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Guias e Dicas
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Juventudes comtmeporâneas, Notas de estudo de Sociologia

Coletânea de artigos sobre juventude

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 02/04/2012

paulo-c-ramos-8
paulo-c-ramos-8 🇧🇷

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Pré-visualização parcial do texto

Baixe Juventudes comtmeporâneas e outras Notas de estudo em PDF para Sociologia, somente na Docsity! L dá ISBN 978-85-60778-71-3 y 9'788560'778713 JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS: de possibilidades ORGANIZADORES: Juarez Dayrell Maria Ignez Costa Moreira Márcia Stengel Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Pins ST fi IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL um MUÚSdICO SOBRE A JUVENTUDE BRASILEIRA PUC Minas JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS: de possibilidades Juventudes Contemporâneas Um mosaico de possibilidades Sumário Prefácio .................................................................................................................................................................... 8 Carta de Belo Horizonte ........................................................................................................................... 10 Introdução ........................................................................................................................................................... 12 A socialização da juventude e os espaços institucionais Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias ............................................................................................................................. 43 Marcelo Urresti Sociabilidade juvenil, mídias e outras formas de controle social ................................... 67 Maria da Graça Jacintho Setton Juventude e escola ......................................................................................................................................... 81 Mônica Dias Peregrino Ferreira Entre sonhos e projetos de jovens, a escola... .............................................................................. 99 Geraldo Leão Juventude, trabalho e educação: crônica de uma relação infeliz em quatro atos ........................................................................ 117 Naira Lisboa Franzoi Participación en proyectos y desarrollo integral de adolescentes y jóvenes ....................................................................................................................... 135 Olga Nirenberg Juventude, sexualidade, gênero e violência Visibilidade e invisibilidade do trabalho de garotos de programa .......................................................................................................................... 163 Rubens de Camargo Ferreira Adorno Geraldo Pereira da Silva Junior O lugar dos homens e das masculinidades no debate sobre juventude .................................................................................................................... 181 Jorge Lyra Enigmas do medo – juventude, afetos e violência ............................................................... 209 Glória Diógenes Casamento forçado e violência. O contexto francês ........................................................... 229 Edwige Rude-Antoine Adolescentes, jovens, direito e família: questionando saberes sobre proteção a direitos sexuais e reprodutivos ................................................. 251 Mary Garcia Castro Ingrid Radel Ribeiro Discussões de gênero e sexualidade no meio escolar e o lugar da jovem mulher no ensino médio ............................................................................ 273 Wivian Weller Iraci Pereira da Silva Nivaldo Moreira Carvalho 9 É importante destacar a participação de aproximadamente 150 jo- vens inseridos em Projeto de Extensão Universitária da PUC Minas – Jubra Jovem. Esses jovens, organizados em pequenos grupos, iniciaram em março de 2010 um trabalho sobre a situação atual dos jovens, promovendo o diálo- go e a reflexão crítica sobre a diversidade de práticas socio-históricas empre- endidas por adolescentes e jovens no mundo contemporâneo. Estimulando o debate em torno das temáticas propostas pelo simpósio, apresentaram no IV Jubra o resultado de suas reflexões. Outro aspecto significativo foi o lançamento da Carta de Belo Ho- rizonte (anexa), um manifesto dos pesquisadores reunidos solicitando o lançamento pelas agências de fomento à pesquisa de editais para pesquisa interdisciplinar especificamente voltados para o tema da juventude. Esperamos que esta coletânea possa contribuir para a disseminação das reflexões em torno da juventude, fortalecendo o movimento existente em prol dos direitos desse segmento da população, bem como para a am- pliação e consolidação das políticas públicas voltadas para os jovens brasi- leiros. Os organizadores 10 Carta de Belo Horizonte O Jubra – Simpósio Internacional sobre Juventude Brasileira é um evento acadêmico, interinstitucional e interdisciplinar que congrega pesqui- sadores brasileiros e estrangeiros para a discussão de pesquisas, programas e projetos sociais referentes à juventude. O objetivo primordial do evento é potencializar o fluxo de intercâm- bios e ampliar a rede de cooperação entre pesquisadores brasileiros e estran- geiros que estudam a temática a partir de diferentes referenciais e campos de saber. Além disso, pretende também produzir em curto, médio e longo prazos impactos na produção de conhecimento e ampliar a troca de experi- ências acerca das ações públicas e da sociedade civil no sentido de garantia dos direitos dos adolescentes e jovens. O Jubra foi realizado pela primeira vez em outubro de 2004, na Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. A iniciativa de realização partiu do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Ado- lescência Contemporâneas (Nipiac). Contou com o apoio institucional do Comitê de Pesquisa Sociológica da Juventude da ISA (International So- ciological Association), do Observatoire Jeunes et Société – Universidade de Quebec e do Comitê da Infância e Juventude da IUAES (International Union of Antropological and Ethnological Sciences). O Jubra, em sua IV edição, tem como tema central “Juventudes con- temporâneas: um mosaico de possibilidades”, contando com um público composto por pesquisadores e estudantes de psicologia, educação, ciências sociais, ciências da saúde e saberes afins; bem como profissionais dos campos da saúde, assistência social e educação; profissionais de ONGs, de fundações, de governo nos níveis municipal, estadual e federal e de associações da socie- 11 dade civil, lideranças jovens que estão à frente de grupos e redes, entre outros, tendo em média 800 participantes e mais de 500 trabalhos inscritos. O Jubra tem contado com o apoio das instituições oficiais de fo- mento CNPq, Capes e das fundações estaduais de amparo à pesquisa. É um evento que vem se consolidando como um importante espaço para os pes- quisadores da juventude. Considerando a importância da temática da juventude no contexto da realidade brasileira e a relevância da produção de conhecimento cientí- fico como subsídio para a elaboração de políticas públicas que respondam às demandas e necessidades das juventudes, os pesquisadores da área, reu- nidos neste IV Jubra, solicitam ao CNPq que lance um edital de pesquisa específico sobre a temática da juventude, de caráter interdisciplinar, para po- tencializar a produção científica na área. Belo Horizonte, 18 de junho de 2010. 14 indústria cultural, os meios audiovisuais e as tecnologias digitais, dentre ou- tros, que facilitam o acesso a vozes múltiplas e a construção de mundos pró- prios e identidades compartilhadas. Nesse contexto, os jovens tendem a se tornarem independentes da opinião e do parecer dos adultos com os quais interagem, com uma equiparação nas condições de informação e formação e com a consequente redução das assimetrias com as gerações adultas. Todo esse processo interfere nas instituições como a escola, pela falta de interesse crescente dos jovens, ou o trabalho, no qual a ética da produção vem sendo substituída pela ética do consumo. Finalmente, Urresti nos adverte de que estamos diante de novas ex- pressões da desigualdade social. Segundo o autor, em sociedades nas quais os recursos materiais, afetivos, didáticos etc. são escassos ou estão desigual- mente distribuídos, as possibilidades das distintas juventudes inserirem-se socialmente tenderão a ser tão díspares quanto os suportes com os quais possam contar, sendo necessário redefinir os sentidos das instituições edu- cativas. Com posições semelhantes a Urresti, Maria da Graça Setton reflete em seu artigo “Sociabilidade juvenil, mídias e outras formas de controle so- cial” sobre a dinâmica do campo da socialização e, em decorrência, do cam- po das sociabilidades na contemporaneidade, discutindo a tensão entre os agentes sociais e buscando apreender a luta simbólica de valores existente entre eles. A autora parte de uma discussão sobre as transformações institucio- nais e culturais da realidade social contemporânea, evidenciando o ambiente social no qual o jovem encontra condições de forjar um sistema de referên- cias que mescla as influências familiar, escolar e midiática, dentre outras. Um sistema de esquemas coerente, no entanto híbrido e fragmentado. Compre- ende assim a socialização do jovem e, como decorrência, sua sociabilidade entre os pares e com as mídias com base em uma perspectiva relacional de análise e, sobretudo, com o apoio do conceito de fenômeno social total, forja- do por Marcel Mauss. 15 A autora sustenta a hipótese de que jovens, sociabilidade e consumo midiático podem encerrar tensas e intensas articulações entre subjetivida- des e coerção social. Para ela, no caso específico das investigações de ordem sociológica, a complexidade derivada da diversidade das dimensões estru- turais e simbólicas do mundo social torna-se por vezes obscura, em função dos imponderáveis da ação e da criação dos sentidos dos sujeitos sociais. Isso posto, a sociabilidade jovem através do consumo midiático deveria ser pensada em sua ambiguidade constitutiva – ora oferecendo margens para a construção de uma identidade jovem autônoma, ora fortalecendo o contro- le e a tirania do grupo de pares. As relações entre juventude e escola Dois artigos discutem as relações entre juventude e escola, com po- sições que se complementam. O primeiro deles, de Geraldo Leão, intitulado “Entre sonhos e projetos de jovens, a escola...” centra sua análise na realidade do ensino médio brasileiro, evidenciando os limites da escola pública na sua tarefa de garantir o acesso a uma educação de qualidade como um direito de todos os jovens. Ao desenvolver o seu argumento, Leão constata a expansão da esco- larização, em especial do ensino médio, ocorrida no Brasil a partir dos anos 1990, o que gerou, dentre outras consequências, a entrada de um novo con- tingente de jovens alunos que antes não tinham acesso a esse nível de ensino. Passam a trazer para o interior da escola as tensões e contradições de uma sociedade marcada pela desigualdade. Nesse sentido, evidencia o autor, um dos desafios da escola pública é reconhecer o jovem existente no aluno, ou seja, as trajetórias juvenis, suas práticas sociais e culturais, sua relação com o mundo do trabalho, com os amigos e com o lazer, dentre outras dimensões, como condição para compreender os sentidos, motivações, atitudes e práti- cas que desenvolvem na sua inserção em processos educativos, que é muito diferente dos jovens alunos das gerações anteriores. 