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Criatividade Uma Arquitetura Cognitiva, Notas de estudo de Design de Interiores

Criatividade___Uma_Arquitetura_Cognitiva

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 28/08/2009

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tatiane-freitas-2 🇧🇷

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Baixe Criatividade Uma Arquitetura Cognitiva e outras Notas de estudo em PDF para Design de Interiores, somente na Docsity! Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção CRIATIVIDADE: UMA ARQUITETURA COGNITIVA Bruno Carvalho Castro Souza Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção Florianópolis 2001 ii Bruno Carvalho Castro Souza CRIATIVIDADE: UMA ARQUITETURA COGNITIVA Esta dissertação foi julgada aprovada para a obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, 29 de junho de 2001. _________________________________ Prof. Alejandro Martins Rodriguez, Dr. BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Alejandro Martins Rodriguez, Dr. Orientador _________________________________ __________________________________ Profa. Regina F. F. de A. Bolzan, Msc. Prof. Francisco Antônio Pereira Fialho, Dr. Tutora _________________________________ __________________________________ Prof. Samir Suaiden, Dr. Profa. Sandra Regina R. e Oliveira, Dra. v SUMÁRIO Página Lista de figuras ..................................................................................................................................vii Lista de quadros...............................................................................................................................viii Lista de reduções ...............................................................................................................................ix Resumo ..............................................................................................................................................x Abstract .............................................................................................................................................xi 1 Introdução ................................................................................................................................3 1.1 Problema...................................................................................................................................5 1.2 Hipótese....................................................................................................................................6 1.2.1 Hipótese básica.........................................................................................................................6 1.2.2 Hipóteses secundárias..............................................................................................................6 1.3 Objetivos...................................................................................................................................7 1.3.1 Objetivo geral ...........................................................................................................................7 1.3.2 Objetivos específicos...............................................................................................................7 1.4 Metodologia..............................................................................................................................7 2 Apresentação ............................................................................................................................9 3 Criatividade: O Estado da Arte ............................................................................................11 3.1 Evolução histórica da criatividade........................................................................................13 3.1.1 Teorias filosóficas da criatividade.........................................................................................13 3.1.2 Teorias psicológicas ...............................................................................................................16 3.1.3 Análise fatorial........................................................................................................................20 3.1.4 Criatividade e o papel dos hemisférios cerebrais................................................................24 3.1.5 As inteligências múltiplas ......................................................................................................25 3.2 Psicologia cognitiva................................................................................................................27 3.2.1 Percepção e representação ....................................................................................................30 3.3 Laske e a conciliação da inteligência artificial e da criatividade.........................................31 4 Uma Arquitetura para a Criatividade ...................................................................................34 4.1 A construção de soluções por meio do erro.......................................................................37 4.2 Arquiteturas criativas para solução de problemas ..............................................................39 4.3 Criatividade e inteligência artificial.......................................................................................45 5 Domínios Naturais e Cognição Artificial ............................................................................48 5.1 Representacionismo, Nova Robótica e Escola Chilena: as abordagens cognitivas........48 5.2 As metáforas do pensamento: redes, categorias e domínios.............................................55 5.2.1 As redes hipertextuais de Lévy .............................................................................................55 5.2.2 A teoria de categorias e protótipos de Berlin, Kay e Rosch..............................................57 5.3 Implementação de domínios cognitivos em sistemas digitais...........................................62 vi 6 Protótipo: Elementos para a Construção de um Sistema Criativo Artificial de Aprendizagem ........................................................................................................................69 6.1 Escopo do protótipo .............................................................................................................69 6.2 Ergonomia e a função pedagógica de um protótipo..........................................................70 6.2.1 Estratégias cognitivas para o aprendizado ..........................................................................70 6.2.2 Fatores emocionais ................................................................................................................74 6.2.3 Fatores motivacionais............................................................................................................77 6.2.4 Fatores sensoriais ...................................................................................................................78 6.2.5 Fatores intelectuais.................................................................................................................79 6.2.6 A interface e o ambiente virtualizado ..................................................................................81 6.3 Implementação: uma revisão de alguns modelos de inteligência artificial.......................84 6.3.1 Raciocínio baseado em casos (Case-based reasoning - CBR) ...........................................85 6.3.2 Redes neuroniais ....................................................................................................................86 6.3.3 Algoritmos genéticos e programação evolucionária ..........................................................88 6.3.4 Integração e camadas.............................................................................................................90 6.4 Estratégias para a formação de domínios............................................................................93 7 Conclusões e recomendações...............................................................................................99 7.1 Síntese da pesquisa.................................................................................................................99 7.2 Comprovação da hipótese e consecução dos objetivos ..................................................101 7.3 Implicações da pesquisa ......................................................................................................103 7.3.1 Educacionais.........................................................................................................................103 7.3.2 Empresariais .........................................................................................................................104 7.3.3 Científicas e computacionais...............................................................................................105 7.4 Trabalhos Futuros................................................................................................................105 Fontes Bibliográficas ......................................................................................................................107 