INPA, segue estas mesmas premissas. Interplantio de cultivares ou adensamento: havendo qualquer modelo já estabelecido (implantado em campo), pode-se efetuar um adensamento de entrelinhas ou mesmo das entre mudas, introduzindo-se espécies de interesse sob condições ideais (ecofisiologia). Desta forma são alcançados maior incremento na biomassa e maior eficiência na ciclagem de nutrientes. O sombreamento e o conforto térmico serão constantemente observados após o desenvolvimento dos indivíduos introduzidos, permitindo a partir daí formações de sub- bosques e banco de plântulas no sistema. Cultivares pertencentes aos Grupos Ecológicos das Secundárias iniciais (“Psi”) ou mesmo das Não pioneiras (“NP”) são indicadas nestas atividades de adensamento ou mesmo de enriquecimento ecológico. Uso de tutor vivo - estabelecimento de estaca ou vara enterrada no solo, visando amparar plantas consorciadas que apresentem hábitos de trepar/escalar obstáculos e que necessitem de apoio/sustentação. Amplamente difundido em plantios de pimenta-do-reino, cará, feijões e vagens trepadoras, etc. A planta utilizada como “estaca-suporte” (tutor), deve ser susceptível a podas e ao sombreamento provocado pelo indivíduo sustentado. Espécies muito indicadas como tutor são gliricídia (Gliricidia sepium), mulungu (Erythrina sp.), munguba (Pachira aquática). 3) Estágios Sucessionais Na Resolução Comama Nº 6 de maio de 1994, definem-se os parâmetros mensuráveis para classificação de distintos Estágios Sucessionais Secundários da Mata Atlântica, das seguintes maneiras: Estágio Inicial: “a) fisionomia herbáceo/arbustiva, cobertura aberta ou fechada, com a presença de espécies predominantemente heliófitas; plantas lenhosas, quando ocorrem, apresentam DAP médio de 5 centímetros e altura média de até 5 metros; b) os indivíduos lenhosos ocorrentes pertencem a, no máximo, 20 espécies botânicas por hectares; c) as espécies são de crescimento rápido e ciclo biológico curto; d) a idade da comunidade varia de 0 a 10 anos; e) a área basal média é de 0 a 10 metros quadrados/hectare; f) epífitas raras, podendo ocorrer trepadeiras; g) ausência de sub-bosque; h) serrapilheira, quando existente, forma uma camada fina pouco decomposta, contínua ou não”. Estágio Médio: “a) fisionomia arbustivo/arbórea, cobertura fechada com início de diferenciação em estratos e surgimento de espécies de sombra; b) as espécies lenhosas, por sombreamento, eliminam as componentes herbáceas ou de pequeno porte do estágio inicial; c) as árvores têm DAP médio variando de 10 a 20 centímetros, altura média variando de 5 até 12 metros e idade entre 11 e 25 anos; d) sempre existe uma serrapilheira, na qual há sempre muitas plântulas; e) a área basal média varia de 10 a 28 metros quadrados/hectare; f) muitas das árvores do estágio inicial podem permanecer, porém mais grossas e mais altas; g) sub-bosque presente; h) trepadeiras, quando presentes são predominantemente lenhosas”. 18 Estágio Avançado: “a) fisionomia arbórea, cobertura fechada formando um dossel relativamente uniforme no porte, podendo apresentar árvores emergentes com sub- bosque já diferenciado em um ou mais estratos formados por espécies esciófilas; b) grande variedade de espécies lenhosas com DAP médio 20 centímetros e altura superior a 20 metros; c) comunidade com idade acima de 25 anos; d) há cipós, trepadeiras e abundância de epífitas; e) a área basal média é superior a 28 metros quadrados/hectare; f) serrapilheira sempre presente, com intensa decomposição”; Distinguem-se nas leis ambientais vigentes a vegetação primária, descrita como aquela “sem expressiva perturbação provocada pelo homem”; da vegetação secundária, descrita como a que “sofreu intervenção significativa total ou parcialmente”, sendo visíveis suas modificações funcionais ou estruturais. Estas informações são verificadas no art. 2, incisos I e II da Resolução CONAMA N° 10 de 1993. Conforme o Programa Matas Legais (2002), a grande parte dos remanescentes de Mata Atlântica ainda existentes nas pequenas e médias propriedades agrícolas, é composta de Florestas Secundárias em diferentes estágios de desenvolvimento. São eles: “Capoeirinha ou estágio inicial de regeneração: A capoeirinha surge logo após o abandono de uma área agrícola ou de uma pastagem. Esse estágio geralmente vai até 6 anos, podendo em alguns casos durar até 10 anos em função do grau de degradação do solo ou da escassez de sementes. Nas capoeirinhas, geralmente existem grandes quantidades de capins e samambaias de chão. Predominam também grandes quantidades de exemplares de árvores pioneiras de poucas espécies, a exemplo das vassouras e vassourinhas. A altura média das árvores em geral não passa dos 4 metros e o diâmetro, de 8 centímetros. Capoeira ou estágio médio de regeneração: A vegetação em regeneração natural geralmente alcança o estágio médio depois dos seis anos de idade, até os 15 anos. Nesse estágio, as árvores atingem altura média de 12 metros e diâmetro de 15 centímetros. Nas capoeiras, a diversidade biológica aumenta, mas ainda há predominância de espécies de árvores pioneiras, como as capororocas, bracatingas, ingás e aroeiras. A presença de capins e samambaias diminui, mas em muitos casos resta grande presença de cipós e taquaras. Em regiões com altitude inferior a 600 metros do nível do mar, os palmiteiros começam a aparecer. Capoeirão ou estágio avançado de regeneração: Inicia-se geralmente depois dos 15 anos de regeneração natural da vegetação, podendo levar de 60 a 200 anos para alcançar novamente o estágio semelhante à floresta primária. A diversidade biológica aumenta gradualmente à medida que o tempo passa e desde que existam remanescentes primários para fornecer sementes. A altura média das árvores é superior a 12 metros e o diâmetro médio é superior a 14 centímetros. Nesse estágio, os capins e samambaias de chão não são mais característicos. Começam a emergir espécies de árvores nobres, como canelas, cedros, sapucaias e imbuias. Nas regiões acima de 600 metros do nível do mar, os palmitos aparecem com freqüência. Os cipós e taquaras passam a crescer em equilíbrio com as árvores”. Segundo Götsch (1995) e citado por Peneireiro (1999): “Os ecossistemas naturais estão sempre mudando, numa dinâmica de sucessão das espécies, caminhando sempre para o aumento da qualidade e quantidade de vida consolidada. (...) O processo sucessional, para sua melhor compreensão, pode ser dividido em sistemas sucessionais, caracterizados por diferentes consórcios (para cada formação vegetal a combinação entre espécies varia), que podem ser vistos 19 como apresentando plantas tipicamente pioneiras, secundárias e transicionais. Os representantes de todas as fases crescem juntos, porém, em cada fase da sucessão haverá uma comunidade dominando, direcionando a sucessão. Para cada consórcio, os indivíduos das espécies mais avançadas na sucessão não se desenvolvem enquanto as iniciais não dominam. As plantas precisam ser criadas pelas antecessoras. Neste processo, pode-se dizer, pela abordagem sistêmica/dinâmica, que a planta não morre, é transformada. A transformação é justamente o que dá idéia de continuidade, de dependência entre todos os indivíduos no tempo durante todo o processo sucessional”. Ainda conforme Gotsch (1995) os estágios sucessionais podem ser divididos em três sistemas ou níveis: lignina, intermediário e de luxo. Além disso, cada um destes níveis é subdividido em estágios ou ranques de espécies, que conforme as características fisiológicas e adaptativas dos indivíduos são separadas em pioneiras, secundárias, transicionais e primárias. Inicialmente em uma área ou sistema de lignina, as plantas apresentam maior rusticidade, possuem estruturas duras e resistentes com composições simplificadas, permitindo que possam sobreviver em condições extremas de temperatura além da escassez de nutrientes e água. São componentes contendo a lignina como elemento marcante e possuindo relação C/N elevada (alta concentração carbônica), demonstrando sua formação molecular bastante elementar. Dependendo do estágio, este sistema não suporta animais de grande ou até mesmo médio porte, pelo fato de ainda produzir baixa quantidade e diversidade de alimentos. À medida que forem ocorrendo transformações energéticas proporcionadas pela ciclagem de nutrientes da cadeia trófica, as sucessões vão acontecendo dentro deste nível com as espécies se adaptando e modificando ao longo do tempo. Apresentarão, portanto, espécies em estágios mais à frente na sucessão. A partir deste momento este sistema de lignina começa a desenvolver condicionantes como incremento de matéria orgânica, aumento da umidade e fertilidade no solo, relativo conforto térmico, aumento da produção de frutos. Tais condições mais adequadas são proporcionadas devido a maior abundância dos indivíduos transicionais e primários, que permitirão o sistema realizar um “salto” para um fase seguinte, denominada intermediária. Nesta fase, serão observadas relativa abundância de frutos e relação C/N mais equilibrada, conforme os estágios forem avançando. O sombreamento e conforto térmico já são verificados com maior intensidade dentro do “mosaico” do sistema (visto de cima). Também já ocorrem animais de maior porte e cadeias tróficas mais complexas com nichos mais bem definidos. Em função do maior sombreamento as espécies herbáceas e mais rústicas do nível anterior começam a sumir do sistema, dando lugar a outras plantas no sub-bosque formado. Banco de plântulas também é encontrado com mais frequência. O solo apresenta visíveis mudanças estruturais, possibilitadas pelo estabelecimento de maior e mais diversa fauna do solo (a presença de minhocas e formigas possibilita maior aeração). No último nível ou sistema de luxo, alcançamos os menores valores em C/N (maior concentração de nitrogênio). Além disso, apresenta indivíduos maiores, mais “suculentos” do ponto de vista fisiológico/nutricional, com cadeias moleculares mais complexas e ciclagem bastante específica. Comporta animais de grande porte e possui grande capacidade de resiliência. Pode apresentar indivíduos arbóreos grossos e altos, remanescentes do nível intermediário (anterior). Nesta fase encontramos as espécies das quais o ser humano mais se beneficia. 22 há incidência de luz, altas temperaturas ou depois de passarem pelo trato digestivo de animais. Essas sementes formam o banco de sementes no chão da floresta. Compreendendo o papel das plantas que crescem espontaneamente para encher de vida uma área aberta, com solo exposto, é mais fácil lidar com as plantas espontâneas, muitas vezes chamadas de invasoras ou daninhas. O que acontece em solos já trabalhados pela agricultura convencional durante muitos anos é que o banco de sementes de árvores é praticamente eliminado e há predominância quase que exclusiva de gramíneas, que produzem elevado número de sementes e de fácil dispersão, sendo muito agressivas e de difícil erradicação”. “Micronutrientes não formam substâncias orgânicas; eles apenas ajudam a formá- las. São uma espécie de ajudantes indispensáveis. (...) As plantas carentes dos mesmos crescem menos, são mais fracas e mais suscetíveis ao frio, à seca, e a pragas e doenças. Por exemplo: se faltar cobre, a planta torna-se menos resistente ao calor e aos fungos. Se faltar boro, as raízes ficam miúdas, são atacadas por nematoides, o broto não se levanta e morre. Míldio e ferrugem somente aparecem em plantas carentes de boro e cobre. Quando falta zinco, as folhas são mal desenvolvidas, miúdas e facilmente atacadas por bactérias” (PRIMAVESI, 1992). Solos utilizados sob o modelo de monocultivo têm suas biodiversidades e taxas de nutrientes reduzidas, gerando a necessidade constante da aplicação de agrotóxicos e adubos químicos. Estas práticas exterminam toda a vida presente nos solos e estimulam a manifestação de doenças em plantas aparentemente sadias (desequilíbrio). Primavesi (1992) faz uma análise bastante contundente à este respeito: “cada monocultura invariavelmente “cria” pragas e doenças. Não somente retira sempre os mesmos nutrientes da terra mas excreta também sempre as mesmas substâncias. A planta “defeca”, como qualquer animal. Ela também tem seu lixo metabólico, que expulsa para a terra e que serve de alimento para micróbios, e estes por sua vez alimentam minúsculos animais. E assim se processa a cadeia alimentar até os insetos. E, como as mesmas plantas excretam sempre as mesmas substâncias, alimentam sempre a mesma vida. É uma seleção em que somente alguns poucos conseguem viver bem nessas circunstâncias. Os outros desaparecem ou morrem. E, de repente, o homem consta que “sumiu o inimigo natural”. Morreu faminto!” Paradigmas estabelecidos pelo conhecimento reducionista são “quebrados” ao se perceber mais profundamente a dinâmica ecossistêmica de manifestação da vida. A partir desta compreensão global, termos como “praga” ou “erva daninha” passam a assumir valor pejorativo, pois elucida-se o fato de que os organismos classificados destas maneiras desempenham funções específicas ao longo das cadeias vitais, inclusive influenciando o metabolismo dos seres vivos relacionados. Ao longo da história da humanidade, somam-se diversos exemplos envolvendo organismos antes considerados temíveis ou nocivos e que após o desenvolvimento de estudos aprimorados sobre os mesmos, foram compreendidas suas verdadeiras funções e origens, passando desta maneira a considerá-los relevantes no contexto ambiental. A questão central passa a ser então, sob quais circunstâncias e condições estes organismos “espontâneos” e “indicadores” se manifestam nos ambientes e de que forma respondem aos estímulos externos. Até as criaturas que costumamos classificar de pragas ou parasitas têm sua função. A moderna agronomia não estaria trabalhando com enxurradas de venenos se não tivesse esquecido que a “praga” só ataca hospedeiro doente, desequilibrado, desajustado. Atacando somente os indivíduos marginais dentro das populações, os organismos parasitas constituem- se em mais um crivo da seleção natural, que esmera constantemente as espécies, faz surgir sempre mais diversidade, sempre mais sinergismo, sempre mais ciclos e epiciclos de reciclagem dos recursos dos quais se serve a vida (LUTZENBERGER, 1990). 