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Coleção explorando o ensino V 15 - sociologia, Notas de estudo de Matemática

COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO VOL 15 - SOCIOLOGIA - ENSINO MÉDIO

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 03/09/2011

elaine-christina-5
elaine-christina-5 🇧🇷

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Baixe Coleção explorando o ensino V 15 - sociologia e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO SOCIOLOGIA VOLUME 15 ENSINO MÉDIO COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO Vol. 1 – Matemática Vol. 2 – Matemática Vol. 3 – Matemática Vol. 4 – Química Vol. 5 – Química Vol. 6 – Biologia Vol. 7 – Física Vol. 8 – Geografia Vol. 9 – Antártica Vol. 10 – O Brasil e o Meio Ambiente Antártico Vol. 11 – Astronomia Vol. 12 – Astronáutica Vol. 13 – Mudanças Climáticas Vol. 14 – Filosofia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC) Sociologia : ensino médio / Coordenação Amaury César Moraes. - Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. 304 p. : il. (Coleção Explorando o Ensino ; v. 15) ISBN 978-85-7783-039-8 1.Sociologia. 2. Ensino Médio. I. Moraes, Amaury César. (Coord.) II. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. III. Série. CDU 316:373.5 Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................7 INTRODUÇÃO .....................................................................................................9 AmAury CésAr morAes PRIMEIRA PARTE CONTEXTO HISTóRICO E PEDAGóGICO DO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA ESCOLA MÉDIA BRASILEIRA Capítulo 1 O ensino das Ciências Sociais/Sociologia no Brasil: histórico e perspectivas .. 15 IleIzI luCIAnA FIorellI sIlvA Capítulo 2 Metodologia de Ensino de Ciências Sociais: relendo as OCEM-Sociologia ......45 AmAury CesAr morAes elIsAbeth dA FonseCA GuImArães SEGUNDA PARTE TEMAS BÁSICOS DAS CIêNCIAS SOCIAIS Capítulo 3 A juventude no contexto do ensino da sociologia: questões e desafios .............65 JuArez tArCísIo dAyrell Capítulo 4 Trabalho na sociedade contemporânea ............................................................ 85 José rICArdo rAmAlho Capítulo 5 A Violência: possibilidades e limites para uma definição ................................103 mArIA stelA GrossI Porto Capítulo 6 Religião: sistema de crenças, feitiçaria e magia ...............................................123 PAulA montero Capítulo 7 Diferença e Desigualdade .................................................................................139 melIssA de mAttos PImentA Capítulo 8 Sociologia, Tecnologias de Informação e Comunicação ..................................163 tom dwyer Capítulo 9 Cultura e alteridade ..........................................................................................187 JúlIo AssIs sImões emerson GIumbellI Capítulo 10 Família e parentesco ........................................................................................ 209 ClAudIA FonseCA AndreA CArdArello Capítulo 11 Grupos étnicos e etnicidades ............................................................................231 AntonIo CArlos de souzA lImA serGIo rICArdo rodrIGues CAstIlho Capítulo 12 Democracia, Cidadania e Justiça .................................................................... 249 João Feres JúnIor thAmy PoGrebInsChI Capítulo 13 Partidos, Eleições e Governo ............................................................................267 mArIA do soCorro sousA brAGA mAGnA mArIA InáCIo Capítulo 14 O Brasil no sistema internacional ................................................................... 289 JAnInA onukI 7 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Apresentação A Coleção Explorando o Ensino tem por objetivo apoiar o tra- balho do professor em sala de aula, oferecendo-lhe um material científico-pedagógico que contemple a fundamentação teórica e metodológica e proponha reflexões nas áreas de conhecimento das etapas de ensino da educação básica e, ainda, sugerir novas formas de abordar o conhecimento em sala de aula, contribuindo para a formação continuada e permanente do professor. Planejada em 2004, no âmbito da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, a Coleção foi direcionada aos professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio e encaminha- da às escolas públicas municipais, estaduais, federais e do Distrito Federal e às Secretarias de Estado da Educação. Entre 2004 e 2006 foram encaminhados volumes de Matemática, Química, Biologia, Física e Geografia: O Mar no Espaço Geográfico Brasileiro. Em 2009, foram cinco volumes – Antártica, O Brasil e o Meio Ambiente An- tártico, Astronomia, Astronáutica e Mudanças Climáticas. Agora, essa Coleção tem novo direcionamento. Sua abran- gência foi ampliada para toda a educação básica, privilegiando os professores dos anos iniciais do ensino fundamental com seis volumes – Língua Portuguesa, Literatura, Matemática, Ciências, Geografia e História – além da sequência ao atendimento a pro- fessores do Ensino Médio, com os volumes de Sociologia, Filosofia e Espanhol. Em cada volume, os autores tiveram a liberdade de apresentar a linha de pesquisa que vêm desenvolvendo, colocando seus comentários e opiniões. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 10 profissão e exercício do ensino de Sociologia no nível médio. Para isso, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) vem desenvolvendo atividades, pela sua Comissão de Ensino, quer na divulgação das OCEM-Sociologia (I Seminário Nacional sobre Ensino de Sociologia no nível médio, USP, São Paulo, março de 2007), quer na divulgação de pesquisas sobre o ensino de Sociologia (XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, UFPE, Recife, GTs Ensino de Sociologia, maio e junho de 2007; I Seminário Nacional de Educação em Ciências Sociais, UFRN, Natal, março de 2008; I Encontro Estadual de Ensino de So- ciologia, UFRJ, Rio de Janeiro, junho de 2008; I Simpósio Estadual sobre a Formação de Professores de Sociologia, UEL, Londrina, setembro de 2008; I Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia na Escola Básica, UFRJ, Rio de Janeiro, julho de 2009). Acresce que há uma demanda, que se vinha reprimindo há décadas, a respeito de materiais didáticos para apoio aos professores: coletâneas de textos, resenhas, informações sobre pesquisas no campo, material para alunos, etc. Mas, essa demanda que planejamos ir atenden- do mais alentadamente, conforme fôssemos desenvolvendo outras atividades – principalmente a divulgação das OCEM-Sociologia –, acabou se impondo de imediato, em vista justamente das con- tingências produzidas pela própria intermitência da presença da disciplina Sociologia nas escolas de nível médio do País: formação dos professores, professores em exercício formados em Ciências Sociais há muito tempo, professores formados em outras disciplinas que ensinam Sociologia, falta de material didático de qualidade, entre outros. Assim, partindo das OCEM-Sociologia, elaboramos o presente volume com o objetivo de contribuir para a formação do professor e o aprimoramento de suas atividades de ensino. As discussões sobre o que se ensina na disciplina Sociologia no nível médio continuam. Desse modo, seria necessário ainda retomar o debate sobre a presença das três Ciências Sociais – Antropologia, Ciência Política e Sociologia – nos conteúdos ensinados como Socio- logia. Isso se deve à formação dos licenciados em Ciências Sociais, mas também à variedade de temas que se inscrevem muitas vezes em uma ou outra dessas ciências e ainda a uma certa continuidade que autores, temas ou conceitos descrevem, construindo pontes e não levantando muros entre essas ciências. 11 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Por isso, para a elaboração do livro, contamos com a colabora- ção inestimável da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), que prontamente designaram membros de seus quadros para elaborar capítulos fun- damentais no campo dessas ciências, o mesmo fazendo a SBS no que se refere a capítulos de Sociologia. Entendemos que neste volume da Coleção Explorando o Ensino, dedicado à disciplina Sociologia, a definição dos capítulos ainda se refere à retomada e sistematização do que se tem feito nesse campo de ensino e pesquisa. Assim, dividimos o volume em duas partes: na primeira, visa-se à contextualização pedagógica e histórica para a prática de ensino de Sociologia na escola média brasileira. São capítulos que se referem às OCEM-Sociologia, a questões de Me- todologia do Ensino da disciplina e à História e Perspectivas do Ensino de Ciências Sociais no Brasil. De algum modo, pensamos num quadro que contribua para a formação e atualização dos pro- fessores, com textos que sintetizam as principais referências hoje para o ensino de Sociologia – entendida sempre como um espaço disciplinar correspondente ao campo das Ciências Sociais. A segunda parte versa sobre o recorte de temas, objetos e questões das Ciências Sociais, que constituem os conteúdos da dis- ciplina Sociologia no ensino médio; nesta parte, visa-se, com sua apresentação, subsidiar os professores no processo de elaboração de propostas programáticas de ensino, não constituindo em si um programa. Esse conjunto de temas, objetos ou questões pesquisa- dos e/ou debatidos pelas Ciências Sociais pode servir de referência para os professores do Ensino Médio organizarem suas propostas de curso, aulas e demais atividades de ensino. Visa-se não esgotar uma lista de conteúdos – que tanto mais exaustiva fosse, menos realista e prática seria –, mas convidar os professores a pensarem em tantos outros temas possíveis e necessários, tendo em vista as realidades tão diversas em que as escolas estão inseridas. Pretende- se, ainda, que cada capítulo, escrito por especialistas, e a partir de suas pesquisas, traga informação, atualize debates e, se não apre- sentar modelos ou receitas de aulas a serem trabalhados em sala, ao menos, e especialmente, forneça quadros teóricos, metodológicos e empíricos para a abordagem de tais temas. Com a publicação deste volume, mantemos nosso compromisso com a formação dos jovens e a intervenção responsável na Educação C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 12 Básica nacional, atendendo àquele objetivo enunciado por Florestan Fernandes, em 1954, durante o I Congresso Brasileiro de Sociologia: “debater a conveniência de mudar a estrutura do sistema educacional do país e a conveniência de aproveitar, de uma maneira mais cons- trutiva as ciências humanas no currículo da escola secundária”. 15 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Introdução A inclusão da Sociologia nos currículos do Ensino Médio, mais uma vez, amplia as possibilidades de inserção dos saberes das Ci- ências Sociais nos níveis de formação básica. Sabemos que muitas justificativas, argumentos e ações terão que ser mobilizados nas escolas a fim de legitimar essa disciplina nos projetos político-peda- gógicos de cada unidade. Ter uma história, mesmo que fragmentada e intermitente, ajuda-nos a começar o debate. Ajuda-nos, ainda, a conscientizarmo-nos de nossas origens, percebendo que fazemos parte de uma história maior e que temos pontos de partida para a continuidade do processo de consolidação da disciplina nos currícu- los e nos projetos político-pedagógicos. Imaginamos ainda que pensar sobre nosso movimento e marcos ao longo da história potencializa nosso repertório de explicações sobre nossa ciência/disciplina diante dos alunos da educação básica. Com esse espírito e motivação tra- zemos uma possibilidade, entre tantas outras, de pensar a trajetória das Ciências Sociais/Sociologia no sistema de ensino brasileiro. Capítulo 1 O ensino das Ciências Sociais/Sociologia no Brasil: histórico e perspectivas Ileizi Luciana Fiorelli Silva* * Doutora em Sociologia. Professora Adjunto da Universidade Estadual de Lon- drina C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 16 1. História e perspectivas: introduzindo as questões pertinentes e persistentes Pode-se afirmar que, desde o final do século dezenove, pratica- se o ensino das Ciências Sociais no Brasil. Se incluirmos nesse campo a Antropologia, a Ciência Política, a Economia, o Direito, a História, a Geografia, a Psicologia, a Estatística e a Sociologia, observare- mos que há livros, manuais didáticos, artigos e documentos que se constituem em fontes secundárias sobre como ocorreu e como tem ocorrido o ensino dessas disciplinas. Ao longo desse tempo todo, quase mais de um século, o processo de institucionalização contou com lutas por autonomia das disciplinas mencionadas acima, que se estenderam até os dias de hoje. Os conhecimentos das Ciências Sociais entraram nos currículos da antiga escola secundária através da Sociologia. Entraram também via História, Geografia, Econo- mia, Psicologia, Educação Moral e Cívica, Estudos Sociais. Mas, de forma explícita, e buscando autonomia científica em relação às outras disciplinas, pode-se considerar que foi com a inclusão da Sociologia, no período de 1925 a 1942, que identificamos evidências da institucionalização e sistematização de uma ciência da sociedade (MEKSENAS, 1995; MEUCCI, 2000; GUELFI, 2001). O que é curioso é que foi pela dimensão do ensino que, inicialmente e oficialmente, a Sociologia instalou-se no Brasil. Quando se busca elucidar a configuração das Ciências Sociais/ Sociologia no Brasil partindo da sua produção científica, não é pos- sível encontrar, até 1933, espaços oficiais de formação e produção acadêmica e por isso revela-se uma fase anterior pré-acadêmica, em que se praticavam as Ciências Sociais de forma autodidata e no ensi- no nos cursos de preparação para o exercício do magistério, nas Es- colas Normais, e nas então denominadas Escolas Secundárias. Nessa fase, produziram-se muitos manuais de Sociologia (MEUCCI, 2000), alguns eram traduzidos da língua francesa e outros foram escritos e editados aqui no Brasil, por pensadores e professores formados em outras áreas, mas que passaram a dedicar-se à Sociologia. 