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Guias e Dicas
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Revista Aula Aberta - Scientific American, Notas de aula de Atualidades

Revista para educadores com sugestões de aulas

Tipologia: Notas de aula

2012

Compartilhado em 01/12/2012

samuel-robaert-12
samuel-robaert-12 🇧🇷

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Baixe Revista Aula Aberta - Scientific American e outras Notas de aula em PDF para Atualidades, somente na Docsity! Aula Aberta 1 O prazer de ensinar ciências Não existe um modelo perfeito de eleição. Conceitos estatísticos apontam o mais justo A magia por trás das bolhas do champanhe tem nome: dióxido de carbono física Por que o vírus da nova gripe gerou uma pandemia Biologia química matemática Como o motor a hidrogênio pode garantir um futuro limPo ano i - no 1 - 2009 - R$ 6,90 aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Editor: Marcelo Alencar colAborAdor: Sérgio Quadros – diretor Editorial / Editora Moderna dirEtor-GErAl: Edimilson cardial dirEtorA do GrUPo coNHEciMENto: Ana claudia Ferrari REDAÇÃO (redacaosciam@duettoeditorial.com.br) Editor: Ulisses capozzoli Editor ExEcUtivo: Paulo Eduardo Nogueira EditorA-ASSiStENtE: Aracy Mendes da costa EditorA dE ArtE: Simone oliveira vieira ASSiStENtES dE ArtE: Juliana Freitas, Ana Salles e Flavia couto PESQUiSA icoNoGráFicA: Silvia Nastari (editora), Gabriela Farcetta(pesquisadora) e lorena travassos (assistente) ASSiStENtES dE rEdAção: Elena regina Pucinelli rEviSão: Ana Fiori ProdUção GráFicA: Moysés de Jesus trAtAMENto dE iMAGEM: carina vieira e cintia Zardo Scientific AmericAn BrASil é uma publicação da Ediouro duetto Editorial ltda., sob licença de Scientific American, inc. rua cunha Gago, 412 – cj. 33 – Pinheiros – São Paulo – SP cEP: 05421-001 – tel. (11) 2713-8150 Fax (11) 2713-8197 coMitÊ ExEcUtivo Jorge carneiro, luiz Fernando Pedroso, lula vieira e Edimilson cardial PUBLICIDADE E PROJETOS ESPECIAIS publicidadeconhecimento@duettoeditorial.com.br SUPErviSor: Almir lopes ExEcUtivoS dE coNtAS: Fátima lemos e Walter Pinheiro REPRESEnTAnTES COmERCIAIS bahia/Sergipe (71) 9134-9547; brasília (61) 8407-0499; ceará/Maranhão (85) 9983-3472; Espírito Santo (27) 9981-5580; Mato Grosso/Goiás (65) 9235-7446; Minas Gerais; (31) 8885-7100; Paraná (41) 9943-8009; Pernambuco/Alagoas; (81) 9971-6875; rio Grande do Norte (84) 9104-3714; rio Grande do Sul (51) 9985-5564; Santa catarina (48) 9989-3346 mARKETInG dirEtor: lula vieira GErENtE: rita teixeira ASSiStENtE: Juliana Mendes OPERAÇõES dirEtorA: Ana carolina trannim COnTROLADORIA E FInAnÇAS GErENtE: Miriam cordeiro CIRCULAÇÃO ASSiNAtUrAS E NovoS cANAiS GErENtE: Jary camargo SUPErviSão : Antonio carlos de Abreu (vendas pessoais) e viviane tocegui (central de relacionamento) ASSiStENtE dE NovoS cANAiS: Fernanda ciccarelli bANcAS E vENdAS AvUlSAS GErENtE: carla lemes núCLEO mULTImíDIA GErENtE: Mariana Monné rEdAtorA do SitE: Fernanda Figueiredo WEb dESiGNEr: rafael Gushiken ProGrAMAdor: cleber oliveira CEnTRAL DE ATEnDImEnTO atendimento@duettoeditorial.com.br brASil: tel. (11) 3038-6300 e Fax (11) 3038-1415 NovAS ASSiNAtUrAS: atendimento@duettoeditorial.com.br EdiçõES AvUlSAS E ESPEciAiS: queroassinar@duettoedito- rial.com.br e www.lojaduetto.com.br Aula Aberta iSSN 2176-1639. distribuição com exclusivi- dade para todo o brASil: diNAP S.A. rua doutor Kenkiti Shimomoto, 1678. Números atrasados e edições especiais podem ser adquiridos através da loja duetto ou pela central de atendimento duetto (11) 3038-6300 ao preço da última edição acrescido dos custos de postagem, mediante disponibilidade de nossos estoques. iMPrESSão: Ediouro Gráfica dirEtor rESPoNSávEl: Edimilson cardial www.sciam.com.br Brasil Cavalos esféricos, entre outros bichos Seus alunos são daqueles que comporiam baladas ou raps com títulos nada sutis, do tipo odeio Matemática, Não Suporto Física, Não Quero Nem Saber de Química ou coisa do gênero? convenhamos, professor, essas disciplinas nem sempre sensibilizam os adolescentes. Es- pecialmente quando as lições são introduzidas assim: “considere um cavalo esférico” e pros- seguem com um discurso que parece de outro mundo. os estudantes estão interessados em assuntos que façam sentido, expliquem coisas do co- tidiano e ampliem seu horizonte de forma criativa e intrigante, até porque “cavalos esféricos”, por exemplo, não passam de uma expressão sem pé nem cabeça. Em vez de usar essas abordagens repetitivas, considere outra possibilidade – como levar em conta a fonte de energia que faz com que os olhos se movimentem para acompanhar este texto. de onde vem tal energia? A pergunta pode parecer apenas provocativa, num primeiro momento. Mas se você levar os estudantes a pensar apenas alguns segundos, eles se darão conta de que não é assim. En- tão considerarão que essa energia vem, entre outras coisas, do café da manhã que tomaram logo depois de acordar: leite, café, pão, geleia etc. Mas qual é a origem desses alimentos? EditoriAl SUMário 24 FíSicA Um futuro limpo Por lawrence d. burns, J. byron Mccormick e christopher E. borroni-bird Aula Aberta 1 Mostre aos estudantes de que modo o desenvolvimento e a produção em massa de veículos movidos a células de combustível de hidrogênio pode reduzir drasticamente a emissão de gases poluentes na atmosfera aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL  notasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasno- © e w an c he ss er / sh ut te rs to ck (à e sq .) , d iv ul ga çã o (à d ir .) acontecerá depois. Pode haver uma superpopu- lação de roedores.” os conservacionistas estão tentando salvar o animal por meio de reprodução em cativeiro. Embora essa doença do demônio-da-tasmâ- nia não esteja relacionada à atividade humana, outros cânceres que atingem a vida selvagem podem estar. “as toxinas no ambiente podem Origem africana do homem é determinada com precisão Pesquisadores de 11 países colaboraram no estudo de mais de 4 milhões de genótipos, cujo resultado foi publicado em 30 de abril na versão on-line da revista science. ao analisar se- quências genéticas de 121 populações africanas, 60 populações não africanas e quatro populações afro-americanas, foi possível retroceder na ances- tralidade africana a até 14 agrupamentos. Charles Darwin foi o primeiro a propor a origem africana dos humanos, no seu livro the Descent of Man, de 1871. atualmente é com- pletamente aceita a idéia de que os humanos modernos passaram metade de seus 200 mil anos de existência na áfrica, tornando essa região de especial interesse para geneticistas, linguistas e antropólogos. o estudo confirma a hipótese dominante de que o continente ainda é o local de maior diversidade genética. atualmente a áfrica tem mais de 2 mil grupos etnolinguísticos e os pesquisadores conseguiram GEnÉtiCa PEsQUisa afiRMa QUE os hUManos sURGiRaM nUMa loCaliDaDE PERto Da fRontEiRa EntRE as atUais áfRiCa Do sUl E naMíbia o DEMÔnio-Da-tasMÂnia sofre de um tumor facial contagioso que vem se espalhando rapidamente e pode levar o marsupial à extinção causar câncer também nos animais selvagens, não somente em humanos,” observa Denise, apontando para a alta prevalência da doença, detectada por sua equipe, em tartarugas ma- rinhas e baleias beluga que nadam em águas poluídas. a patologista observa que, embora os vírus possam ser a causa final, o am- biente provavelmente está “promovendo ou contri- buindo para a ocorrência desses tumores”. Uma melhora no moni- toramento da vida selvagem pode ajudar os humanos. “os animais agem como sentinelas,” comenta. “Eles nos dão pistas de que alguma coisa pode estar afetando o ambiente. E, assim, poderíamos tomar medidas mitigadoras para melhorar a saúde tanto dos animais quanto das pessoas.” Por Lynne PeePLes ChaRlEs DaRWin foi o primeiro a propor a origem africana dos humanos no livro The Descent of Man, de 1871 aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL notasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotas detectar sua movimentação dentro e fora do continente, ao combinar padrões linguísticos e genéticos. Entre outras descobertas, está a ancestralidade comum entre pigmeus e grupos de língua khoisan (que usam estalidos para se comunicar), e uma ruptura média na herança genética de afro-americanos, nas populações estudadas (cerca de 71% de africanos do oeste subsaariano, 13% de europeus e 8% de outros grupos africanos). Com um mapa mais detalhado dos genes, os pesquisadores esperam compreen- der melhor aspectos da saúde e de doenças em muitas dessas populações. “nós nos concentramos em pesquisas que beneficiem os africanos,” observa sarah tishkoff, principal autora do estudo e geneticista da Escola de Medicina da University of Pennsylvania. Ela acrescenta que trabalhos futuros incluirão “estu- dos de fatores ambientais e de fatores genéticos de risco, em relação a enfermidades e respostas a medicamentos.” Por katherine harmon Metal gravado a laser permite líquido fluir contra a gravidade Pesquisadores produziram um fluxo ascendente de líquido – o que contraria o efeito da gravi- dade – aproveitando o efeito de capilaridade de minúsculos canais entalhados com laser de alta intensidade, em uma de placa metálica. Mesmo quando a placa está na vertical, o líquido sobe através dos canais com uma velocidade que sur- preendeu os pesquisadores. Esse transporte passivo de fluidos pode ser útil, por exemplo, no campo da microfluídica, para conduzir o fluxo de pequenas quantidades de líquido em aplicações de sondagem ou nos laboratórios em chip. Em artigo publicado no começo de junho na applied Physics letters, anatoliy Vorobyev e Chunlei Guo, do instituto de Óptica da University ÓPtiCa Já É PossíVEl fazER o álCool DE MaDEiRa sE DEsloCaR EM sEntiDo asCEnDEntE E a VEloCiDaDEs sURPREEnDEntEs ChUnlEy GUo diante de um laser de femtos- segundo você sabia? as formigas têm perfeita consciência de obrigações e afazeres, sendo um deles o transporte de companheiras mortas para fora da colônia antes que os corpos sem vida infectem o local com seus patógenos. Mas como as formigas responsáveis por essa tarefa conseguem identificar os cadáveres? É que, enquanto estão vivas, as formigas produzem substâncias químicas que indicam seus sinais vitais e, ao morrerem, perdem rapidamente essas substâncias. Em outras palavras, as mortas são notadas pela ausência de sinais de vida – uma espécie de pulsação química não mais sentida. un iv er si ty o f ro ch es te r / r ic ha rd b ak er aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL  notasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotasnotas of Rochester, descrevem o uso de pulsos laser de femtossegundo para entalhar microcanais paralelos em placas de platina. Cada descarga laser é extre- mamente rápida – os intervalos são de cerca de 65 femtossegundos a cada segundo, o que equivale aproximadamente aos segundos contidos em meio milhão de anos. os pesquisadores descobriram que a ação capilar e a evaporação permitiram que o metanol líquido, também conhecido como álcool de madei- ra, fluísse através dos canais, em alta velocidade, 1 cm por segundo quando a placa estava na vertical, e mais rápido ainda em placas horizontais ou inclinadas. Em uma montagem à parte, Vorobyev e Guo trataram com laser um pedaço de folha de platina na forma de “J”, e depois imergiram a parte mais longa do “J” em um recipiente contendo metanol. Dez mi- nutos depois, uma grande gota de metanol tinha se formado na parte inferior do “J”, uns 10 mm acima da superfície do líquido. Por john matson Planeta estranho orbita estrela ao contrário na procura por planetas extrassolares, a busca de Planetas em Grandes áreas (WasP, na sigla em inglês), do Reino Unido, encontrou um mundo bizarro, que orbita uma estrela no sentido oposto. “Esse é um dos planetas mais estranhos que já encontramos”, observa sara seager, astrofísica do Massachusetts institute of technology (Mit). Quando estrelas começam a girar, geralmente atraem resíduos de matéria das proximidades, que adquirem a mesma direção orbital. “Com todo o sistema estelar rodopiando no mesmo sentido, , é necessária alguma coisa muito forte para fazer um planeta seguir na direção oposta”, avalia Coel hellier, astrofísico da Keele University, no Reino Unido. De fato, o exoplaneta recém-descoberto – batizado de WasP-17b – provavelmente sofreu um grande impacto gravitacional de outro objeto bem maior para adquirir uma órbita retrógrada. “se houver um evento de ‘quase colisão’, então a interação poderá produzir um violento empurrão gravitacional”, comenta hellier. Esse é o primeiro planeta conhecido a apresentar uma órbita tão inesperada, embora algumas luas de outros planetas do sistema solar percorram órbitas no sentido inverso, em torno dos planetas. hellier e seu grupo também calcularam o tama- nho do planeta gasoso. a baixa densidade encon- trada pode ser explicada ou por uma quase colisão, astRonoMia soMEntE UM EVEnto CÓsMiCo MUito ViolEnto PoDERia fazER UM PlanEta DE UM sistEMa EstElaR GiRaR no sEntiDo inVERso ConCEPção aRtístiCa de uma super-terra orbitando Gliese 581 devido à aproximação de outro objeto grande, ou pela longa órbita elíptica do planeta, que permite que se aproxime muito de sua estrela massiva. “Para mim, esse fato é extremamente interes- sante”, avalia seager, que não estava envolvido na descoberta. “É fascinante poder estudar órbitas de planetas tão distantes.” Esse gigante gasoso está a cerca de mil anos-luz de distância. Por katherine harmones o / e ur op ea n so ut he rn o bs er va to ry aula aberta12 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL A primeira lei da termodinâmica diz que a energia não pode ser criada nem destruída, apenas transformada Transformações da energiafísica Por Ulisses Capozzoli T alvez nem todos se deem conta, mas o movimento de seus músculos oculares na leitura deste texto demanda uma determinada quantidade de energia. Da mesma forma que a energia de uma lâmpada elétrica, que possivelmente ilumina uma sala para a leitura, provém de uma hidrelétrica, uma termelétrica, ou mesmo de uma usina nuclear ou de fontes alternativas. Mas e a energia que abastece os músculos oculares, de onde vem? a resposta usual certamente é que foi fornecida pelos alimentos que ingerimos: um filé de peixe, uma fatia de pão, uma salada ou uma fruta. Mas o filé de peixe, a fatia de pão, a salada ou a fruta só foram possíveis a partir de uma fonte de energia, neste caso, o sol. a fotossíntese, que permite o desenvolvimento dos vegetais, tira partido da fonte mais antiga e poderosa disponível, a energia solar. Tendo como fonte de energia o sol, as plantas se desen- volvem e, muitas delas, produzem frutos que nutrem animais, como boa parte dos peixes, por exemplo. isso significa dizer que, ao longo de um processo complexo, e de certa maneira surpreendente, a energia que abastece os músculos que deslocam os olhos do leitor veio do coração do sol, a 150 milhões de quilômetros de distância, a partir de uma reação