23 4) Agricultura familiar, população tradicional, pequena propriedade, APP, RL e DAP Conforme o art. 3 da Política Nacional da Agricultura Familiar (Lei Nº 11.326 de Julho de 2006): “considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais 5 ; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011) IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (...) § 2 o São também beneficiários desta Lei: I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores; IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente. V - povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput do art. 3º; (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011) VI - integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II, III e IV do caput do art. 3º. (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011)” O art. 3 inciso II da lei 11.428 de 2006, conceitua população tradicional como aquela “vivendo em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental”. O conhecimento ou saberes locais são fundamentais no estabelecimento da relação destas populações com atividades ambientais como a agricultura e a silvicultura. “(...) as populações do campo são portadoras de um saber legítimo, construído por meio de processos de tentativa e erro, de seleção e aprendizagem cultural, que lhes permitiram captar o potencial dos agroecossistemas com os quais convivem há gerações. (...) Basta lembrar que a esmagadora maioria das espécies agrícolas e dos animais domésticos atualmente existentes é obra do trabalho coletivo e milenar dos povos camponeses, e não de institutos de pesquisa, universidades ou empresas. (...) Trata-se da coevolução entre ambientes naturais e os aspectos socioculturais que atuaram nestes sistemas durante gerações...” (CALDART, et al., 2012) 5 Módulo fiscal é uma unidade de medida agrária usada no Brasil, instituída pela Lei nº 6.746, de 10 de dezembro de 1979. É expressa em hectares e é variável para cada região e município. 24 Diegues (2001) afirma prevalecerem as relações sociais e culturais na determinação do modelo de desenvolvimento humano destas atividades ambientais: (...) não é simplesmente a natureza, as limitações geográfico-ambientais que motivam um tipo específico de exploração dos recursos naturais da floresta, mas sim as formas com que se configuram as relações sociais, suas racionalidades intencionais, seus objetivos de produção material e social (lucro versus auto- subsistência, por exemplo). (...) o elemento fundamental vem mais da cultura e das capacidades produtivas de uma sociedade que das condições naturais. No Código Florestal Art. 1 § 2 o inciso I 6 , define-se: “Pequena propriedade rural ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agroflorestal ou do extrativismo, cuja área não supere: a) cento e cinqüenta hectares se localizada nos Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e nas regiões situadas ao norte do paralelo 13 o S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44 o W, do Estado do Maranhão ou no Pantanal mato-grossense ou sul-mato-grossense; b) cinqüenta hectares, se localizada no polígono das secas ou a leste do Meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão; e c) trinta hectares, se localizada em qualquer outra região do País”; O inciso II 5 do mesmo parágrafo define como Área de preservação permanente (APP): “área protegida nos termos dos arts. 2 o e 3 o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”; Em seguida, o inciso III 5 define como Reserva Legal (RL): “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”; (...) Art. 41: “Os estabelecimentos oficiais de crédito concederão prioridades aos projetos de florestamento, reflorestamento ou aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços, obedecidas as escalas anteriormente fixadas em lei. Parágrafo único: Ao Conselho Monetário Nacional, dentro de suas atribuições legais, como órgão disciplinador do crédito e das operações creditícias em todas suas modalidades e formas, cabe estabelecer as normas para os financiamentos florestais, com juros e prazos compatíveis, relacionados com os planos de florestamento e reflorestamento aprovados pelo Conselho Florestal Federal”. Os financiamentos citados no art. 41 são representados pelos diversos programas governamentais criados desde a data do referido código em 1965. O agricultor que necessitar ter acesso ao crédito, deverá possuir DAP. Conforme o Manual de Crédito Rural do Banco Central do Brasil, Capítulo 10: “Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP: É o instrumento que identifica os agricultores familiares e/ou suas formas associativas organizadas em pessoas 6 Incluídos pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001. 27 quantidade e regularidade. O PAA também incentiva a formação de estoques estratégicos de alimentos e permite aos agricultores familiares armazenarem produtos, para a comercialização em momentos mais propícios. Neste programa, estes produtos apresentam vantagens, pois o governo paga até 30% a mais do preço em relação ao alimento convencional. Além disso, promove também a inserção desses alimentos no mercado institucional, como no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Para se adequar ao programa, o agricultor deve possuir DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf) ou mesmo DAPAA (Declaração de Aptidão ao Programa de Aquisição de Alimentos), voltado aos trabalhadores rurais sem terra. PNAPO (Politíca Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica) Instituída em 20 de Agosto de 2012 através do decreto N° 7.794, expõe no 1° artigo seus objetivos: “integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis”. No art. 3 são definidas as diretrizes deste plano: I - promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada e saudável, por meio da oferta de produtos orgânicos e de base agroecológica isentos de contaminantes que ponham em risco a saúde; II - promoção do uso sustentável dos recursos naturais, observadas as disposições que regulem as relações de trabalho e favoreçam o bem-estar de proprietários e trabalhadores; III - conservação dos ecossistemas naturais e recomposição dos ecossistemas modificados, por meio de sistemas de produção agrícola e de extrativismo florestal baseados em recursos renováveis, com a adoção de métodos e práticas culturais, biológicas e mecânicas, que reduzam resíduos poluentes e a dependência de insumos externos para a produção; IV - promoção de sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura e do extrativismo florestal, e priorizem o apoio institucional aos beneficiários da Lei nº 11.326, de 2006; V - valorização da agrobiodiversidade e dos produtos da sociobiodiversidade e estímulo às experiências locais de uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, especialmente àquelas que envolvam o manejo de raças e variedades locais, tradicionais ou crioulas; VI - ampliação da participação da juventude rural na produção orgânica e de base agroecológica; e VII - contribuição na redução das desigualdades de gênero, por meio de ações e programas que promovam a autonomia econômica das mulheres. MATERIAIS E MÉTODOS:  Descrição espacial das áreas manejadas, através da leitura do padrão paisagístico e análise das técnicas utilizadas: Foi feita a observação das áreas cultivadas, visando a interpretação dos arranjos espaciais e temporais, nos diferentes mosaicos/modelos adotados pelos agricultores. O padrão paisagístico descrito no presente trabalho foi composto por croqui de uma parcela contendo 100m 2 de área, a cada unidade representativa de agrofloresta. A opção por esta forma de análise visa a observação expedita, não havendo, portanto, aplicação estatística. 28 A prática de desenho agroflorestal permite um planejamento mais eficiente na distribuição espacial dos componentes e melhor acompanhamento no desenvolvimento destes sistemas. O planejamento sempre deverá levar em conta a necessidade de luz, o porte, o sistema radicular e a adaptabilidade de cada espécie aos lugares trabalhados. Os tamanhos das áreas foram estimados junto aos agricultores, utilizando-se de caminhadas de reconhecimento, além da técnica do mapa falado 9 , no qual o entrevistado retrata no papel a localização e composição dos diferentes trechos, permitindo um melhor entendimento da distribuição de suas áreas (setorização ou zoneamento). Esta técnica representa uma das ferramentas do Diagnóstico Rural Participativo (DRP) 10 , permitindo o autogerenciamento dos agroecossistemas, através do desenvolvimento da capacidade de análise das comunidades envolvidas.  Aplicação de entrevistas abertas, para o registro de aspectos característicos e a obtenção de indicativos sócio-econômico-culturais: Foram entrevistados 13 pequenos(as) ou médios(as) agricultores(as) em diferentes localidades da cidade de Paraty. O sistema aberto de perguntas foi escolhido, pelo fato de possibilitar uma exploração mais ampla das questões envolvendo a realidade local. Conforme menciona Minayo (1993) e citado por Boni e Quaresma (2005): “a entrevista aberta é utilizada quando o pesquisador deseja obter o maior número possível de informações sobre determinado tema, segundo a visão do entrevistado, e também para obter um maior detalhamento do assunto em questão. Ela é utilizada geralmente na descrição de casos individuais, na compreensão de especificidades culturais para determinados grupos e para comparabilidade de diversos casos”. Ainda segundo Boni e Quaresma (2005), esta forma de entrevista tem como vantagens a elasticidade na duração e o favorecimento de respostas espontâneas (conseqüências da troca afetiva mais próxima entre as partes - entrevistador e entrevistado). Foram registrados valores relacionados aos volumes de produtos comumente disponíveis para venda, baseando-se nos próprios registros de controle dos agricultores entrevistados. Para efeito das entrevistas, considera-se: POSSEIRO - Pessoa que detém de fato a posse de uma gleba de terra, mas não é o dono de direito, não possuindo assim documentação e registro em cartório (título legítimo), como por exemplo, quem ocupa terras devolutas sem registro e titulação em cartório. O tamanho desta terra não interfere na designação de posseiro. Pode se tratar de um morador antigo em uma terra devoluta ou privada (por mais de um ano e um dia), ou mesmo usufruir da terra através da contratação de mão de obra de terceiros, sem nela fazer sua morada definitiva. O assentado da reforma agrária, antes de receber o título definitivo de propriedade do imóvel, como doação por parte do Governo Federal, também é um posseiro, usufruindo por ocupação uma terra da União. ASSENTADO - Ramiro (2010) realiza uma leitura bastante interessante sobre o que se define e representa, sob a ótica da União, um assentado de reforma agrária: 9 Faria & Neto, 2006, p. 23-30. 10 Verdejo, 2006, p. 6. 29 “Para chegar à definição de assentado, a portaria do MDA parte do conceito de assentamento, o qual é o qualificador da categoria assentado como ocupante deste tipo de território. Segundo a definição federal, o assentamento é entendido como uma: Unidade Territorial obtida pelo programa de Reforma Agrária do Governo Federal, ou em parceria com Estados ou Municípios, por desapropriação; arrecadação de terras públicas; aquisição direta; doação; reversão do patrimônio público, ou por financiamento de créditos fundiários, para receber em suas várias etapas, indivíduos selecionados pelos programas de acesso à terra. (Anexo/ Portaria MDA N 80, de 24/04/2002). Mesmo reconhecendo a diversidade nas formas originárias que um assentamento pode apresentar, para fins de políticas públicas, o assentado aparece como: O candidato inscrito que, após ter sido entrevistado, foi selecionado para ingresso ao Programa de Reforma Agrária, lhe sendo concedido o direito de uso de terra identificada, incorporada ou em processo de incorporação ao Programa. (ibidem)”. TITULADO – Título fundiário, concedido pela União ou pelo Estado à comunidades que se autodeclararem quilombolas (descendentes de escravos). A regularização ocorre somente após comprovação antropológica destas informações junto à fundação Palmares e ao INCRA.  