16 Ao mesmo tempo, denuncia as contradições existentes nesse pro- cesso de expansão do ensino médio, no qual persistem os altos índices de desigualdade social. Esta aparece na precariedade da estrutura física e do funcionamento das escolas, na precarização da condição docente, dentre outros fatores que apontam para a existência de uma pedagogia da precarie- dade. Conclui que a expansão da escolarização no Brasil representou muito mais um quadro de massificação da educação, de expansão do acesso, do que um processo real de democratização. Nesse contexto, passa a analisar a relação dos jovens com a escola, evi- denciando que as motivações e sentidos em relação à escola parecem resultar da conjugação entre o quadro mais amplo das relações sociais em que eles se inserem e aspectos ligados à trajetória individual e familiar. Dependendo dos suportes a que têm acesso via apoio familiar, redes sociais e institucionais, os jovens podem tecer diferentes modos de ser estudante, expressando um conti- nuum diferenciado de posturas na sua relação com a escola. Sobre os projetos de futuro, constata que os jovens manifestam uma gama diferenciada de de- sejos e sonhos, uma diversidade de projetos, sentidos e motivações que pode ser a expressão dos conflitos de uma sociedade que expandiu a escolaridade e o consumo, mas no contexto de baixas perspectivas de mobilidade social, na qual persiste a reprodução da desigualdade social. A escola pública, conclui o autor, parece estar diante de um dilema. Ela pode continuar prometendo ser um passaporte para um futuro distante, do qual os jovens desconfiam, tendo em vista que a sua experiência lhes en- sina que o futuro é incerto nessa sociedade. Por outro lado, ela pode ser uma referência para os jovens, o lugar de acolher e discutir com eles seus medos, angústias, dilemas e alternativas. Para isso, um primeiro passo seria reconhe- cer os jovens alunos nas suas especificidades e identidades. Em outra perspectiva analítica, o artigo de Mônica Peregrino, “Ju- ventude e escola: elementos para a construção de duas abordagens”, ao tratar também da relação dos jovens com a escola, chega a conclusões semelhan- tes às de Leão, principalmente no que diz respeito à produção das desigual- 19 adquirida nesses espaços se assemelha a “uma senha para uma fila de espera” que pode não chegar ao seu fim ou que pode apontar em uma direção bas- tante diferente daquela para a qual o indivíduo se preparou. Finalmente Franzoi analisa algumas experiências educativas consi- deradas exitosas, evidenciando que a escola pública pode vir ao encontro das demandas e anseios dos jovens e que é necessária uma vontade polí- tica para que o novo possa nascer do velho. Ao descrever algumas dessas experiências, ela vai pontuando alguns aspectos considerados essenciais. Em termos mais gerais, lembra a autora, é fundamental um reforço na ofer- ta de ensino técnico de nível médio e de ensino médio integrado e, nestes, criar uma rede de suporte aos jovens alunos, por meio de bolsas associadas a estágios efetivamente supervisionados e/ou outros tipos de auxílio, como alimentação, transporte, entre outros. Em termos da organização curricular, ela pontua a necessidade de formar os jovens não apenas para o consumo ou adaptação de tecnologias, mas também para a sua produção. Nesse sentido, torna-se necessário educar cidadãos capazes de intervir, em diferentes níveis, nos rumos dados à sua produção e utilização. Outro aspecto é a necessidade de superar a visão reduzida de ensino para articular, de forma orgânica, o ensino e a pesquisa produzida no pró- prio processo de formação. Acrescenta-se ainda a importância da formação cultural dos jovens, em uma articulação entre ciência, tecnologia e cultura, levando para a escola pontos de contato com a identidade juvenil. Conclui evidenciando a importância de a escola deslocar a ênfase das carências dos alunos, daquilo que lhes falta, para o que os alunos já trazem, para as suas experiências socioculturais, ou seja, reforça a posição de Leão ao lembrar a necessidade de a escola reconhecer o jovem existente no aluno. Finalmente, o último artigo desse bloco, “Participación en proyectos y desarrollo integral de adolescentes y jóvenes”, de Olga Niremberg, trata da participação dos jovens em projetos sociais, um âmbito muito presente na socialização dos jovens, principalmente dos mais pobres, trazendo uma rica reflexão sobre possíveis critérios para sua avaliação. 20 Ao desenvolver seus argumentos, a autora faz uma crítica às formas re- duzidas de compreensão da juventude como etapa de preparação para a vida adulta ou a sua patologização, advogando a compreensão dessa fase da vida na sua diversidade, com ênfase nas suas potencialidades. A autora, ao analisar e ava- liar projetos sociais na América Latina, ressalta algumas categorias que deveriam estar presentes nas ações socioeducativas. Uma delas é a resiliência, entendida como a capacidade humana para enfrentar, superar, aprender, fortalecer-se e transformar-se a partir das situações mais adversas. Associado a ela, propõe o enfoque de habilidades para a vida como uma estratégia sinérgica para enfrentar riscos e adversidades e contribuir para o desenvolvimento integral dos jovens. Depois de discutir a importância da noção de capital social e capital humano nos projetos sociais, a autora defende a necessidade de estratégias para favorecer o empoderamento dos jovens, como meio de alcançar níveis mais altos de autonomia e liberdade, possibilitando a construção da cidadania pelos próprios jovens. Para Niremberg, os projetos e programas sociais, ao assumir tais categorias, poderiam constituir espaços de oportunidade para a inserção social dos jovens, contribuindo para a tomada de consciência, realização e dissemina- ção de seus direitos, significando o início de um processo participativo mais geral e criador de sentido, além de um espaço de exercício de valores e práticas demo- cráticas. A partir daí a autora discute a importância da participação efetiva dos jo- vens no cotidiano das ações educativas, descentralizando os núcleos de poder no interior das instituições e incorporando o olhar e a voz dos jovens, gerando novas formas de vínculo e envolvimento deles no cotidiano. Finalmente Niremberg le- vanta vários atributos desejáveis para os programas e projetos voltados para os jovens, que podem servir como um guia na avaliação de projetos sociais e para o debate em torno das políticas públicas de juventude. Sexualidade, gênero e violência Os textos agrupados nesse bloco tratam da sexualidade, em especial da masculina, da questão do gênero na sociedade brasileira e finalmente de algumas manifestações da violência. 21 Como vimos em artigos anteriores desta coletânea, uma ideia fre- quente sobre juventude é que o sujeito, nessa fase da vida, é um vir-a-ser, pois ainda não é maduro o suficiente para decidir os seus destinos, nem é respon- sável para sustentar suas decisões. Dessa forma, ele precisa ser tutelado, seja pela família, pela escola e/ou pelo Estado. Nessa visão, a juventude é considerada uma fase de transição, um momento de preparação para a vida adulta, o que determina representações, práticas sociais e até políticas públicas direcionadas a esse público. Mas ao percebermos que os jovens já são sujeitos, quais os impactos e impasses des- sa representação em seus cotidianos? Como pensar o exercício da sexualida- de e o uso do corpo que os jovens estabelecem? A masculinidade entre jovens Em dois artigos a tônica refere-se à masculinidade entre jovens, abordados de forma diferenciada. O trabalho de Rubens de Camargo Ferreira Adorno e Geraldo Pereira da Silva Júnior, “Visibilidade e invi- sibilidade do trabalho de garotos de programa”, traz a pesquisa realizada com jovens garotos de programa moradores de bairros periféricos de São Paulo. Ele mostra que, no espaço das cidades, muitas vezes, os jo- vens costumam ter visibilidade, apresentando-se como sujeitos ativos, ora em posições valorizadas socialmente, ora em posições discrimina- das. Todavia, também há jovens que podem passar despercebidos, in- visíveis, como são os garotos de programa. Apesar de atualmente haver um reconhecimento institucional relativo aos profissionais do sexo – categoria em que os garotos de programa podem ser inseridos – não há um reconhecimento moral, o que, somado a outros aspectos, contribui para a invisibilidade desses jovens. A invisibilidade também ganha contornos nas relações pessoais dos garotos de programa, na medida em que a família e os amigos desco- nhecem sua atividade, marcando, mais uma vez, o não reconhecimento moral da atividade. Finalmente, outro aspecto que parece contribuir para 24 ços que pareciam inexistentes, vivendo e se apropriando da cidade de forma singular. Desse modo, a cidade torna-se um lugar de produção e recriação de signos. Em outras palavras, os jovens tomam a cidade como local de vi- sibilidade de si, fazendo-se presentes na cena pública e estabelecendo uma postura ativa. A contrapartida vivida pelos jovens em razão da diluição dos vínculos entre corpo e cidade, entre lugar e pertencimento é uma sensação de solidão em meio à multidão. Isso faz com que as relações sociais sejam estabelecidas sob o signo da violência e do medo. Assim, os jovens são motivados e protago- nizam suas práticas sociais sob a égide de sentimentos de amor e ódio. A autora constata que amor e ódio transpõem o corpo, ativando sua potência, que pode ser alcançada quando o jovem constitui uma cor- poralidade com demarcações próprias, diferenciada daquela de um sujeito homogêneo da esfera pública. O grupo, tão fundamental na vida de um jo- vem, pode tornar exequível essa corporalidade, promovendo a inserção dos jovens em atos de resistência. Dentre as várias faces que a violência pode ter, Edwige Rude-Antoi- ne, em seu artigo “Casamento forçado e violência: o contexto francês”, dis- cute uma prática pouco comum na realidade brasileira atual: o casamento forçado, que se observa nas comunidades migrantes na França. No contexto francês estudado pela autora, o casamento forçado é um ato contrário aos direitos fundamentais – acima de tudo, o direito à livre escolha –, considera- do como uma violência, seja física, moral, econômica, jurídica ou uma asso- ciação entre esses vários tipos. O casamento forçado nem sempre é percebido como uma violência por aqueles que o vivem, incapazes de perceber sua opressão. A associação ou não à violência está intimamente relacionada à ponderação pessoal e à vida psíquica dos envolvidos. O sentido que a violência ganha depende do ponto de vista subjetivo daquele(a) que é forçado(a) ao casamento, adquirindo uma realidade palpável no abalo emocional provocado. Entretanto, o casamento forçado tende a ser vivido como uma violência, sobretudo moral. 25 A denúncia do casamento forçado pode ser uma forma de o jovem aparecer na cena pública. Contribui para a politização da intimidade, na me- dida em que coloca em cena a discussão sobre o casamento forçado. Para a autora, o discurso de que é uma prática social, organizada dentro de de- terminados costumes sociais, é uma forma de encobrimento da violência e justificativa dela. Adolescentes, jovens, direito e família O artigo de Mary Garcia Castro e Ingrid Radel Ribeiro, intitulado “Adolescentes, jovens, direitos e família: questionando saberes sobre pro- teção a direitos sexuais e reprodutivos” indaga a respeito dos saberes sobre proteção a direitos sexuais e reprodutivos, trazendo a ideia da correspon- sabilidade da família, escola, comunidade, sociedade e poder público para com crianças, adolescentes e jovens. Os direitos dos jovens são codificados na perspectiva dos adultos, embora a sociedade exija autonomia desses sujeitos. Ainda que se reconhe- ça que a família é um lugar de amparo quanto às várias necessidades de seus membros e de afetividade, ela também pode ser um empecilho à autonomia dos jovens. Tanto por impedir ou dificultar o acesso a uma vida mais au- tônoma, quanto por impor padrões que podem não servir como modelo de comportamento e práticas para os jovens, principalmente no âmbito da sexualidade. As autoras argumentam que o início da adolescência é um mo- mento de tensões para o sujeito que o vive, assim como para sua família. As idealizações de nossa sociedade relativas à juventude contribuem para a dificuldade dos adultos em lidarem com a sexualidade dos jovens. Uma delas se refere à “sacralização” da criança e do adolescente, por sua presumida inocência. Outra é o corpo jovem, símbolo de frescor e, por isso, considerado como o ideal de consumo sexual no mercado simbó- lico do desejável. 