de fusão nuclear expressa pela conhecida equação de albert Einstein: E=mc2. Essa equação indica que energia equivale à massa pelo produto da velocidade da luz ao quadrado e tem duas implicações imediatas: a primeira delas é que massa e energia são a mesma coisa, ainda que possam parecer distintas. a segunda sugere que é enorme a quantidade de energia estocada sob a forma de massa. © K us hc h Dm it ry /s hu tt er st oc K aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 13 Transformações da energia Ulisses Capozzoli é editor-chefe de Scientific AmericAn BrASil No caso do sol, E=mc2 demonstra que o excesso de massa para a síntese do hélio, no coração solar, é eliminado sob a forma de energia. O sol transforma, a cada segundo, aproximadamente 600 mil toneladas de hidrogênio, o elemento mais simples e abundan- te do Universo, em hélio, elemento mais “pesado”, na terminologia dos físicos. Em linguagem simples e direta, essa síntese ocorre quando quatro átomos de hidrogênio se combinam, sob enorme pressão gravitacional, para formar um único átomo de hélio. Mas, como quatro “tijolos” de hidrogênio têm mais massa que um único “tijolo” de hélio, a sobra de massa é eliminada sob a forma de energia. Essa é a usina de força do sol, processo que demandou uma enorme quantidade de trabalho ao longo de séculos, antes de ser devidamente compreendido, no final dos anos 30, pelos físicos alemães Hans albrecht Bethe (1906-2005) e carl friedrich von Weizäcker (1912-2007). Mas o que leva átomos de hidrogênio à fusão para sintetizar hélio e liberar energia? O processo por trás dessa reação é a enorme pressão gravitacional do sol. E a gravidade, de onde vem? a gravidade é uma das quatro forças básicas da Natureza e emergiu com o Big Bang, a explosão que criou o Universo, segundo a teoria conhecida por esse nome. Ou que apenas recriou o Universo, de acordo com a teoria do Universo Oscilante. De acordo com essa concepção, o Big Bang não é a explosão pri- mordial, mas apenas a mais recente das explosões que ocorreram num universo que se distenderia e contrairia ao longo do tempo e seria eterno. assim, na realidade, a energia do simples movi- mento dos músculos oculares do leitor para acompa- nhar estas palavras recua à criação ou recriação do Universo. E isso significa, como prevê a primeira lei da termodinâmica, ou lei da conservação da energia, que a energia não pode ser criada nem destruída, mas apenas transformada. Outra conclusão possível é que a energia que abastece a lâmpada que ilumina um espaço para a leitura deste texto, ou alimenta os músculos ocula- res do leitor, tem a mesma fonte, o Big Bang, como todas as demais formas de energia. Mesmo a nu- clear, porque átomos como o urânio, que permitem a fissão no interior das usinas em uso, resultam da síntese dos elementos no interior de estrelas de grande massa que, ao final de sua vida, explodem sob a forma de supernovas e liberam elementos pesados para a construção de outros sóis, planetas e formas de vida. Em princípio, tudo depende de uma estrela. De estrelas extintas, que teceram os elementos que agora compõem o sol, e do próprio sol, que explode como uma gigantesca bomba de hidro- gênio há 5 bilhões de anos. E continuará assim por outros 5 bilhões, antes de se exaurir e, um dia no futuro, restringir-se a um núcleo escuro e gelado vagando pelo corpo da Galáxia. Mas o que é energia? Qual o significado dessa palavra curta que, de uma forma específica, sempre esteve na base da civilização, ainda que, no passa- do remoto, isso se tenha restringido a um pequeno grupo de humanos sentados em volta do fogo, pro- tegendo-se do frio, do ataque de animais selvagens e da pesada escuridão da noite? Energia, numa interpretação da física, é aquilo que permite a realização de trabalho. É, em termos gerais, uma definição desapontadoramente frustran- te para quem espera por qualificações claras, simples e diretas para as coisas do mundo. Mas, ainda assim, não se pode negar que há uma beleza quase tangível na ideia de que a energia não pode ser criada nem destruída, mas apenas transformada. assim, por mais que administradores de sistemas como hidrelétricas se refiram a “geração de energia”, na realidade o que ocorre nessas unidades é a trans- formação da energia mecânica (cinética + potencial) das águas em energia elétrica. a mesma coisa acon- tece com as ondas do mar e os ventos, ambos resul- tado da radiação do sol. Ou mesmo com a energia das marés, consequência de interações gravitacionais entre a Terra, o sol e principalmente a Lua. Há um fascinante jogo de espelhos no fenômeno natural que identificamos por energia e a investiga- ção disso por uma área da ciência, a termodinâmica, ou o estudo do calor e de outras formas de energia. a termodinâmica tomou forma basicamente no século 19, tanto como interesse científico quan- to como necessidade tecnológica. foi a base da Revolução industrial, sob a forma de máquinas a vapor, alimentadas pelo carvão, na determinação de substituir músculos humanos e de animais pelo poder mecânico das máquinas. a termodinâmica, ao permitir a transformação da energia e produzir trabalho, foi fundamental para libertar a humanidade do horror da escravidão, que, por séculos, fez de milhões de seres humanos criatu- ras degradadas aos olhos de um senhor. aula aberta14 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL O neurocientista brasileiro, respeitado internacionalmente, fala sobre o Campus do Cérebro, seu ousado centro de pesquisa, educação e assistência social instalado na periferia de Natal. E aproveita para criticar certas culturas, tão arcaicas quanto improdutivas, enraizadas em nossos meios acadêmicos miguel nicolelisentr ev is ta Por Rogério Furtado H á pouco mais de dez anos, nos estados Unidos, o médico paulistano Miguel Ângelo Laporta nicolelis desenvolveu a interface cérebro-máquina e ganhou projeção mundial como neurocientista. Por meio dessa técnica, desde 1998, na Duke University, na Carolina do norte, nicolelis e sua equipe têm realizado experimentos bem-sucedidos em que animais de laboratório – geralmente macacos –, usando apenas o cérebro, comandam braços robóticos na execução de determinadas tarefas. aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 17 Nicolelis não havia nada de especial na forma como eu estudava. em meu ambiente familiar jamais alguém me cobrou bom desempenho acadêmico e ninguém nunca soube o que eu fazia na escola. Mas tive sorte. Minha mãe é escritora e minha avó era uma intelectual, mulher de formação ampla. elas me influenciaram muito, desde cedo. nunca fui poupado de qualquer discussão sobre o Brasil ou o mundo. vovó tinha uma grande biblioteca e seu marido também era um estudioso. Ou seja, em casa as atividades pensan- tes eram rotineiras. nunca fui forçado a nada. estudar era consequência natural do meu dia a dia. AulA AbertA Hoje vemos até analfabetos fun- cionais, que nunca leram um livro, ingressando em faculdades. essas pessoas, iludidas, pensam que basta comparecer às aulas, pagar as mensalidades e pegar o diploma para ter uma profissão bem remunerada. Como acabar com problemas assim? Nicolelis Bem, a maioria de nossos engenheiros faz carreira em bancos. Para resolver os problemas da educação temos de fazer um trabalho voltado a uma geração que ainda não nasceu. Para que os futuros brasileiros encontrem algo completamente diferente do que vemos agora. aprender tem de ser algo tão divertido quanto andar de bicicleta. eu aprendi a aprender na rede da casa de minha avó. Lendo. e minha escola era espetacular. Depois fui para o Ban- deirantes, colégio particular de são Paulo. Foi ali que entrei de vez no mundo das ciências naturais. AulA AbertA O que se passa no Campus do Cérebro tem alguma relação com sua experiência de estudante? Nicolelis De certa maneira, reproduzimos em natal o processo lúdico de aprendizado que experimentei em casa. as escolas de iniciação científica que fun- damos são totalmente empíricas. Os alunos não têm aulas teóricas, aprendem com a prática, literalmente. eles chegaram à sala de aula sem saber o que é o metro, o milímetro ou uma régua. eram crianças de 11 a 13 anos que nunca haviam medido nada. então, para aprender a noção de escala, cada um desenhou a casa onde mora e construiu um modelo dessa casa na oficina de marcenaria. assim eles entenderam as relações entre as medidas e começaram a ver que a ciência está no cotidiano. O aprendizado deixou de ser obrigação para se incorporar à rotina deles. Hoje, mil alunos trocam instituições públicas por nossas escolas, onde ficam de três a quatro horas por dia e se dedicam a várias atividades. Para isso construímos laboratórios de robótica, física, química, biologia, informática, história e geografia. Há também oficinas de ciência e tecnologia e de artes, além de um programa de formação de professores da rede pública. temos dois teles- cópios e começamos a realizar observações astronômicas. as crianças já fazem fotos até das luas de Júpiter e de saturno. agora, se tudo der certo, cons- truiremos um observatório. será o primeiro do nordeste destinado a crianças, só que equipado com instrumentos para profissionais. AulA AbertA Boa parte das crianças se interessa pela astronomia? Nicolelis elas se interes- sam por tudo. e nos dão a impressão de que agem como “esponjas” quando se trata de absorver conhecimentos. em natal ficou patente que essa garotada era sedenta de atenção, amor e oportunidades. se tiverem as três coisas em um mesmo ambiente, avançam. a propósito, o presidente Lula, ao conversar com um de nossos alunos durante uma visita a natal, perguntou o que ele achava da escola. “Que escola?”, a criança respondeu. e completou: “isto aqui não é escola, é um parque de diversões”. isso é exatamente o que a gente quer, uma condição ótima para o aprendizado. Mas não é só. Os estudantes mais velhos vêm participando de uma nova atividade, que é uma oficina em que criam jogos para os mais novos. eles desenvolvem ideias e, na oficina de marcenaria, constroem os protótipos. assim, participam da produ- ção de material pedagógico. agora queremos aplicar os mesmos procedimentos na área de informática: bolar jogos de computação que sirvam como instrumentos de ensino de educação científica. AulA AbertA Quem desenvolverá esses programas? Nicolelis Os alunos. nossa ideia é torná-los parceiros na construção dessa estrutura que preten- demos disseminar pelo Brasil. esperamos que tenham motivos para sentir que o aprendizado científico em nossas escolas vale a pena. Daqui a pouco vários deles poderão ser programadores em empresas de informática, ganhando a vida com o que aprenderam aula aberta18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aqui. eles não precisam virar cientistas. a intenção é regar a criatividade de cada um e permitir que todos desabrochem e desenvolvam seu potencial. AulA AbertA Qual tem sido o aproveitamento dos alunos? Nicolelis essas crianças chegaram sem saber se expressar, ler ou escrever. a diferença que sentimos, e agora estamos tentando medir isso em termos de de- sempenho escolar, é que elas encontraram o algoritmo de aprender. Descobriram o método. isso a maioria dos estudantes brasileiros não consegue. e estamos falando de muita gente. são 54 milhões de alunos nas escolas públicas e 12 milhões nas particulares, o que corresponde à população francesa. Mas em nossas escolas a garotada também está aprendendo que antes dos projetos pessoais vêm aqueles voltados para o coletivo – a nação, a comunidade, a família. então, todos os nossos projetos são executados em grupo. as crianças têm de colaborar entre si. elas não devem apenas crescer individualmente, mas também contribuir para o crescimento comum. AulA AbertA anísio teixeira, Darcy ribeiro e Paulo Freire provavelmente se encantariam com essa visão... Nicolelis em minha opinião, todos são heróis nacionais. Mas em termos teóricos não há nada nosso que possa competir com a grandiosidade das ações de cada um deles. O que temos é um projeto privado cujo objetivo é ser autossustentável por meio do emprego da ciência na criação de atividades econômicas. Que- remos produzir conhecimento de ponta no instituto de pesquisa e comerciar as tecnologias e novas tera- pias. a receita obtida será usada para pagar nossas contas, que são elevadas, pois nossos projetos sociais são ambiciosos. em 2008, por exemplo, abrimos a primeira clínica da mulher, que já atende milhares de pessoas por ano, em programas fundamentais como prevenção de câncer, gravidez e puericultura de alto risco e neuropediatria. Graças a um convênio assinado com o MeC, teremos uma escola pública regular a ser frequentada pelos alunos em período integral. O próximo passo será a construção de uma maternidade, pois as mulheres que atendemos não têm onde dar à luz. e os filhos delas, ao nascer, já estarão matriculados na escola. se mantivermos o patamar atual, educando mil crianças por ano, em duas décadas formaremos um exército de pessoas pensantes em um lugar onde antes não havia nada. AulA AbertA a maioria dos pesquisadores que atuam em natal é de repatriados? Nicolelis não. Um dos diretores, sidarta ribeiro, esteve nos eUa por 12 anos. Mas temos gente de todas as regiões do Brasil. Como o trabalho é multi- disciplinar, precisamos de especialistas de diferentes áreas. Para certas pessoas que chamamos, o desafio de vir para cá revela-se tão inebriante que elas não conseguem recusar o convite. É o caso das pedagogas responsáveis pelas escolas de iniciação científica, que antes viviam em são Paulo, trabalhando em grandes instituições particulares. e estamos atraindo cada vez mais colaboradores brasileiros e estrangeiros. Quando demos início ao projeto, dizíamos que todos os caminhos da neurociência no Brasil levam a natal. ainda dizemos. e a verdade é essa. vamos trazer os melhores, desde que comunguem com a filosofia de mudar esta região. AulA AbertA em que circunstâncias o Brasil deve continuar mandando estudantes para o exterior? Nicolelis Com a condição de que a pessoa tenha a capacidade de aproveitar essa experiência. É uma maneira fundamental de oxigenar a ciência nacional. não há dúvida quanto a isso. O que não é bom para o país é perder tanta gente de forma definitiva. O pessoal da minha geração ilustra bem o caso. acre- aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 19 dito que o Brasil tenha cerca de 11 mil cientistas vivendo no exterior. Conheço muitos que gostariam de atuar por aqui. só que voltar é muito difícil, por causa de nossas estruturas, de nossa cultura. e o retorno se torna ainda mais complicado quando se trata de alguém que, estando muito tempo fora, também se destaca em sua área. É mais um efeito colateral indesejável da mediocridade reinante nos meios acadêmicos nacionais. espero que nossos meninos de natal participem da formação de uma futura academia brasileira. ela deverá se voltar para o país, contribuindo para o debate, e não olhando para o próprio umbigo. AulA AbertA O senhor também não foi bem- vindo ao retornar? Nicolelis a vaidade humana é previsível. Certas pessoas ‘não entenderam’ quando decidimos vir para natal. Gente da academia, no sudeste, me disse ‘você é louco. não pode ir para lá, onde não existe massa crítica. e como você vai tirar essas crianças de um estado de penúria mental?’ O Brasil ainda não de- senvolveu um algoritmo de apoio ao sucesso. Prefere apoiar a mediocridade. aqui, de cada dez projetos, oito ou nove são medíocres. Um ou dois são bons. nossa tendência é pegar os recursos disponíveis e dividir pelos dez. sobram quirelas para cada um. nin- guém é capaz de dizer ‘sinto muito, mas seu projeto não tem mérito suficiente para ser financiado’. O país tem muita dificuldade para implementar esse modelo de gestão científica, a despeito dos esforços de algumas instituições de fomento. AulA AbertA vencidas as dificuldades iniciais, o que há para comemorar? Nicolelis Levamos três anos para trazer os recur- sos tecnológicos de que precisávamos para começar as pesquisas. Como sou experimentalista, acredito que o experimento é o critério para determinar se alguma coisa funciona ou não. e aqui tudo está funcionando. Quando trouxe colegas do mundo inteiro para um simpósio, em 2007, eles ficaram espantados ao saber que, na periferia de natal, já estávamos pesquisando neurônios de acordo com a técnica que desenvolvi na Universidade de Duke. Muitos desses cientistas ainda estão tentando fazer, na França e no Japão, por exemplo, o que a gente faz em Macaíba. Quanto às crianças, devo dizer que vão muito bem. em ambiente favorável, alimentadas e recebendo carinho, elas se sentem seguras para errar e aprender. e estamos conquistando apoio po- lítico e financeiro da sociedade civil e do governo. O presidente Lula e o ministro da educação, Fernando Haddad, assinaram um artigo comigo em 2007, comprometendo-se a levar a experiência de natal para 1 milhão de crianças nos próximos anos. Pela primeira vez um texto dessa natureza saiu na edição publicada nos eUa da Scientific AmericAn. AulA AbertA e os projetos para o longo prazo? Nicolelis Com a ajuda de colegas, brasileiros e estrangeiros, selecionei 12 áreas da ciência em que o Brasil deveria investir para se tornar um país realmente soberano no futuro, com economia forte e melhores condições de vida para a população. todos nós sabe- mos que a dívida social não será resgatada apenas com programas assistenciais. assim, espalhados pelo território brasileiro, em regiões carentes como a perife- ria de natal, a associação santos Dumont gostaria de implantar, entre outros, institutos do mar, do espaço, de biodiversidade, de nanotecnologia, de fitoterápicos e de bioenergia. Cada uma dessas áreas tem enorme potencial. tomemos os fitoterápicos como exemplo. Hoje, uma empresa farmacêutica gasta de 6 a 7 bilhões de dólares e 25 anos de trabalho para obter um novo antibiótico. e o mesmo se passa com outros medicamentos. esse modelo é inviável e não pode se perpetuar. e o Brasil tem uma enorme riqueza na biosfera. inclusive na caatinga, que é o único bioma exclusivamente nacional. não há nada igual em qualquer outro lugar do planeta. as pessoas de lá conhecem raízes medicinais que curam doenças que afetam os seres humanos e os animais. Falta descobrir e testar os princípios ativos. Mas todas as instituições que enumerei deverão funcionar nos moldes do instituto de neurociências de natal, onde a ciência de ponta é usada como agente de transformação econômica e social. Com gente competente para gerir e trabalhar nesses insti- tutos. não será difícil escolher o pessoal. É só aplicar o mesmo critério que se usa para escalar a seleção brasileira de futebol. Descontados os pequenos des- vios padrão, só os craques jogam. ninguém convoca um centroavante perna de pau para disputar uma Copa do Mundo. Mas, antes de tudo, será preciso consolidar o projeto em natal. É a nossa prioridade. Uma vez vencida essa etapa, teremos condições de abrir outras frentes. e estamos indo bem no rio Grande do norte. isso dá concretude a uma de minhas metáforas prediletas. a de que o nordeste é cacto. se for irrigado, vira flor. Para COnHeCer Mais O site www.natalneuro.org.br dispo- nibiliza mais informações sobre Miguel nicolelis, o Campus do Cérebro e pesquisas em neurociências. A vaidade humana é previsível. Certas pessoas ‘não entenderam’ quando decidimos vir para Natal. Gente da academia, no Sudeste, me disse ‘Você é louco. Não pode ir para lá, onde não existe massa crítica’ “ “ rogério Furtado é jornalista aula aberta22 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL sugira que os jovens adquiram planisférios orientados para o sul. Então, cada um deve segurar o respectivo instrumento com a mão esquerda, apontado para o sul, e, com a mão direita, fazer o disco da esfera celeste deslizar para a data e horário desejados. orientados para o sul, os estudantes voltarão suas costas para o norte, com as estrelas nascendo no leste e se pondo no oeste. no leste, em consequência da rotação da terra, as estrelas estarão se elevando cada vez mais, até culminarem sobre a posição dos observadores e então ir perdendo altura, em relação ao horizonte, até o ocaso, no oeste. observe que as estrelas mais brilhantes (quanto menor a magnitude, maior a luminosidade) estão bem destacadas nesse planisfério e acompanhadas de seus nomes, caso de sirius (alfa [α]) do Cão maior, Canopus [α] de Carina, ou antares [α] do Escorpião e toliman (ou rigel Kentaurus) [α] do Centauro. Peça que os alunos se posicionem tendo como referência essas estrelas brilhantes. ao longo do ano, eles mes- mos irão reconhecer cada constelação. trata-se de uma exploração mais que compensadora, cada um pode fazê-la de forma independente. Planisfério e anuário Com as constelações localizadas com ajuda do planisfério os jovens podem recorrer ao anuário e avançar bastante no reconhecimento do céu. se as constelações não se alteram (na realidade elas se alte- ram, mas, como cada um dos componentes estelares está a enorme distância da terra, essas mudanças são praticamente imperceptíveis em curto espaço de tempo), astros como planetas, cometas e asteróides estão sempre mudando de posição. Daí a necessidade do anuário, que traz a indicação das efemérides (em astronomia, o anúncio prévio de fenômenos celestes, termo que quase se confunde com o próprio anu- ário) ao longo do ano. Com base nesse gênero de publicação você e a turma podem se programar para acompanhar cada um dos fenômenos celestes visíveis a olho nu, como eclipses lunares (eclipses solares, a não ser os totais, devem ser observados com filtros especiais para proteção dos olhos), ocultações de estrelas e passagens de cometas. Binóculos e atlas astronomia a olho nu é uma exploração bastante interessante, mas qualquer observador estará sempre interessado em instrumentos ópticos que vão de vários tipos de binóculos e pequenas lunetas a telescópios refratores e refletores das mais diversas qualificações. os observadores iniciantes, no entanto, devem ser alertados de que mesmo o uso de um equipamento ob se rv At ór io D e si Dn ey ( An ta re s) ; © P ri m oz c ig le r/ sh ut te rs to ck antarEs aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 23 ulisses capozzoli é editor-chefe de Scientific AmericAn BrASil sofisticado sem conhecimento mínimo do céu acabará em enorme frustração. muitos instrumentos, remanescentes da passa- gem do cometa Halley, em meados dos anos 80, estão abandonados por seus proprietários, com oculares, espelhos e lentes arruinados por fungos e outros problemas decorrentes da má manutenção. assim, antes de sonharem com um telescópio, é conveniente que os estudantes se familiarizem com o céu e, nesse caso, além de planisfério e anuário, é praticamente imprescindível que se equipem com um atlas celeste e binóculos. Quando todos forem capazes de localizar com relativa facilidade uma constelação tirando partido do planisfério, um atlas pode fornecer-lhes as indicações dos conteúdos de cada uma dessas constelações. Uma constelação como touro, por exemplo, permite investigar tanto um asterismo, caso de Plêiades, como um dos mais fascinantes cenários celestes: a nebulosa do Caranguejo, que resultou da explosão da supernova de 1054. ainda que a nebulosa do Caranguejo não se revele a binóculos convencionais, esses equipamen- tos versáteis e mais acessíveis ampliam de maneira surpreendente as paisagens celestes. Binóculos trazem sempre dois números de refe- rência, como 7x50. o primeiro número indica a mag- nificação do equipamento e o segundo o diâmetro da objetiva, em milímetros. Dividindo-se 50 por 7 tem-se o que os ópticos chamam de “pupila de saída”, nesse caso de pouco mais de 7 milímetros. Guarde bem essa relação para escolha de outros equipamentos porque, numa noite escura, a máxima abertura da pupila humana chega a 7 milímetros. Em outras palavras, uma pupila de saída nessa medida significa que toda luz recolhida pelo equipamento será aproveitada visualmente, gerando uma boa definição de imagem. acuidade visual Claro que se a turma dispuser, por exemplo, de binó- culos 16x50, pode usá-los ao menos nos primeiros tempos, antes de comprar um 7x50. sugira que todos tenham alguma tranquilidade porque, entre outros desafios, a observação do céu exige boa acuidade visual, que é preciso desenvolver. observar o céu é como tocar um instrumento. Quem para por algum tempo vai precisar de algum esforço para recomeçar. nós, de alguma forma, perdemos a “embocadura”. Quanto aos atlas, a preferência deve ser dada a material produzido no hemisfério sul, que facilita a observação. Uma busca em livrarias e/ou pela internet permite a localização de atlas tanto em português quanto em inglês. Estude atentamente o exemplar que pretende indicar para a turma, lembrando que uma única constelação, das 88 em que o céu está dividido, é uma fonte inesgotável de exploração. sem ansiedade não deixe que a ansiedade atrapalhe o prazer de explorar o céu, mas crie, ao mesmo tempo, um mé- todo mínimo que permita a todos o desenvolvimento dessa atividade. inúmeros nomes da história da astronomia fizeram suas descobertas com base em um livro, caso do filósofo Emmanuel Kant (1724-1804), que propôs o conceito de “universo-ilha” para se referir às galáxias. ou William Herschel (1738-1822), ma- estro que trocou o som das orquestras pela música das esferas e foi o maior astrônomo de sua época. De qualquer forma, o planisfério, em interação com o anuário, é o início de tudo. atlas e binóculos completam um primeiro es- tágio. a partir daí um telescópio literalmente abrirá o Universo aos olhos dos alunos para uma viagem sem comparação. Ak ir A Fu ji i/ es A/ nA sA siriUs Por Lawrence D. Burns, J. Byron McCormick e Christopher E. Borroni-Bird Um Futuro LiMpo Fí si ca aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 27 EI SE NH uT & M Ay ER G ET Ty IM AG ES ; C OR TE SI A DE G ÉR AR D LI GE R- BE LA IR NOs Eua, a MaiOria DOs automóveis usa motores de combustão interna de quatro tempos. O pistão, que se movimenta para cima e para baixo com a rotação do girabrequim, parte do topo do cilindro. a válvula de admissão se abre e o pistão desce, admitindo a mistura de combustível/ar ao cilindro. O pistão se desloca de volta para cima, comprimindo a gasolina e o ar. a vela de ignição produz uma faísca, provocando a queima de gotículas de combustível. a carga comprimida explode, empurrando o pistão para baixo. a válvula de exaustão se abre, permitindo que os produtos da combustão saiam do cilindro. a cada ciclo realizado pelo motor de combustão interna são expelidos gases poluentes para a atmosfera, fato que não ocorre na célula de combustível que utiliza hidrogênio puro. ELETrOQuíMica VErsus cOMBusTÃO: uma célula de combustível é uma membrana de troca de prótons [MTP] formada por dois eletrodos delgados e porosos, um anodo e um catodo, separados por uma membrana de polímero eletrolítico que permite a passagem apenas de prótons. catalisadores revestem um lado de cada eletrodo. Depois que o hidrogênio entra [1], o anodo catalisador o divide em elétrons e prótons [2]. Os elétrons se deslocam, afastando-se para energizar um motor [3], enquanto os prótons migram através da membrana [4] para o catodo. seu catalisador combina os prótons com os elétrons que retornam e com o oxigênio do ar, formando água [5]. as células podem ser empilhadas para gerar tensões mais elevadas [6]. motor elétrico, que faz girar as rodas. Os prótons de hidrogênio, depois, recombinam-se com elétrons de oxigênio para forma água. se usar hidrogênio puro, um carro movido a células de combustível é um veí- culo com emissão zero de poluição. Embora a extração de hidrogênio de substân- cias demande energia, reformando moléculas de hidrocarbonetos com catalisadores e fracionando água com eletricidade, a elevada eficiência das cé- lulas de combustível compensa a energia necessária para executar esses processos, como mostraremos adiante. Naturalmente, essa energia deve vir de al- gum lugar. algumas fontes de geração, como usinas geradoras a partir da queima de gás natural, petró- leo e carvão, produzem dióxido de carbono e outros gases que causam o efeito estufa. isso não ocorre com outras fontes geradoras de energia, como as usinas nucleares. um objetivo ótimo seria produzir eletricidade de fontes renováveis, como biomassa, hidrelétricas, energia solar, eólica ou geotérmica. DIVERSIDADE DE FONTES ENERgéTICAS com a adoção de hidrogênio como combustível au- tomotivo, a indústria de transportes poderia iniciar a transição de uma quase total dependência do petró- leo para um leque de fontes de combustível. Hoje, 98% da energia usada para mover automóveis vem do petróleo. Em consequência, aproximadamente dois terços do petróleo importado pelos Eua são usados nos meios de transporte. ao complemen- tar o uso de combustíveis fósseis, os Eua podem, em princípio, reduzir a dependência em relação a essa fonte clássica e estimular o desenvolvimento de alternativas energéticas locais e menos agressi- vas ao meio ambiente. Esse esforço também criará competição de preços nos mercados de energia – o catalisador Um catalisador é uma substância que age como “facilitador” da reação química, aumentando a velocidade da reação. cONcEiTO Vela de ignição Válvula de escapamento COMBUSTÍVEL HIDROGÊNIO [H2] Canal de fluxo Hidrogênio não usado Elétrons Motor de acionamento elétrico OXIGÊNIO DO AR [O2] Vapor de ar e água Pistão Anodo Catalisadores Membrana de troca de prótons [PEM]) Catodo Calor 125º C Biela Calor 850º C MISTURA DE COMBUSTÍVEL E AR Emissões do escapamento Prótons 2H O H20 Cilindro Girabrequim 3 4 5 1 2 MOTOR DE COMBUSTÃO INTERNAUSINA DE FORÇA BASEADA EM CÉLULA DE COMBUSTÍVEL EFICIÊNCIA DE ATÉ 30%EFICIÊNCIA DE ATÉ 55% Válvula de admissão UMA CÉLULA PILHA DE CÉLULAS DE COMBUSTÍVEL 6 2H2 g 4H- + 4e- 4II + 4e O2 g 2H2O aula aberta28 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL O CHASSI DO “AUTONOMIA” É UM SKATE GIGANTE que poderia baixar e estabilizar os custos dos com- bustíveis