Glossário..........................................................................................................................................122 vii LISTA DE FIGURAS Número Página Figura 1: Arquitetura cognitiva segundo Jean-François Richard............................................28 Figura 2: Mecanismo de equilibração de Piaget .......................................................................37 Figura 3: Mecanismo de equilibração majorante de Piaget.....................................................38 Figura 4: Modelo cognitivo da criatividade ..............................................................................40 Figura 5: Dinâmica da criatividade ............................................................................................43 Figura 6: Representação da máquina de estado finito .............................................................51 Figura 7: Implementação de um sistema de inteligência artificial baseado em camadas.....65 Figura 8: O comportamentalismo como programa de pesquisa científica............................72 Figura 9: O processamento de informações como programa de investigação científica ....73 Figura 10: A interação dos fatores nos espaços de aprendizagem...........................................81 Figura 11: Diagrama de camadas para implementação do modelo..........................................92 Figura 12: Duas maneiras de representar as redes de vinculações de Heylighen ...................96 x RESUMO SOUZA, Bruno Carvalho Castro. Criatividade: uma arquitetura cognitiva. 2001. 133f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção, UFSC, Florianópolis. A partir de uma visão histórica e de uma análise contextual, a criatividade é entendida como ferramenta para a resolução de problemas complexos. Com base nessa definição, nas pesquisas da ciência cognitiva e nas técnicas de inteligência artificial, é proposta uma arquitetura cognitiva da criatividade, integrando os conceitos de domínio, campos de problemas, universo cognitivo e emoções. Como referenciais teóricos dessa arquitetura, são analisadas em profundidade as aplicações das teorias de categorias e protótipos, de Berlin, Kay e Rosch, e de redes hipertextuais de Lévy, como possibilidades no entendimento da estruturação de domínios, alinhadas às pesquisas da nova robótica e da teoria da autopoieses na busca de um sistema artificial auto-organizado. Finalmente, são sugeridas direções na formalização da arquitetura e na sua implementação como um protótipo de sistema inteligente e criativo baseado no trânsito interdomínios como forma de solução criativa de problemas. Palavras-chave: criatividade, cognição, inteligência artificial, domínios cognitivos xi ABSTRACT SOUZA, Bruno Carvalho Castro. Creativity: a cognitive approach. 2001. 133p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção, UFSC, Florianópolis. Creativity is discussed from a historical point of view, based on a contextual analysis, and understood as tool for complex-problem resolution. Supported by this definition, by the research of cognitive science and by artificial intelligence techniques, a cognitive architecture of creativity is proposed, integrating the concepts of domain, problem fields, cognitive universe and emotions. For the theoretical foundations of that architecture, the applications of categories and prototypes theories of Berlin, Kay and Rosch, and Lévy’s hipertextuals networks are analyzed in depth, as solid tools in the understanding of domains structuring, in conjunction with new robotics research and the autopoieses theory in the search of a self- organized artificial system. Finally, directions are suggested in the formal methods of the architecture and its implementation as a prototype of intelligent and creative system based on the inter-domains relations as a method of creative problem-solution. Keywords: creativity, cognition, artificial intelligence, cognitive domains 3 1 INTRODUÇÃO Em determinada ocasião, um professor pediu à turma que fizesse um projeto final de disciplina. O tema era livre, assim como os meios que deveriam ser utilizados para alcançar o resultado desejado. A partir desse tema central de escolha do aluno, dever-se-iam desenvolver três subtemas e, para cada um, cinqüenta formas diferentes de abordá-lo. Tratava-se da disciplina "Direção de Arte" do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Brasília. A grande surpresa foi a expressão dos alunos quando o professor terminou de explicar o trabalho. Pareciam horrorizados, sem saber o que fazer ou por que aquilo estava sendo exigido deles. Apesar de, durante todo o semestre letivo, haverem desenvolvido trabalhos extensos, estavam apavorados com a liberdade que lhes havia sido conferida. Não sabiam por onde começar. Não tinham sequer uma vaga idéia sobre o que fazer nem sobre qual tema abordar. Essa experiência evidencia um dos maiores problemas educacionais do País: a falta de familiaridade com o processo criativo por parte dos estudantes de todos os níveis. Desde os primeiros passos na escola, o aluno aprende a repetir conceitos e verdades ditos “universais”, mas raramente é-lhe oferecida a oportunidade de participar criativamente no desenvolvimento desses conceitos. É a escola do “saber pronto”, e não do saber construído. Em termos de criatividade, Alencar (1993) é quem melhor coloca a questão: “Observa-se a existência de uma série de idéias errôneas a seu respeito, como, por exemplo, a idéia de que a criatividade é uma característica inata, não podendo, portanto, ser ensinada ou aprendida. O 6 geral. A descrição dos processos e fatores referentes à criatividade propriamente dita encontra-se diluída nos modelos gerais, sem uma análise detalhada e uma dinâmica própria claramente definida. Como, portanto, pode ser a criatividade entendida a partir dos recursos mentais inerentes ao ser humano e de que forma esse entendimento pode ser transformado em um modelo? Da mesma maneira, como seria a transposição para um sistema de inteligência artificial que possibilite a exploração desse modelo? Essa dissertação tem seu foco na descrição dos processos mentais envolvidos na criatividade, ligando-os, em algumas ocasiões, com ferramentas e técnicas de inteligência artificial que oferecem condições de implementá-los. A construção de um protótipo será abordada de forma geral, objetivando dar condições teóricas para sua posterior implementação. 1.2 Hipótese 1.2.1 Hipótese básica A ciência cognitiva fornece subsídios para a elaboração de um modelo da criatividade. Tal modelo permite melhor exploração e entendimento dos processos envolvidos no pensamento criativo, e pode ser implementado em uma arquitetura de inteligência artificial para testar e aperfeiçoar as abordagens teóricas e experimentais da criatividade. 1.2.2 Hipóteses secundárias O emprego dos conceitos cognitivos de domínios, categorias e protótipos forma o arcabouço teórico necessário para a construção do modelo da criatividade. 7 Com base no modelo proposto e no uso combinado de algumas técnicas de inteligência artificial, têm-se as ferramentas necessárias para implementar uma arquitetura da criatividade em sistemas computacionais. 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral Elaborar um modelo teórico da criatividade, com base nos conceitos da ciência cognitiva, passível de aplicação em sistemas computacionais que permitam ampliar o entendimento sobre a criatividade. 1.3.2 Objetivos específicos Descrever os processos cognitivos relacionados à criação como metodologia de solução de problemas. Esclarecer a formação de domínios cognitivos com referência à criatividade. Delinear uma arquitetura computacional para a construção de um protótipo que permita explorar as potencialidades do modelo proposto. 1.4 Metodologia A pesquisa bibliográfica oferece as ferramentas conceituais para a construção do modelo cognitivo para a criatividade. Essa pesquisa foi feita levando em consideração os estudos da ciência cognitiva, em especial as pesquisas sobre: a) os pressupostos construtivistas da cognição segundo Piaget; 8 b) a teoria de categorias e protótipos de Kay, Berlin e Rosch; c) as redes hipertextuais de Pierre Lévy. Os estudos para a delineação de implementação do protótipo foram feitos tendo-se por base: a) a estruturação de domínios por meio de técnicas de inteligência artificial, especialmente as redes neuroniais, o raciocínio baseado em casos e os algoritmos genéticos; b) a implementação de redes de vinculações de Heylighen. O foco principal da pesquisa é a estruturação de domínios cognitivos e o acesso ao conhecimento. Para o desenvolvimento dos conceitos e a elaboração do modelo, foi utilizada uma abordagem top-down: partiu-se de uma formulação da visão geral do processo criativo, conforme os estudos cognitivos de Piaget. Essa visão geral permitiu a visualização da criatividade como um processo dinâmico e a identificação dos principais agentes envolvidos nesse processo, dando origem à proposta de uma arquitetura cognitiva da criatividade. A partir dessa arquitetura, foram estudados os pressupostos teóricos de Kay, Berlin e Rosch na formação de categorias e protótipos, que deram origem ao conceito de domínio cognitivo no âmbito do presente trabalho. Uma vez definidos os mecanismos de formação dos domínios, as redes hipertextuais de Lévy possibilitaram o entendimento de uma dinâmica de relacionamento entre os domínios, que torna viável os processos criativos. A implementação do modelo por meio de um protótipo é sugerida para a confirmação das hipóteses e o aperfeiçoamento do modelo. 