Leitura interpretativa do Código Florestal e demais normas ambientais nacionais (SNUC, Resoluções CONAMA, Instruções Normativas), relacionando conceitos e diretrizes existentes nestas leis aos sistemas agroflorestais e suas práticas de manejo: Existem na legislação ambiental brasileira, variadas normas que abordam intervenções silviculturais. E estas são determinadas baseando-se nas caracterizações e classificações gerais dos ecossistemas, tornando possíveis a utilização e o manejo de locais contendo árvores ou mesmo florestas já estabelecidas. Portanto, foi feita a interpretação destas leis, no sentido de relacioná-las com os tipos de uso da terra. Considerando todos os aspectos mencionados neste item, o presente trabalho busca obter um conjunto de dados a respeito dos sistemas agroflorestais e dos agricultores envolvidos com a prática destes sistemas, na região de Paraty. COLETA E REGISTRO DE DADOS NO CAMPO: Foi elaborada inicialmente, junto ao biólogo Miguel Seabra, da Prefeitura de Paraty, uma lista de potenciais agricultores da região que se encaixariam no tema proposto. A partir daí estes atores sociais foram contatados, para esclarecimento dos objetivos do trabalho e para agendamento das visitas, conforme disponibilidade dos mesmos. As idas a campo ocorreram durante os meses de dezembro de 2011 e janeiro de 2012. Na chegada em cada estabelecimento rural, o primeiro contato se estabelecia com uma caminhada junto ao agricultor, pelas áreas da propriedade. Nesta primeira ocasião era possível observar como cada entrevistado interpretava seus agroecossistemas. Em segundo momento eram realizadas as entrevistas abertas, em local escolhido pelos entrevistados, de forma a permitir que cada um deles ficasse o mais à vontade possível. Foram utilizadas, nestas duas primeiras etapas, uma câmera fotográfica, um GPS e um caderno de anotações para o registro das informações. Então, em terceiro momento, era selecionada uma ou mais parcelas de 100m 2 por propriedade visitada, levando-se em conta as distintas dinâmicas de condução e formação dos SAFs pelos agricultores. Nesta etapa foi utilizada uma prancheta para o desenho dos croquis. 32 Outro fato importante foi a construção das usinas nucleares Angra I e II, iniciadas nas décadas de 70 e 80 do último século 11 . Ocasionaram forte crescimento demográfico numa região, até então, de pequenas densidades populacionais. Na última década, as populações total e urbana sofreram aumento, em contraponto à população rural que tem diminuído. Segundo dados do IBGE entre os censos de 2000 e 2010, a população total passou de 29,5 mil para 37,5 mil habitantes. Enquanto a população urbana quase duplicou passando de 14,1 mil para 27,9 mil habitantes, a rural sofreu uma redução de mais de 35% passando de 15,5 mil para 9,8 mil habitantes. O município possui 925 Km 2 e apresenta diferentes unidades de conservação, tanto de uso sustentável quanto de proteção integral, distribuídas por todo o território. A grande maioria das propriedades rurais locais está presente dentro ou nas zonas de amortecimento destas unidades. Além disso, existem diversos locais de posse ou tombados pelo IPHAN, demonstrando assim os diversos contextos aos quais estão envolvidos os atores sociais destes ambientes. A cidade dispõe de um Mercado Municipal do Produtor Rural, contendo 12 boxes estruturados com balcão para venda e local de estocagem da produção. Foi criado com o intuito de permitir a exposição e a venda da produção de agricultores locais. Na tabela de “Dimensões do módulo fiscal por município”, presentes na Instrução Especial/Incra/nº 20 de 28 de maio de 1980, a cidade de Paraty possui 1 (hum) módulo fiscal equivalente a 16 ha. Portanto qualquer agricultor localmente, que possuir até 64 hectares (4 módulos fiscais), será considerado familiar. E conforme o código florestal, qualquer propriedade da região sudeste, possuindo até 30 hectares é considerada pequena. Devido a grande importância regional, surgiram na década de 2000 ações práticas dos sistemas agroflorestais envolvendo a implantação de unidades experimentais, em diferentes comunidades e assentamentos. Denominado Prodetab-Paraty 12 , o projeto foi elaborado e executado pela parceria entre IDACO, Embrapa Agrobiologia e o Departamento de Silvicultura da UFRRJ. Entre os objetivos estavam, implantar modos auto-sustentáveis de produção, melhorar a qualidade da vida econômica, social e ambiental das famílias atuantes e, por fim, possibilitar a adequação da legislação ambiental em relação à utilização das práticas agroflorestais em áreas de uso restrito. A partir de 2005 surge outro projeto no contexto rural local, intitulado PDA-Paraty ou “Desenvolvimento Participativo Sustentável das Comunidades Rurais de Paraty”. Esta iniciativa fomentou a produção, estabelecimento e distribuição de mudas localmente, ampliando ainda mais as práticas dos sistemas agroflorestais através de maior interação entre as organizações comunitárias possibilitando assim a troca de experiências além de novos intercâmbios. No ano de 2009, o IDACO firmou um convênio junto à Prefeitura Municipal, visando reativar o Horto Municipal, antes abandonado, com o objetivo de maior distribuição de mudas, localmente, para os agricultores. Em 2010, o IDACO encerrou sua atuação no município. Já em 2011, a Secretaria de Pesca e Agricultura efetivou um Técnico em Agroecologia no município, que desde então vem administrando o Horto e organizando o Coletivo de Agroecologia de Paraty (CAP) para a realização de uma Feira Agroecológica. 11 http://pt.wikipedia.org/wiki/Angra_1 e http://pt.wikipedia.org/wiki/Angra_2 12 Desenvolvimento de sistemas alternativos para a recuperação de áreas degradadas e geração de renda em comunidades tradicionais do entorno de unidades de conservação da Mata Atlântica. 33 FIGURA 5: FEIRA AGROECOLÓGICA DE PARATY - DIVERSIDADE DE PRODUTOS OFERECIDOS. (Fonte: arquivo do autor) RESULTADOS E DISCUSSÃO: As ferramentas de DRP 13 , aplicadas durante as visitas de campo, revelaram-se fundamentais à aproximação e obtenção de indicadores das circunstâncias nas quais se encontram os agricultores. Para Vivan (2002): “qualquer trabalho numa comunidade prevê um período de sensibilização, (...) a primeira fase é a geração de indicadores e uma tipificação a partir de um diagnóstico participativo, gerando saberes que serão básicos para se alcançar a sustentabilidade econômica, social e ambiental dos sistemas de produção. Para depois juntando parcerias, mutirões de agricultores e técnicos, realizar experiências concretas, enfim, sistemas que funcionem localmente”. Floriani et al., (2008) ainda complementa: “Este conjunto amplo de indicadores formará um referencial para gerar um ponto de partida dos contextos locais. (...) a interface viável frente a essa complexidade deve ser construída a partir de um processo participativo que encontre “ganchos” em princípios comuns - de ecologia, de organização social, política e de economia - presentes no cotidiano de técnicos e agricultores. Esses se materializam na rotina e podem ser, então, constituídos como indicadores junto com os tomadores de decisão de nível local (os agricultores e técnicos de campo)”. Neste sentido, abaixo são mostrados os resultados dos processamentos envolvendo os principais pontos abordados nas entrevistas: 13 Diagnóstico Rural Participativo 34 FIGURA 6: PERCENTUAIS DE AGRICULTORES QUE POSSUEM DAP 14 e QUE JÁ UTILIZARAM FOGO. N° DE AMOSTRAS = 13. De acordo com a figura 5, a minoria dos agricultores entrevistados possui DAP, dificultando desta maneira o acesso ao PRONAF. Muitas vezes, a impossibilidade em regularizar a condição de ocupação da terra (Certidão de regularidade fiscal do imóvel, DITR...) ou até mesmo de disponibilizar notas de comercialização da produção como comprovante da renda anual, revelam-se barreiras à aproximação destes agricultores aos programas governamentais disponíveis. A responsabilidade nas emissões dos DAPs, fica a critério de órgãos como EMATER, Sindicatos de Trabalhadores Rurais (CONTAG, FETRAF...), FUNAI, INCRA ou demais órgãos cadastrados junto ao MDA. Já a grande maioria destes agricultores, utilizava o fogo para limpeza das roças. Os possíveis prejuízos ambientais e à saúde coletiva, oriundos desta prática milenar, são muitos. O uso contínuo desta técnica empobrece e deteriora o solo, matando toda a vida presente nele e gerando entropia ou simplificação. O problema do uso do fogo não se relaciona ao aquecimento dos solos, mas sim a degradação da matéria orgânica presente, além da exposição da terra aos raios solares e impactos da chuva. Matéria orgânica é o alimento da vida na terra e torna o solo poroso, permitindo a entrada de ar e água que são fundamentais ao desenvolvimento das plantas. “O solo protegido e com muitos poros, graças à atividade das minhocas, outros animais e microorganismos, funciona como uma esponja, que propicia a alimentação do lençol freático. Assim, ao invés de escorrer, como enxurrada, a água penetra no solo” (PENEIREIRO et al.; 2008). Em tempos atuais verificam-se alternativas mais interessantes para “limpar” os solos, baseadas em métodos racionalmente sustentáveis que geram maior retorno produtivo e ambiental. O papel da extensão agroecológica foi determinante na quebra deste paradigma, sendo constatada após realização das visitas e entrevistas, que nenhum destes atores sociais permanece usando o fogo em suas roças. 14 Documento de Aptidão ao PRONAF 37 consumidas no lar, doadas a vizinhos ou mesmo nem são colhidas, tornando-se assim alimento para animais e para o solo. Este fato acontece, em função do tempo e mão de obra muitas vezes serem insuficientes para coletar a real produção dos locais manejados. FIGURA 10: PERCENTUAIS TOTAIS DE COMPONENTES UTILIZADOS NOS SAFs e DE COMPONENTES COMUMENTE COMERCIALIZADOS. N° DE AMOSTRAS = 13. De acordo com a figura 9, a maior parte dos agricultores cultiva entre 40 e 79 componentes, comprovando a grande diversificação produtiva em suas roças e quintais. Sosa et al.; (2012) destacam traços marcantes, desenvolvidos historicamente pela agricultura familiar e camponesa: “Este modelo de agricultura baseia-se na diversificação de culturas, na não utilização de agrotóxicos e na harmonia entre todos os seres vivos da natureza”. (...) é também o único que pode produzir alimentos sadios e viabilizar uma política de soberania alimentar (...). Como nos advertia José Marti: “Um povo que não consegue produzir seus próprios alimentos é um povo escravo”. O número total de componentes comumente comercializados, varia de 0 a 7 para a maioria dos entrevistados. Este índice de comercialização é considerado baixo, quando comparado à totalidade de componentes cultivados em cada propriedade. Tal resultado pode ser interpretado como consequência da necessidade principal destes agricultores, em cultivar alimentos para subsistência da família. Caso sejam disponibilizados localmente, investimentos e apoio de qualidade por parte dos órgãos de assistência técnica e prefeitura, a venda local de produtos agroecológicos se apresentará como importante atividade complementar para estas famílias envolvidas. Os gráficos exibidos a seguir (por meio de duas figuras), demonstram os percentuais de dificuldades relacionados a variados aspectos do meio rural e obtidos por meio do relato dos agricultores. Como forma de classificação, foram definidas 4 categorias e devidamente associadas às respostas concedidas pelos entrevistados. São elas: “SIM”, quando existem dificuldades envolvendo o aspecto relacionado e as limitações permanecem; “PARCIALMENTE”, quando existem dificuldades, porém as limitações foram minimizadas por qualquer motivo ou circunstância; “NÃO”, quando não existem dificuldades envolvendo o aspecto relacionado; “ABSTEVE-SE”, quando o entrevistado optou por não opinar sobre o ponto em questão. 38 FIGURA 11: PERCENTUAIS TOTAIS DE DIFICULDADES ENVOLVENDO OS ASPECTOS DE BENEFICIAMENTO, ASSISTÊNCIA TÉCNICA, JUVENTUDE NO CAMPO e FORMAÇÃO DE UMA ASSOCIAÇÃO. N° DE AMOSTRAS = 13. Na figura 10, é verificado que a expressiva maioria dos entrevistados encontra dificuldades, total ou parcialmente nos quatro quesitos relacionados. Destacam-se a “assistência técnica” e o “beneficiamento da produção”, por apresentarem os maiores índices de problemas confirmados através das entrevistas. Conforme Alentejano (2004) e citado por Mattos (2011), existe um grande impacto turístico ocorrendo na região ao afirmar que: “a valorização da área para fins turísticos com a construção da BR-101, associada à crise da produção da banana favorecia a estratégia dos latifundiários de reconversão do uso da terra na região (da monocultura da banana para os grandes empreendimentos turísticos e imobiliários) às custas da expulsão dos trabalhadores rurais e sob o manto da proteção ambiental.” “Várias empresas, inclusive multinacionais, estão hoje participando da especulação de terras nesses municípios. (...) Até mesmo uma empresa pública federal. (...) Os investimentos governamentais estão longe de beneficiarem os camponeses que vem dando à terra a sua função social. São vítimas de violência de toda ordem. Há casos de comunidades inteiras (...) onde as famílias foram desalojadas para dar lugar a um empreendimento turístico hoje conhecido como Porto Galo. Ou então a Fazenda Paraty Mirim, desapropriada em 1960 “para fins de colonização agrícola”, hoje exibindo luxuosas mansões de ilustres personalidades e de onde foram expulsos quase todos camponeses. Os pouquíssimos que lá ficaram são caseiros daquelas mansões” (PACHECO apud MATTOS, 2011, pág. 48). O foco político local direcionado ao potencial turístico, viabiliza a forte especulação imobiliária. Além disso, a falta de incentivos e a ausência de assistência técnica rural de qualidade, por parte da Prefeitura e Emater, são descritas pela maioria dos agricultores entrevistados como dificultadores do processo de permanência na terra. Findam por gerar o desestímulo com conseqüente enfraquecimento destas famílias nas zonas rurais, levando-as a vender lotes de seus terrenos e ocasionando a intensa urbanização destas comunidades. 