e da energia no longo prazo. Outro aspecto fundamental na produção de um veículo verdadeiramente revolucionário é a integração da célula de combustível com a tecnologia “drive- by-wire” (condução do veículo por instrumentação eletrônica embarcada), substituindo sistemas anterio- res, predominantemente mecânicos, por sistemas de direção, frenagem, aceleração e outras funções do- tadas de unidades controladas eletronicamente. isso libera espaço nos veículos, porque sistemas eletrônicos tendem a ocupar menos volume que seus correspon- dentes mecânicos. O desempenho de sistemas guia- dos por instrumentos pode ser programado usando-se software. além disso, sem conjuntos de eixo cardã e junta universal convencional, que limitam mudanças estruturais e de design, os fabricantes terão liberdade para criar projetos radicalmente diferentes que satisfa- çam as necessidades dos clientes. a substituição de motores de combustão inter- na convencionais por células de combustível permite o uso de um chassi plano, o que dá liberdade para A SUPERPOSIÇÃO DE SISTEMAS automotivos funcionais no chassi pleno semelhante a um skate gigantesco é a chave do conceito AUTOnomia, da General Motors, para um futuro veículo a células de combustível de hidrogênio. Essa técnica, e o uso de tecnologias compactas de recursos eletrônicos “drive-by-wire” nos sistemas de direção, frenagem e aceleração dão aos projetistas liberdade maior na configuração das carrocerias. Torna-se necessário reservar um grande compartimento para acomodar o motor, e deixa de existir um inconveniente “calombo” longitudinal central na cabine ou uma incômoda roda de direção convencional. Essa nova abordagem também permite que as carrocerias sejam intercambiáveis. Os donos dos veículos poderiam ir às suas revendedoras para “acoplar” novas carrocerias personalizadas em seus chassis usados, ou fazê-los eles mesmos – transformando, por exemplo, um sedã em uma minivan ou em carro de luxo. SiSTEMA DE CoNTRoLE Do AR CoNEXÃo UNiVERSAL DE ACopLAMENTo Porta de alimentação e comunicação que conecta o skate com os sistemas “drive- by-wire” na carroceria ZoNA TRASEiRA DE CHoQUE Absorve a energia de impactos CoNTRoLES Do SiSTEMA “DRiVE-BY-WiRE” É o cérebro e o sistema nervoso do veículo, e controla o sistema eletrônico UNiDADE DE AQUECiMENTo DA CABiNE RADiADoRES MoNTADoS LATERALMENTE Liberam o calor gerado pelas células de combustível, sistema eletrônico veicular e motores das rodas MoToRES DAS RoDAS Motores elétricos ao lado das rodas proporcionam tração nas quatro rodas; freios incorporados aos motores freiam o veículo ZoNA DiANTEiRA DE CHoQUE Absorve a energia de impactos. O chassi do AUTOnomia não apresenta motor na parte dianteira, portanto é necessário um sistema que absorva energia em caso de impacto frontal para que a energia da colisão não seja dissipada nas pernas do condutorpiLHA DE CÉLULAS DE CoMBUSTÍVEL Converte o combustível hidrogênio e eletricidade TANQUES DE CoMBUSTÍVEL DE HiDRoGÊNio FiXAÇÕES DA CARRoCERiA Travas mecânicas que fixam a carroceria ao skate JO E ZE FF a criação de estilos característicos de carroceria. Da mesma forma, a tecnologia “drive-by-wire” liberta o design do interior dos veículos, porque os controles de condução podem ser modificados radicalmente e operados de diferentes assentos no veículo. Perceben- do essa oportunidade de design, a General Motors idealizou um conceito denominado auTOnomia, que a companhia lançou no início de 2002. um protótipo que pode ser dirigido, o “Hy-wire” (uma referência a “hidrogênio-by-wire’”) estreou na feira automobilísti- ca Mondial de L’automobile (salão de Paris) em Paris, no final de setembro do mesmo ano. O conceito do auTOnomia e o protótipo do “Hy- wire” foram criados, literalmente, das rodas para cima. a base de ambos é um chassi delgado, um skate gi- gante que contém a célula de combustível, o motor de acionamento elétrico, tanques para armazenamento de hidrogênio, controles eletrônicos e trocadores de calor, bem como sistemas de frenagem e de direção (ver ilustração acima). Não há um motor de combus- tão interna, transmissão, junta universal, eixos de transmissão ou articulações mecânicas. “drivE-by-wirE” Atualmente, algumas funções já são controladas por sistemas eletrônicos mesmo em carros comuns, como a injeção de combustível no motor. HiPErLiNK aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 29 Em um veículo do tipo auTOnomia plenamente desenvolvido, a tecnologia “drive-by-wire” exigiria uma única conexão elétrica simples e um conjunto de vínculos mecânicos para acoplar o chassi à carroceria. Essa poderia ser encaixada no chassi como conexão de um laptop a uma estação de acoplamento. O conceito de um só encaixe elétrico cria uma maneira rápida e fá- cil de conectar todos os sistemas de controle da carro- ceria, de energia elétrica e de aquecimento ao “skate”. Essa simples operação pode ajudar a manter a carro- ceria do veículo leve e descomplicada. isso também torna a carroceria simples e substituível. Em princípio simplesmente fazendo com que uma revendedora, ou o próprio proprietário do carro, “encaixe” um módulo intercambiável de carroceria, o veículo poderia virar um carro de luxo, um sedã para a família uma semana depois ou uma minivan no ano seguinte. como acontece com computadores, os sistemas veiculares são atualizáveis por software. com isso, as equipes de manutenção podem baixar programas, conforme desejado, para melhorar o desempenho ou personalizar determinadas características de marcha e condução para adequá-las a uma determinada marca de veículo, estilo ou preferência do consumidor. com controles eletrônicos “drive-by-wire”, o mo- torista não necessita de um volante de direção, câmbio para troca de marchas ou pedais acionados com os pés. O protótipo Hy-wire da GM é equipado com um controle de direção denominado X-Drive, que pode ser facilmente deslocado de um lado para outro, ao longo d toda a largura do carro, permitindo que o veículo seja dirigido em vias de tráfego pela direita ou pela esquer- da. Para operar o X-Drive o motorista põe suas mãos em algo semelhante aos controles de uma motocicleta: avança girando o que seria o acelerador e freia acionan- do um outro controle similar. Para mudar a direção em que se desloca, o motorista executa uma ação de giro como a que hoje aplicamos à direção de um automóvel convencional. Ele tem a opção de frear e acelerar com sua mão direita ou esquerda, com prioridade para fre- nagem no caso de ações contraditórias. O motorista põe o motor do veículo em movimento apertando um único botão de partida do sistema elétrico e então seleciona uma de três condições: neutro, marcha avante ou ré. O X-Drive também elimina o painel de instrumentos con- vencional e a coluna de direção, o que também libera espaço e permite um novo posicionamento de assentos e de áreas para bagagem. Por exemplo, uma vez que não há um compartimento para o motor, o motorista e todos os passageiros têm maior visibilidade e muito mais espaço para “esticar as pernas” que em veículos convencionais do mesmo comprimento. um conceito como o do auTOnomia, porém, poderia mudar radicalmente o modelo de negócios atual. assim como ocorre com as variantes de uma mesma plataforma nos atuais caminhões, será possí- vel projetar o chassi apenas uma vez e acomodar di- versos estilos de carrocerias. Esses modelos alternati- vos poderiam facilmente ter diferentes frentes, layouts de seu interior e um ajuste fino nos chassis. Possivel- mente com apenas três tipos de chassis – compacto, médio e grande – os volumes de produção poderiam ser muito mais altos que os atuais, proporcionando maiores economias de escala. a necessidade de um número muito menor de componentes e tipos de partes reduzirá ainda mais os custos. a pilha de células de combustível, por exemplo, é criada a partir de uma série de células individuais idênticas, cada uma contendo uma chapa catódica plana e um componente anódico similar, separados por uma membrana de polímero eletrolítico. Depen- dendo dos requisitos de energia elétrica de determi- nado veículo (ou de outros dispositivos, como um gerador de eletricidade estacionário), o número de células na pilha pode variar. Embora a tecnologia com células de combustível automotivas ainda esteja longe de ser barata (mi- lhares de dólares por kilowatt para um protótipo Kilowatt Unidade de potência, que no sistema internacional corresponde à energia de 1.000 joules a cada segundo. cONcEiTO Daimlerchrysler aG ................................................................. stuttgart-Mohringen, alemanha Ford motor co. ............................................................................. Dearborn, Michigan, Eua General Motors corp. ........................................................................ Detroit, Michigan, Eua Honda Motor company Ltd. .......................................................................... Tóquio, Japão Psa Peugeot citroën .................................................................................... Paris, França renault-Nissan ......................................................................................... TK LOcaTiON Toyota Motor corp. ........................................................................ Toyota city, aichi, Japão Principais desenvolvedores de células de combustível automotivas vEículo lEvE Lembre-se de que, pela segunda lei de Newton, um carro mais leve é acelerado mais facilmente do que um carro de massa maior. HiPErLiNK associação Em sériE Várias células garante uma maior tensão aplicada no motor. HiPErLiNK aula aberta32 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Para os próximos anos, a GM planeja apresentar uma família de geradores estacionários baseados em células de combustível destinadas ao segmento de mercado disposto a pagar um preço extra por sua energia, para ter um suprimento garantido, de alta confiabilidade. Esse mercado, que poderá movimenta us$ 10 bilhões por ano, abrange consumidores de energia que não podem ser dar ao luxo de ficar sem eletricidade, entre eles centros de dados digitais, hos- pitais, fábricas que empregam processos industriais contínuos, e companhias de telecomunicações. além disso, esses consumidores viabilizariam reduções de custo graças à capacidade de baixar seu consumo de energia durante períodos de pico, bem como possi- bilitar a geração de receitas mediante uma medição líquida de consumo (que leva em conta a venda de energia fornecida de volta à rede). Nosso produto inicial será uma unidade de 75 quilowatts que in- corpora um reformador que extrai do gás natural o hidrogênio, metanol ou gasolina que alimentarão a pilha de células de combustível. Não são necessários avanços técnicos revolucionários para construir esses geradores de eletricidade estacionários. Quando em operação, esses sistemas descentralizados de gera- ção de eletricidade poderão também ser usados para reabastecer veículos com hidrogênio. Quando dispusermos de métodos seguros e con- fiáveis para o armazenamento de hidrogênio, o pro- cessamento do combustível nos postos de abasteci- mento se tornará um caminho viável para a geração do hidrogênio necessário para o setor de transportes. uma vantagem do processamento do combustível, evidentemente, é que a maior parte da infraestrutu- ra necessária para implementá-lo já existe. a atual rede de distribuição de combustíveis derivados de petróleo poderia ser adaptada com a instalação de reformadores de combustível ou de eletrolizadores em cada posto de gasolina de bairro, permitindo que os operadores locais gerem hidrogênio “na hora” e o forneçam a seus clientes. com essa abordagem, não haveria necessidade de construir novos gasodutos de grandes extensões, nem de desmantelar a infraestru- tura de suporte automotivo existente. À medida que iniciamos a transição do petróleo para o hidrogênio, esse poderia ser o melhor caminho de progresso. conforme os sistemas de geração de eletricida- de veicular se tornarem mais sofisticados, veremos uma mudança no papel do automóvel no âmbito da rede mundial de eletricidade. Os veículos poderão, eventualmente, transformar-se em uma nova fonte de geração de energia, fornecendo eletricidade a residências e locais de trabalho. a maioria dos veí- culos permanece ociosa cerca de 90% do tempo e assim podemos imaginar o crescimento exponencial na disponibilidade de eletricidade, se a rede elétrica atual pudesse ser complementada pela capacidade de geração de automóveis e caminhões em cada via, garagem ou estacionamento. considere, por exem- plo, que se apenas um em cada 25 veículos na ca- lifórnia, hoje, fosse um veículo movido a células de combustível, sua capacidade geradora combinada excederia a da rede de eletricidade do estado. g E N E R AL M o To R S FLEXIBILIDADE DE DESIGN e opções de escolha para o consumidor são a chave da estratégia da GM, de “empacotamento” de sistemas operacionais do carro no chassi semelhante a um skate gigante. Os projetistas de carrocerias têm, agora, liberdade para experimentar diferentes configurações do compartimento destinado aos passageiros. HY-WIRE LIBERA ESPAÇO NO INTERIOR DO VEÍCULO transição A cada dia, a tecnologia do hidrogênio como combustível torna-se mais difundida. Países como Brasil e China dão seus primeiros passos na aplicação dessa tecnologia. HiPErLiNK aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 33 Dependendo da matéria-prima e dos métodos de produção e distribuição empregados, o custo de um quilo de hidrogênio pode ser de quatro a seis vezes maior do que o custo de um galão de gasolina ou diesel. (um quilo de hidrogênio contém a ener- gia equivalente a um galão de combustível derivado de petróleo.) Entretanto, levando em conta que um veículo a células de combustível otimizado provavel- mente será pelo menos duas vezes mais eficiente que um veículo de motor a combustão interna, ele rodará uma distância duas vezes maior com aquele quilo de combustível. Portanto, o hidrogênio deverá tornar-se comercialmente viável, se seu preço por quilo no va- rejo for o dobro do preço de um galão de gasolina. com melhorias no armazenamento do hi- drogênio, nas tecnologias de processamento do combustível e da eletrólise, e com o aumento na demanda por hidrogênio, o custo do hidrogênio deverá aproximar-se da faixa de preços necessária. Na verdade, estudos recentes indicam que com a atual tecnologia, estamos dentro de um fator de 1,3 de onde precisamos estar, em termos de pre- ços. Embora estejamos nos estágios iniciais de ex- ploração de soluções, acreditamos que quando a infraestrutura for exigida, poderia desenvolver-se rapidamente, apesar dos enormes desafios envol- vidos. Foi também assim, um século atrás, quando o automóvel movido a gasolina estava compro- vando sua utilidade para seus usuários, e a infraes- trutura necessária para dar apoio a esses veículos cresceu rapidamente. uma das razões para isso é que empreendedores estão sempre prontos para aproveitar novas oportunidades. Hoje, há