26 Essas dificuldades e os preconceitos com que a sexualidade é tratada levam os jovens a engendrarem estratégias para lidar com as repressões e cria- rem suas respostas. Tal situação impulsiona, muitas vezes, os jovens a correrem riscos, menos por falta de informação ou de proteção preventiva, mas por não encontrarem espaços em que sua subjetividade, seus desejos e afetos possam se manifestar, já que a sexualidade é tratada pelos adultos na perspectiva da cognição, da racionalidade e do exercício do poder e do controle. Essas são al- gumas das razões pelas quais a família pode não ser boa intérprete dos direitos dos jovens se o foco são os direitos sexuais e reprodutivos. A família é uma das instituições mais afetadas pelas mudanças con- temporâneas, seja no mundo do trabalho, da cultura ou das relações sociais. Apesar disso, continua sendo uma instituição de referência na vida dos jo- vens, considerada como a mais significativa. Por ser um espaço de afeto e de relações necessárias à socialização dos indivíduos, observamos que há uma ideia consolidada em nossa sociedade da família como responsável única por aquilo que se passa na vida dos jovens, especialmente seus “descami- nhos”. Interessante notar que, nesse sentido, a ideia da corresponsabilidade por crianças, adolescentes e jovens desaparece, prevalecendo a responsabi- lidade singular da família. Isso vale tanto para uma gravidez na adolescência, por exemplo, quanto para delitos cometidos por jovens. Considerando também o artigo de Adorno e Silva Júnior e o de Ru- de-Antoine discutidos anteriormente, percebemos que a violência familiar é muito marcada pela questão de gênero e de orientação sexual. Ainda que os casamentos forçados não sejam uma imposição só para as filhas, são estas que sofrem uma pressão maior e são mais vitimadas. Mesmo que os garotos de programa não explicitem, em geral, sua situação às famílias, a posição de invisi- bilidade por si só já é um ato de violência. Na pesquisa de Castro e Ribeiro são mulheres e lésbicas as que mais se queixaram da violência familiar. Ao se responsabilizar a família pelo exercício de sexualidade por jo- vens, há que se pensar que família está sendo referida. De um modo geral, há uma desconsideração pela classe social, modo de organização e funcio- 29 na situação de aprendizes, como aqueles que nada sabiam e para aprender sobre si mesmos e sobre o mundo deveriam se submeter aos adultos e des- tes receber os conhecimentos acumulados pelas gerações anteriores. Nessa lógica de pensamento encontramos a ideia de jovem como um vir-a-ser, abordado em outros artigos desta coletânea. Esse modelo de transmissão cultural visava à formação individual do jovem, ao desenvolvimento de suas competências e sua preparação para a entrada no mundo adulto, o que não contribuía para a formação de uma entidade coletiva dos jovens como um segmento com demandas e questões próprias, capazes de enfrentamentos e de lutas no espaço político. Outro obstáculo à ação política dos jovens é o imediatismo da so- ciedade de consumo do capitalismo tardio. A cultura dominante imagética transformou os jovens em alvos preferenciais do consumo de bens mate- riais e simbólicos que prometem felicidade plena, por meio da publicidade, que afirma a imagem da juventude como época dourada da vida, momento de intensa experimentação, prazer e beleza. No entanto, há outra imagem que se sobrepõe à primeira, também amplamente divulgada pela mídia, de jovens associados à violência, à pobreza, à criminalidade, enfim como pro- blema social. Os jovens também têm sido tratados como um grupo portador de direitos específicos. Encontramos tanto as situações nas quais os direitos dos jovens são enunciados e defendidos pelos adultos, e nesse sentido os jovens continuam sendo representados e traduzidos, quanto a entrada na cena pú- blica dos jovens como postulantes de demandas específicas da sua condição e defensores de seus próprios direitos. Já Leo Vinicius Maia Liberato, em seu artigo “Notas sobre o pas- se livre e o poder e fazer de uma juventude”, analisa a participação política dos jovens em Florianópolis (SC) no movimento pelo passe livre para os estudantes no transporte coletivo da cidade. O autor destaca a mudança da bandeira de luta dos jovens antes pelo passe livre estudantil e agora para a da tarifa zero para toda a população, tópico incluído na discussão da municipa- 30 lização do transporte. Relaciona tal mudança ao estatuto da transitoriedade da condição de estudante, uma vez que aqueles que se engajavam nessa luta deixariam de ser secundaristas e alguns até mesmo estudantes num espaço de tempo de dois ou três anos. Esse movimento pelo passe livre provoca em Liberato reflexões sobre as ações políticas juvenis autônomas. Definindo os termos, Liberato considera que são autônomas as ações planejadas e executadas pelos pró- prios jovens. São ações políticas por serem oriundas e destinadas à vida pública, e juvenis tendo em vista que seus atores são os sujeitos portadores de uma moratória social. O autor observou que os jovens da cidade tinham mais facilidade de se engajar em uma luta geral, passe livre para todos, do que em lutas específicas. Nesse sentido a luta pelo passe livre para os estudantes diz respeito a um segmento dos jovens – os estudantes – mas não de todos os jovens. Liberato considera que esse movimento transmitiu a cultura da participação política entre os membros da mesma geração, uma vez que os estudantes das últimas séries do ensino médio influenciaram os iniciantes, e a disponibilização pela internet de vídeos e documentários do movimento também foi uma linguagem que fez ressonância e atingiu muitos jovens. O movimento pelo passe livre pode ser considerado como uma ação coletiva relacionada ao espaço público e à própria gestão da cidade. Assim como Castro, Liberato considera a juventude como categoria social da modernidade frequentemente relacionada a dois fenômenos: o da escolarização e a cultura de massa. O tempo da escolarização, de preparação para o futuro é associado à moratória social, embora o autor advirta que esta é limitada a certos setores sociais e a determinados períodos históricos. Os movimentos autônomos de característica juvenil expressam a rebeldia dos jovens contra um mundo que os destitui do controle de suas atividades, da participação no poder instituinte da sociedade, mas que para- doxalmente espera desse segmento exatamente os atos de rebeldia. Liberato considera que, independentemente do motivo específico que leva os jovens 31 a se organizarem, esses movimentos revelam a tentativa de participação so- cial nos termos próprios dos jovens. Marco Aurélio Maximo Prado e Juliana Perucchi no texto “Hierar- quias, sujeitos políticos e juventudes: os chamados ‘movimentos’ juvenis circunscrevem um sujeito político na contemporaneidade?” discutem que a ação política dos jovens está relacionada à experiência destes com as hierar- quias sociais, e mostram que a juventude tem sido compreendida como um campo ao mesmo tempo regulado/submetido e criativo e capaz de recolo- car a política em bases mais autônomas. Os autores debatem que o fato de as experiências dos jovens serem pensadas a partir da ótica dos adultos, contribui para a naturalização da infe- riorização social da categoria dos jovens. A naturalização da juventude con- tribui para que a diferença entre jovens e adultos seja compreendida e vivida como imutável. Os antagonismos entre jovens e adultos são para Prado e Perucchi ao mesmo tempo a denúncia da naturalização e da mutabilidade da diferença. Eles entendem que o desafio maior é compreender como essas diferenças poderiam se articular em alguma cadeia de equivalências sociais. Para que os jovens possam desenvolver uma ação coletiva é preciso, segundo os autores, que assimilem um projeto coletivo contextualizado, o que significa a apropriação de um espaço de ação, que exige o posiciona- mento e a circulação por certos territórios, bem como a incorporação de certas regularidades objetivas dispostas no contexto social. Essa afirmação é ilustrada por meio do acompanhamento das ações de grupos de jovens militantes LGBT brasileiros e portugueses, que revelam processos intersubjetivos, de modo que suas ações não consistem na defesa dos direitos de identidades dadas a priori, mas é no próprio desenrolar das ações coletivas que as identidades são produzidas no campo dos conflitos e das negociações. As identidades assim produzidas não são monolíticas e estáveis, mas seguem se transformando ao longo de todo o processo. A participação juvenil nos movimentos sociais se dá no jogo de antagonismos, da igualdade/diferença, nas relações entre a constituição de 34 to social anteriores à privação da liberdade. Uma das manifestações desse isolamento é revelada pelos adolescentes quando se referem à ausência qua- se absoluta de laços de amizade entre os seus pares. Os adolescentes narram que entre aqueles que estão vinculados ao tráfico de drogas não haveria rela- ção de amizade, pois não haveria prática de lealdade. O projeto Parcerias confirma os dados de outras pesquisas que têm mostrado que, entre adolescentes de todas as camadas de renda e de todas as regiões do país, é a família a principal responsável pela garantia de direitos e do bem-estar dos adolescentes. A maioria dos adolescentes vivia com as suas famílias na época em que cometeram atos infracionais e receberam a medida socioeducativa de internação. Esse dado contribui para o questio- namento do mito de que os adolescentes infratores não têm vínculos fami- liares e de que a convivência familiar seria em si mesma um fator que evitaria o mundo da infração. Essas famílias foram historicamente culpabilizadas, desqualificadas, enfim consideradas incapazes de realizar a socialização dos seus filhos. A nova formulação presente no ECA inclui a família na medida so- cioeducativa, pois envolve o adolescente e a família, tomando-a como cor- responsável pelo cumprimento da medida e como parceira do Estado na gerência das ações de proteção dos adolescentes. Aqui encontramos outro antagonismo: as famílias são tão tuteladas quanto os seus filhos adolescentes, o que dificulta que elas possam alçar à condição de agentes socializadores competentes e autônomos. A convivência familiar é a um só tempo tratada como direito e dever, o que aponta para uma equação de difícil solução. A autora conclui que, para que os adolescentes possam de fato alcan- çar plenamente a condição de sujeitos de direitos preconizada pelo ECA, é necessário que a sociedade e o Estado enfrentem as questões relacionadas aos direitos sociais da instituição familiar. Em outra direção, Benedito Rodrigues dos Santos, em seu artigo “Vinte anos do ECA e as políticas para a infância e juventude”, faz uma retros- pectiva das condições históricas e políticas nas quais o Estatuto da Criança 35 e do Adolescente foi elaborado e promulgado. O ECA tem sido considera- do um ordenamento jurídico avançado, que define que crianças (pessoas entre zero e 12 anos) e adolescentes (13 a 18 anos) são sujeitos portadores de direitos específicos. As políticas públicas de educação, saúde e assistência deveriam garantir os direitos específicos preconizados pelo ECA. O autor refere-se também ao debate realizado pelo Conselho da Ju- ventude (Conjuv) a respeito da inclusão da faixa etária entre 14 e 18 anos na categoria juventude, como definida no anteprojeto de lei do Estatuto da Juventude, que prevê atribuições legais para o estabelecimento de normas gerais de política para a defesa dos direitos específicos do segmento da ju- ventude. Pode-se concluir que o ECA, que definiu crianças e adolescentes como pessoas portadoras de direitos, abriu a possibilidade da discussão dos jovens também como pessoas com direitos específicos, o que denota que essa categoria social passa a ser reconhecida também em termos legais nas suas particularidades. Finalmente, Sônia M. Gomes Sousa, em seu artigo “Juventude, pes- quisa e extensão: interfaces, diálogos e possibilidades”, relata a experiência de formação de profissionais de diversas áreas do conhecimento para o trabalho com os jovens desenvolvida pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. A formação desses profissionais é realizada nas dimensões da extensão, da pesquisa e do ensino, propiciando a articulação necessária entre a teoria e a prática, articulação esta promotora da transformação de ambas. A autora também enfatiza a relação da PUC Goiás com os demais setores da sociedade civil organizada e as iniciativas públicas nos níveis mu- nicipal, estadual e federal que se dedicam às questões da juventude. As rela- ções da universidade com esses setores estão baseadas no princípio de que o conhecimento produzido é um bem a ser socializado e compartilhado com toda a sociedade. Por outro lado, a inserção de estudantes, pesquisadores e professores da universidade nesses setores possibilita a renovação da própria universidade. As práticas da PUC Goiás destinadas aos jovens estão alicer- 36 çadas na compreensão de que estes são sujeitos ativos, portadores de direi- tos e capazes de serem parceiros nas ações propostas, o que significa que o trabalho é feito com os jovens e não para os jovens. Considerações finais Os artigos apresentados nesta coletânea têm como objeto de aná- lise comum as juventudes contemporâneas, tema do próprio Jubra, apre- sentando uma diversidade significativa de temáticas analisadas, bem como enfoques teóricos os mais diversos, expressão da própria complexidade da questão das juventudes na sociedade brasileira. Como afirmamos anterior- mente, o IV Jubra significou um importante fórum para a discussão e a cir- culação de investigações no campo das juventudes e esta coletânea pode ser vista como expressão das temáticas e abordagens que vêm sendo privilegia- das pelos pesquisadores brasileiros, contribuindo de alguma forma para a ampliação do campo de estudos das juventudes no Brasil. A leitura dos artigos nos possibilita, no contexto da diversidade de te- máticas e abordagens