11 3 CRIATIVIDADE: O ESTADO DA ARTE A questão da criatividade vem sendo discutida há muito tempo. Há varias definições, algumas levando em consideração os aspectos sociais, outras, os psicológicos, e, recentemente, algumas tentativas para conceituar a criação têm surgido das ciências cognitivas. Para Ghiselin (1952), criatividade é “o processo de mudança, de desenvolvimento, de evolução, na organização da vida subjetiva”4. Fliegler (1959) apud Kneller (1978) declara que “manipulamos símbolos ou objetos externos para produzir um evento incomum para nós ou para nosso meio”. Suchman (1981), Stein (1974), Anderson (1965), Torrance (1965) e Amabile (1983), apud Alencar (1993), citam várias definições, respectivamente5: “o termo pensamento criativo tem duas características fundamentais, a saber: é autônomo e é dirigido para a produção de uma nova forma.” “criatividade é o processo que resulta em um produto novo, que é aceito como útil, e/ou satisfatório por um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo.” “criatividade representa a emergência de algo único e original.” “criatividade é o processo de tornar-se sensível a problemas, deficiências, lacunas no conhecimento, desarmonia; identificar a dificuldade, buscar soluções, formulando hipóteses a respeito das deficiências; testar e retestar estas hipóteses; e, finalmente, comunicar os resultados.” 4 GHISELIN, Brewster. The creative process. Berkeley: University of California Press, 1952, p. 2. 5 ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993, p. 13. 12 “um produto ou resposta serão julgados como criativos na extensão em que a) são novos e apropriados, úteis ou de valor para uma tarefa e b) a tarefa é heurística e não algorística.” Cave (1999) vê a criatividade como a tradução dos talentos humanos para uma realidade exterior que seja nova e útil, dentro de um contexto individual, social e cultural6. Essa tradução pode-se fazer, basicamente, de duas formas. A primeira é a habilidade de recombinar objetos já existentes em maneiras diferentes para novos propósitos. A segunda, “brincar” com a forma com que as coisas estão inter-relacionadas. Em ambos os casos, considera a criatividade como uma habilidade para gerar novidade e, com isso, idéias e soluções úteis para resolver os problemas e desafios do dia-a-dia. Kneller (1978) identifica quatro dimensões da criatividade: “As definições corretas de criatividade pertencem a quatro categorias, ao que parece. Ela pode ser considerada do ponto de vista da pessoa que cria, isto é, em termos de fisiologia e temperamento, inclusive atitudes pessoais, hábitos e valores. Pode também ser explanada por meio dos processos mentais – motivação, percepção, aprendizado, pensamento e comunicação – que o ato de criar mobiliza. Uma terceira definição focaliza influências ambientais e culturais. Finalmente, a criatividade pode ser entendida em função de seus produtos, como teorias, invenções, pinturas, esculturas e poemas.” 7 Alencar, por sua vez, identifica duas dimensões que parecem permear a noção de criatividade: 6 CAVE, Charles. Creativity web. Disponível em: <http://members.ozemail.com.au/~caveman/Creative/>. 7 KNELLER, George Frederick. Arte e ciência da criatividade. 17 ed. São Paulo: Ibrasa, 1978, p. 15. 13 “(...) pode-se notar que uma das principais dimensões presentes nas mais diversas definições de criatividade propostas até o momento diz respeito ao fato de que criatividade implica emergência de um produto novo, seja uma idéia ou invenção original, seja a reelaboração e aperfeiçoamento de produtos ou idéias já existentes. Também presente em muitas das definições propostas é o fator relevância, ou seja, não basta que a resposta seja nova; é também necessário que ela seja apropriada a uma dada situação.” 8 Para compreender melhor o contexto e a variedade das definições, é interessante uma análise histórica das teorias da criatividade. A interpretação do que é criativo, bem como a explicação do ato propriamente dito, acontece sempre em um contexto que percebe fatores sociais, culturais e tecnológicos. A história permeia, portanto, a evolução do conceito de criatividade e a sua realização como ato individual. 3.1 Evolução histórica da criatividade Os métodos para abordar a criatividade estiveram sempre ligados às doutrinas filosóficas e científicas de sua época. Assim, a explicação da criação atravessou diferentes pontos de vista, desde o enfoque filosófico, nos tempos antigos, até o recente cognitivismo. Não havendo ainda teoria universalmente aceita para a criatividade, são apresentadas várias visões, na busca de um entendimento amplo sobre o assunto. 3.1.1 Teorias filosóficas da criatividade O contexto histórico da Antigüidade Clássica utilizou-se do pensamento filosófico para entender a criação. Essas teorias tinham como sustentação a atividade mental aplicada ao 8 ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993, p. 15. 16 principais expoentes dessa idéia é Sinnott (1962), quando afirma que a vida é criativa porque se organiza e regula a si mesma e porque está continuamente originando novidades13. 3.1.2 Teorias psicológicas A partir do século XIX, criação passou a receber um tratamento mais científico, proporcionado pelo desenvolvimento da Psicologia. As principais contribuições foram o associacionismo, a teoria da Gestalt e a psicanálise. Essas contribuições seriam uma das bases para a formação dos conceitos modernos de criatividade. 3.1.2.1 Associacionismo As raízes do associacionismo remontam a John Locke, no século XIX. Parte do princípio de que: “o pensamento consiste em associar idéias, derivadas da experiência, segundo as leis da freqüência, da recência e da vivacidade. Quanto mais freqüentemente, recentemente e vividamente relacionadas duas idéias, mais provável se torna que, ao apresentar-se uma delas à mente, a outra a acompanhe.” Essa abordagem diz que, para se criar o novo, se parte do velho, em um processo de tentativa e erro, por meio da combinação de idéias até que seja encontrado um arranjo que resolva a situação. Há algumas críticas contundentes a essa teoria, como coloca Kneller: “Dificilmente, entretanto, o associacionismo se adapta aos fatos conhecidos da criatividade. Pensamento novo significa que se retiraram do contexto idéias anteriores e se combinaram elas para 13 SINNOT, Edmund. Creative imagination: man’s unique distinction. The graduate journal, University of Texas, Spring, 1962, p. 194-210, apud KNELLER, George Frederick. Arte e ciência da criatividade. 17 ed. São Paulo: Ibrasa, 1978, p. 36. 17 formar pensamento original. Tal pensamento ignora conexões estabelecidas e cria as suas próprias. Não seria fácil atribuir as idéias de uma criação criativa a conexões entre idéias derivadas de experiência pregressa, uma vez numa criança relativamente incriativa experiências semelhantes podem deixar de produzir uma única idéia original. Na verdade, seria de esperar que a confiança nas associações passadas produzisse, em lugar de originalidade, respostas comuns e previsíveis.” 14 3.1.2.2 Teoria da Gestalt Wertheimer (1945) apud Kneller (1978) afirma que o pensamento criador é uma reconstrução de gestalts estruturalmente deficientes. A criação tem seu início com uma configuração problemática, que, de certa forma, se mostra incompleta, porém permite ao criador uma visão sistêmica da situação. A partir das dinâmicas, das forças e das tensões do próprio problema, são estabelecidas linhas de tensão semelhantes na mente do criador. Para “fechar” a gestalt, deve-se restaurar a harmonia do todo. Nas palavras do próprio Wertheimer, “o processo todo é uma linha consciente de pensamento. Não é uma adição de operações díspares, agregadas. Nenhum passo é arbitrário, de função conhecida. Pelo contrário, cada um deles é dado com visão de toda a situação.”15 A teoria da gestalt não explica como surge a configuração inicial, mesmo que problemática, a partir da qual o criador começa a desenvolver seu trabalho. É, portanto, incapaz de explicar a capacidade de fazer perguntas originais, não sugeridas diretamente pelos fatos a sua disposição. Entretanto, para resolver a gestalt, é necessária uma reorganização do campo perceptual, o que sugere a relação existente entre percepção e pensamento. 14 KNELLER, George Frederick. Arte e ciência da criatividade. 17 ed. São Paulo: Ibrasa, 1978, p. 39. 15 WERTHEIMER, Max. Productive thinking. New York: Harper and Row, 1945, p. 42 apud KNELLER, George Frederick. Arte e ciência da criatividade. 17 ed. São Paulo: Ibrasa, 1978, p. 40-41. 