muitas dessas companhias empreendedoras preparando- se para tirar proveito da oportunidade, em termos de infraestrutura disponível, criada pelos veículos a células de combustível de hidrogênio. O mundo já está começando a partir para o desenvolvimento das tecnologias necessárias para a produção e dis- tribuição de hidrogênio. apesar disso, a dimensão e abrangência dessa infraestrutura são enormes, e há enormes obstáculos técnicos à frente. À medida que prosseguem as discussões sobre como criar a rede de distribuição necessária, é inte- ressante observar que infraestruturas para o hidro- gênio já existem em diversos locais, especialmente ao longo da costa do Golfo do México, nos Eua, e, na Europa, em torno de roterdã, na Holanda. O hidrogênio é produzido pelas indústrias petrolífera e química (usado para remoção do enxofre no pro- cesso de refino do petróleo), de modo que o hidro- gênio flui, hoje, através de centenas de quilômetros de gasodutos em diversos países. a infraestrutura existente produz anualmente cerca de 540 bilhões de metros cúbicos de hidrogênio, principalmente reformados a partir do gás natural. Em termos de energia equivalente, isso significa aproximadamen- te 140 milhões de toneladas de petróleo por ano, ou seja, quase 10% da atual demanda do setor de transportes. apesar de ser dedicado a outros usos, o fato de essa infraestrutura já estar implantada comprova a disponibilidade de uma boa dose de ex- periência na geração e transporte do hidrogênio. PROMESSAS PRóxIMAS como qualquer progresso que traga a possibilidade de modificar totalmente a tecnologia predominante, a implementação de células de combustível levará tempo. Embora seja difícil fazer um cronograma pre- ciso, levando em conta nosso atual impulso tecnoló- gico e as realidades comerciais, pretendemos dispor de veículos a células de combustível atraentes e ba- ratos nas ruas e estradas até o fim desta década. Daí em diante, podemos prever um aumento substancial na disseminação dos veículos a células de combustí- vel entre 2010 e 2020, à medida que os fabricantes automobilísticos começarem a criar a base instalada necessária para dar suporte a um volume de produ- ção elevado. Muitas dessas companhias, entre elas a GM, já investiram centenas de milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento de células de combustí- vel, e quanto mais rapidamente elas puderem ver um retorno sobre esses investimentos, melhor será. Tendo em vista que será necessário cerca de 20 anos para converter toda a frota de veículos, leva- rá pelo menos esse tempo para constatar em sua plenitude os benefícios ambientais e energéticos que os veículos movidos a células de combustível de hidrogênio podem proporcionar. Mas o conceito do auTOnomia traz esse futuro para mais perto de nós – e o torna mais nítido. Em vez de uma evolução histórica do automóvel, estamos agora assistindo ao desenvolvimento de tecnologias revolucionárias que reinventam fundamentalmente o automóvel e seu papel em nosso mundo. Para cONHEcEr Mais Prepared Statement of James P. Uihlein to the U.S. House of representatives committee on science, subcommittee on Energy. Field Hearing on Fuel cells: The Key to Energy independence? June 24, 2002. Designing AUTOnomy. christopher E. Borroni-Bird. available at www.sciam.com/explore–directory.cfm como armazEnar o hidrogênio? O projeto dos tanques de armazenamento do hidrogênio, além de muitas outras precauções, deve levar em conta possíveis dilatações volumétricas do conjunto devido às bruscas variações de temperatura que o tanque pode sofrer. HiPErLiNK aula aberta34 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL para o professor Competências trabalhadas segundo a Matriz de Referência do ENEM • compreender as ciências naturais e as tecnologias a elas associadas, percebendo seu papel nos processos de desenvolvimento econômico e social da humanidade. • Entender métodos e procedimentos próprios das ciências naturais e aplicá-los em diferentes contextos. • avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no consumo de recursos energéticos. t t Conteúdos • utilização do hidrogênio como combustível veicular t Introdução antes de qualquer leitura de "um futuro limpo" por parte dos alunos, discuta com eles as consequências em longo prazo da utilização dos combustíveis derivados do petróleo e a importância de novas formas de energia para a propulsão de automóveis. lembre que existem outros projetos de carros “limpos” além dos movidos a hidrogênio – os carros elétricos, por exemplo. ProPostas PEdagógicas t Leitura o artigo é extenso e exige bastante atenção da turma. Para que a atividade não se torne cansativa e desinteressante, num primeiro momento, promova a leitura coletiva do texto até o tópico “armazenagem do hidrogênio”, deixando os dois últimos para que os alunos terminem em casa. durante a leitura em sala de aula, certifique-se de que todos entenderam o funcionamento da célula de combustível. destaque os benefícios ambientais e econômicos que o uso do hidrogênio como combustível pode proporcionar. Habilidades envolvidas • avaliar métodos das ciências naturais que contribuam para solucionar problemas de ordem ambiental. • associar a solução de problemas de transporte com o correspondente desenvolvimento científico e tecnológico. • utilizar leis físicas para interpretar processos tecnológicos inseridos no contexto da termodinâmica. • avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no consumo de recursos energéticos. t protótipo de carro elétrico ST E p h E N C o B u R N / S h u TT E R ST o Ck aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 37 EM ASCENSÃO: A breve, mas espetacular ascensão de bolhas de champanhe ao topo de um copo, envolve um complexo sistema físico-químico que é muito mais funcional e atraente do que poderíamos imaginar bOlhas dO champanhe asta observar o champanhe servido em uma taça. a superfície elegante e cre- pitante – uma espumante fumarola de borbulhas que se elevam e se desman- cham – lança no ar milhares de gotinhas douradas, que explodem em uma sinfonia penetrante de diminutos estalos. É este o encanto do champanhe, o clássico vinho espumante, da região de champagne, nordeste da França, bebida obrigatória nas celebrações festivas em todo o mundo. uma das características do champanhe são as inúmeras franjas de bolhas que surgem enfileiradas das laterais de um copo, como minúsculos balões de ar quente. quando alcançam a superfície, as bolhas formam um anel, o collerette, no topo de uma flûte cheia. Embora nenhuma evidência científica correlacione a qualidade de um champanhe com a finura de suas borbulhas é comum as pessoas estabelecerem uma conexão entre ambas. É um grande negócio assegurar a tradicional personalidade efervescente do champanhe e, por isso, os vinicultores da região se empenham em obter a bolha pequena e perfeita. B Caro leitor, Este artigo demonstra a importância das bolhas nas bebidas gasosas, como elas são formadas no líquido e como influenciam no aroma da bebida. Cada vez mais procura-se entender os processos químicos envolvidos na produção de alimentos e bebidas, para melhorar sua qualidade e seu sabor. aula aberta38 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL o autor o ciclo dE vida dE uma bolha dE chamPanhE © S EA N Gl Ad w El l/ Sh ut tE rS tO Ck (b ol ha s de fu nd o) , E IS EN hu t & M AY Er G Et tY IM AG ES ; C Or tE SI A dE G Ér Ar d lI GE r- BE lA Ir há poucos anos, eu e vários colegas pesquisado- res da université de reims champagne-ardenne e da moët & chandon decidimos examinar o compor- tamento das bolhas em bebidas carbonatadas. nosso objetivo era determinar e compreender melhor o papel desempenhado por cada um dos parâmetros envolvidos no processo de formação das bolhas. a observação simples, mas precisa, de um copo cheio de vinho espumante, cerveja ou soda revelou um fenômeno inexplorado e visualmente estimulante. nossos resultados iniciais diziam respeito às três fases principais da vida de uma bolha: nascimento, ascensão e colapso. A Gênese dAs BolhAs no champanhe, nos vinhos espumantes e nas cerve- jas, o dióxido de carbono (co2) é o principal respon- sável pela formação de bolhas, originadas quando o levedo fermenta os açúcares, convertendo-os em moléculas de álcool e co2. a carbonatação industrial é a fonte da fermentação nas bebidas gasosas. após o engarrafamento, estabelece-se um equilíbrio, de acordo com a lei de henry, entre o co2 dissolvido no líquido e o gás que está no espaço sob a rolha ou a tampa. a lei afirma que a quantidade de gás dissolvida em um fluido é proporcional à pressão do gás com o qual está em equilíbrio (ver o esquema). quando o recipiente é aberto, a pressão do co2 gasoso sobre o líquido cai abruptamente, rompendo o equilíbrio termodinâmico até então prevalecente. como resultado, o líquido é supersaturado com moléculas de co2. Para recuperar uma estabilidade termodinâmica correspondente à pressão atmos- férica, as moléculas de co2 devem abandonar o fluido supersaturado. quando a bebida é vertida em um copo, dois mecanismos permitem que o co2 dissolvido escape: a difusão do líquido através da superfície livre e a formação de bolhas. mas, para que se agrupem em bolhas embrioná- rias, as moléculas dissolvidas de dióxido de carbono são forçadas a abrir caminho através das moléculas líquidas agregadas, que estão fortemente ligadas GÉRARd lIGeR-BelAIR é professor associado na université de reims champagne-ardenne, na França, onde estuda a físico-química das bolhas em bebidas carbonatadas; assessora também o departamento de pesquisa da moët & chandon. liger-belair divide seu tempo entre a ciência das películas e interfaces finas e a fotografia de alta velocidade, cujos resultados já foram exibidos em muitas galerias de arte. BeBidas carBonatadas Apresentam gás carbônico dissolvido no líquido, formando bolhas quando o recipiente é aberto. o gás pode ser dissolvido durante o processo de produção (é o caso dos refrigerantes) ou formado por reações entre os componentes da bebida, o que ocorre com a cerveja e os vinhos espumantes. difusão Fenômeno em que ocorre transporte de matéria, no caso um soluto, através da movimentação das moléculas do solvente. hiPErlink hiPErlink equilíBrio hiPErlink Com o aumento da pressão, devido ao maior peso, mais moléculas de gás carbônico se dissolvem no líquido. aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 39 o ciclo dE vida dE uma bolha dE chamPanhE pelas forças de van der Waals (atração bipolar). assim, a formação de bolhas é limitada por esta barreira de energia; para superá-la são necessárias taxas de supersaturação mais elevadas que as de bebidas carbonatadas. Em líquidos fracamente supersaturados, in- cluindo champanhe, vinhos espumantes, cervejas e sodas, a formação de bolhas exige cavidades de gás preexistentes com raios de curvatura extensa o suficiente para superar a barreira de nucleação de energia e desenvolver-se livremente. isto se dá porque a curvatura da interface da bolha acarreta um excesso de pressão no interior da bolsa de gás que é inversamente proporcional ao seu raio (de acordo com a lei de laplace). quanto menor a bolha, maior o excesso de pressão em seu interior. abaixo de um raio crítico, o excesso de pressão em uma bolsa de gás impede a difusão, em seu interior, do co2. Em um champanhe que acabou de ser aberto, o raio crítico é submicrométrico, algo em torno de 0,2 micrometros. Para observar os locais de produção de bolhas (“berçário de bolhas”), planejamos uma câmara de vídeo de alta velocidade equipada com uma lente objetiva microscópica na base de centenas de franjas de bolhas. ao contrário do que geralmente se acredita, esses locais de nucleação não estão nas irregularidades da superfície do copo, que apresentam escalas de extensão muito abaixo do raio crítico de curvatura exigido para a formação de bolhas. os berçários de bolhas surgem nas impurezas presas à parede do copo. a maior parte das impurezas são fibras de celulose côncavas e aproximadamente cilíndricas que caem do ar ou que permanecem após a secagem do copo. a geometria dessas partículas exógenas impede que sejam totalmente umedecidas pela bebida e, assim, podem atrair as bolsas de gás quando um copo é cheio (ver esquema à esquerda). durante a formação das bolhas, as moléculas dissolvidas de co2 migram para as minúsculas bol- sas de gás. Em seguida, uma bolha macroscópica desenvolve-se devido às forças capilares, vinculada ao seu local de nucleação. Finalmente, a crescente flutuabilidade da bolha faz com que ela se separe, permitindo a formação de uma nova bolha. o proces- so continua até que a produção de bolhas esgote-se devido à diminuição do co2 dissolvido. a produção cíclica de bolhas em um local de nucleação é caracterizada pela frequência do seu borbulhar, isto é, pelo número de bolhas produzidas por segundo, cifra que pode ser ilustrada utilizando- MOSTRE-ME AS BOLHAS: O champanhe é melhor servido em um copo de corpo longo (pág. ao lado). A configuração deste copo, chamado de flûte, prolonga e realça o fluxo de bolhas até o topo, onde a restrita área de superfície aberta concentra os aromas trazidos com as bolhas e liberados pelo colapso delas. O bojo delgado também prolonga o frescor da bebida e retém sua efervescência. A flûte é mais adequada para beber o vinho espumante que a taça de champanhe, os copos em forma de pires. Diz a lenda que estes copos foram moldados conforme os seios de Maria Antonieta, rainha da França no final do século 18. Embora ainda seja popular, a taça jamais foi planejada para champanhe e, de acordo com os enólogos, não permite que o apreciador usufrua plenamente as qualidades da bebida. Rasas e largas, as taças tendem a ser instáveis e fáceis de transbordar, além de não oferecerem as melhores circunstâncias para as franjas de bolhas. Para abrir uma garrafa de champanhe, segure-a com a rolha apontada para cima em um ângulo de 45 graus. Segure a rolha e gire suavemente a garrafa. Em vez de estourar ruidosamente, é melhor que a rolha saia com um suave suspiro. Um estouro espalhafatoso desperdiça bolhas. Como se diz: “O que o ouvido ganha o paladar perde”. A breve existência de uma bolha de champanhe começa em uma minúscula partícula de celulose que foi deixada nas paredes de um copo após sua secagem (abaixo). Quan- do o vinho espumante é despejado, uma bolsa de gás de diâmetro submicrométrico forma-se na fibra de celulose. O CO2 sob pressão entra nesta pequena cavidade e, em seguida, expande-se tanto que a flutuabilidade causa sua separação do local de nucleação. Durante sua jornada até a superfície, a bo- lha aumenta na medida em que mais CO2 abre caminho (centro). Simultaneamente, moléculas de sabor aromá- tico da bebida prendem-se à membrana de gás/água, um fenômeno que atrasa a ascensão da bolha ao au- mentar sua resistência. Logo após emergir na superfície, a cápsula de gás portadora de sabor entra em colapso e lança no ar um pouco do vinho adjacente, acentuando assim o aroma e