teóricas, pontuar algumas questões recorrentes, que po- dem sinalizar tendências comuns da própria realidade juvenil brasileira. Sabe- mos, de antemão, que esta é apenas uma das várias leituras possíveis de serem feitas. Não temos a pretensão de esgotá-la ou dar-lhe um caráter conclusivo. Uma primeira questão, comum a boa parte dos artigos, refere-se à produção social dos jovens na sociedade contemporânea. Vários autores observam que as mutações profundas que vêm ocorrendo na sociedade ocidental interferem na produção social dos indivíduos, nos seus tempos e espaços, afetando diretamente as instituições e os processos de socialização das novas gerações. As instituições classicamente responsáveis pela socia- lização, como a família, a escola e o trabalho, a mídia, dentre outros, vêm mudando de perfil, estrutura e também de funções, como assinalam vários destes artigos. Por conseguinte, os jovens da atual geração vêm se formando, se construindo como atores sociais em configurações muito diferentes das 39 Outro aspecto diz respeito à participação sociopolítica dos jovens. Ao contrário das imagens socialmente produzidas, que retratam os jovens como apáticos ou hedonistas, alguns dos artigos nos trazem exemplos de mobiliza- ção e ações coletivas as mais diversas, como a luta pelo passe livre, presente em várias regiões brasileiras, ou mesmo o movimento LGBT, o qual vem produ- zindo novas identidades no campo dos conflitos e das negociações. Alguns dos artigos chamam a atenção para a necessidade de escuta e de envolvimen- to dos jovens nas ações públicas que lhes dizem respeito. Significa superar a compreensão da juventude como problema, que gera ações nas quais o jovem é visto como objeto de intervenção. Ao contrário, torna-se cada vez mais ne- cessário apreender os jovens como sujeitos, capazes de agir e transformar sua realidade, tornando-os assim parceiros das ações propostas. Estas considerações, dentre outras possíveis, apontam para questões teóricas e políticas importantes que revelam a riqueza dos textos desta co- letânea. Esperamos que instiguem o leitor a se debruçar sobre os textos e também produzir suas próprias interpretações. Boa leitura. Juarez Dayrell Maria Ignez Costa Moreira Márcia Stengel A socialização da juventude e os espaços institucionais 44 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades tiempo, estabilización tardía de carreras laborales, formación de familias y filiación a edades mayores. Estos cambios indican condiciones y estilos de maduración distin- tos: adolescencias más tempranas, juventudes más extendidas, relaciones intergeneracionales deslizantes y confusas. Al examen de esas condiciones cambiantes de la actualidad se dedica el presente artículo. La gran transición -adolescente y juvenil- hacia la vida adulta En las sociedades occidentales contemporáneas el largo período que lleva desde la infancia hasta la adultez, reconoce como mínimo dos seg- mentos bien diferenciados: la adolescencia y la juventud. Ambos segmen- tos distan de ser naturales: son construidos social e históricamente y por lo tanto, cambian con las diversas circunstancias que registra la vida social. Si la sociedad que las incluye es relativamente homogénea, la experiencia de esa transición tenderá a ser similar para todos los miembros de cada gene- ración, pero si no lo es, por ser muy desigual en términos socioeconómicos o porque las diferencias regionales o culturales son muy marcadas, habrá transiciones distintas que de acuerdo con las distancias existentes podrán ser incomparables entre sí. Esto significa que esos dos grandes períodos re- lativamente comunes para toda la población, pueden variar en las edades de entrada, permanencia y salida, pueden registrar ritmos de maduración muy disímiles y brindar experiencias formativas de muy diversa significación. La adolescencia es la primera fase de esta transición y aparece en nuestras sociedades como un período de transición crítico, es decir, como una fase temporal signada por la desorientación y la búsqueda en el desarro- llo de la subjetividad. Esta etapa cuenta con un inicio más o menos evidente fijado por la maduración sexual del cuerpo y un final un poco más borroso y discutible que se establece a partir de la configuración definitiva de la per- sonalidad adulta (ERIKSON, 1973, 1987; BLOSS, 1974). Con la pubertad 45Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias se inicia un proceso complejo de construcción de una identidad sexual defi- nida, una búsqueda de autonomía personal en el terreno de los valores y las preferencias y el inicio de la asunción de responsabilidades vinculadas con la reproducción material, la conquista del hogar propio y el establecimiento de la familia de destino. De modo tal que la adolescencia representa un pe- ríodo de maduración múltiple en el que se abandonan, no siempre sin dolor, las certezas y la heteronomía propias de la infancia y se inaugura una crisis de identidad temporaria – la adolescencia misma – que se resuelve con las nuevas certezas y obligaciones de la edad adulta. Se trata de una institución social porque, si bien se inicia con un proceso biológico – la pubertad – no se agota en él y depende de la influencia de los factores sociales que cambian con la cultura y las épocas. Esta etapa a su vez se presenta como conflictiva y problemática en la medida en que el adolescente está obligado a dejar de ser niño, a crecer y a construir su espacio de autonomía (ABERASTURY, 1971; DOLTO, 1992). Muchos adolescentes admiten este mandato social con vocación positiva, pero hay otros que pueden tardar en madurar, no tener los instrumentos o el apoyo para encarar la nueva fase o, incluso, negarse a asumir las nuevas responsabilidades. Esto genera problemas complementarios a los que de por sí se producen en condiciones normales. En la mayoría de los casos, los adolescentes advierten importantes cambios en su cuerpo y su sexualidad y se encuentran desplazados respecto del sistema de coordenadas que los orientaron durante la niñez. La resolución del conflicto que genera el nuevo cuerpo, el manejo de las inquietudes que ocasiona la nueva sexualidad y la necesidad de reubicarse en el seno de la familia y el medio social inmediato, serán la base de la rearticulación de la personalidad adulta. Con la adolescencia se abren espacios de conflicto intergeneracio- nal en el interior de las familias, siempre renovados con la sucesiva entrada de cada niño en la pubertad. En ese proceso los adolescentes forjan cosmo- visiones y valoraciones no necesariamente acordes con los mandatos de la tradición heredada, poniendo en cuestión su validez y su poder de obligar. 46 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades Familias y escuelas, ámbitos primordiales de la niñez mayoritaria, comien- zan a compartir su espacio con otras dimensiones de la vida social en la que los adolescentes participan, expandiendo las redes de relaciones en las que actúan. Mientras transcurre el período, los adolescentes construyen tam- bién espacios “propios” en busca de una mayor independencia respecto de la mirada de sus mayores, generando mecanismos de identificación en los que se reconocen. En este cuadro clásico de familia y escuela existe un factor desequi- librante que opera en la socialización de los adolescentes de modo diferen- cial: se trata del grupo de pares, un espacio propio, alejado temporalmente del control y la vigilancia de las autoridades familiares y escolares, autóno- mo respecto de prácticas y gustos predeterminados por el mundo adulto. Esos grupos de pares entonces, con sus preferencias y sus intercambios, su tendencia a la homogeneización y sus propios mecanismos de control, funcionan como agencias más o menos duraderas de socialización, alter- nativas respecto a la familia y la escuela, en ocasiones en competencia, en otras, en abierta contradicción con aquellas (PARSONS, 1959; WILLIS, 1981; DUBET; MARTUCELLI, 1998). El mundo de vida de los adoles- centes es entonces un ámbito en el que se traban fuerzas socializadoras y subjetivadoras en pugna, donde el grupo de pares representa a la especifi- cidad de los adolescentes en una confrontación con las fuerzas del mundo adulto. Estos grupos tienen características singulares y pueden orientar a sus miembros en direcciones muy diferentes según las apetencias y el cli- ma impuesto en cada uno de ellos, por lo general dependiente de pactos informales sobre una microesfera de actitudes y valores compartidos que, al menos por un tiempo, son fielmente defendidos. Estos grupos definen espacios – territorios –, tiempos – rutinas – y prácticas – cuasi rituales –, en los que van construyendo un mundo compartido de experiencias que serán fundamentales para el resguardo de las identificaciones adolescen- tes más autónomas, distantes de la familia, de la escuela, pero también de la experiencia típica del desarrollo anterior como niños. 49Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias la vida futura, en el que se encontraría el segmento de la población conoci- do como jóvenes, una invención relativamente reciente en el tiempo, que se remonta a la modernidad consolidada y a niveles de bienestar material sufi- cientes como para permitir que ese segmento de la población pueda alejarse por un tiempo de las obligaciones de la reproducción material inmediata del conjunto. En sociedades como la nuestras, en las que la diversificación y autonomización de las esferas las vuelve cada vez más complejas, donde prácticamente se produce la coexistencia de distintas sociedades en el seno de una misma sociedad, aparecen múltiples posibilidades y ritmos de transi- ción hacia la vida adulta, lo que va llevando a los partidarios de este planteo a hablar de juventudes en plural antes que de juventud: concretamente ha- blando, en sociedades fuertemente divididas en clases, habrá distintos tipos de maduración social, más o menos aceleradas según las presiones materia- les que los diversos sectores padezcan, con importantes variaciones en las vías de transición a la adultez. Esto nos lleva a un punto de suma importancia: no todos los indivi- duos que tienen la edad de ser jóvenes se encuentran, socialmente hablando, en la misma situación. No todos entran en la formación de las familias en la misma edad, ni tienen la misma presión económica por definirse laboral- mente. Es decir que no todas las clases gozan de esta ventaja que produce la vida social actual, hecho que en su desigual distribución hace que haya clases con jóvenes – las medias y altas- y clases que no los tienen – como los sectores populares – o que por su corta estadía en la moratoria se tornan casi invisibles. Es claro que la maternidad y la paternidad adolescente, los cortes o la intermitente permanencia en el sistema educativo, la necesidad de trabajar a edades tempranas, producen entre los sectores populares una reducción evidente de la moratoria social, lo cual plantea el problema de que casi no hay juventud en los sectores populares o al menos, si se parte de estos indicadores que son las vías de transición, la juventud propiamente dicha existe casi exclusivamente en los sectores medios y altos. Es evidente que hay un modelo dominante de juventud que se recorta sobre las posibilidades y 50 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades la imagen de una clase o de un conjunto de clases que disfruta de privilegios y que excluye a los miembros de otras clases que no acceden a la moratoria social y queman rápidamente las etapas que los depositan en la vida adulta. Pero la juventud, además de un período de moratoria social y pre- paración para la vida adulta, es un modo de estar en el mundo con una memoria relativamente más breve que la de un adulto y con la percepción concomitante de una lejanía mayor con respecto a la muerte. Esta condi- ción existencial nos habla de un modo de situarse en la vida, en la que ésta aparece como corta, inaugural y en proceso de desenvolvimiento. En este sentido, distintas experiencias posibles de moratoria social agotada o no por las presiones del medio social circundante, tienen como base esta situación previa vinculada con la temporalidad misma, algo que más allá de las vías de transición a la adultez definen a la juventud más allá de la clase social. En este contexto, al que en otro lugar llamamos moratoria vital (MARGULIS; URRESTI, 1996, 1998), la experiencia juvenil se caracteriza por una situación temporal de apertura en la que los cursos de vida no están decididos del todo y las promesas de futuro se insinúan plenas de virtuali- dad y potencia. Así, la característica que define a la experiencia juvenil en comparación con la de los adultos es el mayor tiempo disponible de juego y su correlativo conjunto menor de compromisos asumidos, por lo