1.1. A nomenclatura Note-se que, ao iniciarmos nossas reflexões sobre a história do ensino das Ciências Sociais/Sociologia, deparamo-nos de ime- diato com a diversidade na terminologia, as definições de áreas e 17 So ci ol og ia – V ol u m e 15 disciplinas, e logo percebemos que pisamos em um terreno ain- da muito movediço, acolhedor de diversas explicações para uma mesma nomenclatura. Alguns dicionários de Ciências Sociais e enciclopédias internacionais definem quais disciplinas compõem esse campo. Por exemplo, a Enciclopédia Britânica inclui as se- guintes disciplinas/ciências: Economia, Ciência Política, Sociologia, Antropologia, Psicologia Social, Estatística Social e Geografia So- cial. Não inclui a História, que para os franceses é uma disciplina das Ciências Sociais. Para Giddens, Passeron e Jose Arthur Rios, História e Geografia são Ciências Sociais. Essa problemática não pode ser desprezada quando intentamos refletir sobre o ensino de Sociologia na Educação Básica (MACHA- DO, 1987, p. 116; GUELFI, 2001). As definições dos currículos para o Ensino Médio retomam essas dúvidas, essas disputas e modulam as grades, hierarquizando as disciplinas, incluindo e excluindo tendo como movimento separá-las ou agrupá-las dependendo da com- preensão e da força dos agentes e agências envolvidos na luta em torno do desenho curricular. Cada país estabeleceu fronteiras entre essas disciplinas segundo suas tradições intelectuais, suas origens históricas, seus estilos de pensamento. Gleeson & Whitty (1976, p. 10-11), ao analisarem esse problema na Inglaterra, ressaltam: [...] não devemos esquecer ainda que, até muito recentemente, os professores de ciências sociais eram professores poliva- lentes ou tinham entrado nestes domínios por via de outras matérias – História, Geografia, Inglês, entre as mais comuns. Recentemente, um número crescente de graduados em ciên- cias sociais tem vindo a dirigir-se para a docência nas escolas secundárias e número também crescente de outros tem con- seguido estudar sociologia a nível avançado, especialmente em cursos de pós-graduação. Não obstante, e no futuro próxi- mo, continuaremos a ser um grupo heterogêneo, de passado científico muito diverso e representando um grande leque de opiniões sobre o que devam ser os estudos sociais. Não existe, portanto, uma tradição definida de ensino das ciências sociais, que possa servir de guia para os professores. Esses autores referem-se à realidade da Inglaterra, nos anos de 1970, período em que, segundo Bernstein (1996), houve uma C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 20 (NOGUEIRA, 1981, p. 202). Note-se que, desde 1870, registram-se iniciativas de intelectuais no sentido de incluir a Sociologia nos cur- sos de Direito, de formação de militares, da escola secundária. É o caso de Rui Barbosa que nos, debates sobre a reforma de ensino em 1882, propunha as disciplinas Elementos de sociologia e direito cons- titucional para a escola secundária e Sociologia no lugar do Direito Natural nas faculdades de Direito, elaborando justificativas baseadas nos textos de Augusto Comte (MACHADO, 1987, p. 117). Em tais textos observamos a insatisfação do intelectual com as explicações herdadas do passado, como as dos católicos, e do Direito filosófico e metafísico. Considerava-se que eram insuficientes para responder aos dilemas da época. Essa proposta não chegou a ter andamento no Parlamento. Mas, em 1890, a Reforma de Benjamim Constant, então Ministro da Guerra, instituía o ensino de Sociologia e Moral nas Escolas do Exército (Decreto n. 330, de 12 de abril de 1890 apud MACHADO, 1987, p. 117). Em seguida, como Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ele empreendeu a chamada “Refor- ma Benjamim Constant” em toda a instrução pública, incluindo a Sociologia em todos os níveis e modalidades de ensino. Entretan- to, tal reforma não foi efetivada, sendo completamente modificada em 1897. Nessa nova regulamentação, a Sociologia desaparece dos currículos do Ginásio e do Ensino Secundário. As disputas entre as explicações católicas e jurídicas versus as explicações positivistas, evolucionistas e cientificistas duraram várias décadas e aparecerão nos Manuais de Sociologia que proliferaram após 1925, quando a Reforma de João Luis Alves-Rocha Vaz incluiu a Sociologia nas Escolas Normais e na Escola Secundária (MEUCCI, 2000). Esse é um dos marcos fundamentais para a institucionalização das Ciências Sociais/Sociologia no sistema de ensino e no processo de sistematização dos conhecimentos sociológicos. O fato de essa disciplina ser ensinada nas escolas criava um mercado de ideias, de circulação de conteúdos que precisava ser ordenado e dinamizado. O primeiro mercado a ser potencializado foi o de livros didáticos. Em seguida, a criação de faculdades e universidades para formar os professores especializados nas novas áreas. Muitos pensadores autodidatas nas Ciências Sociais, formados em Direito, Medicina, Engenharia, entre outras, especializaram-se em Sociologia e exer- ceram o ensino nas novas cátedras criadas nas Escolas Normais e Faculdades de Direito. Gilberto Freyre em Recife, Fernando de 21 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Azevedo em São Paulo, Delgado Carvalho no DF, Artur Ramos no Rio de Janeiro; esses pensadores lançaram-se em pesquisas e em esforços de sistematização da nova ciência. Escreveram manuais de Sociologia destinados ao ensino, mas que acabaram por contribuir com a organização e elaboração das teorias e métodos sociológicos no Brasil (MEUCCI, 2005). Todas as medidas de reformas no ensino até 1940 ampliaram os espaços de disseminação e de institucionalização das Ciências Sociais/Sociologia no Brasil. Assim podemos afirmar que uma se- gunda fase, entre 1931 e 1941, demonstra elementos do processo de configuração do ensino de Sociologia na Escola Secundária e no Ensino Superior: 1931 – A Reforma Francisco Campos organiza o Ensino • Secundário num ciclo fundamental de cinco anos e num ciclo complementar dividido em três opções destinadas à preparação para o ingresso nas faculdades de Direito, de Ciências Médicas e de Engenharia e Arquitetura. A Socio- logia foi incluída como disciplina obrigatória no 2º ano dos três cursos complementares. 1933 – Criação da Escola Livre de Sociologia e Política de • São Paulo. 1934 – Fundação da Universidade de São Paulo, que conta • com Fernando de Azevedo como o primeiro diretor de sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e catedrático de Sociologia. 1935 – Introdução da disciplina Sociologia no curso normal • do Instituto Estadual de Educação de Florianópolis, com o apoio de Roger Bastide, Donald Pierson e Fernando de Azevedo. 1942 – A Reforma Capanema retira a obrigatoriedade da • Sociologia dos cursos secundários, com exceção do curso normal. Embora no período seguinte, de 1942 a 1964, registramos uma inflexão da Sociologia nas escolas secundárias, os espaços de pesqui- sa e ensino nas universidades e centros de investigação que foram criados e patrocinados pelos governos estaduais e federal e por agências internacionais continuaram sendo ampliados. Nogueira C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 22 (1981) considera que, de 1930 a 1964, ocorreu a formação da comu- nidade dos sociólogos. Meksenas (1995) destaca que, de 1925 a 1941, vivemos os anos dourados da Sociologia. De fato, então, podemos afirmar que todo esse contexto dos anos de 1930 a 1964, com a ex- pansão do capitalismo, urbanização e industrialização provocaram mudanças profundas nos sistemas simbólicos e seus aparatos cul- turais e educacionais. Essas mudanças abriram possibilidades para a formalização das Ciências Sociais/Sociologia. Essa continuidade na ampliação dos processos de solidificação da Sociologia como ciência, como espaço de formação nos cursos de graduação e de pós-graduação se estendeu também durante as duas décadas de ditadura militar e após, com a redemocratização. Contu- do, há que se pensar em como as condições para essa expansão foi potencializada nos anos dourados (1925 a 1941). O período em que a Sociologia existia como disciplina em cursos não especializados e na Escola Secundária não teria criado as condições para sua formalização como ciência? Os estudos de Meucci (2000, 2005) ajudam-nos a evi- denciar essa hipótese, pois, tanto na dissertação de mestrado como na tese de doutorado, eles trazem dados fundamentais desse processo. 1.3. Os estudos, os problemas e os desafios teóricos e práticos para o ensino das Ciências Socais/Sociologia Os problemas centrais nesses estudos sobre a história das ciên- cias e disciplinas consistem em elucidar os sentidos da pesquisa e do ensino em cada contexto. E há ainda muito para se pesquisar, fontes a serem exploradas. No caso do ensino de Sociologia, vislumbramos algumas questões abertas e ainda a serem mais bem exploradas: Onde, quando e como foi efetivamente ensinada a Sociologia • no Brasil? Há uma necessidade de buscar fontes, documen- tos, criar dados primários sobre as práticas de ensino de Sociologia nas Escolas Normais, nas Escolas Secundárias, no Segundo Grau, entre outros. As justificativas para a inclusão da Sociologia nos currículos • é uma dimensão do problema de pesquisa que ainda hoje merece reflexão. Não é exatamente isso que os alunos do Ensino Médio nos cobram? Por que devemos estudar So- ciologia? Por que ela deve ser também uma disciplina da Educação Básica? 25 So ci ol og ia – V ol u m e 15 ção para o magistério no Ensino Médio (BOMENY; BIRMAN, 1991; PESSANHA; VILLAS BÔAS, 1995; WERNECK VIANNA et al., 1994, 1995, 1998). Dessa forma, não se investiga a conexão entre os dois problemas: o da constituição das Ciências Sociais/Sociologia como disciplinas escolares e o da formação de professores para lecionarem essas disciplinas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. Evidentemente que são processos diferentes, que em diversos momentos se articulam; por exemplo, nos cursos de Ciências Sociais, disseminam-se, sim, discursos pedagógicos, mesmo que os docentes não tenham consciência disso ou que explicitem essa dimensão de suas práticas. Nos trabalhos de orientação de monografias, disserta- ções e teses, os docentes universitários estão formando pesquisadores e professores, notadamente para o Ensino Superior. Werneck Vianna et al. (1994, 1995, 1998) destacam essa tendência nas Ciências Sociais, no Brasil, em levantamentos efetuados nos cursos de graduação e de pós-graduação. Assim, os autores destacam que a formação nas Ciências Sociais estaria mais vinculada ao ensino, à formação para o ensino nos cursos de graduação, do que à pesquisa. O ensino das Ciências Sociais/Sociologia nas escolas de Ensino Fundamental e Médio não logrou ser uma preocupação nos cursos de Ciências Sociais. O levantamento que Amaury Moraes (2003) fez para o artigo Licenciatura em ciências sociais e ensino de sociologia: entre o ba- lanço e o relato evidencia esse fato, demonstrando que a intermitência da Sociologia nos currículos do Ensino Médio foi acompanhada da intermitência nas reflexões no interior da comunidade das Ciências Sociais, provocando um mal-estar com relação à licenciatura. O descaso dos estudos diante da necessidade de elaboração de explicações articulando os dois eixos, Ensino Superior e Ensino Médio, ajuda a evidenciar o quanto existem divisões claras entre os problemas do ensino e da pesquisa e, portanto, da formação para a pesquisa e para o ensino. A ideia ou a imagem de fronteiras é instigante porque revela que aquilo que seria apenas uma diferença entre dimensões (ensino e pesquisa) de um campo tornou-se uma divisão e uma distinção. Assim, os elementos internos ao campo das Ciências Sociais, que poderiam ajudar a explicar o problema da constituição dessas ciências em disciplinas nas escolas, não são in- vestigados mais profundamente. As conexões e interconexões entre agentes do campo acadêmico e do campo escolar, que têm em co- mum identificar-se com o campo das Ciências Sociais, não têm sido C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 26 exploradas nos estudos sobre o seu ensino, seja no nível médio, seja no nível superior. Alguns princípios já foram estabelecidos nos estudos sobre a história e a constituição do campo das Ciências Sociais, tais como: contexto histórico, condições sociais e econômicas, atores/autores protagonistas, pensamentos hegemônicos, constituição do campo de pesquisa como elementos já incorporados nos estudos das histórias das ciências, das ideias, dos intelectuais e na Sociologia do conheci- mento (FERNANDES, 1980; MICELI, 1989, 1995). Entretanto, esses princípios necessitam de mais uma camada no processo de formação dos campos científicos e educacionais, como, por exemplo, as ins- tituições de ensino, a legitimação e a institucionalização do ensino das disciplinas. Mesmo sem um aparato de pesquisa, a dimensão do ensino precisa ser levada em consideração em sua vertente de produção e reprodução dos agentes da ciência e da pesquisa, e na vertente da reprodução nos níveis escolares mais básicos, ou seja, a ciência como cultura escolar também1. 3. A situação da Sociologia nos currículos do Ensino Médio como resultado da movimentação dos agentes nos campos da educação, das Ciências Sociais e das burocracias governamentais Vivemos um período de expansão da disciplina e de seus con- teúdos nos currículos escolares desde a década de 1980. Notada- mente, após 1984, em alguns estados do País e, após 1996, em todo o País. Como antecedentes da LDB (Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional) de 1996, temos iniciativas dos Estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pará, Maranhão, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, que, na década de 1980, realizaram reestruturações curriculares no que se chamava Segundo Grau e atualmente é denominado de Ensino Médio. Tais reestruturações procuravam adequar os currículos aos tempos de redemocratização e os textos recontextualizados nos órgãos oficiais refletiram a produção 1 Somando-se artigos em periódicos e capítulos de livros, temos 90 textos sobre a temática entre 1942 a 2009, sessenta e sete anos. Somando-se os 16 trabalhos desenvolvidos em pós-graduação, resultam 106 textos nesse mesmo período, com uma média de 1,5 trabalho por ano; mas na verdade a produtividade aumentou entre 1996 e 2009 ou nos últimos treze anos (SILVA, 2009). 