39 Os resultados obtidos com relação aos aspectos “beneficiamento da produção” e “formação de uma associação” denotam exatamente a visão dos entrevistados em relação a esta desestruturação/desarticulação da classe de agricultores, consequência da carente assistência técnica local. Fatores como estes propiciam a exclusão da juventude no campo, pelo fato dos jovens não enxergarem um futuro estável financeiramente para suas famílias. Este processo é muito bem retratado por Sosa et al. (2012): “No mundo inteiro a família camponesa está em crise. Por um lado a realidade econômica do campo e a penúria do trabalho agrícola fazem com que, na maioria dos países, a juventude não veja futuro no campo e termine por integrar-se aos fluxos migratórios para a cidade (...)”. O beneficiamento da produção permite ao agricultor acrescentar substancial valor ao seu produto. Caso este processo esteja ainda relacionado ao trabalho coletivo de uma associação de agricultores, o grupo envolvido poderá de forma organizada e capacitada constituir uma agroindústria, garantindo desta maneira volumes de produção compatíveis às demandas de mercado e que apresentem preços acessíveis aos consumidores. FIGURA 12: PERCENTUAIS TOTAIS DE DIFICULDADES ENVOLVENDO OS ASPECTOS DE COLETA DE SEMENTES, PRODUÇÃO DE MUDAS, MÃO DE OBRA e LOCAL PRA VENDA. N° DE AMOSTRAS = 13. Para os quesitos “coleta de sementes” e “produção de mudas”, parte considerável dos entrevistados desenvolveu instrumentos com materiais encontrados em suas propriedades, como forma de contornarem ou amenizarem as limitações existentes, devido à falta de equipamentos e insumos relacionados a estes aspectos. A carência de mão de obra é verificada em mais da metade das famílias visitadas. Revela-se um indicativo da fragilização do setor agrícola localmente. Em apenas três propriedades visitadas, o agricultor conta com mais de uma pessoa para auxílio. Em relação a “local para venda”, mais da terça parte dos agricultores utiliza-se de outras formas para comercializarem suas produções, não sendo estas ligadas ao mercado 42 Fica explícita a possibilidade de adequação do manejo agroflorestal em áreas de Reserva Legal, como garantia de manutenção sustentável do ambiente. A citação “cultivadas em sistemas intercalar ou em consórcio com espécies nativas” refere-se a situações em que árvores frutíferas ornamentais ou industriais (que podem ser compostas por espécies exóticas), são cultivadas associadamente de forma simultânea ou seqüencial às espécies nativas da região, permitindo assim a inclusão destes locais como percentual da reserva. § 9 o : “A averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário”. Torna-se mister o suporte técnico por parte do poder público, para a averbação da reserva legal nas pequenas propriedades, sendo este um serviço gratuito. Art. 37 - A: “Não é permitida a conversão de florestas ou outra forma de vegetação nativa para uso alternativo do solo na propriedade rural que possui área desmatada, quando for verificado que a referida área encontra-se abandonada, subutilizada ou utilizada de forma inadequada; (...) § 1 o : (...) ressalvadas as áreas de pousio na pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional”. Portanto, não será permitida a conversão de florestas para qualquer fim, caso constate-se que exista área desmatada na propriedade, por motivo de abandono ou utilização inadequada. O § 1 o é bem conciso na ressalva desta questão, em relação à locais de pousio em posses ou propriedades rurais. LEI DA MATA ATLÂNTICA (Lei N° 11.428 de 2006): Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências. Conforme art. 3 inciso III presente no Título I Capítulo I, define-se como pousio “a prática que prevê a interrupção de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais do solo por até 10 (dez) anos para possibilitar a recuperação de sua fertilidade”. A prática de “descanso da terra” foi uma das técnicas mais aplicadas ao longo da história da agricultura no mundo e ainda é bastante encontrada em diversas regiões do nosso país, através de variadas formas de condução da recuperação. Outros métodos vêm sendo adotadas por agricultores que ainda utilizam esta prática. No chamado pousio melhorado é realizado o enriquecimento de áreas em descanso/repouso, através do plantio de espécies arbóreas. Esta técnica possibilita maiores cobertura do solo, diversidade biológica e conforto térmico. Serviços importantíssimos a locais que anteriormente receberam atividades impactantes e necessitam, portanto, de condições adequadas ao restabelecimento do equilíbrio dinâmico. O inciso VIII alínea b deste mesmo artigo define manejo agroflorestal sustentável como atividade relacionada ao interesse social, de forma idêntica como consta no Código Florestal. Art. 9: “A exploração eventual, sem propósito comercial direto ou indireto, de espécies da flora nativa, para consumo nas propriedades ou posses das populações tradicionais ou de pequenos produtores rurais, independe de autorização dos órgãos competentes, conforme regulamento”. 43 O corte eventual de madeira dentro da propriedade ou posse, para consumo próprio, permite a populações tradicionais e pequenos produtores extraírem espécies nativas na propriedade, sem necessitar de autorização técnica. Obviamente que para cada ecossistema ou local, são estabelecidas diretrizes e métodos para interferências sustentáveis e este artigo não se refere à APPs. Art. 10: “O poder público fomentará o enriquecimento ecológico da vegetação do Bioma Mata Atlântica, bem como o plantio e o reflorestamento com espécies nativas, em especial as iniciativas voluntárias de proprietários rurais. § 1 o : Nos casos em que o enriquecimento ecológico exigir a supressão de espécies nativas que gerem produtos ou subprodutos comercializáveis, será exigida a autorização do órgão estadual ou federal competente, mediante procedimento simplificado”. Nos manejos visando o enriquecimento ecológico, plantios ou reflorestamentos em áreas de mata atlântica, poderão ser autorizadas supressões de espécies nativas, que porventura dificultem ou inviabilizem os processos de restabelecimento do equilíbrio ecossistêmico. Estes procedimentos ocorrerão mediante processo de autorização simplificado, junto ao órgão estadual ou federal competente. Mostram-se claros os interesses por parte do poder público de fomentar iniciativas de enriquecimento vegetacional em propriedades rurais existentes no bioma. Art. 14: “(...) a vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida nos casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto (...)”. (...) Art. 23: “O corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio médio de regeneração somente serão autorizados”: (...) Inciso 3 o : “quando necessários ao pequeno produtor rural e populações tradicionais para o exercício de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais imprescindíveis à sua subsistência e de sua família, ressalvadas as áreas de preservação permanente e, quando for o caso, após averbação da reserva legal, nos termos da Lei n o 4.771, de 15 de setembro de 1965”. Destaca-se aqui a possibilidade de supressão de vegetações secundárias em estágio médio, para fins de interesse social, caso não haja opção técnica ou locacional mais exeqüível e viável à implementação do referido manejo (idem às determinações do Código Florestal, em relação à supressão de Áreas de Preservação Permanente). Sendo devidamente fundamentadas e caracterizadas no órgão ambiental estadual competente, tais práticas poderão ser autorizadas. Como referência aos casos definidos por “interesse social” no código florestal, os SAFs têm possibilitado diversas discussões e pesquisas no meio científico, em que se buscam maiores entendimentos sobre as metodologias, além da adoção de modelos mais viáveis e sustentáveis. Muitas destas conclusões da ciência culminam em resultados positivos, servindo como bases fundamentadas às leis em vigor. O inciso III presente no art. 23 ratifica a possibilidade da exploração racional de toros com conseqüente enriquecimento ecológico em locais apresentando vegetações secundárias em estágio médio (que não sejam APPs). Trata-se de uma alternativa interessante a ser abordada junto aos órgãos ambientais, principalmente quando envolver atividades agrícolas, pecuárias ou silviculturais imprescindíveis à sobrevivência familiar de pequenos produtores ou populações tradicionais. Neste ponto observa-se claramente a importância da averbação da 44 reserva legal, mediante a qual se estabelece uma área que deverá ser manejada utilizando-se práticas metodológicas sustentáveis. Art. 28: “O corte, a supressão e o manejo de espécies arbóreas pioneiras nativas em fragmentos florestais em estágio médio de regeneração, em que sua presença for superior a 60% (sessenta por cento) em relação às demais espécies, poderão ser autorizados pelo órgão estadual competente, observado o disposto na Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965”. Este artigo salienta possibilidades intervencionistas nos fragmentos em estágio regenerativo médio, através da retirada de indivíduos remanescentes dos estágios iniciais. A aplicação desta técnica visa facilitar o avanço do processo sucessional nestes locais, necessitando para isso, ser comprovada através de inventário florestal, a presença de indivíduos pioneiros nativos acima de 60% do total de espécies. Uma metodologia de SAF bastante aplicável seria o raleio seletivo e racional 16 de árvores e arbustos para abertura planejada de clareiras e de sub-bosques, incluindo posterior enriquecimento ecológico. Estas intervenções deverão ser baseadas no entendimento da sucessão natural de matas nativas e na capacidade de resiliência de cada ambiente 17 . As técnicas de podas de condução e incorporação de matéria morta sobre o solo serão de suma importância nestes manejos, pois objetivam dinamizar a condução do fluxo energético dentro do ecossistema e permitem que sejam renovados ciclos específicos de nutrientes. O enriquecimento ecológico direcionado nestes níveis de conservação, pode trazer além dos “ganhos ambientais”, bastante retorno econômico ao agricultor que souber explorar de forma eficaz, locais que apresentem de fato maior quantidade e qualidade de vida consolidada. Características estas, mais observadas ao longo do percurso sucessional, geralmente em solos melhor estruturados e já apresentando certo nível de matéria orgânica. Conclui-se, portanto, que os manejos permissíveis em vegetação nativa de mata atlântica, são caracterizados conforme o estágio regenerativo que se encontre o fragmento e alicerçados nas peculiaridades ecológicas locais. Logicamente, quanto mais estruturados e equilibrados estiverem os ciclos da floresta, menores serão as possíveis intervenções. RESOLUÇÃO CONAMA N° 369 de 2006: Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente - APP. Seção I: “Das disposições Gerais” (...) Art. 2: “O órgão ambiental competente somente poderá autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo autônomo e prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes, nos seguintes casos: 16 Desbaste florestal visando rendimentos permanentes, em que são mantidas as espécies matrizes, além dos indivíduos relevantes ao ecossistema e ao objetivo do manejo. 17 Mais adiante, são apresentadas leis que abordam estes e outros procedimentos aplicáveis para recuperação e restauração de locais sob diversas condições. 