18 3.1.2.3 Teoria psicanalítica Para Freud apud Alencar (1993), a criatividade está relacionada à imaginação, que estaria presente nas brincadeiras e nos jogos da infância. Nessas ocasiões, a criança produz um mundo imaginário, com o qual interage rearranjando os componentes desse mundo de novas maneiras. Da mesma forma, o indivíduo criativo na vida adulta comporta-se de maneira semelhante, fantasiando sobre um mundo imaginário, que, porém, discrimina da realidade. As forças motivadoras de tais fantasias seriam os desejos não satisfeitos, e cada fantasia, a correção de uma realidade insatisfatória. Essa característica de sublimação estaria vinculada, portanto, à necessidade de gratificação sexual ou de outros impulsos reprimidos, levando o indivíduo a canalizar suas fantasias para outras realidades. Freud apud Kneller (1978) coloca a criatividade como resultado de um conflito no inconsciente (id). Este, mais cedo ou mais tarde, produz uma solução para o conflito, que pode ser “ego-sintônica”, resultando em um comportamento criador, ou à revelia do ego, originando uma neurose. De qualquer forma, Freud deixa claro que a criação é sempre impelida pelo inconsciente. Um aspecto importante na visão psicanalítica é a função do ego sobre as pressões do inconsciente: “No doente mental, o ego tende a ser tão estrito que barra todos, ou praticamente todos os impulsos inconscientes, ou tão fraco que é freqüentemente posto de lado. Essa pessoa exerce excessivo ou deficientíssimo controle; seu comportamento é altamente estereotipado e intelectualizado, ou espontâneo e estranho. Se o comportamento se alterna entre tais extremos, nunca se integra como o de alguém mentalmente são. É sempre rígido e habitual o comportamento produzido apenas pelo ego, sem influência do inconsciente criador. (...) Por outro lado, sempre que os impulsos criadores 21 Quadro 1: As categorias de pensamento conforme Guilford Categoria Descrição Cognitivas Reconhecimento de informações. Produtivas Uso de informações. Avaliativas Julgamento daquilo que é reconhecido ou produzido em função da adequação às exigências. A fatoração de Guilford ainda determina uma segunda divisão para as categorias produtivas, identificando duas espécies de pensamentos: o convergente e o divergente. O pensamento convergente move-se em direção a uma resposta determinada ou convencional, a partir de um sistema de regras previamente conhecido. Já o divergente tende a ocorrer quando o problema ainda não é conhecido ou quando não existe ainda método definido para resolvê-lo. A criatividade, portanto, estaria grandemente localizada no pensamento divergente, que abrange onze fatores, apresentados no quadro 2. 22 Quadro 2: Fatores do pensamento divergente segundo Guilford Fatores Descrição Fluência vocabular Capacidade de produzir rapidamente palavras que preenchem exigências simbólicas especificadas. Fluência ideativa Capacidade de trazer à tona muitas idéias numa situação relativamente livre de restrições, em que não é importante a qualidade da resposta. Flexibilidade semântica espontânea Capacidade ou disposição de produzir idéias variadas, quando livre o indivíduo para assim proceder. Flexibilidade figurativa espontânea Tendência para perceber rápidas alternâncias em figuras visualmente percebidas. Fluência associativa Capacidade de produzir palavras a partir de uma restrita área de significado. Fluência expressionista Capacidade de abandonar uma organização de linhas percebida para ver outra. Flexibilidade simbólica adaptativa Capacidade de, quando se trata com material simbólico, reestruturar um problema ou uma situação, quando necessário. Originalidade Capacidade ou disposição de produzir respostas raras, inteligentes e remotamente associadas. Elaboração Capacidade de fornecer pormenores para completar um dado esboço ou esqueleto de alguma forma. Redefinição simbólica Capacidade de reorganizar unidades em termos das respectivas propriedades simbólicas, dando novos usos aos elementos. Redefinição semântica Capacidade de alterar a função de um objeto ou parte dele, usando depois de maneira diversa. Sensibilidade a problemas Capacidade de reconhecer que existe um problema. De todos os fatores apresentados, diversos autores – especialmente os cognitivistas – consideram o último como o mais importante para a criatividade. 3.1.3.2 Koestler e a bissociação Koestler (1964) apud Kneller (1978) apresenta uma teoria da criatividade que tenta integrar todas as suas expressões – ciência, arte e humor. Sua fundamentação lança recursos da psicologia, da neurologia, da fisiologia, da genética e diversas ciências na proposição de um 23 padrão comum – a bissociação –, que consiste na conexão de níveis de experiência ou sistemas de referências. Koestler argumenta que, no pensamento comum, a pessoa segue rotineiramente em um mesmo plano de experiências, enquanto, no criador, pensa simultaneamente em mais de um sistema de referências. A formação de tais planos de experiências pressupõe a existência de estruturas de pensamentos e de comportamentos já adquiridos, que dão coerência e estabilidade, mas deixam pouco espaço para a inovação. Todo padrão de pensamento ou de comportamento (que Koestler chamou de “matriz”) é regido por um conjunto de normas (ou “código”), que tanto pode ser aprendido quanto inato. Esse código possui uma certa flexibilidade e pode reagir a algumas circunstâncias. A explosão criadora ocorre quando duas ou mais matrizes independentes interagem entre si. O resultado, segundo Koestler, pode-se apresentar de três formas (ver quadro 3). Quadro 3: Resultado da interação de duas ou mais matrizes segundo Koestler Tipo de interação Resultado Explicação Colisão Humor É a interseção de duas matrizes, cada qual consistente por si mesma, porém em conflito com a outra. No decorrer da bissociação, emoção e pensamento separam-se abruptamente. Esse conflito causa uma tensão emocional e resolve-se em riso. Fusão Ciência A criação surge do encontro de duas matrizes até então desprovidas de relação. Trata-se de uma convergência de pensamentos em direção a um objetivo previamente estipulado – as matrizes fundem-se em uma nova síntese. Confrontação Arte As matrizes não se fundem nem colidem, mas ficam justapostas. Os padrões fundamentais de experiência são expressos novamente a cada novo olhar, em cada época ou cultura. Há uma transposição dos sistemas de referências. 26 Quadro 4: As inteligências múltiplas de Howard Gardner Inteligência Características Lingüística ou verbal Habilidade de expressão; facilidade para se comunicar; aprecia a leitura; possui amplo vocabulário; competência para debates; transmite informações complexas com facilidade; absorve informações verbais rapidamente. Lógico-matemática Facilidade para detalhes e análises; sistemáticas no pensamento e no comportamento; prefere abordar os problemas por etapas (passo a passo); discernimento de padrões e relações entre objetos e números. Espacial Sua percepção do mundo é multi-dimensional; facilidade para distinguir objetos no espaço; bom senso de orientação; prefere a linguagem visual à verbal. Musical Bom senso de ritmo; identificação com sons e instrumentos musicais; a música evoca emoções e imagens; boa memória musical. Corporal-cinestésica Boa mobilidade física; prefere aprender “fazendo”; prefere trabalhos manuais; facilidade para atividades como dança e esportes corporais. Interpessoal Facilidade para comunicação; aprecia a companhia de outras pessoas; prefere esportes em equipe. Intrapessoal Reflexiva e introspectiva; capaz de pensamentos independentes; autodesenvolvimento e auto-realização. Naturalística Confortável com os elementos da natureza; bom entendimento de funções biológicas; interesse em questões como a origem do universo, evolução da vida e preservação da saúde. Curiosamente, Gardner não inclui uma “inteligência criativa” em sua lista. Isso deve-se à sua crença de que a criatividade permeia todo pensamento humano. Nas palavras de Moran (1994): 27 “O conhecimento precisa da ação coordenada de todos os sentidos – caminhos externos – combinando o tato (o toque, a comunicação corporal), o movimento (os vários ritmos), o ver (os vários olhares) e o ouvir (os vários sons). Os sentidos agem complementarmente, como superposição de significantes, combinando e reforçando significados.” 24 3.2 Psicologia cognitiva Esse breve histórico das teorias da criatividade tem a função de introduzir a abordagem cognitiva do pensamento, proposta, entre outros, por Jean-François Richard apud Fialho (1999)25, que permite entendimento processual das atividades mentais que geram a resposta criadora. Para a psicologia cognitiva, a cognição é entendida como um processo disparado por uma situação, compreendida pelos mecanismos perceptivos do cérebro. Tal situação é uma perturbação interna26 ao indivíduo, possivelmente fruto de uma ressonância causada por algum fator externo. O fenômeno, como um todo, pode ser visualizado conforme a figura a seguir. 24 MORAN, José Manuel. Interferências dos meios de comunicação no nosso conhecimento. Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, v. XVII, n.2, Julho/Dezembro de 1994. 25 FIALHO, Francisco. Uma introdução à engenharia do conhecimento. Florianópolis: UFSC, 1999 (apostila). 26 O conceito de perturbação interna é apresentado por Maturana e Varela como pertencente a uma entidade autopoiética, ou seja, a um sistema fechado ao meio externo. Para esses cientistas, o ser humano é uma entidade autopoiética. Quando ocorre uma perturbação interna, o indivíduo entra em um estado de desequilíbrio e se abre ao meio externo, buscando recuperar a sua harmonia em um movimento que Piaget chamou de equilibração majorante, pois parte do pressuposto que todo processo de mudança é construtivo. 