27 So ci ol og ia – V ol u m e 15 da crítica ao regime militar nos centros de pesquisa das universi- dades. Existia uma crítica contundente à obrigatoriedade do ensino profissionalizante no Segundo Grau e às concepções tecnicistas dos currículos de modo geral. Assim, as equipes que assumiram as ta- refas de reformas da educação nos Estados procuraram retomar o Ensino Médio propedêutico ou o Ensino Médio integrado (ensino geral e profissionalizante ao mesmo tempo). No Rio de Janeiro, o processo inicia-se em 1991, com encontros para estabelecer regras sobre o ensino de Sociologia, uma vez que a constituição do Estado do Rio de Janeiro, de 1989, tornava essa disciplina obrigatória. No Espírito Santo, o processo se iniciou em 1994, em torno da elaboração de leis que tornassem a disciplina obrigatória. Os debates se estenderam até 2001, quando foi derru- bado o veto do governador José Ignácio Ferreira ao projeto de lei estadual que estabelecia a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio, Lei nº 6.649, de 11 de abril de 2001. Porém, ao contrário do que se esperava, a aprovação da lei não teve maior efeito, talvez somente pela desmobilização dos que estavam comprometidos com a implantação da disciplina, situação agravada pelo fato de 2002 ter sido ano eleitoral. No Pará, também, a Constituição Estadual incluiu a Sociologia obrigatoriamente nos currículos e desde então tem ocorrido a ex- pansão da disciplina nas escolas. Podemos identificar uma série de movimentos em torno de reformulações curriculares em diferentes unidades do País, que vão persistir, como rotina, a cada início de novos governos, numa eterna “modernização” da educação. Até aqui a questão da Sociologia no Ensino Médio estava pautada mais em debates locais, nos Estados. A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em dezembro de 1996, impul- sionará o debate para o âmbito nacional. No Paraná, ocorreu um concurso público para professores de Sociologia e publicaram-se as Propostas de Conteúdos de Sociologia em 1994 e 1995. Assim, observou-se a produção de diretrizes curriculares, livros didáticos, dissertações de mestrado e artigos sobre esses processos. Tais iniciativas ajudaram a elaborar mais problemas e desafios para o ensino de Sociologia. Obrigaram agentes das universidades a se dedicarem a essa temática, notadamente à formação de professores para o Ensino Básico e à assessoria junto às secretarias de Estado, junto ao MEC, entre outros. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 30 lares do Ensino Médio, demonstrando um novo patamar de definições de princípios para a reformulação curricular e, consequentemente, para o ensino de Sociologia. Nesse documento, Amaury Moraes, Elizabeth Guimarães e Nelson Tomazi, elaboraram uma crítica aos PCN-Sociologia e às DCNEM, pontuando novas posições sobre o papel da Sociologia nos currículos do Ensino Médio. Eles defendem que a Sociologia seja compreendida como disciplina do núcleo co- mum do currículo e que se faça um esforço de elaboração de pro- postas de conteúdos e de metodologias de ensino sintonizadas com os sentidos do Ensino Médio, da juventude e das escolas, ou seja, propostas adequadas aos propósitos de formação dos adolescentes, jovens e adultos que estarão no Ensino Médio nos próximos anos. Como resultado desse processo de redefinição constante dos currículos do Ensino Médio desde os anos de 1980, o debate chegou a uma fase de crítica ao modelo de currículo das competências, mas não unívoca. O material organizado por Maria Ciavatta e Gaudên- cio Frigotto (2004), Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho, contém inúmeros textos de vários educadores e pesquisadores brasileiros, levantando elementos para delinearmos um Ensino Médio que rompa com a dualidade entre formação geral e para o trabalho, até agora, predominante em nosso País. Além disso, há vários textos reforçando a necessidade de superação das DCNEM (1998) e dos PCNEM (1999). O próprio texto já mencionado, elaborado por Amaury Moraes, Nel- son Tomazi e Elizabeth Guimarães, publicado no documento Orien- tações Curriculares do Ensino Médio, constitui-se em uma proposta de rompimento com os PCNEM e, sobretudo, com as DCNEM. Há uma compreensão de que a Sociologia só será uma disciplina escolar em um modelo curricular que valorize as ciências de referências. Essa equipe de elaboradores das novas Orientações Curriculares Nacionais provocou um debate no interior do MEC. Em 2005, Moraes (2007) elaborou um Parecer detalhado sobre a legislação educacional, desde a LDB de 1996 até as DCNEM (1998). Nesse Parecer consegue explicitar que as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 1998 não estavam cumprindo a LDB, pois não garantiam que os currículos oferecessem, de fato, os conhecimentos de Filosofia e de Sociologia, apenas como temas transversais.3 3 Em 24/11/2005, foi protocolado no Conselho Nacional de Educação o Oficio nº 9647/GAB/SEB/MEC, de 15 de novembro de 2005, pelo qual o Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação encaminhou, para apreciação, documento anexado sobre as Diretrizes Curriculares das disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio, elaborado pela Secretaria, com a participação de representantes de várias entidades. 31 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Esse Parecer (MORAES, 2007) entrou na pauta das reuniões da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em abril de 2006. Um amplo debate disseminou-se pelo País, alimentado pelas diferentes associações sindicais e científicas de sociólogos e filósofos, com o intuito de sensibilizar os conselheiros. No dia 7 de julho de 2006, a Câmara de Educação Básica apro- vou por unanimidade o Parecer 38/2006 que alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, tornando a Filosofia e a Sociologia disciplinas obrigatórias. A Resolução nº 4, de 16 de agosto de 2006, alterou o artigo 10 da Resolução CNE/CEB nº 3/98, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, incluindo a Filosofia e a Sociologia como disciplinas curriculares obrigatórias. Ainda em 2006, foram publicadas as Orientações Cur- riculares para o Ensino Médio de Sociologia, aperfeiçoando o texto publicado em 20044. O impacto dessas modificações legais em cada Estado deverá ser estudado e avaliado com maior cuidado. Entretanto, alguns estados questionaram a validade dessas mudanças nas DCNEM, como por exemplo, o Estado de São Paulo que resistiu a essa determinação e segue implementando outra concepção de currículo coerente com o espírito das DCNEM desde sua elaboração em 1997 e 1998. Dessa forma, evidencia-se que a composição do campo oficial de recon- textualização pedagógica é, de fato, uma operação complexa, mul- tifacetada, diferenciada em cada Estado do País. Todo esse aparato, o campo oficial da recontextualização pedagógica, é um campo de lutas e disputas em torno de projetos educacionais extremamente diversos. O Estado do Rio Grande do Sul também consultou o Con- selho Estadual e titubeou, adiando ao máximo a implantação de medidas que efetivassem a inclusão da Filosofia e da Sociologia. Na verdade, a maioria dos Estados foi cautelosa na implementação das medidas e consultou o CNE sobre o modo como deveria organizar 4 Paralelamente às movimentações no Legislativo e nas burocracias educacionais, a discussão foi sendo reintroduzida em nossas sociedades científicas, como a Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e a Socie- dade Brasileira de Sociologia (SBS) que realizou, junto com a USP, o 1o Seminário Nacional de Ensino de Sociologia, nos dias 28 de fevereiro a 2 de março de 2007 na Faculdade de Educação da USP. Criou-se, em junho de 2007, a Comissão de Ensino de Sociologia no Congresso da SBS em Recife e mantém-se o GT Ensino de Sociologia entre outras tantas atividades. Além disso, o Sinsesp e a Apeoesp organizaram o 1º Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia e de Filosofia, em julho de 2007, em São Paulo, com a participação de cerca de 800 pessoas. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 32 os currículos, o tempo de adaptação e implantação. Cumpre destacar que nem todos questionaram a validade da medida, pois já vinham incluindo a Filosofia e a Sociologia nos currículos, notadamente o Distrito Federal, Pará, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro5, entre outros. Esse tipo de comportamento dos sistemas estaduais de educa- ção provocou uma reação das entidades de sociólogos, sobretudo do Sindicato dos Sociólogos de São Paulo e da Federação Nacional de Sociólogos, que se articularam com deputados e senadores no sentido de aprovar uma lei que obrigasse definitivamente o ensino das duas disciplinas e resolvesse, de uma vez, as dúvidas sobre a mudança nas DCNEM, realizadas em 2006. O projeto de lei ordenou a inclusão das duas disciplinas nas três séries do Ensino Médio. A Lei nº 11.684/08, que altera o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 20 de dezembro de 1996, foi sancionado em 2 de junho de 2008. Recentemente, o CNE regulamentou o modo de implantação da Filosofia e Sociologia nas três séries do Ensino Médio pela Resolução nº 01, de 15 de maio de 2009, ordenando que se conclua a efetivação dessa medida até 2011. 4. Síntese da trajetória da disciplina nos currículos e consequências metodológicas para o ensino da Sociologia: lições para as aulas No primeiro semestre de 2009 assistimos à implantação da So- ciologia em todas as escolas de ensino médio de todos os estados do país6. Há variações no modo como cada burocracia organizou 5 Esses Estados citados elaboraram Diretrizes Curriculares ou Propostas de Con- teúdos Oficiais para a Sociologia no Ensino Médio nas décadas de 1980, 1990 e 2000, cito alguns Estados e as datas dos documentos entre parênteses: Pará (1987); Amapá (1994); Paraná (1994, 2006, 2009); Distrito Federal (2000); Santa Catarina (1998); Mato Grosso (1997); Minas Gerais (1990; 2008); São Paulo (1986; 1990, 2008); Rio de Janeiro (1997; 2005). Coordenamos uma pesquisa ainda em fase inicial sobre as propostas curriculares de Ciências Sociais/Sociologia para o Ensino Médio nos Estados do País e já pudemos observar que, desde a década de 1980 várias propostas foram elaboradas nos Estados. Depois da promulgação da LDB de 1996, esse processo foi acelerado. 6 A Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) realizou o I Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica, nos dias 25 a 27 de julho de 2009 na UFRJ (participação de cerca de 300 pessoas) e manteve o GT Ensino de Sociologia no seu Congresso bianual, realizado na sequência e que comemorou os 60 anos de existência da entidade. 35 So ci ol og ia – V ol u m e 15 outras áreas tiveram contato com esses conteúdos, enfim, há que se imaginar formas de também contar com os alunos na construção e/ ou apropriação da história e da memória do ensino de Sociologia nas diferentes regiões e escolas do País. Livros e textos para as atividades na escola CARVALHO, Lejeune Mato Grosso (Org). Sociologia e ensino em debate: experi- ências e discussão de sociologia no ensino médio. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. CRONOS. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN. Natal: UFRN, v. 8, n. 2, jul./dez. 2007. 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Como decorrência dessa Refor- ma, ainda em 1925, a Sociologia é ofertada aos alunos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, tendo como professor Delgado Carvalho. 1928 – A Sociologia passa a constar dos currículos dos cursos normais de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, onde foi ministrada por Gilberto Freyre, no Ginásio Pernambucano de Recife. 1931 – A Reforma Francisco Campos organiza o ensino secundário num ciclo fundamental de cinco anos e num ciclo complementar dividido em três opções destinadas à preparação para o ingresso nas faculdades de Direito, de Ciências Médicas e de Engenharia e Arquitetura. A Sociologia foi incluída como disciplina obrigatória no 2º ano dos três cursos complementares. 1933 – Criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. 41 So ci ol og ia – V ol u m e 15 1934 – Fundação da Universidade de São Paulo, que conta com Fernando de Azevedo como o primeiro diretor de sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e como catedrático de Sociologia. 1935 - Introdução da disciplina Sociologia no curso normal do Instituto Estadual de Educação de Florianópolis com o apoio de Roger Bastide, Donald Pierson e Fernando de Azevedo. 1942 – A Reforma Capanema retira a obrigatoriedade da Sociologia dos cursos secundários, com exceção do curso normal. 2. (1942-1981) AUSÊNCIA DA SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA OBRIGATÓRIA 1949 – No Simpósio O Ensino de Sociologia e Etnologia, Antônio Cândido defende o retorno da Sociologia aos currículos da escola secundária. 1954 – No Congresso Brasileiro de Sociologia, em São Paulo, Florestan Fernandes discute as possibilidades e limites da Sociologia no ensino secundário. 1961 – Aprovação da Lei 4.024, de 20 de dezembro, a primeira Lei de Diretrizes e Bases promulgada no País. A LDB manteve a divisão do Ensino Médio em dois ciclos: ginasial e colegial. 1962 – O Conselho Federal de Educação e o Ministério da Educação publicam Os novos currículos para o ensino médio. Neles constavam o conjunto das disciplinas obrigatórias, a lista das disciplinas complementares e um conjunto de sugestões de disciplinas optativas. Sociologia não constava de nenhum dos três conjuntos. 1963 – Resolução nº 7, de 23 de dezembro, do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, na qual a Sociologia estaria presente como disciplina optativa nos cursos clássicos, científico e eclético. 1971 – Lei nº 5.692, de agosto, a Reforma Jarbas Passarinho que torna obrigatória a profissionalização no ensino médio. A Sociologia deixa também de constar como disciplina obrigatória do curso normal. 3. (1982-2001) REINSERÇÃO GRADATIVA DA SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO 1982 – Lei 7.044, de 18 de outubro, que torna optativa para escolas a profis- sionalização no ensino médio. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 42 1983 – Associação dos Sociólogos de São Paulo promove a mobilização da categoria em torno do “Dia Estadual de Luta pela volta da Sociologia ao 2º Grau”, ocorrido em 27 de outubro. 1984 – A Sociologia é reinserida nos currículos das escolas de São Paulo. 1986 – A Sociologia passa a constar dos currículos das escolas do Pará e do Distrito Federal. 1989 – A Sociologia torna-se disciplina constante da grade curricular das es- colas do Pernambuco, Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. A constituinte mineira e fluminense tornam obrigatório o ensino de Sociologia. 1996 – Nova Lei de Diretrizes e Bases – Lei nº 9394, de 20 de dezembro, na qual, os conhecimentos de Sociologia e Filosofia são considerados funda- mentais no exercício da cidadania. 