47 II - dados da propriedade ou posse, incluindo cópia da matrícula ou certidão atualizada do imóvel no Registro Geral do Cartório de Registro de Imóveis, ou comprovante de posse; III - localização com a indicação das coordenadas geográficas dos vértices do imóvel e dos vértices da APP e RL a ser recuperada; IV - metodologia simplificada de recuperação a ser adotada; e V - início previsto e cronograma de execução”. No § 1 o verifica-se que durante a recuperação das APPs e RL, a qualquer momento, poderá acontecer uma vistoria técnica. Tal ação, realizada pelo órgão ambiental responsável, visa acompanhar a eficiência da proposta apresentada e dependendo da circunstância, determinar medidas adicionais exequíveis. A recuperação voluntária nestes locais poderá ser comunicada pelo responsável, necessitando para isso da apresentação de informações envolvendo dados do proprietário, da propriedade, local da intervenção, metodologia que será aplicada e cronograma de atividades. Tais informações exigidas neste § 2 o , são similares às apresentadas no art. 4 da Resolução CONAMA 425 de 2010. Capítulo IV: “Das metodologias de recuperação de APP e RL” Art. 5: “A recuperação de APP e RL poderá ser feita pelos seguintes métodos: I - condução da regeneração natural de espécies nativas; II - plantio de espécies nativas (mudas, sementes, estacas); e III - plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas”. No art. 5 do capítulo IV, são apresentadas alternativas metodológicas para recuperação da fitofisionomia original em APP e RL. Estes três métodos também são verificados no art. 3 da Resolução CONAMA 429 de 2011. Capítulo VI: “Da recuperação de APP e RL mediante plantio de espécies nativas ou mediante plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas” Art. 7: “(...) (...) §3 o : Nos plantios de espécies nativas em linha, a entrelinha poderá ser ocupada com espécies herbáceas exóticas de adubação verde ou por cultivos anuais, limitado no caso da APP até o 3° ano da implantação da atividade de recuperação, como estratégia de manutenção da área recuperada”. Art. 8: “No caso da recuperação da área de Reserva Legal na propriedade ou posse do agricultor familiar, do empreendedor familiar rural ou dos povos e comunidades tradicionais poderão ser utilizadas espécies de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas”. Ao longo do art. 7, são apresentados incisos descrevendo tratamentos silviculturais, edáficos ou de fauna, fundamentais a todo o processo de recuperação e que deverão ser observados como indicadores da eficiência regenerativa. O § 3 o por exemplo, contempla a adoção de alternativas técnicas que são compatíveis aos modelos agroflorestais de aléias ou de taungyas. Utilizando-se para isso do interplantio de cultivares anuais ou mesmo a introdução de herbáceas exóticas para adubação verde. Em APPs, a aplicação deste procedimento fica limitada a três anos. O destaque fica para o art. 8, que aborda a recuperação da reserva legal em propriedades ou posses rurais, tolerando-se o uso de espécies frutíferas, ornamentais ou até industriais exóticas, consorciadamente a espécies nativas. A partir da compreensão acerca 48 desta diretriz, múltiplas associações serão viáveis na implantação ou condução de sistemas regenerativos dentro das RLs, nos diferentes ecossistemas. Capítulo VII: “Da utilização de Sistemas Agroflorestais como indutores da recuperação de APP na propriedade ou posse do agricultor familiar, do empreendedor familiar rural ou dos povos e comunidades tradicionais”. Art. 9: “Para os fins previstos na alínea "b", inciso II, art. 2° da Resolução CONAMA n° 369, de 28 de março de 2006, a implantação e condução de Sistemas Agroflorestais como indutores da recuperação de APP na propriedade ou posse do agricultor familiar, do empreendedor familiar rural ou dos povos e comunidades tradicionais, deverá observar os seguintes requisitos e procedimentos: I - controle da erosão, quando necessário; II - recomposição e manutenção da fisionomia vegetal nativa, mantendo permanentemente a cobertura do solo; III - estabelecimento de, no mínimo, 500 (quinhentos) indivíduos por hectare de, pelo menos, 15 espécies perenes nativas da fitofisionomia local; IV - limitação do uso de insumos agroquímicos, priorizando-se o uso de adubação verde; V - restrição do uso da área para pastejo de animais domésticos, ressalvado o disposto no art. 11 da Resolução CONAMA n° 369, de 2006; VI - na utilização de espécies agrícolas de cultivos anuais deve ser garantida a manutenção da função ambiental da APP e observado o disposto no art. 10 desta Instrução Normativa; VII - consorciação de espécies perenes, nativas ou exóticas não invasoras, destinadas a produção e coleta de produtos não madeireiros, como por exemplo, fibras, folhas, frutos ou sementes; e VIII - manutenção das mudas estabelecidas, plantadas e/ou germinadas, mediante coroamento, controle de fatores de perturbação como espécies competidoras, insetos, fogo ou outros e cercamento ou isolamento da área, quando necessário e tecnicamente justificado”. Capítulo VIII: “Das disposições finais” Art. 12: “(...) Parágrafo único. Os órgãos públicos competentes promoverão o georreferenciamento das APPs e RL, sem ônus aos beneficiários quando se tratar de propriedade ou posse do agricultor familiar, do empreendedor familiar rural ou dos povos e comunidades tradicionais”. No art. 9 são descritos alguns pontos, estabelecendo requisitos e procedimentos necessários à fundamentação das práticas adotadas para recuperação de APPs. Como destaque podemos verificar os incisos: III onde se estabelece a quantidade mínima de 500 indivíduos por hectare, sendo composta de pelo menos 15 espécies perenes nativas; IV com a priorização da adubação verde e a limitação no uso de insumos agroquímicos; V restringindo a destinação destas áreas para fins de pastejo; VII com a permissão da produção e coleta de produtos não madeireiros nestes locais, frutos da consorciação de espécies perenes nativas ou exóticas não invasoras. O art. 6 da Resolução CONAMA n° 429 de 2011 aborda as mesmas determinações do presente artigo, exceto pela inclusão de um novo inciso IV estipulando “a não utilização e controle de espécies ruderais e exóticas invasoras” em substituição ao inciso III. Seguindo adiante, verifica-se no capítulo VIII art. 12 parágrafo único, que em circunstâncias de propriedades ou posses familiares, o governo deverá prestar suporte gratuito ao georreferenciamento das APPs e RL. As áreas de preservação permanente e de reserva legal são tratadas pela legislação brasileira como locais expressivos ao funcionamento ecossistêmico, servindo inlcusive como elementos de conectividade. As definições e procedimentos permissíveis aos SAFs, 49 apresentados nestas leis, consolidam estratégias para criação e condução de distintos modelos nestes locais. “As importâncias ambiental e ecológica das APPs e RLs são reconhecidas por diversos setores da sociedade, ao enxergarem nestes dispositivos legais um relevante papel no resgate e preservação da biodiversidade, bem como na proteção dos recursos naturais” (RAMOS FILHO, 2007). Conforme Deitenbach et al., 2008: “Os posseiros, que não têm títulos definitivos de suas áreas, devem registrar um compromisso de proteção da reserva legal em cartório de notas, por meio do qual eles se comprometem a averbar a reserva legal assim que conseguirem a escritura. É importante destacar que alguns estados exigem autorização ambiental para a intervenção na Reserva Legal, mesmo quando são atividades para a restauração das áreas. (...) Embora exista uma tendência de isentar os agricultores familiares das taxas de licenciamento, a regularização ambiental acarreta outros custos, como por exemplo, a elaboração de um mapa georreferenciado de toda a área. Ou ainda, várias idas ao órgão ambiental, que nem sempre fica perto da moradia do agricultor. Estas exigências inibem muitos agricultores familiares de procurar legalizar as suas propriedades ou posses”. RESOLUÇÃO CONAMA N° 425 de 2010: No decorrer dos 6 artigos desta recente norma, são definidos parâmetros e descritas circunstâncias indispensáveis à regularização de empreendimentos agropecuários consolidados até 24 de julho de 2006 e que sejam considerados interesse social. Esta lei é válida somente para empreendimentos de agricultores ou empreendedores familiares rurais. Revela-se como ótima alternativa para a legalização de manejos nos quais tenham sido utilizadas técnicas sustentáveis de intervenção ambiental e que ainda não estejam “em dia” junto ao órgão ambiental competente. INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 5 de 1999: Considerando a necessidade de adotar procedimentos mais eficazes de controle da exploração, transporte, industrialização, comercialização e armazenamento de palmito e similares; resolve: Capítulo II: “Da Exploração do Palmito” Art. 5: “A exploração/corte de exemplares de palmito nativo, será permitida em estado adulto e mediante a adoção de técnicas de condução e de manejo adequadas à sustentabilidade das espécies, devidamente autorizada pelo órgão ambiental competente. §1º: Para efeito desta Portaria, considera-se adulta a palmeira após a primeira frutificação, desde que apresente diâmetro mínimo de 2 (dois) cm na sua parte comestível (miolo ou creme) para a espécie Euterpe oleracea, adotando-se um percentual de tolerância de no máximo 20% (Vinte por cento) abaixo do diâmetro estabelecido. Para a espécie Euterpe edulis o diâmetro mínimo de exploração será de 2,5 (dois e meio) cm. Quanto as demais espécies (Euterpe precatória, Syagrus oleracea, Bactris gasipaes, etc.), o diâmetro mínimo será definido pelas Representações Estaduais do IBAMA, na área de ocorrência das mesmas, através de suas Câmaras Técnicas. §2º: A adoção de técnicas de condução e de manejo florestal de rendimento sustentado, visando a exploração/corte de espécies nativas produtoras de palmito comestível bem como, a sua regulamentação, não previstas nesta Instrução 52 racional de princípios e técnicas que se destinem ao uso sustentado de “algo” no decorrer do tempo (uso harmonioso e equilibrado) 20 . Baseando-se no diagnóstico visual e na interpretação da capacidade de resiliência dos ambientes, verificam-se lugares específicos em que não são viáveis intervenções humanas, ou seja, apenas necessário garantir a regeneração natural/espontânea 21 . Esta técnica manifesta “caráter” preservacionista pela maneira de atuar recuperando locais debilitados e poderá representar apenas uma medida temporária dentro do planejamento total de recuperação. Bons exemplos para esta aplicação, seriam lugares onde o solo sofreu perturbações sistemáticas e perdeu grandes quantidades de nutrientes por lixiviação, tendo resguardado, no entanto, características químicas originais que lhe permitam autorrecuperação. Áreas de grande sensibilidade ecológica em variadas circunstâncias ambientais podem apresentar diagnósticos semelhantes, não sendo esta afirmativa, contudo, uma premissa dogmática (obviamente esta caracterização varia para cada lugar). Já em locais que perderam totalmente a capacidade de resiliência, chamadas de áreas degradadas, revelam-se preciosas as práticas intervencionistas de recuperação. São variados os métodos de restauração, devendo ser direcionados ao restabelecimento das funções e formas ambientais originais. Estas bases conceituais são verificadas em determinados modelos de agrofloresta, como por exemplo, no SAFRA (vide “principais modelos estruturais e temporais” na revisão de literatura). Drew (1989) descreve estas interpretações ecossistêmicas estabelecendo o seguinte raciocínio: “À escala humana do tempo, os sistemas naturais parecem estáticos, na sua maioria, mas isso é verdadeiro apenas para efeito estatístico, já que na realidade os sistemas oscilam em torno de uma situação média - estado conhecido como equilíbrio dinâmico. (...) Uma trilha de pedestres. sobre qualquer gramado ilustra com clareza a noção de limiar. O constante pisar compacta o solo, diminui o teor de infiltração e leva ao predomínio de plantas horizontais, rentes ao terreno. Quando a compactação atinge certo nível e o solo já está bastante nu, a chuva começa o trabalho de erosão. Antes desse estágio, se a passagem de gente diminuísse, a vegetação original voltaria a se refazer ao fim de algum tempo, mas depois dele a erosão retira a camada superficial do solo e os nutrientes vegetais, de modo que ainda menos plantas sobrevivem, o que permite maior erosão. O limiar da recuperação foi ultrapassado e, mesmo que a trilha deixe de ser percorrida, a recuperação ao estado original é muito demorada”. Este autor ainda realiza a síntese das informações apresentadas, através de um gráfico bastante claro. Nele, exemplifica distintos graus de alterações aos quais os ambientes podem ser expostos, manifestando desta maneira variadas escalas temporais de autorrecuperação. Esta análise pode ser associada à observação do pisoteio constante que o gado efetua sobre o solo na pecuária extensiva convencional (em que não se aplica o Pastoreio Racional Voisin 22 20 Estas discussões poderão ser também verificadas nos seguintes endereços: http://www.licenciamentoambiental.eng.br/conservacao-x-preservacao/ http://www.oeco.com.br/suzana-padua/18246-oeco15564 http://profelisamasantos.blogspot.com.br/2011/02/preservar-ou-conservar-o-planeta.html http://www.redeambiente.org.br/Opiniao.asp?artigo=57 21 Técnica estabelecida no Capítulo IV art. 5 inciso I, da Instrução Normativa N° 5 de 2009 e no Capítulo III art. 3 inciso I, da Resolução CONAMA N° 429 de 2011. 22 O PRV ou Sistema Voisin como é conhecido, fundamenta-se na divisão das pastagens em piquetes. Enquanto um destes estiver sendo utilizado, os demais permanecem em descanso, favorecendo o acúmulo das reservas 53 – “rotação de pastagens”) ou mesmo aos efeitos da prática incisiva do corte raso aplicada em vegetações pioneiras em regeneração. Dependendo do estado de degradação que o ambiente apresentar, esta escala temporal necessária para o retorno do equilíbrio dinâmico inicial, poderá se tornar bastante duradoura: FIGURA 14: REAÇÃO DE UM SISTEMA AMBIENTAL DIANTE DE ESFORÇO OU TENSÃO QUE LHE É IMPOSTO. QUANDO HÁ ELIMINAÇÃO DO ESFORÇO, A ESTABILIZAÇÃO OCORRE EM NOVO NÍVEL DE EQUILÍBRIO. FONTE: Extraído de DREW (1989) No inciso VIII nota-se a definição de manejo como qualquer conduta que se destine a garantir a conservação da biodiversidade e do meio ambiente. Muitos modelos de SAFs apresentam elevadas quantidades de espécies (variações genéticas) por unidade área, influenciando diretamente a dinâmica ecossistêmica. Logo a seguir temos os incisos IX e X, bastante claros quanto às definições sobre os usos direto e indireto dos recursos naturais. Estes termos são básicos na distinção das unidades de proteção integral para as de uso sustentável. Há, no entanto, uma ressalva relativa ao uso envolvendo categorias de proteção integral e que será discutida no capítulo III desta mesma norma. Além do que foi declarado como desenvolvimento sustentável na comissão de organização da ONU em 1987 (vide preâmbulo em revisão de literatura), acrescentou-se à definição de “uso sustentável” presente no inciso XI, termos muito comuns nos tempos atuais. A partir de tais colocações, constata-se que a busca por ser ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável, seriam “aos olhos” do Ministério do Meio Ambiente, proposições fundamentais à utilização sustentável dos recursos disponíveis. No inciso XVII o plano de manejo é descrito como documento técnico que estabelece as zonas da unidade, além das diretrizes que envolvam a utilização e o manejo das mesmas. Qualquer atividade em unidades de conservação, só será permissível se estiver adequada a estas diretrizes pré-determinadas. energéticas e protéicas nas raízes das plantas, através de uma fotossíntese mais prolongada. A troca de piquetes baseia-se na análise fisiológica das pastagens remanescentes, seguindo os critérios estabelecidos por quem o pratica. 