o sabor do champanhe (acima). Pelas forças de van der Waals As moléculas de líquido presentes na bebida estão unidas pelas forças de van der Waals. Essas moléculas, em geral, possuem um polo negativo e um polo positivo que se atraem, como se fossem ímãs. Para que a bolha consiga subir, ela precisa passar através dessas moléculas de líquido, com uma força maior que a força de van der Waals. Para que as bolhas se formassem sozinhas dentro da bebida, a ponto de produzir efervescência, seria necessária uma quantidade muito grande de gás carbônico na bebida. Isso não pode ser feito nas bebidas carbonatadas porque a pressão dentro das garrafas precisaria ser muito grande. E mais aula aberta42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL exPlosão de aroMas Quando ocorre o estouro da bolha, várias moléculas com aroma característico da bebida se dispersam, e o contato dessas moléculas com as células olfativas aumenta a percepção do aroma. hiPErlink para o professor Competências e habilidades trabalhadas segundo a Matriz de Referência do ENEM o artigo explora as seguintes competências e habilidades: • confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum. • identificar a presença e aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais em diferentes contextos. • relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam. t t Conteúdos a leitura de “o segredo das bolhas do champanhe” permite trabalhar, direta ou indiretamente, os seguintes conceitos: • dissolução de gases e substâncias • Pressão • lei de henry • forças de van der Waals • fermentação © N Ik Ol A BI lI C/ Sh ut te rs to ck eles assumem uma forma quase esférica. centenas de bolhas estão estourando a cada segundo e, por isso, a superfície da bebida é eriçada por estruturas cônicas passageiras, efêmeras demais para serem vistas a olho nu. lIBeRAção de ARomA e sABoR além das considerações estéticas, o estouro das bo- lhas na superfície livre transmite o que os fabricantes chamam de “sensação” do champanhe, dos vinhos espumantes, das cervejas e de outras bebidas. os pingos dos jatos são lançados, de vários metros a poucos centímetros por segundo, acima da superfície, onde entram em contato com os órgãos sensoriais. receptores no nariz são estimulados durante a degus- tação, assim como os receptores táteis na boca quando as bolhas estouram na língua; estes estouros também produzem uma solução aquosa ligeiramente ácida. além dos estímulos mecânicos, acredita-se que o colapso das bolhas na superfície desempenha um importante papel na liberação de aromas e sabores. as estruturas moleculares de muitos compostos aromáticos em bebidas carbonatadas revelam ati- vidade de superfície. as bolhas que ascendem e se expandem no volume líquido prendem as moléculas aromáticas, arrastando-as em sua trajetória rumo à superfície e concentram-se na superfície. as bolhas que estouram borrifam no ar nuvens de minúsculas gotas com elevadas concentrações de moléculas aromáticas, acentuando os sabores da bebida. contrariamente ao que pensávamos, a efervescência em bebidas carbonatadas mostrou ser um fantástico instrumento para investigar a físico-química da as- censão, expansão e colapso das bolhas. Esperamos que os leitores não olhem mais da mesma forma para um copo de champanhe Para conhEcEr mais Through a beer glass darkly. neil shafer e richard Zare em Physics today, vol. 44, pág. 48-52; 1991 Beauty of another order: photography in science. ann thomas. Yale university Press, 1997. The secrets of fizz in champagne wines: a phe- nomenological study. Gérard liger-belair et al. em american Journal of Enology and viticulture, vol. 52, pág. 88-92; 2001 Kinetics of gas discharging in a glass of cham- pagne: the role of nucleation sites. Gérard liger-be- lair et al. em langmuir, vol. 18, pág. 1294-1301; 2002. physicochemical approach to the effervescence in champagne wines. Gérard liger-belair em annales de Physique, vol. 27, no 4, pág. 1-106; 2002. aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 43 para o professor ciências da natureza e suas tecnologias Contextualização o tema principal do artigo é a formação das bolhas nas bebidas carbonatadas. o exemplo mais próximo para o aluno são os refrigerantes gaseificados. ele certamente já observou a saída de gás e o derramamento da bebida quando uma garrafa de refrigerante é agitada. o conteúdo citado no artigo que pode ser trabalhado é a lei de henry, que trata da dissolução de gases em líquidos. Para trabalhar este conteúdo, é necessário rever conceitos como pressão e dissolução de substâncias. Para descrever a formação e movimentação das bolhas, é necessário usar o conceito de forças de van der Waals, mostrando a interação entre as moléculas do líquido e do gás. este conceito também é trabalhado para mostrar a interação das glicoproteínas e partículas já presentes no copo com o líquido e o gás. de acordo com a polaridade das moléculas, essa interação poderá ser mais ou menos intensa. as forças de van der Waals relacionam-se com a tensão superficial, conceito utilizado na explicação para o estouro das bolhas. Pode-se discutir o efeito da agitação sobre a saída de gás do interior do líquido, mostrando como o equilíbrio entre líquido e gás é instável. Por fim, para bebidas como os vinhos e as cervejas, pode-se também discutir um conceito relacionado: o processo de fermentação, em que ocorre a conversão de açúcares em outras substâncias, como álcool e gás carbônico, por meio da ação de leveduras. Pesquisa encomende uma pesquisa sobre a produção de bebidas carbonatadas e sugira que os estudantes comparem aquelas em que o gás carbônico é dissolvido industrialmente no líquido e outras em que o gás se forma durante a fermentação. a partir daí, o processo de fermentação pode ser discutido num trabalho interdisciplinar coordenado com a participação do professor de biologia. t t t QuímICA Atividades observando os efeitos da pressão e o fenômeno da liberação de gases. todos os raciocínios usados a seguir para o refrigerante podem ser extrapolados para outras bebidas gasosas carbonatadas. a) Peça inicialmente que os alunos observem a rigidez de uma garrafa plástica cheia de refrigerante, ressaltando que o espaço aparentemente vazio está preenchido com gás carbônico sob pressão, que causa a rigidez do recipiente. quando a tampa é aberta, uma parte do gás sai e, mesmo que não se retire líquido, a mesma rigidez não é observada quando se fecha a garrafa novamente. b) usando duas garrafas de refrigerante, uma bem gelada e outra sem gelo, demonstre como a temperatura influencia na liberação do gás das bebidas. colocando em um copo de vidro incolor o refrigerante gelado e em outro o refrigerante sem gelo, observa- se claramente a saída maior de gás no refrigerante sem gelo. c) demonstre o efeito da agitação mexendo o refrigerante dentro do copo com uma colher. os alunos observarão que a agitação vigorosa por alguns minutos provoca a saída de praticamente todo o gás da bebida. © k It Ch B AI N/ Sh ut te rs to ck aula aberta44 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Uma versão mais intensa que a do século passado pode eliminar boa parte da humanidade Influenza BI O LO G IA Por Robert G. Webster e elizabeth Jane Walker odos os ingredientes de um filme de horror de quinta categoria feito em Hollywood estão presen- tes: um assassino mutante viaja pelo globo, deixando milhões de cadáveres atrás de si, e a comunidade médica mundial não consegue impedir a carnificina. É uma idéia sensacionalista, mas é exatamente o que aconteceu nos últimos meses da Primeira Guerra Mundial, no fim de 1918, e em parte de 1919. Em 10 meses o vírus da influenza afetou a vida de mais de 500 milhões de pessoas em todo o planeta e matou entre 20 e 40 milhões – mais que o dobro do número de vítimas fatais nos campos de batalha da guerra. Muitos epi- demiologistas acreditam que algo parecido vai acontecer novamente. Mas dessa vez será pior. Não se trata de exagero. Em 1997, estivemos perigosamente próximos de outra epidemia global de gripe. Se esse vírus em particular tivesse adquirido a capacidade de se propagar de uma pessoa a outra, a pandemia poderia ter tirado a vida de um terço da população humana. Mas não adquiriu e, por isso, apenas seis pessoas morreram – todas elas contraíram o vírus de galinhas vendidas nos mercados de Hong Kong. A única coisa que nos salvou foi a rapidez dos cientistas, que convenceram as autoridades de saúde a matar mais de 1 milhão de aves nos mercados da cidade. Descobriu-se que o vírus avícola era uma nova variedade – nunca vista pela humanidade. Novas variantes letais de vírus surgem poucas vezes em cada século e a próxima pode chegar logo. Mutante Organismo que sofreu alteração na sequência de bases nitrogenadas do material genético individual ou da espécie original. cONcEItO T epideMia Aumento súbito de casos de uma doença infecciosa. Se atinge grandes proporções e se espalha por diversos países, fala-se em pandemia. cONcEItO co rt es ia d os a ut or es aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 47 do gene do vírus (antígenos). Se mais tarde a pessoa deparar com o mesmo vírus, seus anticor- pos ligam-se a ele e impedem a infecção. Mas o vírus pode alterar os sítios antigênicos – pontos das moléculas HA e NA aos quais os anticorpos se ligam normalmente – pelo processo de mu- dança antigênica. A cada 20 ou 30 anos mais ou menos, o vírus de gripe tipo B sofre uma permuta antigênica. comparando a mudança antigênica a um tremor, a permuta antigênica seria um terremoto. A permuta antigênica gera uma alteração muito mais imediata e dramática numa glicoproteína, a HA. Durante o processo, os genes de outros subtipos de gripe podem substituir inteiramente as proteínas HA e NA por outras novas, as quais o hospedeiro nunca teve. Quando o sistema imunológico humano não consegue reconhecer um novo vírus, o resultado é uma pandemia. A MUDAnçA A gripe foi descrita pela primeira vez por Hipócrates em 412 a.c. e os vírus passaram os séculos seguintes sofrendo mudanças, realizando permutas e provo- cando devastações. A humanidade procura formas de eliminar a ameaça desde a primeira pandemia de que se tem notícia, em 1580. Embora a gripe espanhola tenha acontecido há quase um século, a patogenicidade extrema do vírus ainda não foi compreendida. Virologistas percorreram o mundo todo para obter amostras do vírus e tentar decifrar os segredos de sua periculosidade, chegando até a exumar vítimas dos gelos eternos do Alasca e da Noruega. Jeffery taubengerger e seus colaboradores do Armed Forces Institute of Pathology estudaram corpos e fragmentos de amostras de pulmão que foram preservados em blocos de parafina desde 1918. com análises sequenciais e filogenéticas de fragmentos de RNA retirados de tecidos dos pulmões, chegaram à conclusão de que o vírus teve origem avícola, mas era parente muito próximo de uma variedade do vírus da gripe conhecido por infectar suínos. Estudos em curso sobre a sequência completa do genoma poderão revelar as razões da potência dessa variedade do vírus da gripe. Quando entenderem o genoma do vírus e o do hospedeiro, os cientistas terão dado mais um passo para des- cobrir quais vírus, provenientes de que regiões, irão atacar os seres humanos. A natureza cambiante do vírus de gripe asse- gura-lhe a possibilidade de escapar da vigilância do sistema imunológico e lograr os mecanismos de de- fesa do corpo. Além disso, a vacina contra a gripe que protegeu os seres humanos contra infecções no ano passado pode ser ineficaz neste ano. cientistas de mais de 100 laboratórios da OMS estão constante- mente coletando e analisando os vírus de gripe que circulam pela população humana do mundo inteiro. Depois de isolar os vírus para análise antigênica e molecular, a OMS identifica anualmente duas varie- dades do tipo A e uma do tipo B que têm as maiores probabilidades de causar uma epidemia durante a estação seguinte. Em seguida, os fabricantes de vaci- na incorporam as três variedades numa composição de vacina que vai ser usada naquele ano. As vacinas contra a gripe resultantes desse processo protegem os indivíduos somente das variedades-alvo – mas não de vírus inesperados. Em geral, os surtos de gripe são uma ameaça séria para os muito jovens, os idosos, os que têm imunodepressão ou doenças crônicas. Nos EUA, a vacinação é sugerida para pessoas que tenham no mínimo 50 anos ou que corram maior risco de infecções. O canadá é um pouco mais pro- gressista – em Ontário, as vacinas são gratuitas para todos os cidadãos com mais de 6 meses de idade. Durante uma pandemia de gripe, o índice de mortalidade sobe verticalmente. Atualmente existem vacinas para proteger as pessoas contra todas as bactérias que causam a pneumonia e outras doenças pneumocócicas. COMO Se PRePARAR Quando o vírus H1N1 percorreu o globo em 1918-1919, médicos assistiam impotentes enquanto seus pacientes sucumbiam rapidamente à pneumo- nia e outras complicações da gripe. Os doentes não tinham acesso a antibióticos, vacinas ou antivirais. Hoje vivemos num mundo em que as viagens aéreas são comuns. Um turista em Hong Kong pode espa- Hospital militar em Camp FUnston, no Kansas, Estados Unidos, repleto de soldados afetados pela influenza no final da Primeira Guerra Mundialco rt es ia d o na ti on al M us eu M o f he al th a nd M ed ic in e genoMa Conjunto de moléculas de DnA (ou RnA, em alguns vírus) de uma espécie. Contém todos os genes e também sequências que não codificam informações genéticas. cONcEItO filogenética Análise evolutiva da espécie, no caso em questão, da sequência de RnA da espécie. A partir de comparação de vírus antigos, como o da gripe espanhola, são construídas hipotéticas árvores genealógicas, estabelecendo-se graus de parentesco e frequências de mutações, o que pode ajudar no entendimento da doença e na busca de vacinas. cONcEItO glicoproteínas Compostos de proteínas simples combinadas com algum grupo de carboidrato. cONcEItO genoMa do vírus O genoma do H1n1 já foi decifrado pelo laboratório nacional de Microbiologia da Agência de Saúde Pública do Canadá, em 2009. cONcEItO cONcEItO antígeno Substância ou microrganismo estranho ao corpo que estimula a produção de anticorpos. aula aberta48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL PARA cONHEcER MAIS Influenza A virus lacking the nS1 gene replicates in interferon deficient systems. Garcia-Sastre, A. et. al. Virology, 252:324-330. 1998. eight-plasmid system for rapid generation of influ- enza virus vaccines. Hoffmann, E., S. Krauss, D. Perez, R. Webby e R. G. Webster. Vaccine, 20:3165-3170. 2002. Antibodies to human influenza virus neuraminidase (the A2/Asian/57 H2n2 strain) in sera from Austra- lian pelagic birds. Laver, W. G., e R. G. Webster. Bulletin of the World Health Organization, 47:535-541. 1972. Reverse genetics of influenza virus. Neumann, G. e Y. Kawaoka. Virology, 287:243-250. 