que su modo de habitar el presente está menos determinado y condicionado por las decisiones previas, aún angostas y escasas, situación que se manifiesta en mayores grados de libertad. Esta condición de la experiencia existencial tan particular define a la juventud como un momento observable en todas las clases sociales, más allá de los recursos que se pueda disfrutar. Si bien es cier- to que estas posibilidades son considerablemente más reducidas entre los jóvenes de sectores populares que entre los de los sectores medios y altos, también lo es que en comparación con los adultos y sin importar la clase, son mayores entre los jóvenes que entre las generaciones anteriores. La juventud como moratoria vital es una condición fugitiva que se va agotando con el paso del tiempo y las sucesivas opciones realizadas y 51Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias omitidas y se ramifica en las series que definen cursos de vida y las historias personales que resultan del plegamiento del espacio social en su devenir, de- jando como sedimento esa esfera interiorizada de compromisos, disposicio- nes y memoria en la que con el tiempo reconocemos a la subjetividad adul- ta. Por eso, la juventud es una condición inestable, llena de promesas, pero también de incertidumbres y temores, pues el futuro se presenta abierto y desdibujado. El proceso de maduración hacia la adultez supone, entre otras cosas, el progresivo paso de las promesas acompañadas de incertidumbre a la realización de los proyectos, lo que implica un descarte de promesas en favor de márgenes crecientes de solidez y seguridad. De modo que el adulto sería en promedio un sujeto que ha eliminado la angustia de la falta de segu- ridades, a cambio de una objetiva reducción de oportunidades. La juventud como moratoria vital recupera la idea de la moratoria social y la complementa en un marco más amplio. Así, la juventud es período de gracia existencial y social, suspendido temporalmente, en el que comien- zan a asumirse poco a poco los compromisos duraderos por los que cada sujeto va entrando en la vida adulta. Esas decisiones, a veces queridas a veces no, en ocasiones conscientes, en ocasiones inconscientes, tejen las tramas de contingencias que luego devienen necesidades y que a la larga constituyen verdaderos condicionamientos para las decisiones futuras. Esa suerte de ca- denas que con cada decisión tomada en el presente recortan el espacio de lo posible en el futuro, acotándolo y dándole forma, tienen su grado cero en la juventud, que es el momento en el que comienzan a realizarse los proyec- tos. Ese reino ambiguo de incertidumbres y promesas virtualmente infinitas que supone la apertura y la moratoria vital y social es en parte limitado por los proyectos que se van realizando, por los logros parciales o exitosos que recortan la experiencia futura y que van dejando una estela de recuerdos por detrás. Cuando la memoria se acrecienta y el tiempo de experiencias se acu- mula, aunque no se completen las vías de acceso a la adultez, la juventud se achica inexorablemente y el nacimiento va quedando atrás, el mundo social ya no es tan nuevo y la redundancia se hace presente y esto, nuevamente, sin 54 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades hecho que plantea una alteración muy importante respecto a los modos vi- gentes de plantear la diferencia generacional, la transmisión educativa en tér- minos de valores y la imposición de la autoridad. Los adultos alcanzados por la juvenilización se encuentran – al igual que los adolescentes que entran en relación con ellos – con conflictos desconocidos, con la consecuente des- orientación que sufren y que generan. Este proceso ha llevado en extremo a plantear una sociedad de la adolescencia (LIPOVETSKY, 1998; DI SEGNI, 2004), en la que cada vez menos personas estarían dispuestas a asumir el rol adulto, deslegitimado entre otros factores por la insistencia de una cultura narcisista empeñada en glorificar al adolescente como modelo de belleza y de buena vida. Pero este proceso, supone otras manifestaciones. El proceso de juvenilización no se centra exclusivamente en el cuerpo y la imagen, sino que también implica un estilo de vida cambiante e innovador por el cual los adultos contemporáneos procuran hacer nuevos proyectos allí donde los adultos del pasado tendían a aceptar como un destino sus decisiones previas. Los adultos actuales cambian de pareja con más frecuencia, buscan segundas oportunidades, conforman nuevos hogares. Estas búsquedas que en el extremo pueden conducir a la ya mencionada “adultescencia”, son un síntoma de los cambios sociales que alteran los grupos de edad. Este nuevo adulto no tradicional, reciclado, con ganas de renovarse es minoritario por el momento, pero se encuentra en crecimiento, especialmente entre los secto- res urbanos medios y medios altos. Este adulto se aleja definitivamente del modelo tradicional, más rígido y autoritario, propicio para la oposición ado- lescente y define un terreno deslizante para los conflictos generacionales, la transgresión y los desafíos a la autoridad. Este clima es el resultado exacerbado de una larga tendencia que se inicia en los años 60. En ese contexto, las nuevas generaciones cuestio- naban a las anteriores, procurando estilos de vida diferentes y distantes de aquello que esas sociedades les destinaban. Buena parte de la llamada cultura juvenil es una reacción estetizada, con base en la música, el cine 55Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias y otras manifestaciones de las industrias culturales, de este conflicto que los jóvenes le plantean a las generaciones adultas de su momento (ROS- ZACK, 1973; MAFFI, 1974; MEAD, 1970). Allí, las nuevas camadas re- sisten entrar en la vida adulta definida por las culturas parentales vigentes, cuestionan la autoridad de los padres, muy anclada en la tradición y en una obediencia más o menos automatizada a los mandatos establecidos. Con esa oposición procuran nuevos caminos en la sexualidad y en el modo de vivir la corporalidad, en las maneras de presentarse ante los otros, en la conformación de los vínculos afectivos y las familias y, con el tiempo, en el modo de criar los hijos. Esto tuvo consecuencias marcadas respecto de la familia y de la escuela en su rol educativo: ambas fueron cuestionadas y, en algunos casos, incluso rechazadas por las corrientes más extremas que cir- culaban por esos años. Las culturas juveniles colocan a esas instituciones como máquinas autoritarias que se reproducen sin razón (CASULLO, 1983; BELTRÁN FUENTES, 1989). El rock, la poesía, el teatro, el cine y la literatura de esos años se vuelven muy críticos al respecto en un clima de antiautoritarismo generalizado en el que las generaciones jóvenes se lanzan a búsquedas persistentes de autonomía y de opciones creciente- mente abiertas y alejadas de las heredadas (MONTELEONE, 1993; DE LA PUENTE, 1996; REGUILLO, 1991; URRESTI, 2000). Una de las tendencias que se afianzan con ello es la apertura creciente a la diversidad y tolerancia en materia de convivencia y relación con los otros. Esta tendencia afecta especialmente la relación que se va a plantear con el tiem- po entre los nuevos padres surgidos de esas generaciones y sus hijos: los padres que comienzan a tener hijos en la década del ochenta, son por lo general hijos de las culturas juveniles de los años sesenta y setenta, lo que significa que ya han entrado en contradicción con la cultura tradicional de sus propios padres y han optado por transmitir en su rol de educadores nuevos modelos, menos autoritarios y rígidos que los del pasado. Así, estos adultos responden a otros patrones, desarrollados en el marco cultural del proceso de juvenilización y de la influencia de las culturas juveniles. Por lo tanto, son otros adultos, más flexi- 56 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades bles, más plásticos y tolerantes, reacios al ejercicio duro de la autoridad, espon- táneamente antiautoritarios y contrarios al castigo. Por lo general, mantienen sus gustos juveniles en música, en salidas, en estilo de vida, en indumentaria, con lo cual le plantean a los adolescentes y jóvenes actuales que son sus hijos, nuevos desafíos para la puesta en escena de la oposición generacional, pues el espacio que definen, surge de transgresiones previas en las que ha quedado reducido el margen de maniobra. En esa situación los gestos de la transgresión juvenil entran en una suerte de doble vínculo: entre las transgresiones actuales hay hijos que se colocan en situaciones conservadoras y abreactivas, con incursiones en tra- diciones y ortodoxias que sus padres no entienden ni comparten: para dar algunos ejemplos, casos de religiosidad marcada y radical en familias ateas o agnósticas, constitución de parejas formales y hasta célibes en hogares al- tamente liberales respecto del sexo, reglas rígidas en el ámbito de la alimen- tación, la nutrición o el deporte en familias de clima hedonista, embarazos precoces en familias que presionaron con la anticoncepción y el cuidado, o adolescentes que hartos del rock y del espíritu libertario de sus padres se abrazan a cualquier canción comercial o interprete de moda en las radios masivas. (URRESTI, 2009) Del mismo modo, en este ambiente de acercamiento difuso, hay adolescentes que redoblan los gestos rupturistas de las culturas juveniles pioneras de sus padres, subiendo la apuesta en búsquedas estéticas y esti- lísticas extremas, con lo que se distinguen de la generación anterior, lo que en conjunto desemboca en la enorme proliferación de las culturas juveniles actuales, cada vez más variadas y corriendo aceleradamente en una fuga sin fin. Esta situación de renovación de rupturas produce la radicalización de las culturas juveniles, con la proliferación de estilos y una definitiva tribaliza- ción del conjunto, más allá de las grandes coincidencias que se observan en las mayorías moderadas. Con esta segunda forma de la transgresión se pro- duce una explosión de subculturas minoritarias y en constante dispersión (URRESTI, 2009). 59Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias Si la socialización familiar se debilita, la escuela tampoco puede re- emplazarla, primero porque no es su función, segundo porque si lo hace no va a tardar en despertar la oposición de padres que rechazaron la socializa- ción dura y prefirieron otros modelos menos cruentos e impositivos y, ter- cero, porque la escuela no puede ser en términos de valores más estricta que la familia, al menos no puede serlo con capacidad de incorporación real y comprobable. Si una familia es más laxa en el ejercicio de la autoridad que una escuela, es altamente probable que la escuela se encuentre con un es- collo importante cuando trate de limitar a un adolescente que fuera de ella goza de libertades más amplias concedidas por sus padres. Y más aún, no es improbable que toda la familia entre en conflicto con la institución escolar si percibe la limitación como algo arbitrario y poco justificado. En el mejor de los casos puede suceder que conductas que son relativamente aceptables fuera de la escuela, no pasen sus fronteras y se mantengan al margen, con la escuela como ámbito “liberado”. En estos casos particulares, como suce- de con las armas (DUTZCHATSKY; COREA, 2002) o con los celulares (BACHER, 2009), que son mucho menos ofensivos, hay una aceptación relativa en ambos lados de la frontera de lo que se puede y no se puede ha- cer, lo que conviene y no conviene hacer en un ámbito o el otro, pero está claro que la escuela no puede imponer el punto de vista propio, sus valores o ideales por fuera de su jurisdicción, en un contexto que la ha superado y que eventualmente la respeta como si fuera una isla y no una matriz ejemplar de producción de convivencia y virtud pública. Allí, la competencia del medio, la cotidianeidad de las familias y las actividades predominantes en un lugar determinado, tienden a llevar la voz cantante cuando se trata de definir lo que es lo correcto y conveniente en términos genéricos. En una situación semejante, con padres y escuelas debilitadas, los gru- pos de pares y los adolescentes mismos ganan en fuerza y en capacidad de so- cialización horizontal. Esta condición es la que permite plantear la hipótesis de una creciente autosocialización por parte de las generaciones jóvenes, cada vez más autónomas si las comparamos con las de tiempos pasados. Si las indus- 60 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades trias culturales, los medios audiovisuales y las tecnologías digitales de la comu- nicación facilitan el acceso a voces múltiples, fuentes de información virtual- mente infinitas, multiplicación creciente de contactos entre pares, grupos de pertenencia y grupos de referencia cada vez más