54 O inciso XVIII destaca a zona de amortecimento, ou seja, regiões do entorno da unidade que também ficam sujeitas a normas e restrições pautadas no plano de manejo, com o propósito de amenizar impactos das atividades humanas. Portanto estas áreas são compreendidas como filtro aos problemas ambientais que cerceiam estas unidades. Há diversos motivos que reforçam a grande necessidade de determinação destas zonas, alguns deles muito bem retratados por autores como Ribeiro et al. (2010) “Em virtude das crescentes pressões que a zona rural vem sofrendo por parte da localização de indústrias , de atividades de serviços, centros de lazer e recreação, além da implantação de loteamentos, chácaras de recreação, todos dispostos de forma desorganizada.” Capítulo II: “Do sistema nacional de unidades de conservação da natureza - SNUC” Art.4: “O SNUC tem os seguintes objetivos: (...) V – promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento; (...) VIII – proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos; IX – recuperar ou restaurar ecossistemas degradados; (...) XIII – proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente”. Art. 5: “O SNUC será regido por diretrizes que: (...) III – assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação; (...) VIII – assegurem que o processo de criação e a gestão das unidades de conservação sejam feitos de forma integrada com as políticas de administração das terras e águas circundantes, considerando as condições e necessidades sociais e econômicas locais; IX – considerem as condições e necessidades das populações locais no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais; X – garantam às populações tradicionais, cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação, meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos”; No art. 4 são descritos os objetivos do SNUC, destacando-se pontos como o fomento de princípios e práticas de conservação durante o processo de desenvolvimento das unidades, a recuperação dos recursos hídricos e edáficos presentes nos ecossistemas degradados, além da garantia em protegê-los. O propósito para a criação de áreas protegidas baseia-se na necessidade de controle e moderação do padrão insustentável de exploração dos recursos naturais de nossa civilização, resultado do modelo de desenvolvimento capitalista. O consumismo em larga escala reflete-se na crescente demanda mundial por matéria-prima, ocasionando desta maneira, profundas alterações ambientais e ecossistêmicas registradas principalmente ao longo dos dois últimos séculos. No inciso XIII do mesmo artigo, verifica-se um objetivo bastante significativo, que diz respeito à política de relacionamento envolvendo populações tradicionais presentes nestas áreas protegidas. Preconiza a valorização da identidade destes povos, mediante reconhecimento cultural, incentivos sócio-econômicos locais e proteção dos recursos naturais disponíveis a suas subsistências. O cerne para possíveis acordos no estabelecimento de relações com estes grupos sociais deverá ser pautado nestes princípios. Diegues (2001) define plenamente o modo como se constituíram historicamente estes povos tradicionais. A síntese 57 conservação (utilização auto-sustentável). (...) Não é possível estabelecer a existência de uma zona de amortecimento de extensão única, uma vez que cada espaço possui suas especificidades e necessidades. (...) não existem normas indicando os tipos de avaliações que devam ser feitas e que critérios (e/ou parâmetros) devem ser levados em conta”. Os referidos autores deixam bem claro a importância na observação dos aspectos sócio-econômico-culturais e ambientais, de comunidades presentes nestas adjacências, no intuito de buscar definir parâmetros e critérios mais adequados às realidades locais. Estas dinâmicas de intervenção, pautadas de forma sistêmica e participativa, conduzirão a maior aproximação em relação às comunidades locais, propiciando transparência e diálogo. Até o momento não foram estabelecidas normas ou critérios técnicos consensuais, que sirvam como base para diagnósticos em Zonas de Amortecimento. Além de poucos estudos sobre este tema, a grande variedade de condicionantes em um país megadiverso como o Brasil, dificulta o estabelecimento destas determinações. Estes obstáculos na definição de critérios para utilização fundiária do entorno destas unidades, provocam instabilidade administrativa e possíveis conflitos com populações tradicionais. Segundo Costa et al., 2009 e citado por Ribeiro et al., 2010 “embora seja essencial que existam estudos com finalidades de identificar e diagnosticar as áreas de entorno de unidades de conservação, são poucos os planos de manejo que efetivamente definem a zona de amortecimento e a consideram no processo de planejamento e gestão de seus recursos naturais”. Fica evidente, a escassez de medidas fundamentadoras destas zonas tampão em planos de manejo na atualidade. Os custos elevados necessários a sua elaboração, são constantemente apontados como principal limitante à produção de documentos mais amplos e detalhados. Na persistência de tal impasse, aplicar-se-á uma faixa de 3km ao redor da UC, até definição final da ZA (aplicação provisória). Esta área circundante foi estabelecida pela Resolução CONAMA n°428 de 2010 e não substitui a zona de amortecimento, porém equivale a ela em função e, portanto, qualquer atividade ou empreendimento de significativo impacto ambiental, necessitará de autorização. Art. 26: “Quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”. Na região de Paraty situa-se o Mosaico da Serra da Bocaina 24 envolvendo distintas categorias de UCs. São elas o Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB) e o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) de proteção integral; além da Área de Proteção Ambiental (APA) de Cairuçu, de uso sustentável, e que por sua vez, também é composta em sua área de abrangência por um mosaico de áreas protegidas de diferentes categorias (Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, Parque Estadual de Paraty-Mirim, APA municipal Paraty-Mirim e Estação Ecológica Tamoios). Dadas as circunstâncias extremamente complexas, relacionadas as múltiplas categorias do contexto regional, torna-se necessária a efetivação de uma gestão coerente e integrada, devendo ser levados em conta os objetivos de cada uma destas categorias e as condições ambientais e socio-culturais locais. 24 Instituído em 2006 mediante a Portaria n° 349 do Ministério do Meio Ambiente. 58 Segundo Vasques, 2008 e citado por Ribeiro et al., 2009, “O objetivo maior da formação de um mosaico é a possibilidade de se criar uma administração integrada no espaço, para evitar divergências quanto à forma de atuação entre os órgãos responsáveis pela administração das unidades que compõem o conjunto”. No caso de Paraty, algumas ações relacionadas às competências dos órgãos administradores das UCs (ICMBio e INEA), necessitam ser discutidas e construídas juntamente com o IPHAN e a Prefeitura, para o licenciamento das mesmas. Estes diálogos são primordiais à articulação de soluções que envolvam eventuais conflitos entre os interesses de tais instituições, podendo desta maneira, serem intermediadas pelo conselho do mosaico. No entanto, se não houver efetiva integração entre as partes, o mecanismo de articulação representado pelo mosaico permanecerá “engessado”, dificultando a elaboração de acordos e obtenção de resultados, para variadas finalidades. Art. 27: “As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo” §1°: O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. O §1° do presente artigo promove a síntese de algumas informações apresentadas e discutidas em artigos anteriores, além de reforçar sucintamente a necessidade no estabelecimento de medidas integradoras com comunidades adjacentes às unidades. Alguns órgãos internacionais e autores têm alertado à respeito da adequação destas medidas, conforme IUCN (1993) e citado por Diegues (2001): "As relações entre os povos e a terra têm sido freqüentemente ignoradas e até destruídas por iniciativas de conservação de recursos e manejo bem intencionadas, mas inadequadas. Os sistemas tradicionais de posse da terra, as práticas e conhecimento tradicional, o papel dos homens e das mulheres nas comunidades devem ser respeitados e incluídos na elaboração, projetos e realização dos planos de manejo". DECRETO 4.340 de 2002 (REGULAMENTA LEI 9.985 e DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS) Capítulo III: “Do mosaico de unidades de conservação” Art. 8: “O mosaico de unidades de conservação será reconhecido em ato do Ministério do Meio Ambiente, a pedido dos órgãos gestores das unidades de conservação”. Art. 9: “O mosaico deverá dispor de um conselho de mosaico, com caráter consultivo e a função de atuar como instância de gestão integrada das unidades de conservação que o compõem”. Somente após solicitação por parte dos gestores envolvidos e aprovação pelo MMA, que o agrupamento de unidades de conservação em uma mesma região será considerado mosaico. Sendo reconhecido, irá dispor de conselho de caráter consultivo incluindo as competências que lhe são conferidas. Capítulo V: “Do conselho” Art. 20: “Compete ao conselho de unidade de conservação: (...) III – buscar a integração da unidade de conservação com as demais unidades e espaços territoriais especialmente protegidos e com o seu entorno; IV – esforçar-se para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais relacionados com a unidade; (...) 59 IX – propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso”. Dentre as competências do conselho, destacam-se estes três incisos que vêm reforçar trechos discutidos anteriormente envolvendo a integração e “compatibilização de interesses” junto às populações do entorno e demais unidades. Para tal, torna-se fundamental o estabelecimento conjunto de planos e ações para o manejo dos recursos naturais e para a definição do modelo de desenvolvimento econômico dos grupos sociais envolvidos. A formulação de alternativas apropriadas – de âmbito fomentador e não apenas restritivo – impedirá o afastamento destes povos dos ambientes naturais em que se constituíram historicamente, como adverte Diegues (2001): “As formas de incorporar os moradores tradicionais no planejamento e implantação das unidades de conservação, na maioria das vezes, visam simplesmente minimizar os conflitos potenciais ou existentes e não realmente oferecer alternativas viáveis de subsistência às populações que vivem nos parques. Quando a presença dessas populações é "tolerada", as limitações ao uso tradicional dos recursos naturais são de tal monta que os moradores não têm outra alternativa senão migrar "voluntariamente", engrossando o número de favelados e desempregados das áreas urbanas”. Capítulo VII: “Da autorização para exploração de bens e serviços” Art. 25: “É passível de autorização a exploração de produtos, sub-produtos ou serviços inerentes às unidades de conservação, de acordo com os objetivos de cada categoria de unidade”. Art. 26: “A partir da publicação deste decreto, novas autorizações para a exploração comercial de produtos, sub-produtos ou serviços em unidade de conservação de domínio público só serão permitidas se previstas no Plano de Manejo, mediante decisão do órgão executor, ouvido o conselho da unidade de conservação”. (...) Art. 29: “A autorização para exploração comercial de produto, sub-produto ou serviço de unidade de conservação deve estar fundamentada em estudos de viabilidade econômica e investimentos elaborados pelo órgão executor, ouvido o conselho da unidade”. Somente será autorizada a exploração de produtos, sub-produtos ou serviços inerentes aos objetivos da unidade e que constem no plano de manejo da mesma. Tal procedimento será efetivado após decisão do órgão executor e ouvido o conselho da unidade. Para a comercialização torna-se necessário comprovar a viabilidade exploratória por meio do direcionamento de estudos técnicos a serem elaborados pelo órgão executor. Manejos sustentáveis pautados na otimização produtiva e na ciclagem constante de nutrientes, concordam com diretrizes estabelecidas em planos de manejos, além de se tratarem de práticas consistentes e discutíveis junto aos conselhos e órgãos responsáveis. Portanto os SAFs biodiversos apresentam-se como ferramentas fundamentais à conservação dos recursos naturais e valorização da identidade de populações tradicionais, presentes tanto no interior quanto nas zonas de amortecimento das UCs. Diversos trabalhos científicos indicam a aplicação destes sistemas inclusive para recuperação de áreas degradadas. A articulação envolvendo os conselhos e as populações residentes das áreas protegidas (incluindo adjacências), através da elaboração de políticas que contemplem a sustentabilidade, poderão beneficiar estes grupos sociais pela possibilidade de venda dos produtos agroecológicos e renda gerada pelo agroecoturismo. Evidentemente, os manejos envolvidos nestes processos deverão ser condizentes à categoria de cada unidade, além de estarem de acordo com os respectivos conselhos e planos de manejo. 