28 Figura 1: Arquitetura cognitiva segundo Jean-François Richard SITUAÇÕES Conhecimentos Representações Raciocínios Atividades de Execução Automatizadas Atividades de Execução Não-Automatizadas Resolução de Problemas Seqüência de Ações Avaliação Construção de Conhecimentos Fonte: FIALHO, Francisco. Uma introdução à engenharia do conhecimento. Florianópolis: UFSC, 1999 (apostila). Os conhecimentos são todo o repertório de representações armazenadas na memória de longo termo, tanto em nível de conhecimentos específicos quanto de conhecimentos abstratos (morais, culturais, genéricos). 31 A montagem das representações passa necessariamente por mecanismos de assimilação da realidade – visão, tato, olfato, audição e paladar. Por meio deles, o cérebro monta esquemas que buscam explicar a realidade e “enquadrar” o mundo de forma coerente. Cada novo esquema pode reforçar um esquema anterior, sedimentando o conhecimento; gerar um novo conhecimento quando se depara com uma situação original; ou refutar fatos conhecidos quando a solução para um problema mostra-se ineficaz na situação atual. São nesses casos que a pessoa demonstra poder criativo, buscando respostas que eram inexistentes ou inadequadas. Representar, para os cognitivistas, significa compreender uma situação. E a forma como cada problema é compreendido constitui fator fundamental para a sua solução. 3.3 Laske e a conciliação da inteligência artificial e da criatividade Laske (1993) considera a criatividade como “um artefato lingüístico feito para facilitar a síntese de observações e de hipóteses sobre a habilidade dos seres humanos de validar suas experiências ou mesmo de transcender a si mesmos”27. A partir desse conceito, constrói uma visão da criatividade sustentada em uma abordagem dialética entre crença e performance. A crença é um conceito emprestado das ciências sociais, que parte do princípio de que a criatividade está presente a priori na espécie humana, e os esforços da ciência devem ser no sentido de demonstrá-la. A performance, por outro lado, deriva da abordagem computacional da criação e procura descobrir como produzir criatividade a partir da formalização dos processos mentais e sua implementação em sistemas de inteligência artificial. 27 LASKE, Otto E. Creativity: where should we look for it?. Artificial intelligence & creativity: papers from the 1993 spring symposium: technical report SS-93-01. California (USA): AAAI Press, 1993, p. 19. 32 Os dois enfoques, entretanto, têm convivido em conflito. A abordagem social não consegue descrever os processos da criatividade; e a computacional força uma redefinição do conceito de domínio. A conciliação dessas duas abordagens permite a construção e a validação de modelos que podem vir a demonstrar e explicar como a criatividade ocorre e funciona – abordam, portanto, a linha social e a computacional. Para essa conciliação, Laske considera a mente-crença como “uma relação triangular entre um indivíduo (Pessoa), um Domínio de competência, e um grupo social de juízes chamados Campo, que monitoram revoluções dentro da estrutura de conhecimentos do Domínio”28. Já a mente-performance é “baseada em um modelo intersubjetivo verificável dos processos psicológicos da mente humana individual”29, ou seja, formada por processos lógico- matemáticos que podem ser formalizados. Acontece que a mente-performance é também uma mente social, uma vez que o modelo dos processos psicológicos é intersubjetivo. De fato, a mente-performance pode ser considerada uma parte da mente-crença. A contribuição da inteligência artificial para a criatividade é a possibilidade de formalização do Domínio, criando um espaço de conceitos mentais que permite a interação de minidomínios em que interações pessoa-computador e procedimentos podem ser observados e analisados. Trata-se, portanto, de uma ferramenta de estudo dos processos mentais que pode, simultaneamente, gerar criatividade (performance) e descrever seu funcionamento (crença). Essa relação também permite a aplicação do modelo a situações do tipo “solução de problemas”, uma vez que possibilita que “novos insights que chegam através 28 LASKE, Otto E. Creativity: where should we look for it?. Artificial intelligence & creativity: papers from the 1993 spring symposium: technical report SS-93-01. California (USA): AAAI Press, 1993, p. 23. 29 Seiffert apud LASKE, Otto E. Creativity: where should we look for it?. Artificial intelligence & creativity: papers from the 1993 spring symposium: technical report SS-93-01. California (USA): AAAI Press, 1993, p. 24. 33 da interação Pessoa-Domínio possam ser diretamente alimentados no Domínio na forma de bases de conhecimento estendidas e refinadas”30. Como se pode observar, o panorama da criatividade permite várias leituras: o pensamento filosófico, com suas incursões na metafísica e na criatividade como força inerente ao próprio universo; a abordagem psicológica e suas tentativas de relacionar a capacidade do inconsciente à solução de conflitos; a análise fatorial, com sua “departamentalização” das capacidades mentais e a bissociação; os hemisférios cerebrais e a especialização do pensamento; as inteligências múltiplas, com uma nova visão do próprio conceito de inteligência; a psicologia cognitiva, com a interdisciplinaridade e a compreensão do pensamento como capacidade adaptativa do ser humano; e as possibilidades de conciliação da criatividade com a inteligência artificial. Essa visão abrangente torna-se importante para contextualizar e melhor definir o escopo da pesquisa, especialmente quando se consideram a amplitude do tema e as diversas possibilidades de sua abordagem. De todas as perspectivas apresentadas, a psicologia cognitiva, aliada a ferramentas de inteligência artificial, é a que melhor se enquadra na consecução dos objetivos propostos para o presente trabalho. Partindo-se desse princípio, a próxima seção apresenta um modelo cognitivo para a criatividade humana, identificando sua competência com a solução de problemas complexos. 30 LASKE, Otto E. Creativity: where should we look for it?. Artificial intelligence & creativity: papers from the 1993 spring symposium: technical report SS-93-01. California (USA): AAAI Press, 1993, p. 25. 36 Artes, a Administração ou a Economia, por exemplo34. Outro fator que compõe o campo de problema constitui-se nas experiências vividas pelo sujeito. Sabe-se que grande parte do aprendizado humano é decorrente dessas experiências e que decisões referentes a situações encontradas no dia-a-dia são fortemente influenciadas por tais vivências35. Em um problema não trivial, a resposta pode não estar ligada diretamente ao campo inicial do problema. Nesse caso, os esforços em busca da solução serão constantemente frustrados, resultando em respostas inadequadas à situação que originou o problema36. A cada nova tentativa, o cérebro efetiva alterações nos parâmetros do campo (regulações) e busca modificar as diversas variáveis que compõem o problema e alcançar resultados satisfatórios. Na realidade, esse processo é identificado por Piaget como mecanismo de equilibração37: 34 Essa noção baseia-se no conceito de rede hipertextual proposto por Lévy, onde o acionamento de nós específicos dentro da malha semântica é feito por proximidade – conceitos próximos, como Física e Matemática, tendem a acionar regiões próximas na rede neuronial (princípio da topologia das redes hipertextuais). LÉVY, Pierre in As Tecnologias da inteligência. Ed. 34: Rio de Janeiro, 1993, p. 26. 35 Este conceito de aprendizagem forma a base de uma das principais abordagens nas pesquisas de inteligência artificial: o raciocínio baseado em casos. 36 Para Piaget, não existem respostas inadequadas, sendo a construção de qualquer resposta parte da construção de um sistema de estruturas mentais avançadas em constante desenvolvimento. Neste artigo, entendemos “respostas inadequadas” no sentido prático da solução de problemas. 37 MONTANGERO, Jacques e Naville, D. Maurice in Piaget ou a inteligência em evolução. Artes Médicas: Porto Alegre, 1999, p. 151. 37 Figura 2: Mecanismo de equilibração de Piaget ENTRADA INCORPORAÇÃO Feedback ERRO EM EQUILÍBRIO ? não sim Feedback Esquema de assimilação Regulação Essa abordagem do processo de criação explica por que os criadores experimentam momentos de angústia e ansiedade quando envolvidos na solução de problemas complexos: tais emoções são causadas pelas tentativas frustradas do cérebro de atingir o estado de equilíbrio. Como as emoções são importantes instrumentos de regulação nos processos cerebrais38, quanto maior sua pressão (ou seja, quanto maior a angústia e a ansiedade provocadas pelas falhas do cérebro em atingir um novo estado de equilíbrio) mais urgente o problema se torna. Outra conclusão instigante é que a criação se desenvolve baseada no “erro” da arquitetura humana cognitiva em se adaptar a problemas complexos. 