amplios y ubicuos, también es claro que el conjunto de los repertorios que permiten construir mundos pro- pios, identidades compartidas, grupos y colectivos centrados en la generación a la que se pertenece, pero también una imagen de la realidad y una opinión general sobre el lugar que como sujeto se tiene en la historia, es evidente que los adolescentes cuentan cada vez con más elementos que les ayudan a inde- pendizarse de la opinión y el parecer de los adultos con los que interactúan. Se trata de la otra cara de la pérdida de autoridad de las generaciones mayores: un equiparamiento en las condiciones de información/formación, con la conse- cuente reducción de las asimetrías. Los medios masivos de comunicación, pero especialmente el univer- so hipertextual en expansión que es la red de redes, adquieren una presencia multiplicada entre los canales de transmisión de información y aunque no sean educativos en el sentido estricto del término, son ampliamente socia- lizadores y subjetivadores con la eficacia comunicativa y preformativa que cabe esperar de ellos, lo que representa un caudal de imposición de enorme capacidad, que no siempre está de acuerdo con lo que las familias o el siste- ma educativo intentan transmitir (BACHER, 2009; MARTÍN-BARBERO, 2008; URRESTI 2008). De este modo, si pensamos en la fuerza relativa que adquieren los grupos de pares y el conjunto de apelaciones que suministran los diversos medios y redes de comunicación, las opciones que tienen las generaciones menores para elegir sus gustos y preferencias, sus repertorios de representaciones, retratos y relatos, la autosocialización deja de ser un tó- pico de la ciencia ficción social o de las profecías más o menos lejanas de algunos autores como Margaret Mead (1970) para convertirse en una reali- dad crecientemente palpable en la que se desenvuelven progresivamente los jóvenes y los adolescentes de nuestra actualidad. Partiendo de esta hipótesis, la escuela puede terminar funcionando en algunos casos extremos aunque 61Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias perfectamente posibles como un mero contenedor en el que se encuentran ciertos grupos de pares que tienen la capacidad de articular su mundo de vida cotidiana más allá y más acá de los límites de la institución. Esos grupos a su vez, cuando interactúan sobre temas que les interesan, utilizan su tiempo en búsquedas absolutamente personales o puntuales -si son grupales- fuera o incluso dentro de la institución a la que le responden con meros formalis- mos y atención flotante y dispersa, mientras se dedican con intensidad ma- yor a las cuestiones que los mueven e identifican con fuerza convocante. Esta pérdida de interés que en muchos casos afecta a la escuela no es independiente de su reciente debilitamiento en el terreno de garantizar una inclusión laboral y social mejor, hecho que se ve dolorosamente magnifica- do cuando ni los que cumplen con ella y sus mandatos logran ascenso social en todos los casos, ni los que no cumplen en absoluto se quedan necesaria- mente afuera también en todos los casos. La inclusión y el ascenso social no están emparentados con una educación más persistente, duradera, intensa o de calidad superior. En un contexto social en el que se registran números cre- cientes de trabajos inestables, precarios y de duración inferior a los de épocas recientes, la escuela no puede salir indemne y sin manchas (FILMUS, 1999; LÓPEZ, 2005; SALVIA, 2000, 2008; URRESTI, 2000). Que la desarticu- lación del trabajo protegido y decente tienda a ser la característica central del mercado laboral y en especial, el que se destina a los jóvenes, conduce a entender la condición juvenil como una condición precaria y poblada por incertidumbres que se prolongan en el tiempo, lo cual obliga a estabilizar cada vez más tarde las trayectorias posibles en este juego. Así, un podero- so dador de sentido externo a la educación, como fue tradicionalmente el mundo del trabajo, se difumina con la consiguiente pérdida de sentido de la institución escolar en sí misma, para las autoridades y los docentes, pero especialmente para los adolescentes y sus familias, que como vimos pueden entrar en conflicto con la escuela, una institución en la que se registra una confianza cada vez menor, algo que se acrecienta especialmente entre los sectores trabajadores y populares marginados de los circuitos laborales. 64 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades las instituciones educativas medias en un contexto en el que recobren parte de la eficacia perdida como transmisoras. Eso tendrá sin dudas un horizon- te que es insuperable, el del debilitamiento sin retorno de la autoridad de los adultos sobre las generaciones menores, pero el mínimo común a lograr debe ser planteado y evaluado para dotar de nuevo sentido a las instituciones escolares, que como vimos también están perdiendo fuerza. Si eso sucede, la adolescencia y la juventud serán el escenario de experiencias formativas ri- cas, de proyectos reales de inserción futura, probablemente venturosos si se suman a la potencia autosocializadora de la que los jóvenes gozan en nues- tros días. Lo que sí es cierto por el momento, es que mientras esos factores no se distribuyan, si esos apoyos fundamentales para el desarrollo personal, grupal y generacional se escatiman, para lo cual no se puede pensar en otra herramienta que la del estado, es altamente improbable que en ese terreno podamos esperar el éxito. Referencias AAVV. Viviendo a toda, jóvenes, territorios culturales y nuevas sensibilidades. 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É o indivíduo que tem a capacidade de articular as múltiplas referências propostas ao longo de sua trajetória. É ele o sujeito da unidade social na qual se podem efetivar diferentes sentidos de ações, estas últimas derivadas das suas múltiplas esferas de existência. Nele cruzam-se e intera- gem sentidos particulares e diferentes. Ele não é apenas o único portador efetivo de sentidos, mas a única sede possível de relações entre eles.1 Assim sendo, opta-se por uma perspectiva sociológica. Ou seja, busca-se a relação dialética entre indivíduo e sociedade e procura-se uma forma de interpretar as ações sociais, as práticas coletivas, com base em uma troca incessante entre as duas faces de uma mesma realidade (o indivíduo e suas matrizes sociais de cultura). Analisando o processo de socialização considerando a articulação das ações educativas de várias instâncias produtoras de bens simbólicos, pretende-se compreender os jogos da reciprocidade, interação e sociabilidade estabelecidos pe- los jovens. Em outras palavras, busca-se apreender a dinâmica do cam- po da socialização e, como decorrência, o campo das sociabilidades na contemporaneidade, observando a tensão entre agentes sociais, e, dessa forma, busca-se a apreensão de uma luta simbólica de valores entre eles. Parte-se metodologicamente da experiência de jovens social, temporal e culturalmente diferenciados. Trabalha-se pois com a hipótese da existência de vários modelos de articulação entre as matrizes de sentido responsáveis pela formação de su- jeitos sociais singulares. Assim sendo, cabe perguntar, qual o papel de cada uma dessas instâncias na vida dos jovens? Quais os pontos de ruptura ou convergência entre elas que ampliariam outras frentes de sociabilidade? 1 As noções de indivíduo, sujeito e agente social são usadas como sinônimos, ainda que se tenha consciência das distinções teóricas dadas pela sociologia e pela filosofia. 70 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades Ao considerar a socialização e suas formas de sociabilidade como um fato social total, a intenção não é apropriar-se da noção das trocas con- tratuais, potlach ou kula, comentadas por Mauss (1974) de forma mecâ- nica e linear. Ao contrário, o interesse é apropriar-se dessas noções como uma inspiração de análises, inspiração que ajude a pensar a socialização e as sociabilidades delas decorrentes como fenômenos generalizados, prá- ticas que implicam necessariamente uma troca, uma reciprocidade, ainda que tensa e, às vezes, em forma de luta. Fenômenos que envolvem a todos – indivíduos e instituições – e, para que se realizem, se manifestam nas dimensões econômica (origem social), política (posição ideológica), reli- giosa (crença) e estética (gosto) na vida de todos nós. Conforme lembra Mauss (1974), depois de um tanto forçadamente haver dividido e abstra- ído sobre algumas das matrizes de cultura, é preciso que os sociólogos se empenhem em recompor o todo. Contudo, o fato social total não chega a ser total pela simples reinte- gração dos aspectos descontínuos: familiar, escolar, religioso, midiático de cada um deles; é preciso ainda que o fato social total se encarne em uma expe- riência individual. Ou seja, primeiro em uma história individual que permita observar o comportamento dos seres totais e não divididos em faculdades; segundo, a partir de um sistema de interpretação que simultaneamente con- sidere os múltiplos aspectos (físico, psíquico, sociológico) de todas as con- dutas.2 O fato social total, apresenta-se, pois, com um caráter tridimensional. Deve fazer coincidir a dimensão propriamente sociológica com seus múltiplos aspectos sincrônicos: a dimensão histórica, ou diacrônica; e, finalmente, a dimensão fisiopsicológica. Ora, é só nos indivíduos que esta tríplice aborda- gem pode ser feita. (...) A noção de fato social total está em relação direta com a dupla preocupação, que para nós havia parecido única até agora, de ligar o social e o individual de um lado, o físico (ou o fisiológico) e o psíquico de outro. (LÉVI-STRAUSS, 1974, p. 14-15) 2 Para mais detalhes sobre essa discussão, consultar Setton (2009b). 71Sociabilidade juvenil, mídias e outras formas de controle social As instituições de controle social Embora os estudos sobre a problemática da socialização familiar e, mais especificamente, sobre o seu papel no escopo das mudanças relati- vas à sociabilidade jovem sejam extremamente importantes no campo da sociologia da educação, é possível afirmar que ainda temos pela frente um universo imenso a explorar. Nessa parte inicial da discussão, apresentam-se uma reflexão sobre a instituição família, em um contexto societário contem- porâneo, e os limites que ela encontra no processo de transmissão e controle dos valores culturais de sociabilidade e de gosto entre seus membros mais jovens. Primeiramente é importante ressaltar que, no Brasil e no interior das Ciências Sociais, a grande maioria dos trabalhos sobre família concentra- se nos anos de 1980 e de 1990. Contudo, inquietações relativas às trans- formações em sua organização interna, discussões sobre o papel social de seus membros, bem como as funções socializadoras que exercem, chamam a atenção para um período de redefinição de sua importância em alguns as- pectos relativos às formas de controle social que impõe as novas gerações (SETTON, 2009a). Ademais, é forçoso salientar que em recente pesquisa sobre juventu- de, no banco de teses da Capes (1999-2006), nas áreas das Ciências Sociais, Educação e Serviço Social, num total de aproximadamente 1.290 trabalhos, pode-se verificar que apenas 16 delas se ocuparam exclusivamente da insti- tuição familiar. É como se sua importância há muito assinalada construísse uma percepção de esgotamento entre os pesquisadores. Mais especialmente na área da Educação, a maioria dos estudiosos se debruça na realização e na definição das múltiplas conexões que ela pode desenvolver com sua grande parceira, a escola (SPOSITO, 2009). Por outro lado, no mesmo levantamento da Capes, entre os pesqui- sadores das áreas acima referidas, as mídias passam a espelhar o universo jo- vem. Com relação ao estado de conhecimento anterior, referente ao período 74 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades Elementos estruturais da nova configuração cultural Neste particular, valeria fazer uso das contribuições de Anthony Giddens (1991) acerca das profundas transformações de caráter insti- tucional vividas nas sociedades contemporâneas. Mais especificamente, para ele, a separação entre tempo e espaço é crucial para o extremo dinamis- mo das sociedades, pois ela é responsável pelo deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação. É consenso que tal dinamismo é proveniente, sobretudo, do avanço da mediação tecnológica em nos- sa vida material e simbólica. Vivemos em um mundo descontextualizado, cujos espaços de convivência não se reduzem ao aqui e ao agora. Nesse cenário, as noções de autoridade e confiança são reformuladas. Para Gid- dens, a tendência de se ponderar sobre os múltiplos sistemas de referência, devido ao acesso fácil que temos a eles, é uma questão que se impõe (GI- DDENS, 1991). Em síntese, seria possível afirmar que a variedade de instituições com competência e autoridade distintas, a acentuada circulação de modelos de conduta, bem como a redução das funções das instituições tradicionais da educação contribuem para a construção de identidades mais reflexivas. Ou seja, sendo múltiplas as versões sobre os fenômenos sociais que nos ro- deiam, o cenário das discussões, críticas e controvérsias se potencializariam. Para Giddens (1991), o caráter transitório dos conhecimentos, dos saberes e das autoridades é um elemento-chave para as problematizações acerca das autoridades e das formas de controle dos valores societários. As autoridades solidamente construídas passam a ser questionadas. O caráter transitório dos saberes derivados das distintas instituições deixa espaço para uma maior liberdade de ação dos indivíduos. Amplia-se o desenvolvimento da esfera da reflexividade como um importante componente para se pensar as mediações e as negociações de valores e controle entre as gerações.3 3 A respeito do aumento da capacidade reflexiva no mundo contemporâneo, consultar também Dubet (1996) e Martuccelli (2002). 