62 da rede alimentar do ecossistema, ocorre uma sucessão animal também, referente à fauna associada a cada um dos sistemas sucessionais.” Esta intensa relação na diversidade entre fauna e flora, é exemplificada pelo controle biológico eficiente e equilibrado, existente em sistemas que apresentam cadeias tróficas diversas (sistemas de luxo, sistemas biodiversos). CONSIDERAÇÕES FINAIS: Perdas progressivas de identidades e saberes entre agricultores, quilombolas e indígenas vêm ocorrendo nos últimos tempos, causadas por suportes técnicos em “descompasso” aos ritmos e rotinas predominantes localmente. Ao impormos a qualquer comunidade rural um padrão tecnológico uniforme, sem ao menos conhecermos seus potenciais e limitações, tendemos a acentuar a exclusão social das mesmas. “Os agroecossistemas vêm sendo ameaçados em praticamente todas as partes do mundo. Em vez de um fluxo sustentável de recursos renováveis, em maioria fornecidos pela natureza, os padrões recentes de desenvolvimento da agricultura estão exaurindo os solos e a diversidade genética e de espécies, tanto nas áreas de culturas como nos ecossistemas adjacentes a estas. (McNeelly, 1995). (...) De acordo com Amorozo & Gély (1988), a desagregação dos sistemas de vida tradicionais que acompanha a devastação do ambiente, e a introdução de novos elementos culturais ameaçam muito de perto um acervo de conhecimentos empíricos e um patrimônio genético de valor inestimável para as gerações futuras. (...) A agricultura tradicional está sendo também ameaçada, atualmente, pela nova cultura global de consumo, que vem sendo difundida pela televisão, pelas regras de mercado e outros meios. Assim, sistemas de manejo que foram efetivos por centenas de anos, tornaram-se obsoletos em poucas décadas, sendo substituídos por sistemas de exploração que geram lucros em curto prazo para uns poucos e custos em longo prazo para muitos (McNeelly, 1995).” (BRITO & COELHO, 2000) Conforme destaca Mattos (2011), “a busca da sustentabilidade na agricultura e no desenvolvimento rural implica em reconhecer a existência e a importância dos agricultores tradicionais”. E ainda complementa, “É necessário ressaltar que a idéia de que o conhecimento tecnológico indígena (tradicional, camponês) é freqüentemente superior ao oferecido pelos técnicos (agrônomos), não supõe uma atitude anticientífica. Pelo contrário, implica numa crítica da insuficiência científica e auto-suficiência dos técnicos”. Sosa et al.; (2012) vão mais a fundo nesta problemática: “(...) enfrentar o problema com metodologias convencionais de extensionismo verticalista. Métodos nos quais o técnico (que geralmente conhece pouco a realidade local) é o dono da verdade, com pacotes já prontos dos insumos que recomenda. Esses métodos impedem o processo inovador e criativo das famílias camponesas, que são – e deveria ser em todo o momento – as verdadeiras conhecedoras e artífices de sua própria realidade”. As reflexões conclusivas dos referidos autores, ratificam a carência em assistência técnica de qualidade nas diversas regiões do mundo, que visem o desenvolvimento rural e a soberania alimentar de populações tradicionais. Fica evidente a necessidade na alteração das bases de difusão do extensionismo rural por parte de instituições de pesquisa e universidades, transformando em estreitas e horizontais as trocas de conhecimento entre os setores envolvidos. Desta maneira tornar-se-á possível o desenvolvimento da real prática extensionista, na qual a pesquisa e o ensino caminham lado a lado durante todo o processo de construção. O alcance destas novas abordagens e linhas de 63 atuação produzirão novos sentidos ideológicos a nortear importantes mudanças nos processos sócio-culturais do contexto rural brasileiro. Caporal e Costabeber (2000) contemplam perfeitamente esta nova filosofia extensionista quando afirmam: “O novo profissional da extensão rural, mais do que um simples difusor de pacotes tecnológicos intensivos em capital, deve estar preparado para compreender que os agroecossistemas co-evoluem com os sistemas sociais e biológicos. (...) Esta extensão rural agroecológica pode ser definida como o processo de intervenção de caráter educativo e transformador”. Evidentemente, não se trata de descartar a ciência ou a tecnologia, mas reforçar a necessidade de diálogos de saberes, que reconheçam a complexidade dos povos do campo e da floresta (frutos de transformações históricas). Os modelos de plantio e as ações intervencionistas propostas pelos SAFs foram assimilados com naturalidade por boa parte dos agricultores entrevistados. As semelhanças de algumas técnicas tradicionais de manejo utilizadas anteriormente por estas famílias, a práticas agroecológicas, podem ser compreendidas como determinantes neste fato. O alcance da sustentabilidade foi possível nos sistemas implementados, não somente pelo motivo dos benefícios ambientais gerados (melhor manejo dos solos e conforto térmico promovido pelas árvores), mas também pelo amplo processo participativo daqueles que praticaram de fato o extensionismo agroecológico, permitindo mudanças sócio-econômico- culturais e o fortalecimento das entidades locais. É importante salientar e demonstrar aos agricultores que utilizar a floresta seguindo padrões coerentes de manejo torna mais consistentes os resultados produtivos e financeiros. Dentre diversas formas, temos a exploração dos produtos florestais não madeireiros, representados por todos os produtos advindos da floresta, que não sejam a madeira como: folhas, frutos, flores, sementes, castanhas, palmitos, raízes, bulbos, ramos, cascas, fibras, óleos essenciais, óleos fixos, látex, resinas, gomas, cipós, ervas, bambus, plantas ornamentais, fungos e produtos de origem animal. A madeira como produto mais cobiçado, também é passível de utilização sustentável, seguindo-se as referidas diretrizes de manejo, exploração e utilização. Algumas leis em vigor, assim como outras que porventura sejam decretadas, complementarão as normas de utilização dos recursos naturais renováveis, compondo desta maneira um “leque” ainda maior de manejos direcionados ao desenvolvimento sustentável. Através da organização de associações ou de cooperativas de produtores, torna-se mais acessível a criação de agroindústrias locais que promovam o beneficiamento das produções, agreguem valor aos produtos e gerem mais empregos. Além disso, estas estruturas coletivas possibilitam aos pequenos produtores, a superação do isolamento provocado pela fragmentação social no campo e a inclusão no mercado por meio de produções participativas e de maiores escalas. Estudos de mercado que incorporem histórico de preços, condições de venda, potenciais compradores e formas de comercialização, são fundamentais ao estabelecimento de uma comercialização participativa e que contemple tanto produtores quanto consumidores. Um considerável exemplo no associativismo entre pequenos agricultores que trabalham com sistemas agroflorestais é verificado na COOPERAFLORESTA situada no Vale do Ribeira, onde se realiza há mais de 15 anos um excelente trabalho extensionista envolvendo comunidades tradicionais. 64 Ao término deste satisfatório trabalho de formação acadêmica, reflito e concluo ser primordial a compreensão da vida de forma universal (filosofia holística), por parte da atual e das futuras gerações. Significa sentirmos que somos parte da natureza e estamos completamente integrados à ela, para a partir de então enxergarmos cada ambiente como uma combinação de fatores e fenômenos, resumidos em cosmo e sinergia. Através desta concepção, tornar-se-á mais real a aplicação da máxima ecológica “pensar globalmente e agir localmente”, além de mais provável a reversão do caminho iminente de esgotamento dos recursos naturais, fruto da relação colonizadora e predatória de toda a vida no planeta. “Ainda há muitos que consideram praticável a exploração contínua, ou a "economia de cowboy", empregando o "remédio tecnológico" como instrumento para superar o esgotamento dos recursos ou para corrigir o prejuízo ecológico. Atitude oposta é a dos que advogam a regressão, fazendo com que o homem reduza o controle e a interferência no meio ambiente. Outra opinião conservacionista, mais equilibrada, prega o uso ''sábio'' ou a administração dos recursos, reconciliando as necessidades humanas com as limitações do meio físico. Para tanto se impõe a compreensão do funcionamento do planeta e, finalmente, a consecução de um equilíbrio ou de um estado invariável de administração global” (DREW, 1989). A agroeocologia surge como base primordial à “vida moderna”, demonstrando que um outro mundo é, de fato, possível e necessário. O mundo da cooperação e do amor. Necessitamos como sociedade, reconhecer o verdadeiro valor deste megabiodiverso país com nome de árvore e a importância de uma classe tão desamparada como a dos pequenos agricultores. “Se o campo não roça a cidade não almoça, se o campo não planta a cidade não janta” (importante dito do MST). À nossa mãe Gaia e a todos que nela habitam. FIGURA 15: DIVERSIDADE DE VIDAS E CORES NOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS EM PARATY. (Fonte: arquivo do autor) 67 FIDALGO, E. C. C. et al. Mapeamento do uso e da cobertura atual da terra para indicação de áreas disponíveis para reservas legais: estudo em nove municípios da região Amazônica. Rev. Árvore [online]. 2003, vol.27, n.6, p. 871-877. FRANCO, F.S. Quantificação da erosão em sistemas agroflorestais e convencionais na zona da mata de minas gerais. 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Manual de Crédito Rural MCR, do Banco Central do Brasil, Capítulo 10.Disponível em: <http://www.cosif.com.br/publica.asp?arquivo=MCR-indice> ou <http://www4.bcb.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=nmsGeropMC R:idvGeropMCR> Acesso em 24 fev. 2012. 68 MATTOS, C. Expressões Agroecológicas a partir de percepções socioambientais da agricultura tradicional e camponesa em Paraty-RJ. 2011. 146 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) – Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói. McNEELLY, J.A. Biodiversity Conservation and Traditional Agroecosystems. In: R.E. Saunier e R.A. Meganck (Eds.). Conservation of Biodiversity and the New Regional Planning, EUA: IUCN, OEA, 1995. MELLO, D. Paraty estudante. Guaratinguetá. 2006. 75p. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA)/SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO (SFB). Florestas do Brasil em resumo 2010: dados de 2005-2010. – Brasília. 2010. 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Dissertação (Mestrado em Ciências Agronômicas) – Instituto de Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. SILVA, V. S. M. Manejo de florestas nativas: planejamento, implantação e monitoramento. Cuiabá: FENF/UFMT, 106p. 2006. 72 ANEXO II – DADOS COLETADOS NAS ENTREVISTAS AGRICULTOR 1 - 46 anos - Bairro São Roque Condição: O marido é Assentado de Reforma Agrária. DAP: Não. Nº de moradores na residência: 4. Nº de indivíduos envolvidos nos manejos dos SAF’s: 1. O que planta: - Agrícolas anuais ou bianuais  bananeira (ouro, prata, mel, roxa ou missouri), maracujá, abacaxi, pimenta (dedo-de-moça, bolotinha e cumari), inhame, abóbora moranga, batata-doce, taioba, cará-moela. - Frutíferas arbustivas ou arbóreas**  café (robusta* e arábica), laranja (lima, china, morgote, bahia), abiu amarelo, cacau forasteiro, abacate, urucum, pitanga, acerola, jabuticaba, tangerina mexerica, araçá-roxo, grumixama, goiaba (vermelha e branca), graviola, fruta-do- conde, manga, caqui, mamão, jambo cera, jaca, amora, siriguela, cajá-manga. - Lenhosas arbóreas  ipê amarelo, coité. - Leguminosas lenhosas ... - Palmeiras  juçara, pupunha, palmeira-real, coqueiro anão, açaí. - Hortaliças, ervas medicinais e plantas ornamentais  couve, salsa, mostarda, hortelã, alfavaca, poejo, mil-folhas, terramicina, confrei. * Localmente conhecido como “jangada”. ** São consideradas todas as frutíferas perenes, ou seja, tanto florestais quanto agrícolas (domesticadas ao longo da história como o cacau, café, limão...). Tamanho estimado da área: 1Ha  8000 m 2 de agroflorestas e 2000 m 2 de capoeira em regeneração. Modelo(s) agrossilvicultural(is) utilizado(s): Quintal multiestratificado e Cultivo em Aléias. Principais consórcios observados na área: “palmeiras x café x bananeira” no cultivo em Aléias e “frutíferas x agrícolas x cacau” no quintal Multiestratificado, contendo ambos os sistemas, cafés parcialmente ou totalmente sombreados. Produtos comumente disponíveis para venda: banana = 9600 kg/ano; cacau = 2000 unidades/ano; abacaxi; laranja = 2100 unidades/ano; abacate = 1500 kg/ano; pimenta = 150 compotas/ano; jabuticaba = 20 kg/ano; couve = 60 maços/ano; taioba = 450 maços/ano; salsa = 300 maços/ano; alfavaca = 300 maços/ano; coentro = 300 maços/ano; hortelã = 240 maços/ano; cará = 50kg/ano; inhame 80kg/ano, milho = 2000 espigas/ano; chuchu = 200kg/ano; aipim = 360 kg/ano. Croqui de duas áreas representativas implementadas pela agricultora: 73 Descrição da paisagem: Palmeiras plantadas em linha (sentido horizontal no mosaico) com espaçamento variando de 2 a 3 metros e alocação aleatória dos demais componentes. A distribuição espacial é mista. Mudas de frutíferas e palmeiras são introduzidas nas clareiras ou