4.1 A construção de soluções por meio do erro Piaget afirma que o crescimento mental humano é “uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio a um estado de equilíbrio superior”39. Quando o cérebro se 38 A emoção é considerada “como uma função de avaliação contínua dos estímulos internos e externos, em função da importância que eles se revestem para o organismo, e da reação que eles provocam necessariamente” (Sherer 1984). 39 PIAGET, Jean in Le développment mental chez l’enfant, Juventus Helvetica: notre jeune génératio, 2, p. 123. 38 depara com um problema, entra em desequilíbrio. Em se tratando de um problema não- trivial, portanto criativo, o espaço de pesquisa inicial pode não ser suficiente para a sua solução, causando um impasse: todas as estratégias conhecidas para obter uma resposta foram utilizadas sem resultados. Como conseqüência, o mecanismo cerebral precisa expandir o espaço de pesquisa. Tal expansão abre novas possibilidades de exploração, forçando a ligação (inclusive fisiológica, envolvendo a formação de conexões neuroniais) de conceitos não relacionados inicialmente. Nesse momento, começa a acontecer a estruturação (no sentido piagetiano) de novos conhecimentos, obtendo-se como resultado final um novo e ampliado espaço de pesquisa. Esse processo de ampliação e reestruturação continua até que se obtenha uma solução satisfatória para o problema ou que os aspectos emocionais intervenham no controle do processo, forçando a sua interrupção40. Uma vez atingida uma solução satisfatória para o problema, o processo mental e o espaço de pesquisa utilizados são incorporados de forma definitiva na memória de longo termo do indivíduo e passam a constituir seu escopo de experiências vividas e ampliam seu universo cognitivo. Nesse momento, pode-se dizer que foi atingido um novo estado de equilíbrio, superior ao que existia antes do problema, formando o que Piaget define como “equilibração majorante do tipo beta” (ver figura 3). Figura 3: Mecanismo de equilibração majorante de Piaget Equilibração Majorante NOVO ESQUEMAENTRADA Esquema de assimilação INCORPORAÇÃO 40 Caso a interrupção dos processos de solução de problemas torne-se constante (ocorrendo de forma sistemática), o indivíduo acabará por se tornar inseguro de sua própria capacidade criativa, ocasionando bloqueios e traumas psicológicos. 41 didática da arquitetura. Na realidade, os processos mentais ocorrem em paralelo, em áreas diversas do cérebro. Foram classificados, também, três tipos de problemas: os triviais, correspondentes às situações do dia-a-dia (Como trocar uma lâmpada? Como amarrar os sapatos?); os difíceis, em que são empregados os poderes mentais do pensamento convergente (Guilford, 1950) e encontradas soluções por processos lógico-dedutivos; e os complexos, que requerem a capacidade criadora para sua resolução. A caixa “Domínio” representa as habilidades e competências do indivíduo, segundo a classificação de Czikszentmihalyi (1988) apud Laske (1993). Na avaliação inicial e na categorização de um problema, o domínio é de fundamental relevância, pois será fator decisivo na definição da prioridade (“grau de urgência”) do problema. Usualmente, quanto menor o domínio envolvendo um problema específico, menor o interesse do indivíduo em resolvê-lo. A caixa “Campos de Problemas” abrange os conceitos e as representações individuais dos problemas vivenciados. É uma espécie de “índice mental”, que categoriza situações vividas e as relacionadas a conceitos gerais “aprendidos” formalmente, por meio de instrução ou experiência. Como exemplo, o profissional de Administração que necessita incrementar as vendas por meio da comunicação de uma promoção de preços poderá categorizar esse problema como pertencente ao campo “propaganda”. O “Universo Cognitivo” é associado à memória de longo termo do indivíduo. Nele estão armazenadas todas as experiências vividas e os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos. A caixa de “Emoções” representa o fator emocional e está presente em todos os momentos do processo de solução de problemas: participa na priorização das ações, no 42 controle das atividades, nas decisões sobre continuidade do processo e é influenciada pela solução final. A visualização do processo promove a visualização da solução de três tipos de problemas: triviais, cuja resposta é facilmente encontrada já no processamento inicial, correspondentes às situações rotineiras que encontramos no dia-a-dia; os problemas “difíceis”, cuja solução, embora não aparente, pode ser deduzida pela utilização de um processamento posterior (que Piaget identifica como “abstração reflexionante”41), que viria a estruturar os conhecimentos sem, no entanto, alterar o espaço de pesquisas. O terceiro tipo são os problemas considerados como complexos e envolvem uma ampliação do espaço de pesquisas, pois resultam de sucessivas respostas inadequadas tanto da lógica dedutiva quanto das experiências prévias em relação ao problema inicial. Esse é um momento delicado na estruturação do raciocínio, pois é quando as emoções exercem maior pressão, obrigando o indivíduo a tomar, continuamente, decisões sobre a persistência no processo de busca da solução ou o seu abandono. No novo espaço de problema, ampliado pelo impasse provocado pela falta de respostas da lógica dedutiva e das experiências anteriores, o cérebro possui novos fatores, experiências e habilidades, tiradas de outras áreas não consideradas inicialmente, para aplicar ao problema, provocar a reestruturação das conexões mentais e formar novas ligações, propiciando o aparecimento da equilibração majorante: uma vez resolvido satisfatoriamente, o problema gera alívio e prazer (no âmbito emocional), agrega novas experiências (que passam a ser estocadas na memória de longo termo, ampliando o universo cognitivo do indivíduo), 41 Para Piaget, a abstração reflexionante é estruturante dos conhecimentos, forma relações entre elementos e consolida conceitos e oferece uma visão de conjunto simultânea (MONTANGERO, Jacques; NAVILLE, D. Maurice. Piaget ou a inteligência em evolução. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999, p. 92-93). 43 reestrutura os campos de problemas (pela incorporação de novos conceitos e representações de problemas e soluções possíveis) e amplia o domínio geral (pela formação de novas relações entre campos inicialmente não relacionados). Em termos de relações dinâmicas, a mudança de domínio acontece quando os mecanismos de percepção funcionam de forma diferenciada (em razão de interferências e ruídos), levando ao acionamento de diferentes nós na rede neuronial. O indivíduo passa a “ver” a situação de forma diferente, em razão da atividade em regiões do cérebro que não estariam originalmente associadas àquele contexto específico. Figura 5: Dinâmica da criatividade SITUAÇÃO PROBLEMA SOLUÇÃO Esq. de Assimilaç ão Mu danç a de Domínio (pe nsam ento criativo) Raciocínio Lógic o (pensamento dedut ivo) Mudan ça de Domínio (cria ção espon tânea - interferência / ruído) Esq. de Assimilação pré-existen tes (pensamento “automático”) não-existentes O modelo de aprendizagem piagetiano demonstra que todo aprendizado surge de uma situação. Por meio de esquemas de assimilação, o cérebro tenta compreendê-la, utilizando sua experiência para encaixá-la em um script 42 previamente definido e testado. Se esse script 42 Estrutura para um esquema que envolve uma compreensão comum sobre os protagonistas, os objetos e a seqüência de ações características numa situação estereotípica. O conceito de script utilizado é aquele proposto por Schank e Abelson 46 Uma implementação de inteligência artificial que se proponha a simular a criatividade humana deverá levar em consideração os aspectos propostos na arquitetura apresentada, bem como considerar os efeitos do aprendizado de novas situações. Para isso, o sistema deverá prover condições para: expressão de respostas emocionais válidas, conforme as pressões internas e externas ao sistema44; alimentação de dados transparente ao usuário, emulando o universo cognitivo do sistema; sistemas algorítmicos de representações e conceitos inter-relacionáveis; categorizações e índices bem definidos, porém flexíveis, de habilidades e competências. Um problema interessante para se resolver é a questão da quantidade e dos tipos de competências e habilidades que deveriam ser introduzidos no sistema, bem como de que forma combiná-las conforme as experiências. Ou seja, como resolver o problema da integração entre Domínio, Campos de Problemas, Universo Cognitivo e Emoções, e de que maneira cada um deverá interagir com o problema para formar o espaço de pesquisa inicial. Uma questão pertinente é a de que estratégias cognitivas serão utilizadas para construir seus raciocínios. Deduz-se que quanto mais estratégias cognitivas possuir o sistema, mais facilidade terá na transição entre os domínios, portanto, maior será seu potencial criativo. Assim, um sistema de inteligência artificial que se proponha a simular a criatividade deverá, em última análise, promover a facilitação do processo de transição entre os domínios, por meio da colocação de “obstáculos” nas estratégias cognitivas rotineiramente utilizadas. O 47 sistema deverá testar várias abordagens para encontrar soluções de problemas, objetivando ganhar experiência na construção de novas relações interdomínios. A chave para o funcionamento do modelo da criatividade apresentado é a formação dos domínios. Neles estará estruturada toda a base de conhecimentos do sistema, assim como as relações entre os conceitos, as regras dessas relações e as prioridades na formação dos campos. Assim, a próxima seção irá expandir e aprofundar as possibilidades de construção dos domínios em sistemas computacionais e inferir as relações prováveis entre representações de conhecimentos, por meio das ferramentas conceituais propostas por Lévy, Berlin, Kay e Rosch. 