75Sociabilidade juvenil, mídias e outras formas de controle social Em outras palavras, não se sanciona uma regra do comportamento, não se obedece a uma autoridade por ser tradicional. As autoridades, sejam elas da tradição ou não, só se justificam à luz de sua razoabilidade ou po- der coercitivo. Assim, o impacto das forças da modernidade contribui para repensar as relações institucionais, as autoridades e as formas de controle dos mais velhos e a negociação/autonomia dos mais jovens. Em síntese, a reestruturação institucional e cultural pela qual passam as agências socializa- doras força-nos a repensar as relações entre adultos e jovens. Auxiliando nessa discussão, a contribuição de Dominique Pasquier, em Cultures lycéennes: la tyrannie de la majorité (2005), é bastante interessan- te, pois laça uma série de questionamentos relativos à sociabilidade dos jo- vens e as relações que mantêm com seus pares. Para ela, podemos entender as relações institucionais familiares e a forma de controle entre as gerações a partir do consumo das mídias e das práticas de cultura entre os jovens. Pode- se compreender o jovem em relação ao mundo adulto com base na análise das maneiras como se relacionam com as novas mídias, como, por exemplo, o celular, os chats, os blogs etc. Pasquier é sensível a um conjunto de situações e estratégias na socia- bilidade jovem em que o grupo ou a força coletiva dos pares passa a ser mais forte do que os valores transmitidos pela família ou pela escola. Sua discus- são alimenta reflexões sobre os limites do poder e do controle da autoridade familiar na transmissão de um capital cultural de herança e a emergência de outras formas de controle e autoridade social, independente da condição de classe vivida pelo jovem. Ademais, introduz o leitor a um novo e particular universo de pesquisas sobre as novas mídias e as novas formas de integração desse segmento social. A força dos lazeres realizados pelos grupos de pares, a intensa so- ciabilidade do segmento, bem como a crescente autonomia dos jovens na escolha de suas práticas de cultura são também uma tendência apontada por Olivier Donnat (2003, 2003a) e Philipe Coulangeon (2003a, 2003b, 2007). Para esses autores, os lazeres individualizados, a fragilização das 76 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades normas familiares na constituição do gosto jovem, a importância da escola como espaço de sociabilidade que reúne cotidianamente esse grupo etário e a pressão correspondente do grupo de pares em relação a seus membros são aspectos relevantes para a questão que deve ser pensada relacionalmente. Perguntando-se sobre as mudanças das práticas de cultura entre os jovens, Pasquier permite verificar que as relações intrageracionais parecem mais de- terminantes do que a origem social ou a escolaridade nas determinações de um gosto cultural estreitamente relacionado com a cultura das mídias. Nes- se sentido, a transmissão de cultura, as formas de controle cultural passam por uma série de transformações em que a massificação escolar, as relações parentais, o poder das mídias, juntamente com a força dos grupos de pares, são elementos intensamente relacionados. Como resultado desse conjunto de mudanças, cresce simultanea- mente a força dos grupos juvenis e a sociabilidade entre eles, ambas envol- vidas com a cultura das mídias. Todo um novo universo de regras, normas, valores e marcadores hierárquicos passam a comandar e permear as relações internas entre os grupos juvenis. Todos sabem como se comportar, como se vestir, o quê escutar ou assistir, sob pena de se sentirem marginalizados da cultura jovem. A cultura culta, muitas vezes derivada da família e/ou da escola, e/ou mesmo a tradição popular podem ser vistas como coisa de bur- guês, de nerd, intelectual ou pobre. O importante é estar sintonizado com o grupo. Para os estudiosos do tema, a cultura culta pode auxiliar no rendimen- to escolar, mas não na hierarquia de distinção entre os membros do grupo de pares. Valorizam-se mais as atividades que estabelecem a comunicação e a sociabilidade entre eles, atividades que pautam a conversa, o último vídeo no Youtube, a última música, o seriado, a partida de esporte (DONNAT, 2003, 2003a; COULANGEON, 2003a; 2003b, 2007; PASQUIER, 2005). Nesse sentido, é fácil compreender que o hábito da leitura de livros perde espaço, pois é uma atividade lenta, isolada, de difícil conexão com os pares. Observa-se o prestígio da cultura das ruas, a cultura popular do espe- 79Sociabilidade juvenil, mídias e outras formas de controle social COULANGEON, Philippe. Lecture e television: les transformations du role culturel de l´école. Revue Fran- çaise de Sociologie, octobre, decembre, Paris, v. 48, n. 4, p. 657-691, 2007. DONNAT, Olivier. Regards croisés sur les pratiques culturelles. 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Para melhor compreensão dos contornos da expansão mais recen- te, busquei estabelecer relações entre os processos de escolarização nos dez anos que marcaram seu início, mergulhando nas relações entre a escola e seu território no ano de 2005, assim como em sua dinâmica interna, a partir de observação de seu viés etnográfico. As conclusões permitiram aprofundar o conhecimento de um tipo de instituição que, ao se expandir, amesquinha seu campo de ação junto aos jovens recém-admitidos em seu interior, sem integrá-los. Ao focalizarmos a relação entre juventude e escola, nos perguntávamos em que medida a expansão da escola aos jovens havia ampliado, para eles, o espaço de expe- 84 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades Nesse contexto, não é de se estranhar que o ensino fundamental mantenha níveis desiguais de desempenho e conclusão, como afirmou o estudo sobre “as desigualdades na educação no Brasil” realizado pelo Obser- vatório da Equidade, a partir de dados coletados no ano de 2005. De acordo com o estudo, a expansão da escolarização, por aumento do tempo de “habitação escolar”, não tornou a instituição menos seletiva. Os dados são bastante conclusivos: se a taxa esperada de conclusão para a 4ª série era de 89% no país (com 79% no Nordeste e 96% no Sudeste), para a 8ª série os índices apresentaram-se significativamente mais baixos: 54% no país, sendo 38% no Nordeste e 69,3% no Sudeste. Por fim, ainda no âmbito da análise dos níveis desiguais de desempe- nho e conclusão, se tomarmos como causa as condições econômicas e sociais adversas, veremos que, para o indicador “percentual de alunos de 1ª a 8ª séries com renda inferior a ½ salário mínimo”, teremos, no país, ingressando na 1ª série (no ano de 2005) 55,4% de alunos. Para o mesmo indicador, ingressaram na 8ª série, no mesmo ano, apenas 36,4% dos alunos. Se tomarmos como refe- rência a região Sudeste, teremos, para esse indicador, 41,2% de ingressantes na primeira série do ensino fundamental, e apenas 26% de ingressantes na oitava, demonstrando que, mesmo com estrutura precária, a escola mantém seletivi- dade significativa para os segmentos mais pobres da sociedade. Resta-nos perguntar qual tem sido o impacto da “última” expansão do ensino fundamental sobre as instituições escolares. Efeitos da expansão sobre a instituição Destacamos aqui algumas conclusões de uma pesquisa que buscou compreender as desigualdades novas, marcadas pela expansão da escolari- zação no Brasil nos tempos que correm, assim como as possíveis atualiza- ções de antigas formas de produção de lugares diferenciados no âmbito dos processos de escolarização, tomando como base as décadas de 1970, 1980, 1990, e o ano de 2005. 85Juventude e escola – elementos para a construção de duas abordagens O estudo tomou uma escola da cidade do Rio de Janeiro, tratada como aquilo que Bourdieu nomeia como “caso particular do possível”. Em outras palavras, é o estudo profundo de um caso específico, nesse caso uma escola, mas realizado de maneira a desvendar possíveis tendências, formas e mecanismos passíveis de generalização. Importa nessa formulação menos as características intrínsecas, “internas” do objeto a ser pesquisado, e mais a construção, no processo de investigação, das relações que o objeto mantém com as condições que o determinam.1 A novidade dessa abordagem consiste em captar os impasses vividos pela instituição a partir dos processos de escolarização dos jovens que nela habitam. É isso que particulariza o ponto de vista aqui descrito. É a partir dos percursos dos jovens na escola que as formas de desigualdade, de tempos passados e presentes, vão sendo analisadas. A pesquisa de campo, cuja síntese das conclusões apresentamos aqui, foi realizada a partir de dois âmbitos, complementares em termos de análise. Em primeiro lugar foi construído um quadro das desigualdades que marcaram a entrada e presença dos jovens pobres na escola pública durante as décadas de 1970, 1980 e 1990. Para isso foi realizado um levantamento de pouco mais de mil fichas do arquivo morto da escola, recortando as trajetórias percorridas pelos jo- vens estudantes do ginásio em quatro anos seguidos de escolarização em cada uma das décadas cobertas pela pesquisa. A seguir foi realizado um tratamento para os dados que permitiu a identificação das desigualdades de origem entre os estudantes. Foram usa- dos como critérios de diferenciação: os locais de moradia (separados de forma mais ampla entre moradias dentro e fora das favelas) e as profissões dos pais dos alunos da escola (separados de forma mais ampla em trabalha- dores manuais e não manuais). Para a década de 1970 foi usado ainda um terceiro critério: a presença (ou ausência) de atestado de pobreza. Com isso 1 “O caso particular do possível” não se refere, portanto, a qualquer atributo do objeto, mas a uma forma de construir o objeto durante a pesquisa. 86 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades foi possível “materializar” as desigualdades nas categorias “extremos” e “não extremos”, permitindo a identificação de desigualdades sociais dentro do conjunto de estudantes da escola. Por fim, através do cruzamento dos dados indicativos das desigual- dades sociais com os dados referentes às faixas etárias e aos percursos (as turmas e turnos pelos quais passaram) realizados pelos alunos (agora iden- tificados por suas idades e condição social), foi possível a construção de dia- gramas que permitiram conclusões importantes. Primeiramente, as desigualdades estabelecem trajetórias no interior das instituições. Essas trajetórias percorrem não só turmas como também tur- nos. Trajetórias desiguais são a expressão de pressões, também desiguais, feitas sobre os grupos sociais que habitam a escola, sendo os grupos socialmente mais vulneráveis aqueles mais atingidos pelos processos de seleção escolar. Além da pressão seletiva sobre os mais vulneráveis, o estudo cons- tatou ainda uma tendência à segregação dos desiguais (sociais), que desde a década de 1970 opera numa composição variável, por vezes separando os desiguais em turnos diferentes, por vezes criando circuitos de turmas dis- tintas, e num terceiro momento pode realizar-se através da composição de ambas as estratégias, mas que se reafirma num princípio: pobres e ricos, na escola brasileira, são praticamente “imiscíveis”. E mais: o estudo constatou que, em todas as décadas, durante o processo de configuração de turmas e de turnos, a segregação dos desiguais precedia a seleção. Se a expansão da escola aos jovens pobres se inicia nos anos 1970, a década de 1980 traz uma “novidade” em termos de população escolar, que será determinante para a elaboração e a execução das políticas públicas no ensino fundamental. É que nessa década aprofunda-se e generaliza-se um processo de circunscrição da escola