1997 – A Sociologia torna-se disciplina obrigatória do vestibular da Univer- sidade Federal de Uberlândia. 1998 – Aprovação do Parecer nº 15, de 1º de junho, com as Diretrizes Cur- riculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), nas quais os conheci- mentos de Sociologia são incluídos na área de Ciências Humanas e suas Tecnologias. 1999 – Ministério da Educação lança os Parâmetros Curriculares para o En- sino Médio (PCNEM) que trazem as competências relativas aos conheci- mentos de Sociologia, Antropologia e Ciência Política. 2000 – No novo currículo das escolas públicas do Distrito Federal, a Socio- logia aparece como disciplina obrigatória das três séries do ensino médio, com carga semanal de duas horas-aula. 2001 – Vetado pelo Presidente da República, o projeto de lei do Deputado Padre Roque, do Partido dos Trabalhadores do Paraná, que torna obrigatório o ensino de Sociologia e Filosofia em todas as escolas públicas e privadas. 2001 – Veto presidencial em apreciação no Congresso Nacional. 2003 – Inicia-se nova equipe no MEC e nas secretarias de ensino médio e ensino profissionalizante (Governo de Luiz Inácio Lula da Silva – LULA, 2003-2006). UEL introduz Sociologia nas Provas do Vestibular. 2004 – Forma-se uma equipe para rever os PCNEM. O MEC solicita às so- ciedades científicas a indicação de intelectuais ligados ao ensino para refor- mularem os PCNEM. Amaury Moraes e sua equipe inicia a elaboração das Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Sociologia. 45 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Introdução O objetivo deste texto é fazer uma leitura complementar do documento das Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Co- nhecimentos de Sociologia, daqui para frente OCEM-Sociologia, espe- cificamente no que se refere aos componentes das propostas para se ensinar a disciplina no nível médio. A intenção é discutir o documento OCEM, levantando questões e possibilidades em torno do ensino da disciplina. É um texto dirigido aos professores que estão lecionando Sociologia no Ensino Médio e, como tal, se propõe a analisar e ampliar alternativas para a prática docente. A partir das OCEM-Sociologia, serão discutidos, num primeiro momento, os princípios epistemológicos que caracterizam a pesquisa e o ensino das Ciências Sociais, quais sejam, estranhamento e desnaturalização; na sequência, vamos examinar os princípios metodológicos que orien- tam o ensino da disciplina, verificáveis em três recortes – conceitos, temas e teorias –, sem deixar de discutir também a pesquisa como princípio transversal. Na parte final, vamos examinar alguns exemplos de recursos didáticos, concentrando-nos mais em aspectos metodo- lógicos propriamente ditos. Capítulo 2 Metodologia de Ensino de Ciências Sociais: relendo as OCEM-Sociologia Amaury Cesar Moraes* Elisabeth da Fonseca Guimarães** * Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Educação da USP. ** Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal de Uberlândia. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 46 Princípios epistemológicos: estranhamento e desnaturalização As OCEM-Sociologia indicam uma disposição necessária – dois fundamentos, perspectivas, ou princípios epistemológicos – para o desenvolvimento do ensino da Sociologia no Ensino Médio: estra- nhamento e desnaturalização. Estranhamento Estranhamento é o ato de estranhar no sentido de admiração, de espanto diante de algo que não se conhece ou não se espera; por achar estranho, ao perceber (alguém ou algo) diferente do que se co- nhece ou do que seria de se esperar que acontecesse daquela forma; por surpreender-se, assombrar-se em função do desconhecimento de algo que acontecia há muito tempo; por sentir-se incomodado ou ter sensação de incômodo diante de um fato novo ou de uma nova realidade; por não se conformar com alguma coisa ou com a situação em que se vive; não se acomodar; rejeitar. Estranhar, portanto, é espantar-se, é não achar normal, não se conformar, ter uma sensação de insatisfação perante fatos novos ou do desconhecimento de situações e de explicações que não se conhe- cia. Estranhamento é espanto, relutância, resistência. Estranhamento é uma sensação de incômodo, mas agradável incômodo – vontade de saber mais e entender tudo –, sendo, pois, uma forma superior de duvidar. Ferramenta essencial do ceticismo. Problematizar um fenômeno social é fazer perguntas com o objetivo de conhecê-lo: “– Por que isso ocorre?” “– Sempre foi assim?” “– É algo que só existe agora?” Por exemplo: quando hoje estamos frente à questão da violência, devemos perguntar: “– Houve violência em todas as sociedades? Como era a violência na Antiguidade? Em outros países, há a violência que vemos no nosso cotidiano? Há um só tipo de violência? Quais as razões para tais e quais tipos de violência?” Estranhar situações conhecidas, inclusive aquelas que fazem parte da experiência de vida do observador, é uma condição neces- sária às Ciências Sociais para ultrapassar – ir além – interpretações marcadas pelo senso comum, e cumprir os objetivos de análise sis- temática da realidade. Desnaturalização É muito comum no nosso cotidiano ouvirmos a expressão: “– Isso é natural”. Esta expressão nos remete à ideia de algo que sempre 47 So ci ol og ia – V ol u m e 15 foi, é ou será da mesma forma, imutável no tempo e no espaço. Em consequência, é por isso que também ouvimos expressões como: “– É natural que exista a desigualdade social, pois afinal está na Bíblia e os pobres sempre existirão”. Assim, as pessoas manifestam o entendimento de que os fenô- menos sociais são de origem natural, nem lhes passando pela cabeça que tais fenômenos são na verdade constituídos socialmente, isto é, historicamente produzidos, resultado das relações sociais. Para desfazer esse entendimento imediato, um papel central que o pensamento sociológico realiza é a desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Há uma tendência sempre recorrente de se explicarem as relações sociais, as instituições, os mo- dos de vida, as ações humanas, coletivas ou individuais, a estrutura social, a organização política etc. com argumentos naturalizadores. Primeiro, perde-se de vista a historicidade desses fenômenos, isto é, que nem sempre foram assim; segundo, que certas mudanças ou continuidades históricas decorrem de decisões, e essas, de inte- resses, ou seja, de razões objetivas e humanas, não sendo fruto de tendências naturais. Procurando fazer uma ponte entre o estranhamento e a desna- turalização, pode-se afirmar que a vida em sociedade é dinâmica, em constante transformação; constitui-se de uma multiplicidade de relações sociais que revelam as mediações e as contradições da reali- dade objetiva de um dado período histórico. É representada por um conjunto de ações que se caracterizam pela capacidade de alterar o curso dos acontecimentos, e provocar transformações no processo histórico. Os saberes sociológicos são construídos a partir da sis- tematização teórica e prática do processo social e a ação concreta dos homens delimita o campo de análise sociológica; além disso, a dinâmica da vida social oferece as ferramentas fundamentais para a sistematização do conhecimento. Se o objeto de análise da Sociologia tem como foco principal a vida social, e todos nós fazemos parte desse objeto – seres sociais em ação e, ao mesmo tempo, protagonistas da análise sociológica –, como manter o distanciamento necessário para a apreensão científica do real? Uma das respostas a esse questionamento está na postura inicial de atuação das Ciências Sociais, que supõe a superação do senso comum em direção a uma análise científica da sociedade. É o es- tranhamento diante de situações já consagradas como óbvias, fami- liares, naturais que caracteriza e confere especificidade às Ciências C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 50 social em que foi criado, os fenômenos que exigiram a tradução das ansiedades sociais no momento de sua criação, as situações que antecederam e condicionaram as concepções de seus criado- res, as propostas definidoras do universo em que ele se constituiu e as transformações que sofreu em sua elaboração. É necessário estar atento às caracterizações mais gerais do conceito e esclarecê- las aos estudantes, antes de aprofundar no ensino do conteúdo em questão. A ênfase no significado que o conceito tem no campo das Ciências Sociais precisa ser esclarecida, sobretudo frente ao caráter interdisciplinar com que se pode apresentar; ou seja, a possibilidade de um único conceito ser trabalhado por várias ciências para expli- car questões que se relacionam academicamente. Cada uma dessas ciên cias elabora uma definição específica, coerente com o seu objeto de estudo, tendo em vista uma abordagem e uma metodologia de pesquisa própria. O conceito de cultura, por exemplo, está presente em vários campos do saber científico e ainda que seja uma palavra de uso comum pelos estudantes, eles precisam distinguir os dife- rentes sentidos que o termo encerra, percebendo o que caracteriza o seu uso na análise sociológica. Em Ciências Sociais, cada conceito é construído a partir de uma necessidade de explicação que carrega consigo a historicidade e a caracterização do problema social que lhe deu origem, as construções teóricas que esse problema requer. Por isso mesmo, quando nos re- ferimos aos conceitos no âmbito das Ciências Sociais não é possível trabalhar com definições uniformizadas e homogêneas. Muitos conceitos ensinados no nível médio são oriundos do pensamento sociológico clássico. Esses conceitos podem ser toma- dos como referenciais para a compreensão de fenômenos sociais da sociedade contemporânea, e, por serem capazes de elucidar situações emergentes da sociedade atual, são clássicos. Para o en- sino de tais conceitos é necessário que se estabeleça a mediação pedagógica, ou seja, sua transformação “em saberes escolares, com características próprias” (BRASIL, 2008), trata-se de traduzir o conhecimento sociológico em conhecimento adequado ao Ensino Médio, utilizando linguagem interessante e acessível a estudantes que estão iniciando no estudo da disciplina. Embora os conceitos tenham historicidade, uma vez que um conceito é elaborado para responder uma necessidade de compreensão de questões sociais de um momento preciso, eles podem se manter. Uma vez satisfeita 51 So ci ol og ia – V ol u m e 15 tal necessidade, o conceito continua a existir, mas é empregado a partir uma referência histórica. temas Trabalhar com temas é a conduta metodológica que mais atrai professores de Sociologia, dadas as possibilidades de desenvolver conteúdos clássicos e contemporâneos das Ciências Sociais, relacio- nando-os de modo muito próximo com a realidade dos alunos, com seu cotidiano. A escolha dos temas está associada a essa familiaridade que professores e estudantes apresentam em relação a certas questões emergentes ou que se impõe por si mesmas e que acabam estimulando a discussão, a busca de respostas e entendimento. No entanto, o calor das discussões não deve dissolver o caráter sociológico e acadêmico da análise, embora se deva adequá-lo a essa fase de formação dos alunos; isto é, ao mesmo tempo em que se deve manter o interesse, o entusiasmo, e mesmo a paixão pela discussão, um mínimo de rigor precisa ser buscado a fim de demonstrar aos alunos as preocupações científicas que as Ciências Sociais mantêm. O impacto causado pela novidade do conhecimento sociológico é relativizado, uma vez que a abordagem temática pode se iniciar a partir de questões presentes no dia a dia, que não são estranhas, que guardam proximidade com a vida, os interesses ou preocupações dos estudantes; no entanto, a partir de informações e um processo de estranhamento que se vai operando durante os debates e a leitura de textos que tratam do tema, a aparente familiaridade e o já sabido vão dando lugar ao co- nhecimento sistematizado e crítico. Ao se optar por análises temáti- cas, é possível articulá-las a conceitos e teorias. Tomemos o caso do tema movimentos sociais e articulemos tal tema com a luta pela terra, introduzindo-o a partir de documentários curtos sobre o movimento dos sem-terra, reportagens de jornal, fotos, ou mesmo por uma visita a um assentamento próximo à escola, se for o caso. Grosso modo este é um fenômeno social conhecido, que provoca discussões acaloradas, mas cuja análise possibilita a aprendizagem de conceitos e de teoria sociológicos capazes de possibilitar aos estudantes o reconhecimento de preconceitos e de ideias deturpadas sobre o movimento. A con- textualização do tema abre espaço para a interdisciplinaridade com a Geografia e a História, podendo ser trabalhada, começando pela divisão do território conquistado em capitanias hereditárias, inclusive, e chegando a questões como o ideal de manejo sustentável do solo. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 52 teorias Teorizar é buscar explicação coerente e sistemática de deter- minado processo ou fenômeno. É um esforço de conhecimento da realidade a fim de levar ao seu esclarecimento. Assim, uma teoria torna inteligível apenas uma parte da realidade, pois é um recorte feito pelo pensador a partir de aspectos que ele considera significa- tivos. Por isso mesmo, deve ser considerada em sua limitação, que é inerente ao processo de conhecimento humano. Uma teoria debate com teorias que a precedem, fundamenta em conhecimentos obtidos anteriormente e para isso, para se impor, uma teoria recorre a novos conhecimentos, muitas vezes obtidos a partir de novas metodologias de pesquisa. No campo das Ciências Sociais, diversamente do das Ciências Naturais, as teorias concorrentes convivem, não havendo, de um modo geral, superação de paradigmas teóricos. É claro que muitas teorias do passado, muitas vezes chamadas de precursoras, acabaram sendo sepultadas, perdendo seu poder de explicação da realidade, sobretudo porque estavam fundadas em conhecimentos parciais, construídos mais a partir de preconceitos do que de pes- quisas propriamente ditas. Ao se trabalhar as teorias das Ciências Sociais em sala de aula, possivelmente, o professor pode enfrentar resistências, decorrentes da aridez das explicações. As referências aos pensadores que constru- íram os pilares fundamentais do pensamento sociológico, Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, são um modo de dar tratamento teórico para conteúdos fundamentais do nível médio, embora não sejam a referência única para esse trabalho; são considerados clás- sicos do pensamento sociológico, mas não obrigatórios. No Ensino Médio, a menção a esses pensadores possivelmente também é feita por professores de disciplinas como História e Filosofia. A atenção, no caso do Ensino Médio, deve ser feita em relação à mediação pe- dagógica, que exige explicações em nível introdutório, diferente das aulas da licenciatura que objetivam aprofundar o conhecimento sobre cada um dos pensadores. No Ensino Médio, os conteúdos teóricos devem estabelecer relação mais direta com realidades próximas das experiências dos estudantes. Não é possível apresentar o mesmo grau de profundidade dos cursos de graduação. A sugestão é que elas sejam associadas a recursos didáticos que sejam eficientes para tratar tais temas com os estudantes. Por exemplo, o pensamento de Durkheim pode ser trabalhado em sala de aula a partir de temas 55 So ci ol og ia – V ol u m e 15 nível de compreensão dos estudantes secundaristas. Questões con- cretas e que fazem parte do ciclo de interesse dos estudantes, por mais que pareçam banais, podem ser um estímulo para se introduzir um conteúdo sociológico. A mediação pedagógica nem sempre está comprometida unicamente com o rigor conceitual ou teórico; muitas vezes, faz-se uso de uma postura lúdica, criativa ou provocativa, outras recorre-se às artes, particularmente à música e ao cinema para garantir o aprendizado da disciplina Sociologia, tornando isso uma experiência reconhecida pelos alunos, com a sua participação efetiva, descobrindo neste conhecimento científico a possibilidade de ser um reconhecimento do papel dos estudantes na sociedade. Aula expositiva associada a outros recursos didáticos A aula expositiva é considerada o recurso universal para o ensino escolarizado. É aceita, esperada e praticada na grande maioria das escolas de Ensino Médio. Difícil é imaginar uma unidade de Socio- logia se desenvolver sem que a aula expositiva se torne um recurso didático preponderante, dado o caráter teórico da disciplina; ela é utilizada para introduzir e desenvolver os mais variados conteúdos em sala de aula. Em geral, as expectativas dos estudantes conver- gem em torno desse tipo de recurso, o que, de certa forma, pode reduzir o interesse diante do esperado. Como fazer, então, para que a aula expositiva transforme-se em um recurso capaz de provocar a participação dos estudantes? Uma vez que a aula expositiva se caracteriza pela apresentação docente de um determinado assunto, o esperado para a disciplina Sociologia é que a exposição enfatize a contextualização e explica- ções sobre o conteúdo. Exigir que uma turma de jovens mantenha-se atenta durante 30 ou mais minutos unicamente em torno de questões exclusivamente sociológicas pode não ser tarefa das mais fáceis. A sugestão é associar a apresentação do tema a recursos capazes de provocar interesse e conferir materialidade ao conteúdo trabalhado. Recortes de jornais, por exemplo, são recursos provocativos e po- dem informar sobre a atualidade do conteúdo ensinado. Imagine, por exemplo, uma aula teórica sobre Durkheim. Como aplicar o conceito de fato social na sociedade em que vivemos? Dependendo das turmas em que se está trabalhando, é possível trazer exemplos reais, retirados de reportagens de jornais que aproximem a teoria das situações experimentadas pelos estudantes. Fenômenos como C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 56 crimes, abortos, gravidez na adolescência e infanticídio são relatados diariamente em reportagens impressas e virtuais. Alguns, inclusive, acontecendo próximo ao bairro da escola. Pois bem, tais fenômenos são identificáveis como fatos sociais, segundo a caracterização dada por Durkheim: são dotados de generalidade, coercitividade e exte- rioridade. Da mesma forma, conteúdos temáticos, como a relação de circularidade entre as culturas popular e erudita ganham sentido para os estudantes quando são explicados a partir de produções artísticas que transitam entre esses dois universos. Assim, caberiam as perguntas: A obra de Ariano Suassuna O alto da compadecida faz parte da cultura popular ou erudita? Melhor perguntando, qual foi a inspiração do autor ao escrever a obra? Transformada em peça de teatro, tornou-se acessível à maioria? E como filme, comercialmente distribuído para todo o País e exibido na televisão? Talvez não haja recurso didático mais contraditório que a aula expositiva. Ao mesmo tempo em que conserva o tradicionalismo original da sala de aula, guarda um universo de possibilidades de que o professor pode lançar mão ao associar sua exposição oral a diferentes recursos didáticos. Convidar os estudantes do Ensino Médio a pensar de modo diferente sobre situações sociais conhe- cidas, desconfiar que explicações já consagradas podem não ser as mais coerentes, instigar a curiosidade para saber mais sobre ques- tões tidas como inquestionáveis, são provocações que acontecem durante as aulas expositivas. O estranhamento e a desnaturalização, posturas básicas apontadas pelo documento das OCEM-Sociologia, se concretizam a partir de experiências possíveis de se desenvolver durante a aula expositiva. Caracterizar a aula expositiva como um recurso ultrapassado é pensá-la isoladamente, separada das possibilidades de associações a uma série de outras atividades que despertam o interesse dos es- tudantes. Imaginar que ela acontece exclusivamente entre as quatro paredes da sala de aula é excluir diferentes espaços da escola e da comunidade da possibilidade de se trabalhar o conhecimento esco- larizado ao restringi-lo à institucionalização da sala de aula. Visitas a museus Muitas vezes, o estranhamento é uma reação que acontece me- diante o envolvimento dos estudantes com situações conhecidas e corriqueiras. O fato de a turma estar participando de uma atividade 57 So ci ol og ia – V ol u m e 15 coletiva, que extrapola a rotina da sala de aula em direção a espaços fora da escola, ainda que esses espaços sejam velhos conhecidos de todos, propicia a observação de detalhes antes ignorados ou mesmo desvalorizados. O olhar individual, em interlocução com a obser- vação coletiva, se torna mais sensível e apurado, uma vez que são socializadas observações de diferentes naturezas. Esse tipo de reação é possível, por exemplo, em uma visita ao museu da cidade, localizado em um lugar que todos conhecem; que alguns estudantes, inclusive, transitam em suas calçadas todos os dias para ir ao trabalho ou à escola. A visita coletiva confere uma nova dimensão àquelas concepções já postas e definidas an- teriormente pelos estudantes, provocando estranhamento em rela- ção a imagens, fotos, objetos e instalações. Museus que guardam a memória da cidade, por exemplo, são espaços de conhecimento e de autoconhecimento. Visitados pela turma, assumem uma nova dimensão no momento em que os estudantes se reconhecem em objetos e montagens que também fazem parte da história da família ou mesmo que remetem a situações já conhecidas ou vivenciadas. No coletivo, fatos passados, situações vividas, lembranças relata- das pelos moradores da cidade ganham novas dimensões, ganham uma significação histórica, na medida em são socializados com os estudantes no momento da visita. Museus são espaços da memória, mas também encerram o lúdi- co e a criatividade. Personagens da literatura, de filmes de aventura e de ficção científica ou de histórias de época ou em quadrinhos, jogos (games) eletrônicos são construídos e reconhecidos em exposi- ções de museus. Muitas situações mostradas aos jovens como velhas, não passam de remodelações do que está exposto nos museus. O museu instiga a criatividade dos visitantes, os transporta à origem de conhecimentos tidos como atuais. Como atividade acadêmica, o caráter coletivo da visita permite aos estudantes estabelecer um elo material entre o acervo exposto e os diferentes espaços da vida social: filmes a que assistiram, passagens dos livros didáticos, ro- mances que leram, personagens dos jogos eletrônicos, narrativas dos mais velhos. Visitas coletivas reforçam essa materialidade, ao mesmo tempo em que desenvolvem a sensibilidade, mediante a oportuni- dade de reconhecimento e de troca de diferentes impressões entre os estudantes. Os museus podem tornar-se parte das experiências reveladoras do melhor da vida escolar. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 60 partir de sua construção textual, voltada diretamente à análise so- ciológica, independente dos arranjos musicais. Na impossibilidade dessa distribuição, o quadro e o giz continuam a ser aqueles recursos indispensáveis para professores sem maiores custos. Os trechos mais significativos podem ser transcritos no quadro para que os estudan- tes reflitam diante das questões sociológicas destacadas. Outra versão para a aula é a análise da música pelos próprios docentes a título de exemplo. Uma atividade que extrapola o tempo da aula musical, e que desperta a criatividade e a capacidade de análise do conteúdo trabalhado, é a elaboração de paródias, tendo como centro o conteúdo sociológico ensinado. As paródias associam ludicidade e criatividade à compreensão sociológica do assunto em pauta. Nos versos parodiados, os estudantes podem se colocar frente às questões analisadas anteriormente de modo descontraído e perso- nalizado. Elaboradas em grupo, as paródias podem ser criadas fora dos limites do tempo da aula, já que demandam um tempo maior para serem concluídas. Aulas musicais, ainda que aparentemente se apresentem como momentos de descontração e espontaneidade, exigem planejamento e clareza quanto aos objetivos propostos. Os conceitos que serão reforçados ou introduzidos, o teor das análises, os exemplos expli- cativos devem estar claros nesse planejamento. Todo esse cuidado é necessário, uma vez que a dinâmica descontraída das atividades abre espaço para que interesses paralelos se alinhem às propostas iniciais, desviando por completo o objetivo da aula. Em aulas musicais, a sugestão é que se analise uma única composição de cada vez. Referências FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980. GIGLIO, Adriano Carneiro. A Sociologia na escola secundária: uma questão das Ciências Sociais no Brasil – Anos 40 e 50. 1999. Dissertação (Mestrado em Sociolo- gia) – Iuperj, Rio de Janeiro, 1999. GUELFI, Wanirley Pedroso. A Sociologia como disciplina Escolar no Ensino Se- cundário Brasileiro: 1925-1942. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001. HANDFAS, Anita; OLIVEIRA, Luiz Fernandes de (Org.). A Sociologia vai à Escola: História, Ensino e Docência. Rio de Janeiro: Quartet, Faperj, 2009. 61 So ci ol og ia – V ol u m e 15 MACHADO, Celso de Souza. 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TAKAGI, Cassiana Tieme Tedesco. Ensinar sociologia: análise dos recursos de ensino na escola média. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. 65 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Vejo na tv o que eles falam sobre o jovem não é sério O jovem no Brasil nunca é levado a sério [...] Sempre quis falar, nunca tive chance Tudo que eu queria estava fora do meu alcance [...] (Charles Brown Junior, Não é sério). Este trecho da música do grupo Charles Brown Junior traduz e denuncia o paradoxo vivenciado pelos jovens no Brasil. Nunca as características e valores ligados à juventude, como a energia e a estética corporal ou mesmo a busca do novo, foram tão louvados, num processo que poderíamos chamar de juvenilização da socie- dade. Mas, ao mesmo tempo, a juventude brasileira ainda não é encarada como sujeito de direitos, não sendo foco de políticas públicas que garantam o acesso a bens materiais e culturais, além de espaços e tempos onde possam vivenciar plenamente esta fase tão importante da vida. Além disso, como diz a música, o jovem não é levado a sério, exprimindo a tendência, muito comum nas escolas e programas educativos, de não considerar o jovem como interlocutor válido, capaz de emitir opiniões e interferir nas pro- postas que lhes dizem respeito, desestimulando a sua participação e o seu protagonismo. Capítulo 3 A juventude no contexto do ensino da Sociologia: questões e desafios* * Parte das ideias desenvolvidas neste texto encontra-se em Dayrell (2007). ** Doutor em Educação. Professor Associado da Universidade Federal de Minas Gerais. Juarez Tarcísio Dayrell** C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 66 Ao mesmo tempo, na nossa convivência com professores de Sociologia do Ensino Médio, tem sido cada vez mais constante as queixas e dúvidas que apontam para uma postura de desesperança em relação às possibilidades educativas da escola, numa descrença no jovem aluno e na sua capacidade e interesse de aprendizagem. Para muitos professores, o maior problema da escola é exatamente o jovem aluno. Por seu lado, são comuns as reclamações dos jovens em relação à escola, vista como enfadonha e sem interesse, com professores que pouco acrescentam à sua formação. Ela se torna, cada vez mais, uma obrigação, tendo em vista a necessidade dos diplomas. Dessa forma, evidencia-se uma dupla tensão envolven- do a juventude. Uma mais ampla, do mundo adulto com os jovens contemporâneos, e outra mais específica destes mesmos jovens com a escola, ambas demandando uma maior compreensão. Ao buscar compreender essa realidade, partimos da hipótese de que estas tensões e desafios existentes envolvendo a juventude são expressões de mutações profundas que vêm ocorrendo na sociedade ocidental, que afetam diretamente as instituições e os processos de socialização das novas gerações, interferindo na produção social dos indivíduos, nos seus tempos e espaços. Dessa forma, nosso ponto de partida será a problematização da condição juvenil atual, sua cultura, suas demandas e necessidades. Trata-se de compreender suas práticas e símbolos como a manifestação de um novo modo de ser jovem, expressão das mutações ocorridas nos processos de socialização, que coloca em questão o sistema educativo, suas ofertas e as posturas pedagógicas que lhes informam. Diante destes desafios, acreditamos que o professor de Sociolo- gia tem um importante papel a cumprir na escola. Como sociólogo, ao buscar compreender quem são os jovens alunos que chegam ao Ensino Médio, contribuindo assim para que a comunidade escolar desnaturalize a visão que possui dos alunos, superando preconceitos e estereótipos, compreendendo-os como sujeitos sociais com demandas e necessidades próprias. Mas também como docente, ao fazer do jovem e sua realidade objeto de pesquisa