espaços criados pela extração dos palmitos em ponto de corte. O novo espaçamento definido se baseará na fenologia e características ecofisiológicas dos indivíduos introduzidos. Local anteriormente foi lavoura branca, tendo “cedido” espaço às árvores em função do sombreamento criado pelo dossel. Desta forma o arranjo temporal é definido como seqüencial. Ocasionalmente a agricultora poderá optar por introduzir lavoura branca na borda deste sistema ou mesmo nas aberturas de clareiras originadas pelo próprio manejo (poda e raleio dos componentes). Foram observados pés de café sombreados parcialmente ou totalmente, apresentando vigor físico e capacidade produtiva normais. Extrapolando-se esta orientação espacial observada, de 100 m 2 para um hectare, teríamos: - 900 touceiras de bananeira, 600 frutíferas, 700 Açaís, 300 cafés, 600 pupunhas, 500 mudas de frutíferas, 500 mudas de palmeiras. Total de 4100 elementos/ha. 74 (Estes resultados foram obtidos a partir de observação expedita e, portanto, não têm aplicação estatística). Descrição da paisagem: Forte presença de espécies frutíferas em espaçamentos variando de 2 a 3 metros. Demais componentes do sistema estão distribuídos aleatoriamente, baseando-se principalmente na observação das características ecofisiológicas das espécies e melhor utilização da luminosidade. Arranjo espacial definido como irregular. Agricultora realiza enriquecimento do sub-bosque utilizando principalmente culturas agrícolas anuais. Arranjo temporal simultâneo. Presença de cacau sombreado e lenhosas da regeneração natural. Algumas espécies da regeneração observadas foram: Quaresmeira (Tibouchina estrellensis); Mamica-de-porca (Zanthoxylum rhoifolium Lam.); folha-de-bôlo (Coccoloba mollis Casar.); Angico branco (Anadenanthera colubrina) e Canela parda (Nectandra sp). A horta da família localiza-se na borda deste sistema, beneficiando-se do conforto térmico oriundo do microclima local. Extrapolando-se esta orientação espacial observada, de 100m 2 para um hectare, teríamos: 77 devido à falta de investimentos aos agricultores e também pela pressão do turismo e especulação imobiliária locais. Formação de uma Associação de agricultores: Se houvesse esforço neste sentido, apostaria na idéia, pois inclusive cita como exemplo a experiência da Cooperafloresta em Barra do Turvo-SP como ideal para ser seguida. AGRICULTOR 2 - 68 anos - Bairro São Roque Condição: Assentado de Reforma Agrária. DAP: Sim. Nº de moradores na residência: 1. Nº de indivíduos envolvidos nos manejos dos SAF’s: 2. Conta com ajuda eventual do seu filho Valdenir. O que planta: - Agrícolas anuais ou bianuais  bananeira (prata, ouro e d’água), abacaxi, algodão, aipim, mandioca, milho, batata-doce, inhame, cana, cará (roxo e angola), maracujá (convencional e nativo), guandu, fava, abóbora. - Frutíferas arbustivas ou arbóreas**  café (robusta* e arábica), cacau (2 variedades de forasteiro), urucum, jambo (rosa e cera), laranja (morgote, seleta, serra d’água), lima da pérsia, cupuaçu, graviola, azeitona, cambucá, carambola, jaca, abiu amarelo, limão (cravo e galego), abacate, cajá-manga, nêspera, fruta-pão, mamão. - Lenhosas arbóreas  cedro, jequitibá, bicuíba. - Leguminosas lenhosas  jatobá, copaíba, araribá, eritrina, guapuruvu. - Palmeiras  juçara, pupunha, palmeira-real, açaí, coqueiro-anão. - Hortaliças, ervas medicinais e plantas ornamentais  pacova, couve, taioba, pimenta (malagueta e dedo-de-moça), hortelã, coentro, cebolinha, espinheira-santa, confrei, arnica, capim limão, erva-cidreira, carapiá, guaco, helicônia. * Localmente conhecido como “jangada”. ** São consideradas todas as frutíferas perenes, ou seja, tanto florestais quanto agrícolas (domesticadas ao longo da história como o cacau, café, limão...). Tamanho estimado da área: 5 ha  3 ha de agrofloresta e 2 ha de lavoura branca. Modelo(s) agrossilvicultural(is) utilizado(s): Quintal multiestratificado e Taungya (Plantio de espécies agrícolas nos primeiros anos dos povoamentos florestais). Principais consórcios observados na área: “leguminosas lenhosas x pupunha x frutíferas alternadas com lenhosas” (distribuídos espacialmente em faixas ou corredores). Produtos comumente disponíveis para venda: cacau = 600 kg/ano; banana = 1900 kg/ano; aipim = 2400kg/ano; cana = 1250 feixes/ano; batata-doce = 1000 kg/ano; inhame = 200 kg/ano; mamão = 400kg/ano; laranja = 800kg/ano; café robusta = 700kg/ano; palmito = 120 78 cabeças/ano; polpa de juçara = 30kg/ano; taioba = 480 maços/ano; cará = 50kg/ano; fruta-pão = 60 unidades/ano; jaca = 40 unidades/ano; limão = 400 unidades/ano e mudas diversas. Croqui de uma área representativa implementada pelo agricultor: (Será analisado somente o modelo Taungya) Descrição da paisagem: Sistema de distribuição espacial regular em faixas ou corredores, facilitando a prática da capina. As pupunhas foram plantadas no espaçamento 2m x 1m. Nas entrelinhas destas palmeiras foram plantadas, intercaladamente, linhas de frutíferas com lenhosas arbóreas e linhas de leguminosas arbóreas em espaçamento 2m x 1,5m. Já foram explorados palmitos em ciclos que variaram de 2 a 3 anos, mantendo-se a cada 5 metros em média, uma matriz de pupunha para produção de frutos e sementes. São visíveis as rebrotas dos palmitos extraídos, além de plantios de novas mudas no sub-bosque. Este modelo padronizado permite a constatação de como era o sistema no início (quase 9 anos de implantação). Culturas como o cacau, bananeira, café, helicônia, aipim, batata-doce e taioba encontram-se nas bordas deste sistema, onde ainda ocorre luminosidade suficiente para o desenvolvimento das mesmas. Extrapolando-se esta orientação espacial observada, de 100m 2 para um hectare, teríamos: - 1100 lenhosas arbóreas, 1000 frutíferas, 500 pupunhas, 1900 leguminosas arbóreas, 3200 mudas de pupunha. Total de 7700 elementos/ha. 79 (Estes resultados foram obtidos a partir de observação expedita e, portanto, não têm aplicação estatística). Descrição da paisagem: Inicialmente, junto ao plantio das mudas em faixas, a área recebeu o cultivo de milho e feijão preto (Phaseolus vulgaris) nas linhas da pupunha, além de mandioca a cada 60 cm nas entrelinhas das mudas de árvores. Também incluiu-se neste sistema a adubação verde com feijão guandu (Cajanus cajan), feijão-de-porco (Canavalia ensiforme) e crotalária (Crotalaria juncea), através da semeadura distribuída por toda a área. Além disso plantou bananeiras a cada 3 metros na linha de leguminosas lenhosas. O arranjo temporal pode ser definido como seqüencial, pois os cultivares introduzidos modificaram-se ao longo do tempo. As bananeiras produziram no tempo em que não havia sombreamento excessivo de dossel. Também foram colhidas diversas sacas de milho, feijão, aipim e guandu. A grande parte da produção agrícola atualmente é originada de um outro local possuindo 2 ha onde consorcia milho, mandioca, abóbora, inhame e batata-doce. Extrapolando-se esta orientação espacial observada, de 100m 2 para um hectare, teríamos: - 1100 mudas de lenhosas arbóreas, 1000 mudas de frutíferas, 5500 mudas de pupunha, 3300 mudas de leguminosas arbóreas. Total de 10.900 elementos/ha. (Estes resultados foram obtidos a partir de observação expedita e, portanto, não têm aplicação estatística). 82 Local para venda: Possui um box no Mercado do produtor e está satisfeito com a estrutura. No entanto comenta sobre vendedores que são somente atravessadores e não deveriam ter esse direito, em função do baixo número de boxes. Beneficiamento da produção: A falta de organização por parte dos agricultores e direcionamento das acessorias técnicas desarticulam a criação de um projeto comum de beneficiamento de produtos. O despolpamento dos frutos da juçara, preparação de conservas e compotas, fabricação de chocolate (através da extração da semente do cacau) e de balas de banana teriam muita aceitação dos consumidores locais. Assistência técnica: Recebe um suporte técnico suficiente, segundo sua opinião. Juventude no campo: Os mais jovens estão optando por trabalhar fora da roça por falta de incentivos locais nas zonas rurais e informa que três de seus 5 filhos trabalham na empresa de ônibus local. Formação de uma Associação de agricultores: Somente seria possível a criação de uma associação na cidade, caso seguisse os moldes da Cooperafloresta a nível de envolvimento, organização e interesse das lideranças. AGRICULTOR 3 - 44 anos - Bairro São Roque Condição: Posseira. Possui DAP: Não. Nº de moradores na residência: 3. Nº de indivíduos envolvidos nos manejos dos SAF’s: 1. O que planta: - Agrícolas anuais ou bianuais  bananeira (ouro, prata, maçã, marmelo, d’água e terra), cenoura, inhame, taioba, batata-doce, maracujá, cará (roxo e branco), chuchu, mandioca, abacaxi. - Frutíferas arbustivas ou arbóreas**  acerola, café arábica, urucum, abacate, abiu (amarelo e roxo), araçá (amarelo e roxo), cacau (2 variedades de forasteiro), jenipapo, laranja (morgote, bergamota, seleta, cidra e lima), limão (cravo e galego), tangerina mexerica, castanha-do-pará, graviola, jaca, fruta-pão, jabuticaba, cabeludinha, pitanga, nêspera, manga, mamão, jambo vermelho, caqui, tamarindo. - Lenhosas arbóreas  sapucaia, canela parda, camboatá. - Leguminosas lenhosas  ingá de metro, eritrina, pau-jacaré. - Palmeiras  coqueiro-anão, juçara, pupunha, açaí, palmeira-imperial. - Hortaliças, ervas medicinais e plantas ornamentais  pimenta (dedo-de-moça e “de cheiro”), rúcula, agrião, mostarda, hortelã-pimenta, salsa, cebolinha, coentro, erva-de-santa- maria, saião, boldo, poejo, menta, salvia, guaco, alfavaca, manjericão, sabugueiro, jurubeba. ** São consideradas todas as frutíferas perenes, ou seja, tanto florestais quanto agrícolas (domesticadas ao longo da história como o cacau, café, limão...). Tamanho estimado da área: 2500 m 2  2300 m 2 de agrofloresta. Modelo(s) agrossilvicultural(is) utilizado(s): Quintal Multiestratificado. 83 Principais consórcios observados na área: “pupunha x bananeira x frutíferas diversas” Produtos comumente disponíveis para venda: banana = 50kg/ano; colorau = 5kg/ano; rúcula = 350 maços/ano; pupunha = 50 cabeças/ano; laranja = 700 unidades/ano; abacate = 50 unidades/ano; acerola = 200 kg/ano; cacau = 50 unidades/ano; limão = 120 kg/ano; inhame = 20kg/ano; cará = 15kg/ano; pimenta = 190 compotas/ano; couve = 60 maços/ano; salsa 300 maços/ano; alfavaca = 300 maços/ano; coentro = 300 maços/ano; aipim = 360 kg/ano. Croqui de uma área representativa implementada pelo agricultora: Descrição da paisagem: Foram observadas algumas pupunhas, frutíferas e bananeiras, intencionalmente alinhadas no sistema (sentido vertical no mosaico). Os demais componentes foram distribuídos aleatoriamente. Portanto a distribuição espacial é considerada mista. Efetua o adensamento de plantios introduzindo nos “espaços vazios”, espécies de copa pouco densa e volumosa, como a pitanga, café, urucum, mamão e acerola. O arranjo temporal pode ser definido como simultâneo, pois mantém os diferentes cultivares de forma concomitante no sistema. Foi verificada grande diversidade de espécies frutíferas e trechos do terreno onde o cacau ou o café estão sombreados parcial ou totalmente. 84 Utiliza principalmente a cana como cultivar agrícola entre mudas, permanecendo no dossel aberto ou na semi-sombra. Em outros pontos da roça, estão estabelecidos remanescentes da regeneração natural com grande porte e diâmetro, ocasionando o adensamento da cobertura de dossel e permitindo pouca passagem de luz. O cará por exemplo, em diversos destes trechos apresenta-se sombreado, podendo ocasionar possível perda na produtividade do mesmo. Extrapolando-se esta orientação espacial observada, de 100m 2 para um hectare, teríamos: - 1100 frutíferas, 400 pupunhas, 600 touceiras de bananeiras, 500 touceiras de cana, 100 coqueiros, 100 mudas de palmeira, 100 café e 100 cacaus. Total de 3000 elementos/ha. (Estes resultados foram obtidos a partir de observação expedita e, portanto, não têm aplicação estatística). Bananeira, juçara, pupunha e pitanga consorciadas. (Fonte: arquivo do autor) Participação em cursos, mutirões e intercâmbios: Freqüentou cursos de  Produção de Compotas e Geléias – Preparo de Xaropes com ervas medicinais (Prefeitura); Criação de Galinhas – Compostagem – Biofertilizante – Minhocário (Fazendinha Embrapa Agrobiologia). Intercâmbio em Barra do Turvo/SP com práticas em Sistemas Agroflorestais, aprendizado sobre funcionamento de agroindústria, filtro biológico e banheiro seco (Organizado pelo IDACO). A entrevistada se recorda de ter participado somente de um mutirão fora do assentamento. Aconteceu na propriedade do seu Zé Ferreira, no sertão do Taquari, onde observou a importância da troca de experiências através do conhecimento de outras roças com diferentes formas de plantio. O que mudou em relação ao manejo das áreas/Histórico agrícola: Antes de conhecer as práticas agroecológicas, utilizava o fogo para limpar a roça e plantava sobre as cinzas, além de utilizar o sistema de pousio em matas e capoeiras. Plantava principalmente a cana, no intuito de fornecer para engenhos, porém o excessivo trabalho e pouco retorno, foram criando desânimo na família e muito desgaste nos solos. Há cerca de 19 anos recebeu de sua irmã, um lote de terra, na beira do Rio São Roque. Parte do local de sua roça (cerca de 750 m2), é considerada área de proteção permanente (APP), respeitado-se a faixa de 30 metros a partir da borda do rio que possui menos de 10
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