44 Uma vez que as emoções são fundamentais para o processo cognitivo humano, um sistema de inteligência artificial deverá utilizá-las para ser capaz de interagir com o usuário de forma plena e fornecer respostas criativas para os padrões humanos. 48 5 DOMÍNIOS NATURAIS E COGNIÇÃO ARTIFICIAL Até que ponto o computador pode pensar e o ser humano é apenas uma máquina? Essa pergunta vem adquirindo cada vez mais importância desde o advento das tecnologias de inteligência artificial. Para respondê-la, devem-se compreender os aspectos fundamentais das abordagens cognitivas humanas e as arquiteturas de sistemas computacionais. Este capítulo apresenta uma possível resposta por intermédio de uma análise da fundamentação teórica das principais abordagens cognitivas (representacionismo, nova robótica e escola chilena); da transposição dos conceitos de redes hipertextuais de significados, de categorias e de domínios a sistemas de inteligência artificial; e da possibilidade de implementar um sistema de inteligência artificial, construído com base nesses conceitos, que poderá simular o comportamento inteligente e a criatividade. Também são apresentadas as diferenças entre o pensamento humano e o “pensamento digital”. Os conceitos e estudos apresentados objetivam fundamentar a possibilidade da construção de domínios mentais, nos termos citados no capítulo anterior, em sistemas de inteligência artificial. 5.1 Representacionismo, Nova Robótica e Escola Chilena: as abordagens cognitivas As abordagens cognitivas tradicionais baseiam-se no representacionismo, ou seja, na assunção da capacidade humana de cognição ser possível por meio da representação mental45 45 O conceito de representação, neste artigo, é o mesmo utilizado por Damásio (1999): “ ‘padrão que é conscientemente relacionado a algo’, quer se refira a uma imagem mental, quer a um conjunto coerente de atividades neurais em uma região 51 responsável por verificar a distância, outra por andar até a coisa, outra por movimentar os membros para agarrá-la, outra por controlar a pressão para segurá-la, e assim por diante. Cada camada é ativada ou inibida por uma circunstância do ambiente externo ou por uma saída de outra máquina, captada por meio dos dispositivos de entrada, e controlada por um timer sensível ao contexto. Máquinas de estado finito são a base da arquitetura de subsunção, idéia fundamental para a proposta de Brooks e que une a percepção de um mundo externo à ação sobre esse mundo, sem representações prévias. Figura 6: Representação da máquina de estado finito timer saída saída saída Máquina de Estado Finito en tra da en tra da en tra da Fonte: TEIXEIRA, João de Fernandes. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 136. Ou seja, para a nova robótica, a estratégia da cognição será bottom-up: “a simulação do comportamento inteligente deve ter como ponto de partida os comportamentos simples, mundanos, que não requerem a existência prévia de representações”49. 49 TEIXEIRA, J. F. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 134. 52 A escola chilena repete a crítica da nova robótica à teoria representacional e acrescenta um outro aspecto: a limitação imposta à teoria cognitiva tradicional pelos paradigmas herdados da filosofia clássica, que postulavam a imaterialidade mental para dar conta da distinção entre “mente” e “mundo”, criando uma inescrutabilidade dos processos mentais. Essa limitação deu origem à expressão “ghost in the machine” como forma de um substrato invisível e intangível, que seria a base dos processos mentais e do próprio conceito de significado, fundação semântica de todas as representações. Esse problema torna-se fundamental quando se examina a questão da intencionalidade sob o ponto de vista cognitivo e consciente. Acontece que a intencionalidade não pode ser expressa em termos simbólicos e, portanto, é impossível ser representada cognitivamente. Essa limitação começa a trazer estagnação teórica e tecnológica, principalmente no campo da inteligência artificial, a partir dos anos 60, quando do insucesso da construção de máquinas de tradução capazes de compreender o contexto e a intencionalidade do autor, pois eram baseadas em conceitos representacionais, ignorando a semântica contextual. “Em suma, a idéia de conhecimento como representação parece estar na raiz das dificuldades tecnológicas aparentes envolvidas na construção desses sistemas: explosão combinatorial, comportamento rígido e assim por diante”50 (o grifo é do autor). Varela (1988) define a cognição como “ação efetiva: história do acoplamento estrutural que faz emergir um mundo (...) através de uma rede de elementos interconectados capazes de mudanças estruturais ao longo de uma história ininterrupta”51. Essa definição pressupõe a 50 TEIXEIRA, J. F. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 146. 51 TEIXEIRA, J. F. Mentes e máquinas: uma introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 147. 53 inteligência como uma interação entre sujeito e ambiente ao longo de um tempo contínuo. Nesse aspecto, a cognição de Varela é bem próxima à de Piaget52. Tanto as críticas da nova robótica quanto as da escola chilena levantam questionamentos pertinentes à teoria cognitiva representacional, principalmente sob os aspectos da intencionalidade e da necessidade da preexistência de representações para a atividade cognitiva. Em uma análise funcional, entretanto, as representações possuem méritos, pois oferecem um ferramental viável para a solução de problemas concretos, desde que possam ser devidamente simbolizadas e contextualizadas. Há que se considerar as bases do cálculo matemático para as soluções desses problemas, principalmente quanto à precisão dos resultados: a arquitetura representacional pode, a partir de um modelo construído, prever estatisticamente os resultados matemáticos prováveis. Essas cálculos, no entanto, não levam em conta os inúmeros fatores reais presentes no mundo no momento da execução da solução, permitindo apenas uma aproximação, conforme explica Lévy: “(...) o sistema real vê-se submetido a uma multidão de perturbações que vão desde a respiração do experimentador presente na sala até o movimento de um núcleo de hidrogênio em Alfa do Centauro. Ora, essas perturbações tornam-se rapidamente expressivas, a um ponto tal que o resultado do cálculo, embora exato, ainda assim estará muito distante do resultado observado. (...) Os engenheiros da NASA sabem perfeitamente que os computadores à sua disposição, embora extremamente potentes, não podem calcular o trajeto exato das naves espaciais a partir das condições astronômicas e astronáuticas iniciais.” 53 52 Para Piaget, o aprendizado seria conseqüência de processos de assimilação de uma realidade externa e adaptação a essa realidade por meio de um mecanismo de equilibração contínuo e ininterrupto. Sob esse aspecto, cognição envolveria a ação sobre o mundo produzindo mudanças estruturais – por meio da movimentação do próprio corpo, por exemplo – que serve de base para a construção dos modelos mentais referentes para futuras ações. 53 LÉVY, P. A máquina universo: criação, cognição e cultura informática. Porto Alegre: ArtMed, 1998, p. 105. 56 sons, roteiros, sentimentos – praticamente qualquer coisa pode-se tornar um nó. As conexões entre os nós, por sua vez, são construídas por meio da observação de relações de causa-efeito no mundo. Quando o sujeito cognoscente age sobre a realidade, provocando uma mudança, essa mudança é percebida como realimentação para seu sistema cognitivo, o que gera uma nova ponte entre nós e cria uma regra lógica: se isto, então aquilo. A validade dessa regra será testada inúmeras vezes ao longo da história do indivíduo, levando-o a reforçá-la ou a descartá-la como inválida. Entretanto, a criação efetiva de redes hipertextuais está condicionada à sua relevância para o sujeito. A sua consolidação na memória será efetivada apenas se o fator emocional estiver presente – ou seja, se a história em que se criou tal situação tiver significado, seja por meio da analogia com experiências prévias, seja por meio da identificação de uma instância futura, seja em razão de uma reação emocional aprendida. Quanto mais fortes esses fatores, mais chances terá a rede de se instalar na memória. E quanto mais recorrência for feita a ela, por meio do acesso a seus nós, mais ativa será a sua participação nos processos cognitivos como um todo. As redes hipertextuais fornecem um bom pano de fundo para a compreensão do pensamento humano como algo corrente, abrangente, flexível e variado. Isso somente é possível em razão da fisiologia humana, que dispõe de um sistema nervoso central e altamente plástico, com capacidade de conectar simultaneamente diversas redes de neurônios por intermédio de reações eletroquímicas, para provocar comportamentos específicos. Em um sistema de inteligência artificial, a arquitetura de hardware não permite a mesma plasticidade do cérebro humano. Essa plasticidade tenta ser simulada por meio de softwares e 56 As propriedades de uma rede hipertextual da natureza proposta por Lévy, e, portanto, importantes para a compreensão da ativação de seus nós, são: dinamicidade, heterogeneidade, fractalidade, abertura para o meio, topologia e automação. 