e análise nas aulas de Sociologia. Neste sentido, neste texto propomos inicialmente desenvolver uma análise sobre a condição juvenil no Brasil, discutindo em que medida tal condição expressa possíveis mutações dos processos de socializa- ção na sociedade contemporânea. A ideia é fornecer elementos para que o professor possa desenvolver uma pesquisa na sua escola para 67 So ci ol og ia – V ol u m e 15 aprofundar o conhecimento em torno dos seus jovens alunos. Em seguida, propomos uma rápida discussão sobre a instituição escolar, buscando problematizar as tensões e desafios presentes na relação com os jovens, para finalmente apontar algumas pistas de trabalho para o professor de Sociologia. É importante ressaltar que, ao refletir sobre os jovens, estaremos considerando uma parcela da juventude que majoritariamente frequenta as escolas públicas, formada por jo- vens pobres que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos, marcados por um contexto de desigualdade social, que tem sido o objeto de pesquisas do Observatório da Juventude da UFMG.1 Notas sobre a condição juvenil no Brasil Inicialmente é preciso reconhecer as dificuldades existentes na própria categorização da juventude: afinal, o que é juventude? Seria, no dizer de Bourdieu, apenas uma palavra ou apresenta especifici- dades que a distinguem como um grupo social próprio? Esse debate está presente na Sociologia da juventude desde o seu surgimento no início do século XX, sendo objeto das mais diversas abordagens, cuja explicitação foge aos limites deste texto.2 Assim, reafirmamos, aqui, o que já foi muito reiterado: a ju- ventude é uma categoria socialmente construída. Ganha contornos próprios em contextos históricos, sociais e culturais distintos, e é marcada pela diversidade nas condições sociais (origem de classe, por exemplo), culturais (etnias, identidades religiosas, valores etc.), de gênero e, até mesmo, geográficas, dentre outros aspectos. Além de ser marcada pela diversidade, a juventude é uma categoria di- nâmica, transformando-se de acordo com as mutações sociais que vêm ocorrendo ao longo da história. Na realidade, não há tanto uma juventude e sim jovens, enquanto sujeitos que a experimentam e sen- tem segundo determinado contexto sociocultural onde se inserem. Desse modo, mais do que conceituar a juventude, optamos em trabalhar com a ideia de condição juvenil, por considerá-la mais ade- quada aos objetivos desta discussão. Do latim conditio, refere-se à 1 O Observatório da Juventude da UFMG é um programa de pesquisa, ensino e extensão da Faculdade de Educação. Para maiores detalhes, ver <www.fae.ufmg. br/objuventude>. 2 Para uma discussão mais ampla sobre a noção de juventude, cf. Pais (1993), Margulis (2000); Dayrell (2005b), dentre outros. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 70 sentimento de fracasso que acompanha o jovem que procura traba- lho remunerado e não consegue representa uma porta aberta para a frustração, o desânimo e também a possibilidade do ganho pela via do crime. Nesse sentido, o mundo do trabalho aparece como uma me- diação efetiva e simbólica na experimentação da condição juvenil, podendo-se afirmar que “o trabalho também faz a juventude”, mes- mo considerando a diversidade de situações e posturas existentes por parte dos jovens em relação ao trabalho (SPOSITO, 2005). As culturas juvenis6 Com todos os limites dados pelo lugar social que esses jovens ocupam, não podemos nos esquecer do aparente óbvio: eles são jovens, amam, sofrem, divertem-se, pensam a respeito das suas con- dições e de suas experiências de vida, posicionam-se diante dela, possuem desejos e propostas de melhorias de vida. Na trajetória de vida deles, a dimensão simbólica e expressiva tem sido cada vez mais utilizada como forma de comunicação e do posicionamento diante de si mesmos e da sociedade. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens bus- cam demarcar uma identidade juvenil. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre os tendo como referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens. As culturas juvenis, como expressões simbólicas da condição juvenil, se manifestam na diversidade em que esta se cons- titui, ganhando visibilidade por meio dos mais diferentes estilos, que têm no corpo e no seu visual uma das suas marcas distintivas. Jovens ostentam os seus corpos e, neles, as roupas, as tatuagens, os piercings, os brincos, falando da adesão a determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizar um status social almejado. Ganha relevância também a ostentação dos aparelhos eletrônicos, principalmente o MP3 e o celular, cujo impacto no cotidiano juvenil precisa ser mais pesquisado. A centralidade da dimensão da cultura na vida dos jovens, aliada ao lazer, é confirmada na pesquisa nacional Perfil da Juven- tude Brasileira realizada pelo Instituto Cidadania em 2003 (ABRAMO; BRANCO, 2005). Nas respostas sobre o que fazem do tempo livre, 6 Para aprofundar o tema, ver Dayrell (2005a) e Pais (1993, 2003). 71 So ci ol og ia – V ol u m e 15 os jovens ressaltam a predominância de atividades de diversão, de passeio, de fruição de bens da indústria cultural e dos meios de comunicação de massa. Ao mesmo tempo, a pesquisa evidencia o quadro de precariedade da democratização da cultura no Brasil, com baixo índice de fruição de formas de cultura erudita ou não industrializada. Vejamos: 62% dos jovens entrevistados nunca foram a um teatro; 92% nunca foram a um concerto de música clássica; 94% nunca assistiram a um balé clássico e mesmo uma apresentação de dança moderna só foi vista por 20% dos jovens. Mesmo a frequência a shows de músicas como rock, pop, hip hop é ainda muito baixa, sendo inferior a 50%. Nesse contexto, ganham relevância os grupos culturais. Se na década de 1960 falar em juventude era referir-se aos jovens estudantes de classe média e ao movimento estudantil, a partir dos anos de 1990, implica incorporar os jovens das camadas populares e a diversida- de dos estilos e expressões culturais existentes, protagonizada pelos punks, darks, roqueiros, clubers, rappers, funkeiros etc. Mas também pelo grafite, pelo break, pela dança afro ou mesmo pelos inúmeros grupos de teatro espalhados nos bairros e nas escolas. Muitos desses grupos culturais apresentam propostas de intervenção social, como os rappers, desenvolvendo ações comunitárias em seus bairros de origem. As pesquisas indicam que a adesão a um dos mais variados estilos existentes no meio popular ganha um papel significativo na vida dos jovens. De forma diferenciada, lhes abre a possibilidade de práticas, relações e símbolos por meio dos quais criam espaços próprios, com uma ampliação dos circuitos e redes de trocas, o meio privilegiado pelo qual se introduzem na esfera pública. Por meio da produção dos grupos culturais a que pertencem, muitos deles recriam as possibilidades de entrada no mundo cultural além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores ativos. Através da música ou da dança que criam, dos shows que fazem, dos eventos culturais que promovem, eles colocam em pauta no cenário social o lugar do pobre (GOMES; DAYRELL, 2003). A sociabilidade Aliada às expressões culturais, outra dimensão da condição ju- venil é a sociabilidade. Uma série de estudos7 sinaliza a centralidade 7 Dentre eles, podemos citar: Minayo (1999), Carrano (2002), Sposito (2005). Esta mesma tendência é constatada entre os jovens portugueses, analisados por Pais (1993); ou italianos, analisados por Cavalli (1980). C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 72 dessa dimensão que se desenvolve nos grupos de pares, preferencial- mente nos espaços e tempos do lazer e da diversão, mas também pre- sente nos espaços institucionais, como a escola ou mesmo o trabalho. A turma de amigos é uma referência na trajetória da juventude: é com quem fazem os programas, trocam ideias, buscam formas de se afirmar diante do mundo adulto, criando um eu e um nós distintivo. A sociabilidade expressa uma dinâmica de relações, com as diferentes gradações que definem aqueles que são os mais próximos (os amigos do peito) e aqueles mais distantes (a colegagem), bem como o movimento constante de aproximações e afastamentos, numa mo- bilidade entre diferentes turmas ou galeras. O movimento também está presente na própria relação com o tempo e o espaço. A sociabilidade tende a ocorrer em um fluxo co- tidiano, seja no intervalo entre as obrigações, o ir-e-vir da escola ou do trabalho, seja nos tempos livres e de lazer, na deambulação pelo bairro ou pela cidade. Mas também podem ocorrer no interior das instituições, seja no trabalho ou na escola, na invenção de espaços e tempos intersticiais, recriando um momento próprio de expressão da condição juvenil nos determinismos estruturais. Enfim, podemos afirmar que a sociabilidade para os jovens parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade. Mas nessa dimensão temos de considerar, também, as expressões de conflitos e violência existentes no universo juvenil que, apesar de não ser generalizada, costumam ocorrer em torno e com base nos grupos de amigos, sobretudo masculinos. As discussões, brigas e até mesmo atos de vandalismo e delinquência, presentes entre os jovens, não podem ser dissociados da violência mais geral e multifacetada que permeia a sociedade brasileira, expressão do descontentamento dos jovens diante de uma ordem social injusta, da descrença política e do esgarçamento dos laços de solidariedade, dentre outros fatores. Mas há também uma representação da imagem masculina associada à virilidade e à coragem, que é muito cultuada na cultura popular, constituindo-se um valor que é perseguido por muitos e que, aliada à competição, cumpre uma função na construção da sociabilidade juvenil. O espaço e o tempo Essas diferentes dimensões da condição juvenil são condicio- nadas pelo espaço onde são construídas, que passa a ter sentidos 75 So ci ol og ia – V ol u m e 15 desafios são ainda maiores. Se há uma ampliação de possibilidades, fruto da modernização cultural, essa não veio acompanhada de uma modernização social, contando com menos recursos e margens de escolhas, imersos que estão em constrangimentos estruturais. Para muitos deles, o desejo, aquilo que gostariam de fazer, se vê limitado por aquilo que eles podem efetivamente fazer. É o caso, por exem- plo, daqueles jovens que gostariam de sobreviver das atividades culturais, fazendo delas o seu meio de vida. Apesar desses limites, muitos conseguem elaborar projetos de futuro, procurando no presente formas e alternativas de inserção na sociedade no rumo que elaboram, a partir das condições e dos recursos de que dispõem, numa postura ativa diante de si mes- mos e da realidade. Em outro extremo, encontramos aqueles que assumem uma postura mais passiva, à espera de uma ocasião, da sorte, deixando que o acaso, o rumo dos acontecimentos lhes dirija a vida. Esses tendem a se refugiar na vivência do presente, muitas vezes buscando meios de fuga dessa realidade através das drogas e, o mais trágico, da delinquência. Mas tais posturas não são rígidas e muitas vezes se misturam. Para a maioria, a transição aparece como um labirinto, obrigando-os a uma busca constante de articular os princípios de realidade (que posso fazer?), do dever (que devo fazer?) e do querer (o que quero fazer?), colocando-os diante de encruzilhadas onde jogam a vida e o futuro (PAIS, 2003). A condição juvenil e as mutações nos processos de socialização É nesse contexto que temos de situar a experiência social de grandes parcelas da juventude brasileira. Os jovens, na sua diver- sidade, apresentam características, práticas sociais e um universo simbólico próprio, que os diferencia, e muito, das gerações anterio- res. A construção da condição juvenil, tal como esboçamos, expressa mutações mais profundas nos processos de socialização, nos seus espaços e tempos. Nesse sentido, a juventude pode ser vista como uma ponta de iceberg no qual os diferentes modos de ser jovem ex- pressam mutações significativas nas formas como a sociedade produz os indivíduos. Tais mutações interferem diretamente nas instituições tradicionalmente responsáveis pela socialização das novas gerações, como a família ou a escola, apontando para a existência de novos processos cuja compreensão demanda maior aprofundamento. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 76 Nesse sentido, podemos afirmar que a constituição da condição juvenil parece ser mais complexa, com o jovem vivendo experiên- cias variadas e, às vezes, contraditórias. Constitui-se como um ator plural, produto de experiências de socialização em contextos sociais múltiplos, dentre os quais ganham centralidade aqueles que ocorrem nos espaços intersticiais dominados pelas relações de sociabilidade. Os valores e comportamentos apreendidos no âmbito da família, por exemplo, são confrontados com outros valores e modos de vida percebidos no âmbito do grupo de pares, da escola, das mídias, etc. Pertence assim, simultaneamente, no curso da sua trajetória de socialização, a universos sociais variados, ampliando os universos sociais de referência (LAHIRE, 2002). Esse processo aponta para o que Dubet (2006) analisa como a “desinstitucionalização do social”, entendida como a mutação de uma modalidade de ação institucional consagrada pela modernidade, resultado de um esgotamento do seu programa institucional. As- sim, o autor considera a existência de um processo de mutação que transforma a própria natureza da ação socializadora das instituições, fazendo com que parte importante do processo seja considerada tarefa ou ação do próprio sujeito sobre si mesmo. No caso específico da escola, esse processo de mutação não elimina, mas transforma a natureza da dominação no cotidiano da instituição escolar, pois “obriga os indivíduos a se construírem ‘livremente’ nas categorias da experiência social” que lhe são impostas. A dominação se manifesta, assim, podendo-se afirmar que “os indivíduos são livres e mestres de seus interesses [...]; a dominação impõe aos atores as categorias de suas experiências, categorias que lhes interditam de se constituir como sujeitos relativamente mestres deles mesmos...” (DUBET, 2006, p. 403). Nesse sentido, estaríamos assistindo à passagem de uma sociedade disciplinadora para uma sociedade de controle, na qual persistem as lógicas disciplinadoras, mas agora dispersas por todo o campo social (PAIS, 2003). É esse contexto que pode nos ajudar a compreender a tensão existente na relação dos jovens com a escola, à qual nos referimos na introdução. Ter uma compreensão mais aprofundada desta relação pode contribuir para o professor de Sociologia repensar a sua pos- tura na relação com os alunos e, principalmente, contribuir para que a comunidade escolar compreenda melhor as questões subjacentes aos conflitos existentes com os jovens alunos. 