2001. Origin and evolution of the 1918 “Spanish” influ- enza virus hemagglutinin gene. Reid, A. H., t. G. Fan- ning, J. V. Hultin e J. K. taubenberger. Proceedings of the National Academy of Sciences, 96:1651-1656. 1999. China continental Mercados de aves de Hong Kong Codorna Ganso Pato Codorna infectada H9N2 H5N1 H6N1 H5N1 (v rus av cola H5N1 Hong Kong/1997) Galinha infectada H5N1 Ser humano H5N1 18 pessoas infectadas e seis mortas rotas para disseMinação da doença papel dos animais na difusão do vírus da influenza citocinético Processo de separação do citoplasma que se inicia após a divisão do núcleo celular, complementando a divisão celular. cONcEItO lhar o vírus por toda a terra em questão de horas. Quer uma pandemia surja em decorrência de forças naturais ou de bioterrorismo, atualmente o planeta está despreparado para impedir a matança. Infelizmente, outra pandemia é inevitável. Historicamente, as pandemias varrem o globo várias vezes por século. Graças aos esforços da OMS, os cientistas estão pesquisando o vírus da gripe na interface animais-seres humanos. Esses estudos provavelmente evitaram uma catástrofe em 1997. Virologistas em milhares de laboratórios estão tentando prever os movimentos do vírus. Ao descobrirem, por exemplo, como uma mutação do vírus da “gripe avícola” ajudou-o a lograr as respostas citocinéticas, deram mais um passo para compreender os processos evolutivos da gripe e desenvolver drogas para combater os efeitos do vírus. Mas nem os métodos mais sofisticados e as descobertas mais recentes oferecem garantia de uma previsão correta da próxima pandemia. A Ásia – e Hong Kong em particular – foi identi- ficada como o epicentro das pandemias de gripe. De- pois do surto de H5N1 em Hong Kong, em 2001, um novo regulamento entrou em vigor: todas as aves têm de ser removidas dos mercados num dia específico, todo mês, para minimizar as chances de reprodução dos vírus. Uma solução melhor para o problema seria substituir os mercados de aves vivas por mercados de carne congelada ou refrigerada. Mas os mercados de aves são parte integrante da economia de Hong Kong e de sua cultura, sendo improvável que sejam eliminados num futuro próximo. Quando um vírus consegue escapar à vigilância dos guardiães da comunidade científica, pode viajar pelo mundo em questão de horas. Menos de uma dúzia de indústrias no mundo inteiro produzem atu- almente a vacina contra a gripe e, embora os surtos da doença dos dois últimos anos tenham sido relati- vamente amenos, essas empresas tiveram dificuldade de satisfazer as demandas pela vacina. As vacinas de subunidade levam meses para ser desenvolvidas. Quase 500 mil pessoas morreram de gripe nos EUA entre 1918 e 1919. Em muitas cidades, as reuniões públicas foram proibidas, os mercados de gado foram fechados e houve falta de caixões. As tropas americanas involuntariamente participaram da guerra biológica ao levarem a “gripe espanhola” para os campos de batalha da Europa durante a Primeira Guerra Mundial. Quarenta por cento dos jovens norte-americanos saudáveis sucumbiram à gripe, e não às balas disparadas em combate. leitura coMpleMentar Leia “À caça do vírus da gripe assassina”, em Scientific AmericAn BrASil, edição 35, abril 2005. Disponível em: http://www2. uol.com.br/sciam/reportagens/ a_caca_do_virus_da_gripe_ assassina_11.html eM M a sk ur ni ck aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 49 para o professor ciências da natureza e suas tecnologias Biologia t Competências trabalhadas segundo a Matriz de Referência do Enem • compreender interações entre organismos e ambiente, relacionando conhecimentos científicos, aspectos culturais e características individuais. • apropriar-se de conhecimentos de Biologia para, em situações- problema, interpretar, avaliar ou planejar interações científico- tecnológicas. t Conteúdos • antígeno e anticorpo • Mutações gênicas • vírus t Habilidades envolvidas • identificar padrões em fenômenos e processos vitais dos organismos, como manutenção do equilíbrio interno, defesa, relações com o ambiente e sexualidade, entre outros. • avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam à preservação e implementação da saúde individual, coletiva ou do ambiente. Propostas pedagógicas • antes da leitura é interessante iniciar a aula levantando o grau de conhecimento dos estudantes em relação à pandemia de gripe causada pelo vírus H1n1. todos estão informados sobre o tema? Quais são as principais fontes de dados com que eles contam – família, meios de comunicação de massa, médicos? eles sabem da existência de concepções espontâneas relacionadas à gripe (aspectos folclóricos, crendices, simpatias)? Há comportamentos de automedicação no grupo? Quais seriam os prejuízos causados pelas crenças populares ou automedicação em caso de doenças graves, como a causada pelo H1n1? • durante a leitura peça que todos leiam o título, o texto de abertura e a data da primeira publicação do material. o que esperam encontrar? como um artigo escrito há seis anos pode parecer ter sido escrito para o atual contexto de pandemia da gripe H1n1? proponha que os estudantes identifiquem as palavras desconhecidas e os conceitos não compreendidos. oriente-os a procurar as definições em dicionários, glossários e índices remissivos do livro didático de biologia ou em outras fontes de consulta de sua confiança. • após a leitura leve a turma a sintetizar as idéias principais do texto. sugira que levantem eventuais informações não compreendidas e liste-as na lousa. organize uma discussão sobre as principais dúvidas remanescentes, estimulando os alunos que dominem essas noções a explicá- las aos demais colegas. complemente as informações com conceitos programados em seu curso e relacionados ao artigo. estimule os estudantes a propor soluções para o problema da gripe H1n1, desde o combate ao vírus até a implementação de barreiras que evitem a contaminação em massa da população. t aula aberta52 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Todos os sistemas eleitorais têm suas desvantagens. Mas há um sistema que, levando em conta o ranking dos candidatos, permite um retrato mais fiel das opções do eleitorado o voto justo m at em át ic a Por Partha Dasgupta e Eric Maskin aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 53 o voto justo maior parte dos cidadãos americanos e franceses e, de fato, dos cidadãos de todas as democracias do mundo, dá pouca atenção aos seus sistemas eleitorais. O tema é, em geral, deixado aos políticos e analistas eleitorais. mas, há alguns anos, amplos segmentos da população desses dois países ficaram perplexos. Na França, as pessoas se perguntaram como um candidato que não pertencia às principais correntes políticas pôde chegar ao segundo turno da eleição presidencial de 2002. Nos estados Unidos, muitos eleitores indagaram por que o candidato mais popular perdeu a eleição de 2000. Deixaremos aos analistas políticos as discussões a respeito dos cartões perfurados, da contagem dos votos, do colégio eleitoral e da Suprema corte americana. Baseados em pesquisas nossas e de colegas, trata- remos de uma questão mais fundamental: que tipo de sistema, seja para eleger líderes nacionais, seja para escolher presidentes de grêmios estudantis, melhor expressa os desejos do eleitorado? argumentaremos que há um sistema que é, neste sentido, o melhor: um sistema que seria prático e simples de implementar nos estados Unidos, na França e em vários outros países. A Caro leitor,Este artigo analisa o sistema eleitoral que está sendo utilizado para melhor expressar os desejos do eleitorado, tomando como base as eleições de 2000, nos Estados Unidos, e de 2002, na França. Alguns conhecimentos matemáticos estão aqui envolvidos: amostras, média, desvio padrão, distribuição normal, gráficos e tabelas, porcentagem, arredondamento, estimativa e probabilidade. O estudo de sistemas de votação é um ramo da ciência política, econômica e matemática que se iniciou no século 18 e tem desenvolvido diferentes propostas de sistemas de votação. to by t al bo t ap p ho to ; p ho to il lu st ra ti on b y jo hn ny j oh ns on aula aberta54 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL OS aUtOreS vOtO PreFereNcialNa maioria dos sistemas eleitorais presiden-ciais, o eleitor limita-se a escolher o seu candidato favorito, sem classificar todos os candidatos em um ranking. Se a disputa envolver apenas dois candidatos, a limitação não importa. mas, quando há três ou mais candidatos, pode fazer muita diferença. a eleição presidencial francesa de 2002 é um bom exemplo. No primeiro turno, havia nove candidatos, entre os quais o eleitor podia escolher um. Os mais destacados eram o presidente Jacques chirac, o líder socialista lionel Jospin e o candidato da Frente Nacional, Jean-marie le Pen. as regras es- tipulavam que, se nenhum candidato obtivesse maioria, os dois mais votados se enfrentariam em um segundo turno. chirac ficou em primeiro lugar (com 19,9% dos votos). a surpresa, entretanto, foi o segundo lugar, obtido por le Pen, da extrema-direita, que conseguiu 16,9% dos votos. Jospin, favorito, ao lado de chirac para chegar ao segundo turno, termi- nou em terceiro, com 16,2% dos votos. No segundo turno, chirac derrotou le Pen com facilidade. apesar do terceiro lugar obtido por Jospin, a evidência disponível sugere que em uma disputa com le Pen ele ganharia facilmente. É até mesmo plausível supor que Jospin teria derrotado chirac caso tivesse chegado ao segundo turno. entretanto, como os eleitores votam apenas no seu candidato favorito, o sistema eleitoral francês não pôde levar em conta esta importante informação. além disso, este sistema permite que candidatos extremistas como le Pen, que não têm chance real de vitória, exerçam considerável influência no resultado. a eleição presidencial de 2000 nos estados Unidos apresentou falhas similares. Para evitar complexidades excessivas, vamos considerar so- mente os quatro candidatos principais e pressupor que não há diferença entre o voto popular e o voto do colégio eleitoral. vamos supor também que há apenas quatro tipos de eleitores: os que preferem ralph Nader a al Gore, Gore a George W. Bush e Bush a Pat Buchanan (os eleitores “Nader”); os que têm a ordem de preferência Gore, Bush, Nader, Buchanan (os eleitores “Gore”); os que têm a ordem de preferência Bush, Buchanan, Gore, Nader (os eleitores “Bush”); e, finalmente, os que optam pela ordem Buchanan, Bush, Gore, Nader (os eleitores “Buchanan”). Para sermos mais específicos, suponhamos que 2% do eleitorado seja constituído por eleitores Nader, 49% por eleitores Gore, 48% por eleitores Bush e 1% por eleitores Buchanan. Se cada um dos eleitores escolher um candidato, Gore receberá 49% Partha DasguPta e Eric Maskin colaboram frequentemente em trabalhos teóricos e de pesquisa rela- cionados a eleições. Dasgupta é professor de economia na University of cambridge e ex-presidente da royal economic Society. maskin é professor de ciências sociais no institute for advanced Study em Princeton, N.J., e ex-presidente da econometric Society. sistema eleitoral Designado pelo modo, pelos instrumentos e mecanismos usados nos países democráticos para escolher seus representantes de governo. cONceitO ExEMPlos DE situaçõEs NeSte SiStema eleitOral, os candidatos são dispostos em um ranking e seus pontos correspondentes são registrados. ainda que um candidato seja o vencedor de acordo com o verdadeiro sistema majoritário, ele não é, necessariamente, o vencedor de acordo com o sistema de voto preferencial. Uma ligeira mudança no ranking, como a que se dá com os eleitores de Bush na situação B, pode fazer uma enorme diferença. Neste caso, o vencedor seria Gore. Eleitores de Gore – 49% (de 100 milhões de votos) Gore 4 4 x 49 = 196 bush 3 3 x 49 = 147 nader 2 2 x 49 = 98 buchanan 1 1 x 49 = 49 Eleitores de nader – 2% nader 4 4 x 2 = 8 Gore 3 3 x 2 = 6 bush 2 2 x 2 = 4 buchanan 1 1 x 2 = 2 Eleitores de bush – 48% bush 4 4 x 48 = 192 buchanan 3 3 x 48 = 144 Gore 2 2 x 48 = 96 nader 1 1 x 48 = 48 Eleitores de buchanan – 1% buchanan 4 4 x 1 = 4 bush 3 3 x 1 = 3 Gore 2 2 x 1 = 2 nader 1 1 x 1 = 1 Eleitores de bush – 48% bush 4 4 x 48 = 192 Gore 3 3 x 48 = 144 buchanan 2 2 x 48 = 96 nader 1 1 x 48 = 48 ranking do candidato Pontos atribuídos total de votos (em milhões) situação a situação b sl im f il m s total de Gore: 300 total de bush: 346 total de Gore: 348 total de bush: 346 nove candidatos a quantidade de candidatos interferiu drasticamente no resultado. as percentagens referentes aos candidatos mais votados ficaram bem abaixo das expectativas. hiPerliNk maioria num sistema majoritário, obter maioria eleitoral significa receber mais de 50% dos votos válidos. Para presidente da república, exige-se maioria absoluta dos votos. caso isso não ocorra no primeiro turno, realiza- se o segundo entre os dois candidatos mais votados. hiPerliNk terceiro lugar considerando o porcentual dos outros candidatos e as pesquisas de intenção de voto, existia a probabilidade de mudança no resultado em relação a Jospin, caso ele fosse ao segundo turno. a teoria das probabilidades permite descrever fenômenos aleatórios, em que há incerteza. Para efeito de análise, o texto utiliza uma amostra reduzida de candidatos. a árvore de possibilidades facilita a visualização dessa análise. hiPerliNk aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 57 esta possibilidade, chamada de paradoxo de condorcet, foi identificada no século 18 por ma- rie-Jean-antoine-Nicholas de caritat, o marquês de condorcet, colega e crítico de Borda. Os três rankings – Gore/Bush/Nader, Bush/Nader/Gore e Gore/Bush/Nader – são, juntos, chamados de ciclo de condorcet. Nossa comparação do sistema majoritário com o voto preferencial parece ter resultado em empate: o sistema majoritário satisfaz todos os princípios de nossa lista, exceto o da transitividade, e o voto pre- ferencial satisfaz todos, menos o da neutrali- dade. isto nos leva a perguntar se há algum outro sistema eleito- ral capaz de satisfazer todos os princípios. O célebre teorema da impossibilidade, formulado por arrow, diz que não. Segundo esse teorema, qual- quer sistema eleitoral viola pelo menos um princípio. Para aléM Da iMPossiBiliDaDE O teorema de arrow é, porém, excessivamente negativo. ele sustenta que um sistema eleito- ral deve satisfazer um determinado axioma, quaisquer que sejam os rankings dos eleitores. mas alguns rankings são muito improváveis. em particular, o paradoxo de condorcet – o fantasma do sistema majoritário – pode não ser, na prática, um problema sério. Os rankings dos eleitores, afinal, não provêm do nada, mas, muitas vezes, da ideologia. Para perceber as consequências que a ideologia acarreta para o sistema majoritário, pensemos na posição que cada candidato ocupa em um espectro político que vai da esquerda até a direita. indo da esquerda para a direita, podemos presumir que os candidatos da eleição de 2000 estão dispostos na seguinte ordem: Nader, Gore, Bush, Buchanan. Se a ideologia orienta o voto dos eleitores, então qualquer eleitor que prefira Nader a Gore provavelmente