pública fundamental aos pobres, com a saída em massa das classes médias do interior da instituição. A década de 1990, em especial sua segunda metade, busca caminhos de atenuação da seleção, sobretudo de seus efeitos, através de processos que, se não evitam a produção de exclusões por parte da escola, mantêm por 89Juventude e escola – elementos para a construção de duas abordagens Assim, a forma particular com que a expansão da escola se deu fez com que a instituição adquirisse um aspecto “misto”, operando, em seu inte- rior, com “zonas” de “baixa institucionalidade”, onde as “leis escolares” (sejam as da seleção, sejam as do controle) não são capazes de regular a instituição. Instalou-se, assim, na escola, uma “nova” forma de desigualdade, que ao buscar inserir os extremos, as margens, as misérias, acaba criando, no inte- rior dos espaços institucionais, zonas variáveis e múltiplas de despossessão, marcadas por mecanismos que não apenas colocam a institucionalidade em crise, mas também interrogam sua legitimidade e colocam em xeque seus próprios critérios de regulação. Por outro lado, qual o impacto de tais modificações nos processos de escolarização dos jovens pobres? Pelo que vimos até aqui, há diferenças importantes nos processos de escolarização dos jovens. Processos desiguais de escolarização representam desiguais experiências de escolarização. Essas desigualdades (nos processos, nas experiências) estão marcadas não só pela ocupação de lugares desiguais no “espaço escolar”, implicando trajetórias também desiguais dentro de um mesmo espaço institucional, mas também pela multiplicação das segmenta- ções do espaço escolar, na complexificação das experiências de desigualda- de escolar numa mesma instituição. Há, porém, regularidades nessas mudanças: os jovens de origem so- cial mais vulnerável ocuparam sempre as posições de menor prestígio. Em contrapartida, aos de melhor posição social ficaram garantidas as melhores condições de escolarização. Fragmentação, descontinuidade, ausência de histórico de escolari- zação (ausência, portanto, da história da escolarização), repetências reniten- tes, analfabetismo mesmo com anos de escolarização, primários que duram oito, nove, às vezes dez anos, fracasso e desqualificação, desenraizamento institucional: esse é o modo com que se escolarizaram, no curso primário, contingentes maciços das turmas de “pior” rendimento, acumulados num dos turnos da escola . 90 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades Fluxo intermitente por séries sem interrupções, alta frequência de registros (para os já apontados padrões precários do município), necessida- de de adesão às vezes acrítica aos valores escolares, disciplina, obediência, distinção numa instituição precária: esse, um outro modo de escolarização na mesma instituição. Neles encontramos grande parte dos jovens ocupan- tes das turmas de melhor rendimento da escola. Entre os extremos, um sem número de formas intermediárias de es- colarização, mostrando o quão viva e dinâmica é a fronteira que separa as duas formas extremas e o quão intensa pode ser a busca de adesão ou as tentativas de resistência às “formas-limite” de escolarização apontadas neste texto. Acumulando elementos para responder a terceira questão: a importância relativa da escola na transição para a vida adulta Para tratarmos da questão deixada em aberto, trazemos aqui os pri- meiros resultados de uma pesquisa em andamento desde setembro de 2009, e que busca compreender as regularidades e as singularidades que marcam as trajetórias de escolarização e de trabalho dos jovens moradores de uma cidade periférica do Leste Metropolitano do Rio de Janeiro. Nela tentamos compreender os possíveis nexos entre os modos de escolarização abertos no processo de expansão da escola e os modos de inserção no mundo do trabalho abertos pela expansão da economia local, assim como suas possí- veis expressões territoriais. A partir da caracterização da história da cidade e de seus distritos e do levantamento da distribuição de equipamentos e de bens de consu- mo coletivo em cada um de seus cinco distritos, conseguimos construir um mapeamento, que, ainda preliminar, permite-nos comparar as condições de vida em cada uma das regiões administrativas da cidade. A partir daí, buscamos junto ao cadastro do programa Projovem Trabalhador do Município o conjunto de jovens que, moradores da cidade, saindo do ensino médio e em busca de trabalho e de qualificação profissio- 91Juventude e escola – elementos para a construção de duas abordagens nal, constituísse o grupo que nos permitisse acesso às respostas que buscá- vamos em nossa investigação. Trataremos aqui de maneira bastante breve apenas dos primeiros dados levantados pela investigação. As análises aqui apresentadas são fruto dos dados constantes no cadastro do programa Projovem Trabalhador (que no caso de São Gonçalo contava com 6473 jovens de ambos os sexos) e dos resultados da aplicação de questionários fechados a 5% da amostra (e que obedecia a um plano de aplicação que buscava captar a diversidade de jovens matriculados a partir da variedade de cursos oferecidos e dos locais de oferta). Se nossos dados, portanto, ainda não permitem conclusões mais consistentes, eles abrem caminho, certamente, para a construção de algumas hipóteses bastante fecundas. Uma brevíssima caracterização do campo da pesquisa: a cidade de São Gonçalo Pouco vigorosa em termos industriais (no quadro das demais cida- des médias metropolitanas do Rio de Janeiro), São Gonçalo será possivel- mente beneficiada pela implantação de um polo petroquímico em região próxima. Sua economia, atualmente, tem importante participação do setor de serviços, com forte dependência das economias de Niterói e do Rio de Janeiro. A cidade encontra-se subdividida em cinco distritos: Neves, São Gonçalo, Sete Pontes, Monjolos e Ipiíba. A relativa melhoria da situação econômica vivida nos últimos anos e as promessas de crescimento trazidas pela construção do polo, porém, não vêm sendo traduzidas na melhoria de seus serviços de infraestrutura urba- na. Tomando apenas os dados referentes ao abastecimento de água por rede geral e ao percentual de domicílios ligados à rede geral de esgotamento sani- tário, vemos que São Gonçalo (assim como os demais municípios do Leste Metropolitano do Rio de Janeiro, com exceção talvez de Niterói) não tem sido capaz de transformar seu crescimento econômico em benefícios para a população habitante. 94 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades íba, que, como já sabemos, são aqueles que concentram as condições mais adversas na cidade. Constatamos, em primeiro lugar, a impressionante preponderância das mulheres nesse programa (como já nos mostravam os dados do cadas- tro, elas perfazem quase 70% dos matriculados). Nesse caso, é possível per- ceber a presença de mulheres mais velhas, casadas ou solteiras, em busca de reinserção no mercado de trabalho. É significativo também o número de mulheres mais velhas e casadas que buscam no programa sua primeira inser- ção no mercado de trabalho. Os mais jovens, tanto do sexo feminino quanto do sexo masculino, também estabelecem um “tipo” no conjunto. Com idades que variam de 18 a 20 anos, e ensino médio completo feito sem reprovações, são jovens que, apesar de nunca terem trabalhado, ou de o terem feito por períodos mui- to curtos, acumulam uma infinidade de cursos de preparação/qualificação para o trabalho,3 e que nos casos mais promissores agregam um conjunto de funções que caracterizam uma área de formação. Mesmo trabalhando com um grupo relativamente homogêneo (todos com ensino médio completo, matriculados em cursos de preparação/ingresso no mundo do trabalho, moradores de cidade situada na periferia da metrópole carioca), foi possível a captação de nuances importantes para a investigação. Como era de se esperar, os jovens das regiões mais providas eram também aqueles de maior renda, os que frequentavam as escolas públicas de referência na região, os que conseguiam articular suas poucas e efêmeras experiências de trabalho com cursos de capacitação que permitiam a confi- guração de uma “área de atuação”. Estes eram também os jovens “mais no- vos” e que não apenas afirmavam circular nos núcleos mais dinâmicos das cidades como Rio de Janeiro e Niterói, mas que indicavam querer ampliar seu acesso a tais núcleos. 3 Nesses cursos também já é possível perceber “tipos” diferentes. Há os cursos que chamaremos de “básicos”, como inglês, espanhol, cursos de informática, digitação, e cursos que chamaremos de capacitação para ativi- dades mais dirigidas. 95Juventude e escola – elementos para a construção de duas abordagens Em contrapartida, do conjunto dos jovens matriculados no Projo- vem Trabalhador de São Gonçalo em 2009, os residentes nas regiões mais precariamente providas de serviços e equipamentos públicos (os distritos de Monjolos e Ipiíba) foram também aqueles que acumularam as maiores frequências de escolarizações noturnas, alguns com históricos de repetên- cias, em escolas locais (não nucleares) e menos equipadas. As experiências de trabalho eram reduzidas e restritas, assim como os relatos dos cursos de qualificação realizados. Nesses distritos também foram mais frequentes os relatos de trabalhos manuais e domésticos. As experiências de trabalho e de escolarização eram mais restritas em Ipiíba e mais variadas em Monjolos. Monjolos e Ipiíba são os dois distritos de menor presença de equi- pamentos e bens públicos, num município de precária provisão destes. Do universo de jovens estudado, os moradores desses distritos foram os que apresentaram maior frequência nas mais baixas faixas de renda. A renda apresentada era menor em Monjolos e maior em Ipiíba. Em Monjolos a vida é mais precária do que em Ipiíba. Ipiíba é mais isolado (menos central e pouco provido em termos de transporte coletivo). A frequência com que os jovens moradores de Monjolos e Ipiíba têm acesso aos núcleos centrais do Rio de Janeiro e Niterói, e às vezes até de São Gonçalo, é baixa (ela é relativamente mais baixa em Ipiíba do que em Monjolos). Mas no desejo de ampliação de circulação os jovens moradores dos dois distritos se afastam: esse desejo está presente em Monjolos, mas não em Ipiíba. Conclusão Quando tomamos a escola como eixo de onde partiam as ques- tões de pesquisa, foi-nos possível perceber com clareza e mesmo com pro- fundidade o impacto trazido pela expansão da escolarização (pelo tipo de ampliação realizada) para as trajetórias escolares dos jovens que até pouco tempo atrás não conseguiam permanecer na escola por muito tempo. To- 96 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades mar a escola, a instituição como objeto da pesquisa, nos permitiu perceber a complexidade das novas e múltiplas “posições” escolares abertas aos jovens. Foi possível perceber também as profundas desigualdades que marcam tais trajetórias. As trajetórias marcadas por fragmentações e descontinuidades (em contraponto àquelas onde o fluxo contínuo por séries sem interrupções era a tônica) implicaram possibilidades desiguais de experimentação e apro- priação das leis, regras e códigos institucionais, mostrando que as trajetórias desiguais demarcam a diferença entre “habitar” a escola e “escolarizar-se”. Por outro lado, se é verdade que trajetórias desiguais de escolariza- ção implicam experiências de escolarização também desiguais, então, que efeitos tais desigualdades vêm trazendo para a vida dos jovens? Qual o im- pacto da extensão da escola, em especial, o acesso ao ensino médio sobre essas vidas? Ou, perguntando de outra forma, qual a importância relativa da escola para a geração de jovens pobres recentemente egressa do ensino médio? Acumular elementos com vistas a encaminhar essa questão repre- sentou, para nós, uma mudança na posição de onde observávamos o pro- blema. Da escola não era possível responder a questão. Era necessário tomar como ponto de partida as vidas dos jovens para entendermos, por um lado, a importância relativa da escola nestas, e, por outro, o impacto causado por um tipo de expansão escolar que tinha trazido efeitos provavelmente tão va- riados quanto desiguais. Tomar os jovens como eixo, investigar suas condições de vida, suas trajetórias escolares, sua experiência de trabalho, seu território de moradia, seu horizonte de circulação, permitiu-nos algumas constatações. Recortare- mos aqui apenas aquelas pertinentes à temática deste texto. De alguma forma, escolas nucleares, equipadas (ou ao menos com instalações que permitem a reivindicação de equipamentos, tais como labo- ratórios científicos, quadras de esportes, espaços para apresentações artís- ticas), relacionavam-se nos dados colhidos a experiências mais complexas
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