77 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Os jovens e a escola A progressiva massificação do Ensino Médio, principalmente a partir da década de 1990, faz com que um contingente de jo- vens cada vez mais heterogêneos transponha os muros da escola, trazendo com eles os conflitos e as contradições de uma estrutura social excludente, que interfere nas suas trajetórias escolares e co- locam novos desafios ao Ensino Médio (FANFANI, 2000; SPOSITO, 2005). Ao mesmo tempo, como uma das expressões dos processos de desinstitucionalização, a escola é invadida pela vida juvenil, com seus looks, pelas grifes, pelo comércio de artigos juvenis, constituindo- se como um espaço também para os amores, as amizades, os gostos e as distinções de todo tipo. O tornar-se aluno já não significa tanto a submissão a modelos prévios; ao contrário, consiste em construir sua experiência como tal e atribuir um sentido a esse trabalho (DUBET, 2006). Implica estabelecer cada vez mais relações entre sua condição juvenil e o estatuto de aluno, tendo de definir a utilidade social dos seus estudos, o sentido das aprendizagens e, principalmente, seu projeto de futuro. Enfim, os jovens devem construir sua integração em uma ordem escolar, achando em si mesmos os princípios da motivação e os sentidos atribuídos à experiência escolar. Mas não é um trabalho fácil. O jovem vivencia uma tensão na forma como se constrói como aluno, um processo cada vez mais complexo, no qual intervêm fatores externos (o seu lugar social, a realidade familiar, o espaço onde vive, etc.) e internos à escola (a infraestrutura, o projeto político-pedagógico etc.). No cotidiano escolar, essa tensão se manifesta não tanto de forma excludente, ser jovem OU ser aluno, mas, sim, geralmente, na sua ambiguidade de ser jovem E ser aluno. Uma dupla condição que muitas vezes é difícil de ser articulada e que se concretiza em práticas e valores que vão caracterizar o seu percurso escolar e os sentidos atribuídos a essa experiência. Essa tensão, manifestada nas mais diferentes dimensões do co- tidiano escolar, concretiza-se nos mais diversos percursos escolares, marcados pela participação e/ou passividade, pela resistência e/ou conformismo, pelo interesse e/ou desinteresse, expressão mais clara da forma como cada um elabora a tensão entre o ser jovem e o ser aluno. Há um continuum diferenciado de posturas, no qual uma pe- quena parte deles adere integralmente ao estatuto de aluno. Esses, geralmente os que reúnem a melhor condição social e o incentivo C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 80 superando os entraves sociais colocados que impedem a realização desse projeto. Nesse sentido, a Sociologia tem muito a contribuir, principalmente no treino e ampliação da reflexividade. Uma direção possível está indicada nas OCEM-Sociologia, quando defendem a ênfase na desnaturalização e no estranhamento como eixos articu- ladores dos conteúdos (BRASIL, 2006). Significa fornecer ao jovem aluno recursos e instrumentos, por meio dos conteúdos sociológicos, que lhe treinem o olhar socioló- gico (SARANDY, 2001), aliados à imaginação sociológica (MILLS, 1975), de tal forma a possibilitar uma compreensão mais ampla da realidade social. Mas também é preciso contribuir para que os jovens alunos se percebam como seres culturais, membros de de- terminado grupo social, com uma tradição própria, legítima, que lhes dê referência, reconhecendo e valorizando as suas origens so- cioculturais, principalmente no caso dos negros. Ao mesmo tempo, desenvolver a sensibilidade pela diferença, exercitando, assim, a convivência e o respeito pelo outro. Finalmente, também deve ser papel da Sociologia fornecer elementos que contribuam na tarefa da individuação, estimulando o jovem a articular as diferentes ex- pressões de sua identidade, a reconhecer seus desejos e a elaborar projetos de futuro. Nessa perspectiva, fica claro que o jovem aluno e sua realidade se colocam como o centro do processo educativo, ponto de partida e de constante mediação com os conceitos e as teorias. Nesse senti- do, as OCEM-Sociologia também contribuem, quando propõem uma interessante articulação entre temas, conceitos e teorias, articulados com a pesquisa em sala de aula. Algumas sugestões para o ensino de Sociologia Uma das recomendações das OCEM-Sociologia é a utilização da pesquisa como tema e como instrumento didático no cotidiano da sala de aula. Já existem experiências significativas nessa direção. Uma delas acontece no trabalho de formação de professores de Sociolo- gia da Faculdade de Educação da UFMG. Na disciplina de Prática de Ensino, vimos desenvolvendo a proposta de ensino por meio do exercício da pesquisa, uma metodologia que contribui, e muito, para a maior aproximação dos conteúdos com a realidade dos jovens alunos, a fim de concretizar os princípios levantados acima. 81 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Não queremos aqui nos alongar sobre o quanto nosso modelo escolar está predominantemente calcado na transmissão de conhe- cimentos. Esse modelo vem dando sinais de esgotamento ao longo do tempo e, hoje, diante das novas tecnologias da informação e da comunicação, mostra-se cada vez mais inadequado. Alterar esse modelo significa um desafio para o ensino de Sociologia e para a escola. Significa transpor um modelo de transmissão de saberes para construir um modelo de ensino, de escola que produz conhecimentos sobre si mesma, sobre sua comunidade, sobre como interferir nos fenômenos educativos, dando um novo sentido para a educação escolar. Nessa perspectiva, sugerimos a pesquisa de opinião, pela facilidade que oferece na sua metodologia para a devida adequação ao Ensino Médio. A escolha da pesquisa de opinião como foco de uma proposta de ensino de Sociologia tem um significado especial: ao elaborar uma pesquisa sobre determinado tema, os jovens ne- cessariamente têm de se posicionar e, com isso, estão participando do processo. Ao conhecer as opiniões de outros e compará-las com as suas, poderão ainda conscientizar-se sobre como as visões de mundo são construídas socialmente, por meio de influências, acor- dos, conflitos e negociações (MONTENEGRO; RIBEIRO, 2002). Desta forma as práticas cotidianas, principalmente aquelas vivenciadas pelos jovens, tornam-se um campo privilegiado de investigação e referência para a reflexão sociológica. Acreditamos que a proposta de pesquisa de opinião no ensino de Sociologia permite o exercício de um olhar de estranhamento e desnaturalização sobre os fenômenos da vida humana, principal- mente porque os jovens podem ser corresponsáveis nas descobertas. Nesse sentido, [...] mais que discorrer sobre uma série de conceitos, a dis- ciplina pode contribuir para a formação humana na medida em que proporcione a problematização da realidade próxi- ma dos educandos a partir de diferentes perspectivas, bem como pelo confronto com realidades culturalmente distantes (SARANDY, 2001). O exercício da pesquisa pode proporcionar aos jovens o que acreditamos ser papel da sociologia: nos fazer fascinar com coi- sas que nunca havíamos suspeitado ou, parafraseando Fernando C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 82 Pessoa, “pensar [sociologicamente que] é estar doente dos olhos” (DAYRELL, 2007)9. Referências ABRAMO, Helena. Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In: ______; BRANCO, Pedro Paulo Martoni. Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania/Fundação Perseu Abramo, 2005. ______; BRANCO, Pedro Paulo Martoni. Retratos da juventude brasileira: aná- lises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania/Fundação Perseu Abramo, 2005. BRASIL. Ministério da Educação. Ciências humanas e suas tecnologias: conhe- cimentos de sociologia. In: ______. Orientações curriculares nacionais. Brasília, DF, 2006. v. 4. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escre- ver. In: ______. O trabalho do antropólogo. Brasília: Paralelo 15, 1998. p. 17-35. CARRANO, Paulo. Os jovens e a cidade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. CAVALLI, A. La gioventù: condizione o processo? Rassegna Italiana di Sociologia, Bologna, v. 21, n. 4, p. 519-542, 1980. DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sociocultural. In: ______ (Coord.). Múlti- plos olhares sobre a educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996. ______. A música entra em cena: O rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005a. ______. Juventud, grupos culturales y sociabilidad. Jovenes: Revista de Estudios sobre Juventud, Mexico, DF, n. 22, p. 128-147, 2005b. ______. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação: Revista da Anped, São Paulo, n. 24, p. 40-52, set./dez. 2003. ______; REIS, Juliana Batista. Juventude e escola: reflexões sobre o ensino de so- ciologia no ensino médio. In: PLANCHEREL, Alice Anabuki; OLIVEIRA, Evelina Antunes. Leituras sobre sociologia no ensino médio. Maceió: Edufal, 2007. DUBET, François. Sociologie de l’expérience. Paris: Seuil, 1994. 9 Além da pesquisa, sugerimos também que o professor lance mão de outras linguagens como instrumento didático, sempre tendo a juventude como eixo temático. Uma delas é a música, muito apreciada pelos jovens bem como filmes e vídeos. Uma lista de sugestões pode ser encontrada no site do Observatório da Juventude da UFMG (www.fae.ufmg.br/objuventude) e no Portal em diálogo (www.emdialogo.com.br) 85 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Introdução Um dos atuais desafios da sociologia tem sido o de explicar as grandes mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas. A percepção do trabalho/emprego como uma atividade de longa duração, comum às gerações de trabalhadores de meados do século 20, teve sua credibilidade abalada por um intenso processo de reestruturação das atividades produtivas, implementado a partir dos anos de 1970. A partir daí, a sociedade capitalista industrializada se viu transformada pela constituição de novos tipos de articula- ção entre empresas e países, com forte influência da tecnologia da informação, e com a instituição de um padrão de produção flexível com relação ao trabalho e aos trabalhadores. A exigência de maior competitividade em um mercado cada vez mais globalizado introduziu estratégias de racionalização e redução de custos, com sérias consequências para os níveis de emprego. Postos de trabalho, que tradicionalmente garantiam estabilidade, foram reduzidos drasticamente. A insegurança passou a fazer par- te do cotidiano do assalariado que detém algum tipo de emprego formal. Formas precárias de trabalho, de subcontratação, passaram a ser utilizadas como norma e se incorporaram às propostas das Capítulo 4 Trabalho na sociedade contemporânea José Ricardo Ramalho* * Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 86 empresas. Fragilizou-se a instituição sindical como representação legítima dos trabalhadores. O desemprego adquiriu dimensões mais amplas, mudando hábitos e trazendo pobreza e desesperança e o trabalho informal tornou-se uma alternativa frequente para os ex- cluídos do mercado de trabalho formalizado, principalmente nos países subdesenvolvidos. Retrospectiva a partir da Revolução Industrial A Revolução Industrial, que tem o seu auge em meados do sé- culo XIX, alterou de modo substantivo as atividades relacionadas ao trabalho, e foi responsável por mudanças importantes na vida das pessoas e das organizações produtivas. O trabalho tornou-se refe- rência essencial para se entender a sociedade capitalista, o que pode inclusive ser notado nos escritos dos principais autores clássicos da sociologia (Durkheim, Weber, Marx). E a formação da sociedade industrial complexificou a divisão do trabalho, com a criação de um grande número de ocupações. Um dos traços iniciais da Revolução Industrial foi a organização do trabalho em domicílio, com vistas à implantação de um tipo de trabalho assalariado que se confundia com a autonomia dos produ- tores. Estes produtores/trabalhadores, espalhados geograficamente, segundo Holzmann (2007, p. 325), eram agenciados por um empre- sário capitalista, “trabalhavam em suas próprias casas, com prazos determinados para a entrega dos produtos, sendo remunerados por tarefa”. Embora apenas o trabalho, em geral do chefe da família, fosse remunerado, “fazia-se necessário agregarem-se mais pessoas ao processo, incorporando-se, então, outros membros da família, inclusive crianças”. A autonomia de produzir, como a prerrogativa de definir a jornada, a intensidade e os ritmos da produção, esbar- ravam na necessidade de acelerar para cumprir prazos. Karl Marx foi um dos principais autores a pensar o trabalho no contexto da sociedade industrial capitalista. Na análise que fez da “mercadoria” reconhece o trabalho nela contido como tendo um duplo caráter: trabalho concreto e trabalho abstrato. Liedke (2007, p. 319), em um resumo sobre essa discussão, explica que, para Marx, o trabalho concreto corresponderia “à utilidade da mercadoria (valor de uso), à dimensão qualitativa dos diversos trabalhos úteis”. Já o trabalho abstrato corresponderia “ao dispêndio de força humana, 87 So ci ol og ia – V ol u m e 15 independente das múltiplas formas em que seja empregada”, e nessa qualidade é que criaria “o valor das mercadorias”. Para Giddens (1989, p. 486-487), Marx também percebeu que “o desenvolvimento da indústria moderna reduziria a maior parte do trabalho das pessoas a tarefas chatas e desinteressantes”. E que a divisão do trabalho alienava os seres humanos do seu trabalho. Os trabalhadores industriais teriam pouco controle sobre a natu- reza da sua tarefa, apenas contribuiriam com uma fração para a criação de todo o produto, e não teriam influência sobre como ou para quem é vendido. O padrão fordista e as mudanças no trabalho O crescimento da indústria e sua consolidação através da organi- zação fabril trouxe novos elementos para a discussão sobre o trabalho. A evolução do trabalho em domicílio para o trabalho fabril alterou tam- bém os mecanismos de controle sobre as atividades internas à fábrica. Entre as diversas tentativas de assumir