prefe- rirá Gore a Bush e Bush a Buchanan. Da mesma forma, ranking (e para incorporar suas porcentagens nas escolhas dos candidatos que estão imediatamente acima) até que restem apenas dois candidatos. mas o sistema francês e o irv entram em conflito com o sistema majoritário. Se examinarmos os rankings dos eleitores, perceberemos que Jospin detém de fato uma enorme maioria: 64% do eleitorado prefere-o a chirac e 66% prefere-o a le Pen. O sistema majoritário estipula que Jospin deve vencer por ampla maioria (ver ilustração da pág. ao lado). com o sistema majoritário, um eleitor pode se ma- nifestar politicamente sem prejudicar as chan- ces de qualquer candi- dato elegível. alguém que preferisse Jospin a chirac e soubesse que le Pen não tem chance de vencer, mas que quisesse, em sinal de protesto, colocar le Pen em primeiro no ranking, poderia fazê-lo sem receio de com isto excluir Jospin da disputa (exceto, é claro, no caso, altamente improvável, em que a maioria dos outros eleitores fizesse o mesmo). O mesmo poderia ser dito do eleitor que preferisse Gore a Bush, mas que desejasse dar apoio simbólico a Nader. apesar dessas vir- tudes, o sistema majo- ritário tem uma falha. ele pode violar outro princípio do voto amplamente aceito, o da transitividade. a transitividade exige que se o candidato a é preferido em relação a B e B é preferido em relação a c, então a é preferido em relação a c. Deixemos Buchanan de lado e suponhamos que 35% do eleitorado escolha o ranking Gore, Bush, Nader, 33% prefira Bush a Nader e este a Gore e que 32% opte pelo ranking Nader, Gore, Bush. assim, 67% dos eleitores colocam Gore acima de Bush, 68% colocam Bush acima de Nader e 65% colocam Nader acima de Gore. em outras palavras, qualquer que seja o candidato escolhido, pelo menos 65% dos eleitores preferem algum outro candidato! Neste caso, o sistema majoritário não determina um vencedor. quAndo há MAis de dois cAndidATos pArA escolher, os eleiTores deveriAM ApresenTAr uM rAnking de Todos eles princípio da transitividade Quarto axioma: princípio da transitividade – segue o modelo a > B e B > c, então a > c. cONceitO vencedor considerando essas porcentagens e analisando as possibilidades de rankings, todos os candidatos obtiveram maioria eleitoral – o que invalida o resultado. as discussões realizadas até aqui apontam que nenhum sistema eleitoral satisfaz totalmente os quatro axiomas. hiPerliNk teorema da impossibilidade Fato matemático verdadeiro que pode ser demonstrado a partir de outros teoremas ou de axiomas; pode ser provado por meio de um processo lógico. cONceitO © l is a f. y ou nG / sh ut tE rs to ck aula aberta58 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL cédula ElEitoral da primeira eleição livre da África do sul, em 1994. 62% do eleitorado escolheu nelson mandela e o partido do congresso nacional africano podemos prever que qualquer eleitor que prefira Bush a Gore preferirá Gore a Nader. Não é de esperar um eleitor que escolha o ranking Bush, Nader, Gore, Buchanan. em artigo pioneiro publicado na década de 40, o falecido Duncan Black, da University college of North Wales, mostrou que se o voto dos eleitores é ideologicamente orientado da maneira acima referida – ou, pelo menos, se não há muitos eleitores não ideológicos –, então o sistema majoritário satisfará o princípio da transitividade. esta des- coberta gerou muitas pesquisas na ciência política, já que, postulando a escolha de um ranking ideológico por parte dos eleitores, os cientistas pude- ram evitar o paradoxo de condorcet e fazer previsões claras sobre o resultado do sistema majoritário. Obviamente, nem sempre os eleitores se encaixam neste espectro simples esquerda-direita. mas outras situações também asseguram a transitividade. Para outro exemplo, consideremos novamente a eleição francesa. embora chirac e Jospin liderassem os dois principais par- tidos, parece acertado dizer que não inspiravam muitas paixões. era o candidato extremista, le Pen, quem suscitava a repugnância ou o entusiasmo das pessoas: a evidência sugere que uma ampla maioria de eleitores colocava-o em primeiro ou em último no ranking dos três can- didatos principais; poucos escolhiam le Pen em segundo lugar. Pode-se discutir se esta polarização é boa ou não para a França. mas ela é sem dú- vida boa para o sistema majoritário. Se há, entre os eleitores, o consenso de que um dos três candidatos não é preferido em segundo lugar, então a transitividade está assegurada. esta propriedade, chamada de restrição valorativa, foi apresentada em 1966 por amartya Sen, da harvard University. em nossas pesquisas sobre a votação, dizemos que um sistema eleitoral funciona bem para uma clas- se particular de rankings se satisfaz os quatro axiomas quando os rankings de todos os eleitores pertencem àquela classe. Por exemplo, o sistema majoritário funciona bem quando todos os rankings são ideolo- gicamente orientados. O sistema majoritário também funciona bem quando todos os rankings obedecem a uma “restrição valorativa”. De fato, descobrimos que sempre que um sistema eleitoral funciona bem o sistema majoritário também o faz. além disso, o sistema majoritário é adequado em casos em que os postulado o mesmo que axioma. cONceitO aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 59 embora isto ocorra com menos frequência neste sistema que em outros. Nesses casos, a regra deve ser modificada para que um vencedor seja identificado. há vários modos de fazer isto. a modificação mais simples talvez seja a seguinte: se nenhum candidato conseguir maioria em relação a todos os oponentes, então, entre os candidatos que derrotam a maior parte dos oponentes em comparações um a um, deve-se selecionar como vencedor aquele com a maior contagem preferencial. o modo pelo qual a maior parte dos paí- ses escolhe seus presidentes é imperfeito. as elei- ções presidenciais americana de 2000 e francesa de 2002 foram bastante influenciadas – talvez de forma decisiva – por candidatos que não tinham chances reais de vitória. esses candidatos puderam exercer influência porque só foi levado em conta o candidato preferido em primeiro lugar pelos eleitores. Para cONhecer maiS social choice and individual values. kenneth J. arrow. John Wiley, 1951. (Yale University Press, 1990.) the theory of committees and elections. Duncan Black. cambridge University Press, 1958. (kluwer acade- mic Publishers, 1998.) collective choice and social welfare. amartya kumar Sen. holden-Day, 1970. (North holland, 1984.) on the robustness of majority rule and unanimity rule. Partha Dasgupta e eric maskin. Disponível em www.sss.ias.edu/papers/papers/econpapers.html outros sistemas eleitorais não funcionam bem. este é o teorema do predomínio do sistema majoritário. Para ilustrar, imaginemos agora uma disputa entre Gore, Bush e Nader. Suponhamos que todos os eleitores dispõem os candidatos ou na ordem de preferência Gore, Bush, Nader ou na ordem Bush, Gore, Nader. Quando os rankings dos eleitores pertencem a esta classe de dois elementos, o voto preferencial satisfaz o seu ponto fraco: o princípio da neutralidade (já que a avaliação que os eleitores fazem de Nader não influi na vitória de Bush ou Gore em uma eleição preferencial). mas o sistema majoritário também funciona bem aqui, pois satisfaz o seu ponto fraco, a transitividade. mas o voto preferencial deixa de funcionar bem se a situação tornar-se ligeiramente mais complica- da. Se acrescentarmos um terceiro ranking – Gore, Nader, Bush – o sistema majoritário ainda satisfará a transitividade. estes três rankings não constituem, juntos, um ciclo de condorcet. O voto preferencial, porém, não satisfaz mais o princípio de neutralidade. Suponhamos que 51% prefiram Bush a Gore e este a Nader. Se a parcela de 49% restante do eleitorado preferir Gore a Nader e este a Bush, Gore vencerá. mas se o eleitorado restante optar pelo ranking Gore, Bush, Nader, então Bush vencerá – ainda que, em ambos os casos, esta parcela de 49% opte pelo mesmo ranking para Gore e Bush. O sistema majoritário pode não funcionar bem em alguns casos, como mostra o paradoxo de condorcet, frequência Quantidade de vezes que os valores se repetem ou que os casos ocorrem. cONceitO modo de escolha num sistema eleitoral, seja ele majoritário, seja preferencial, observa-se que, mesmo levando em consideração os rankings, o parâmetro estatístico que sempre determina o resultado está relacionado à moda, valor que surge com mais frequência se os dados são discretos; ou o intervalo de classe com maior frequência se os dados são contínuos. hiPertextO © m ik E fl ip po / sh ut tE rs to ck aula aberta62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Microrganismos podem manipular, muito melhor que nós, o circuito cerebral manipuladores cerebrais en sa io Por robert sapolsky C omo grande parte dos cientistas, fre- quento encontros profissionais, sendo um deles a reunião anual da society of neuroscience, organização mun- dial constituída pela maior parte dos pesquisadores que investigam o cérebro. É uma das experiências mais agressivas, intelectu- almente falando. imagine cerca de 28 mil de nós, cientistas “nerds”, trancados em um único centro de convenções. essa proximidade pode deixar qualquer um maluco depois de uma semana inteira ouvindo – seja num restaurante, elevador ou banheiro – dis- cussões entusiasmadas sobre os axônios da lula. o processo de atualização de conhecimentos científicos também não é nada fácil. a reunião apre- senta uma sobrecarga enorme de informação: são 14 mil conferências e cartazes. sem contar que, do subconjunto de cartazes de indispensável verificação, vários são inacessíveis: seja por causa da multidão entusiasmada à frente deles, por estarem num idioma que você nem mesmo reconhece ou ainda porque descrevem, inevitavelmente, cada experimento que você planejava para os próximos cinco anos. no meio disso tudo, esconde-se a compreensão compartilhada de que, apesar de zilhões de nós labutarmos como escravos sobre o assunto, ainda não sabemos nada sobre o funcionamento cerebral. Meu próprio momento de humildade na confe- rência surgiu numa tarde ao me sentar nos degraus do centro de convenções. sentia-me nocauteado por excesso de informação e ignorância generalizada. no momento em que meu olhar focou uma poça de água escura e estagnada no meio-fio, imaginei que algum organismo microscópico infestando o local provavelmente saberia mais sobre o cérebro que todos nós, neurocientistas, juntos. o insight desmoralizante brotou de um ensaio extraordinário e atual sobre como certos parasitas controlam o cérebro de seus hospedeiros. a maioria de nós sabe que bactérias, protozoários e vírus têm meios incrivelmente sofisticados de usar o corpo de animais para seus próprios fins. eles sequestram nossas células, energia e estilo de vida para poderem prosperar. Mas, sob vários aspectos, a coisa mais fascinante e diabólica que esses parasitas desenvolveram – tema que ocupou minhas reflexões naquele dia – é a habili- dade que demonstram em mudar o comportamento de seus hospedeiros a seu favor. alguns exemplos em livros aula aberta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 63 manipuladores cerebrais didáticos descrevem ectoparasitas, microrganismos que colonizam a superfície do corpo. Certos acarinos, por exemplo, montam nas costas de formigas, provo- cando um reflexo que culmina em vômito, para daí se alimentarem. alguns oxiúros depositam ovos na pele de um roedor. os ovos secretam uma substância que provoca coceira, fazendo o roedor mordiscar o local. Com isso, os ovos acabam sendo ingeridos e, uma vez dentro do roedor, eclodem na maior alegria. nesses casos, as reações são provocadas por meio de um artifício que consiste em molestar o hospedeiro, fazendo com que se comporte de acordo com a conveniência do intruso. Mas alguns parasitas realmente alteram a função do próprio sistema nervoso, manipulando hormônios que afetam o comportamento do hospedeiro. os cirrípedes (sacculina granifera), por exemplo, um tipo de crustáceo encontrado na austrá- lia, grudam em caranguejos machos e secretam um hormônio feminizante, induzindo o comportamento maternal no animal. o caranguejo afetado parte para o mar com instintos femininos e cava buracos na areia ideais para desova. o macho, obviamente, não irá desovar nada. Mas os pequenos crustáceos, sim. e se infectarem um caranguejo fêmea, induzirão o mesmo comportamento – depois de atrofiar seus ovários, uma prática conhecida como castração parasítica. Por mais bizarros que sejam esses casos, pelo menos os organismos agem fora do cérebro. alguns, no entanto, se introduzem nesse órgão. Trata-se de seres microscópicos, quase sempre vírus. Uma vez ilU sT ra çõ es d e Ja Ck U n rU h aula aberta64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL no cérebro, esses minúsculos parasitas permanecem relativamente protegidos de ataques imunes e ini- ciam sua tarefa ao desviar o maquinismo neural em proveito próprio. o vírus da raiva é um desses parasitas. apesar de se conhecer, há séculos, a atuação desse vírus, ninguém, que eu saiba, conseguiu enquadrá-lo de uma forma neurobiológica, como estou prestes a fazer. a raiva poderia ter se desenvolvido de várias maneiras para se locomover entre os hospedeiros. o vírus não tem de ir a nenhum local próximo do cérebro. ele poderia ter maquinado um artifício similar ao utilizado pelos agentes que causam os resfriados – irritar os terminais nervosos das narinas, provocando o espirro do hospedeiro, espalhando os replicantes virais para todos os lados. ou, então, poderia ter induzido um desejo incontrolável de lamber alguém ou algum animal espalhando, assim, o vírus pela saliva. Mas, como sabemos, a raiva pode provocar agressividade em seu hospedeiro, permitindo que o vírus pule para um outro hospedeiro via saliva que entra no ferimento. imagine só isso. Uma quantidade enorme de neurobiologistas estuda as bases neurais da agressão: os caminhos cerebrais envolvidos, os neurotransmis- sores mais importantes, as interações entre os genes e o meio, a modulação pelos hormônios, e assim por diante. a agressão tem gerado conferências, teses de doutorado, brigas acadêmicas mesquinhas e direitos de posse sórdidos. Todavia, o vírus da raiva sempre “soube” exatamente quais neurônios infestar para que alguém desenvolva a raiva. e, pelo que eu saiba, nenhum neurocientista estudou a raiva, especificamente, para compreender a neurobiologia da agressão. Mesmo causando efeitos virais tão impressionan- tes, ainda há espaço para aperfeiçoamento, devido à não-especificidade do parasita. se você é um animal portador da raiva, pode morder uma das poucas criatu- ras, como o coelho, em que o vírus da raiva não replica bem. então, apesar de os efeitos comportamentais da infecção o cérebro serem bastante impressionantes, se o impacto do parasita for muito amplo, pode se autoextinguir em um hospedeiro sem futuro. il Us Tr aç õ es d e Ja Ck U n rU h
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