o controle sobre o conhecimento e poder de quem atuava no chão de fábrica, a que ficou mais difundida está associada a F. W. Taylor, com o uso ainda atual do termo taylorismo, para caracterizar estratégias de controle de tempo e espaço, e a Henry Ford, que com a introdução da linha de montagem, da verticalização da organização fabril e da produção em massa, acabou cunhando o termo fordismo, como o resumo de um padrão produtivo que se espa- lhou pelo mundo industrial ao longo do século XX. Braverman (1974) foi um dos principais autores a analisar esta evolução do capitalismo industrial, identificado como capitalismo monopolista. Para ele, a fase do capitalismo monopolista propi- ciava uma extensa fragmentação e especialização do trabalho nas indústrias e uma desqualificação na definição dos postos de tra- balho. Ao se propor a atualizar Marx com relação à dinâmica do desenvolvimento do capitalismo, este autor aprofundou o estudo da aplicação das técnicas modernas de gerência em combinação com a mecanização e a automação e sugeriu que a separação entre a con- cepção (gerência) e a execução (trabalho) das tarefas da produção se tornava o móvel principal da organização moderna e do controle do processo de trabalho. O desenvolvimento do controle gerencial visava à redução da influência operária sobre os meios e a natureza da produção. “Torna- C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 90 pectiva defende a necessidade de um olhar mais crítico sobre esta realidade e entende que o conceito de precarização social pode orien- tar a análise científica sobre uma contradição central das sociedades contemporâneas – a contradição entre processos de modernização percebidos como progresso e processos de regressão social cada vez mais visíveis (APPAY, 1997, p. 509-511). A nova conjuntura do mundo do trabalho expõe uma variedade de situações de trabalho que se criam, dos novos aspectos da divi- são social do trabalho e novos tipos de contrato. O crescimento da participação feminina no mercado de trabalho foi um dos aspectos importantes desse período de reestruturação. Na análise sociológica, o componente de gênero esteve sistematicamente ausente das inter- pretações relativas ao trabalho e aos trabalhadores, mas no padrão flexível ficaram evidentes os efeitos das mudanças no trabalho de modo diferenciado, conforme se trate de trabalhadores homens ou mulheres (HIRATA, 1998, p. 6-9; ABREU, 1994, p. 56). Outro aspecto se refere ao trabalho que se associa à noção de “informal”. Os analistas afirmam que a economia informal não mi- nimiza ou reduz a exploração, mas tem combinado flexibilidade e exploração, produtividade e abuso, empresários agressivos e tra- balhadores desprotegidos. O novo, no presente contexto, seria o crescimento do setor informal, mesmo nas sociedades altamente institucionalizadas, a expensas das relações de trabalho já forma- lizadas (PORTES; CASTELLS, 1994, p. 11-28, entre outros). Para alguns autores, a partir dos anos de 1980, o tema da informalidade transforma-se em elemento-chave de interpretações a respeito do impacto das mudanças na estrutura do mercado de trabalho e suas consequências sociais (MACHADO DA SILVA, 2003). Até mesmo o retorno de formas de trabalho anteriores, como o trabalho em domicílio, comum nos primórdios da revolução in- dustrial foram recuperados na implantação de um novo modelo flexível. Segundo Holzmann (2007, p. 326), “o trabalho industrial em domicílio ressurge como expediente do capital para flexibili- zar o uso da força de trabalho”, consistindo “em tarefas simples e repetitivas, parte ou etapa da produção de um produto complexo, realizada diretamente para uma empresa que produza ou monte o produto final”. Uma das principais críticas ao processo de flexibilização das relações de trabalho está na desvinculação da atividade do traba- 91 So ci ol og ia – V ol u m e 15 lho da “construção de um patamar social de convivência baseada em princípios universais de cidadania” (LIEDKE, 2007, p. 322-323). Para esta autora, “as descontinuidades das atividades de trabalho e os longos períodos de desemprego conduzem à desestruturação de vínculos sociais outrora duradouros, no trabalho e na vida social”. Para Castel (1998, p. 34), o trabalho não pode ser pensado “enquanto relação técnica de produção, mas como um suporte privilegiado de inscrição na estrutura social”. Além disso, o autor reconhece “uma forte correlação entre o lugar ocupado na divisão social do trabalho e a participação nas redes de sociabilidade e nos sistemas de proteção que ‘amparam’ um indivíduo diante dos acasos da existência [pos- sibilitando] zonas de coesão social” (CASTEL, 1998, p. 34). Assim, associar trabalho estável/inserção relacional sólida vai caracterizar uma área de integração, enquanto a ausência de participação em qualquer atividade produtiva e o isolamento relacional vão ter como consequência os efeitos negativos da exclusão. A reestruturação produtiva no Brasil O Brasil não escapou, nos anos de 1990, da onda de reestru- turação produtiva que já vinha ocorrendo nos países mais indus- trializados. Novas formas de gestão do trabalho, flexibilização, ter- ceirização; todas essas mudanças têm sido experimentadas pelas empresas brasileiras. É verdade que isso vem ocorrendo de modo desigual, e se já é possível identificar alterações no processo produ- tivo propriamente dito, na maioria dos casos, pode-se constatar que as novas estratégias empresariais têm se preocupado mais em cortar custos, eliminando em definitivo postos de trabalho (RAMALHO; MARTINS, 1994). Para os que mantêm seus empregos, as exigências são maiores. Não só a intensificação do trabalho se coloca, mas uma condição de maior escolaridade e maior capacidade de adaptação às mudanças constantes. Uma das estratégias mais utilizadas pelas empresas, no que se refere à flexibilização das relações de trabalho, está no processo de terceirização. Segundo Teixeira e Pelatieri (2009, p. 20), [...] diferentemente das demais modalidades de contratação precária com o setor informal, contrato temporário, por tempo parcial ou por prazo determinado, em que a forma de contrato C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 92 identifica o seu caráter precário, na terceirização, essa relação de trabalho precário, muitas vezes, é camuflada pela justifica- tiva de que se trata de serviços especializados. [Trata-se] de um fenômeno que se ampliou e consolidou gerando muitas vezes pouco ou nenhum questionamento, principalmente pelo fato de se manifestar de distintas formas. Além disso, é fre- qüentemente confundido com outras estratégias empresariais como desverticalização e descentralização da produção. A Sociologia do Trabalho brasileira vem refletindo sobre a hete- rogeneidade de um processo de reestruturação industrial que atingiu de modo diferenciado setores industriais e regiões do País. A reno- vação das estratégias organizacionais e a flexibilização do trabalho têm sido investigadas e identificam desde o anúncio de propostas de democratização das relações de trabalho até a persistência de práticas autoritárias (principalmente com os sindicatos e as organi- zações de trabalhadores nos locais de trabalho) (CASTRO; LEITE, 1994, p. 47-48). Outros estudos mostram também que a positividade do padrão flexível não se confirma como anunciada, e, na verdade, há um crescimento das práticas de precarização do emprego, das condições de trabalho e dos salários e o aumento do desemprego. Por fim, estudos abordando a discussão sobre crescimento econômi- co e exclusão ganha importância, alertando para a correlação entre reestruturação industrial, de um lado, e exclusão e pobreza, de outro. O sindicato e a flexibilidade das relações de trabalho A implantação do padrão flexível trouxe problemas para a ação sindical. Chega-se a duvidar da capacidade dessa instituição de de- fender com eficácia os interesses dos trabalhadores. Na Sociologia há, inclusive, um debate sobre o modo de interpretar os efeitos des- sas mudanças sobre a instituição sindical. Para alguns, esse processo aponta para um declínio inexorável do sindicato, enquanto outros con- sideram que a crise não é da instituição, mas de um tipo de sindicato atingido duramente pelas transformações no processo produtivo. Diversos fatores são apontados para explicar as dificuldades atuais enfrentadas pelos sindicatos, a maior parte delas associadas às mudanças no processo produtivo: a flexibilização das relações de trabalho e o crescimento do trabalho em tempo parcial, tempo deter- 95 So ci ol og ia – V ol u m e 15 em que esses processos se deram permitiu o desdobramento da ação sindical para além do muro das fábricas, associando reivindi- cações econômicas a questões políticas, participando do processo de redemocratização do País e produzindo um tipo de sindicalismo que procurou romper com o atrelamento ao Estado e enfatizou uma prática construída sobre a organização nos locais de trabalho. Os estudos sociológicos dos anos de 1990 e 2000 vêm revelan- do a pressão da reestruturação industrial sobre esse sindicalismo. A avaliação é a de que a introdução de novas formas de gestão da força de trabalho, sobretudo nas empresas associadas a cadeias pro- dutivas globais, em conjunto com transformações na organização da produção e na estrutura de emprego, colocam novas questões, exigindo novas posturas e pondo em xeque a força de barganha acumulada anteriormente. Mas os dados e análises variam conforme os efeitos da rees- truturação sobre os diversos segmentos da economia. Setores mais modernos enfrentam uma ação sindical efetiva cuja eficácia os obriga ao encaminhamento de novas formas de gestão por meio da negocia- ção (CARDOSO, 1999; LEITE, 1997). Na maioria dos outros setores, no entanto, a situação atual aponta para um processo gradativo de precarização do trabalho e fragilização da organização coletiva dos trabalhadores. O movimento sindical passa pela dificuldade de lidar com situações de trabalho diante das quais políticas e estratégias de ação sindical parecem impotentes e incapazes de deter a destruição de direitos e de se relacionar com uma força de trabalho de caracterís- ticas diversas daquela encontrada no pátio das grandes empresas. Conclusão O tema do trabalho na sociedade contemporânea permanece central. A fragmentação de suas atividades, a complexificação da divisão do trabalho e suas novas divisões e qualificações não reduziu a sua importância como fator essencial de manutenção do sistema capitalista nem seu caráter formador de identidades de classe. Natu- ralmente, há diferenças, conforme os contextos dos países, mas mais do que nunca as situações de trabalho se entrelaçam nas atividades produtivas internacionalizadas, transformando questões de direitos em temas internacionais. Tentativas permanentes de desregulamentar o mercado de trabalho, retirar garantias da legislação trabalhista, C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 96 como no caso do Brasil, é um dos aspectos mais repetidos nesse contexto, mas também a constatação de que formas análogas ao trabalho escravo, por exemplo, continuam sendo acionadas por di- ferentes empresas em diferentes partes do mundo. Termino com uma agenda possível para a reflexão sociológica sobre o trabalho e o sindicato: 1) Uma discussão sobre o trabalho deve considerar temas como: a formação da identidade e de redes de solidariedade a • partir de outras formas de trabalho (trabalho em domicílio, informal, tempo parcial etc.); a presença fundamental da força de trabalho feminina nas • diversas instâncias produtivas e suas consequências para o emprego e outras formas de organização; os mecanismos de reconstrução de uma cidadania social • tendo em vista a fragmentação de uma classe trabalhadora cada vez mais marcada por interesses e formas diversas de inserção no mundo do trabalho. 2) Uma reflexão sobre a crise do modelo de sindicato criado pelo fordismo em uma conjuntura de flexibilização do trabalho nos contextos nacional e internacional precisa enfatizar a discussão de temas como: a possibilidade (ou não) de negociar novas formas de con-• trato de trabalho, preservando empregos e respeitando di- reitos básicos; as dificuldades de equacionar uma longa prática de ação • ligada aos trabalhadores formais com a proliferação de no- vas situações de trabalho marcadas por uma instabilidade maior; a relação entre a manutenção dos direitos trabalhistas e • sociais e o processo de consolidação de uma sociedade de- mocrática; a capacidade de os sindicatos se associarem a outros movi-• mentos sociais com o objetivo de ampliarem a base de atuação política em defesa de direitos do trabalho e de cidadania. No que diz respeito ao Brasil, considerando a realidade de um País dependente e fortemente vinculado à lógica de funcionamento do capitalismo global, a discussão sobre trabalho e sindicato deve 97 So ci ol og ia – V ol u m e 15 estar referida à questão social em uma problemática que associa a reestruturação produtiva a um contexto de graves problemas de de- sigualdade e desemprego. Nesse sentido, colocam-se temas como: a relação entre a baixa qualificação/escolarização da força • de trabalho e os novos processos produtivos e suas conse- quências em termos de emprego e precarização das relações de trabalho; a contradição entre propostas • modernizantes e a presença constante de trabalho infantil e trabalho forçado nas pontas das cadeias produtivas. Finalmente, coloca-se para a Sociologia o desafio de interpre-• tar esses novos processos ampliando seu âmbito de análise, ou seja, pensando o sindicato não apenas como organização fundamental de defesa de salários e direitos dos trabalha- dores formais e empregados, mas também como instância possível de atuação no que se refere a questões mais abran- gentes que afetam os trabalhadores e que implicam interfe- rência em políticas de emprego e nas políticas sociais. Referências ABREU, Alice. Especialização Flexível e Gênero: Debates Atuais. São Paulo em Perspectiva: Revista da Fundação Seade, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 52-57, 1994. ALMEIDA, Maria Hermínia T. de. Crise Econômica e Interesses Organizados. São Paulo: Edusp/Fapesp, 1996. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Cen- tralidade do Mundo do Trabalho. Campinas: Cortez/Ed. Unicamp, 1995. APPAY, Beatrice. Précarisation Sociale et Restructurations Productives. In: ______; THÉ- BAUD-MONY, A. (Org.). 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