57 pela interconexão de diversos hardwares externos. Apesar de conseguir simular redes hipertextuais com relativo sucesso, essas técnicas deixam muito a desejar em razão das limitações tecnológicas e conceituais embutidas em seu próprio desenvolvimento. Questões teóricas não respondidas, como os aspectos relativos à intencionalidade da rede, limitam suas aplicações práticas, enquanto a pouca capacidade de processamento paralelo e a arquitetura digital57 tornam quase impossível o relacionamento inter e intra-redes, inibindo o comportamento criativo do sistema. Porém, quando a intenção é a simulação da própria memória humana, como estruturação de um sistema de armazenamento e recuperação de informações históricas por meio do relacionamento de causa-efeito, a topologia das redes hipertextuais apresenta grande funcionalidade em sistemas de inteligência artificial. Aplicações como datawarehouses e datammining são beneficiadas com as possibilidades de acesso a informações de diversas naturezas (palavras, sons, imagens etc.) e da pesquisa por relações entre essas informações ao invés da informação em si. Nesse ponto, há enorme proximidade do sistema digital com a inteligência humana. O ser humano, ao buscar lembrar-se de uma situação específica, busca suas referências por meio de relações entre eventos, pessoas, imagens, sons e outras situações, e não por intermédio da procura pela situação em si. O sistema de indexação mental humano é muito mais relacional do que diretivo. 5.2.2 A teoria de categorias e protótipos de Berlin, Kay e Rosch Outra metáfora para a organização do pensamento humano apresenta-se por meio dos conceitos de protótipos e categorias introduzidos por Berlin e Kay (1969) e desenvolvidos 57 Os processos cognitivos humanos funcionam por analogia com a realidade. 58 por Rosch (1978). Os princípios fundamentais da teoria dos protótipos e das categorias cognitivas baseiam-se na noção de que a percepção do mundo acontece por intermédio da analogia entre objetos desse mundo, numa busca de semelhanças entre esses objetos. Quanto maior o grau de coincidência de aspectos percebidos, mais próximos estarão os objetos sob o ponto de vista cognitivo. Um grupo de objetos com características semelhantes forma uma categoria. O grau de refinamento descritivo das categorias varia conforme a experiência que o indivíduo possui com as entidades das categorias. Rosch introduz, com base nessa observação, a noção de fronteiras difusas entre as categorias – até que ponto uma entidade pertence à categoria A e não à categoria B é uma questão de experiência individual, acontecendo continuamente em um ambiente cultural que alimenta expectativas e demanda respostas adequadas do sujeito (Ungerer, 1996). As fronteiras difusas explicam a sobreposição de categorias – elementos que não são claramente identificados com pertencentes à categoria A ou à B, podendo ser relacionados a ambas as categorias. É interessante observar que não são as entidades físicas que se misturam umas às outras, mas as categorias das entidades, que são produtos de classificação cognitiva. Ou seja, não são os limites das entidades que são vagos, mas os das categorias desses processos cognitivos. Em termos mais realísticos, as margens difusas são áreas de atrito entre categorias adjacentes, muitas das quais são dependentes do contexto. Uma vez que as categorias possuem membros diferentes, que podem representar melhores ou piores exemplos dessas categorias, é necessário investigar o que diferencia esses membros. Daí surge a noção de atributo como um conjunto de características comuns aos membros da categoria. Vale ressaltar que estes atributos podem não existir uniformemente em todos os membros, mas apenas em alguns exemplos. Os atributos que definem um 61 entrada classificada de entidades em cada categoria definida. Cria-se, assim, um modelo computacional de um grupo de categorias, bem como de ponteiros para o reconhecimento dos atributos das entidades que as compõem e das entidades que povoam o mundo. Esse modelo simularia, por exemplo, a categoria de “máquinas que andam sobre rodas”, e nelas estariam contidas as entidades “carro”, “caminhão”, “trem-de-ferro”, “avião”61 e assim por diante. Também deveriam estar listados os atributos necessários para que as entidades se caracterizassem como membros – “ter rodas”, “possuir motor”, “andar”, “parar” etc. A funcionalidade de um sistema computacional baseado em categorias reside em sua aplicação na estruturação simulada de domínios mentais. Domínios são organizados em torno de classes de conhecimentos e podem ser entendidos como categorias mentais de grande abrangência. Quando é necessária a recuperação de alguma informação técnica, por exemplo, a mente humana recorre a um domínio específico em busca de conhecimento. Quando se depara com um problema matemático, por exemplo, geralmente busca-se a resposta em noções associadas a fórmulas, equações, conjuntos, matrizes, números e assim por diante, e não em representações mentais associadas a arte, diversão, história etc.62 A estruturação de um sistema de inteligência artificial utilizando como metáfora a categorização pode, portanto, servir como base para a simulação artificial de domínios mentais, trazendo a funcionalidade de uma representação do mundo próxima aos métodos descritivos humanos e, portanto, em uma linguagem mais natural. 61 Note-se que a entidade “avião” poderia pertencer – até mais propriamente – à categoria “máquinas que voam”. Porém, um dos principais atributos da categoria “máquinas que andam sobre rodas” é possuir rodas, atributo compartilhado pelo avião. 62 É interessante observar que o pensamento criativo, inusitado, pode residir justamente em um processo mental oposto ao citado. Quando se busca uma solução criativa para um problema específico, muitas vezes a resposta está em uma analogia em outro domínio. 62 5.3 Implementação de domínios cognitivos em sistemas digitais A aplicação simultânea das teorias de redes hipertextuais de significados e de categorias pode gerar as bases necessárias para, com as tecnologias atualmente disponíveis, construir um sistema de inteligência artificial que apresente comportamento criativo e que, segundo Chalmers (1996)63, poderá vir a desenvolver consciência própria, intencionalidade e reações bem próximas às humanas64. A implementação aconteceria em camadas (como sugere a nova robótica), partindo-se de um “baixo nível” para tratamento direto com o ambiente (“camada perceptiva”), que teria como entradas informações sobre o mundo coletadas por sensores específicos (dados introduzidos pelo teclado, pelo mouse ou por outros mecanismos comumente encontrados em sistemas domésticos também qualificam-se como sensores, nesse caso). A segunda camada identificaria as informações, enquadrando-as em categorias predefinidas ou, caso estas não existam, armazenando-as na área de trabalho para processamento posterior – essa camada poderia ser identificada como “camada de identificação”. A camada seguinte buscaria relações entre as informações recém-categorizadas e as entidades já existentes, ativando uma ou mais redes hipertextuais de significados – seria a “camada relacional”. Essas relações poderiam ser, então, qualificadas (muito fortes, fortes, normais, fracas, muito fracas ou algum outro sistema de qualificação que permita hierarquizar as relações), para que possam ser atribuídos valores e selecionadas novas categorias para uso no tratamento da situação. A qualificação daria origem, portanto, à “camada qualificatória”. Uma vez identificadas as melhores relações, funcionaria uma nova camada relacional’, desta 63 CHALMERS, D. J. The conscious mind: in search of a fundamental theory. New York: Oxford University Press, 1996. 64 Vale ressaltar que a natureza exata dessas intenções e reações provavelmente permanecerá desconhecida, já que a base de funcionamento dos sistemas humano e digital é fundamentalmente distinta – uma analogia semelhante seria comparar as emoções entre seres humanos e macacos: sabe-se que ambos possuem emoções, porém sua natureza é bastante diferente (DENNETT, Daniel C. Kinds of minds: towards an understanding of consciousness. New York: Basic Books, 1996). 63 vez em sentido oposto – a entrada seriam as relações, e a saída, as melhores categorias que atendem às relações estabelecidas. Nesse momento, entraria em funcionamento uma “camada adequativa”, que selecionaria as categorias pertinentes à situação inicialmente encontrada, encaminhando-as novamente à camada relacional, para identificação das relações entre essas categorias selecionadas. Por fim, as relações seriam repassadas a uma “camada interativa”, que transformaria as relações encontradas em ação sobre o mundo, inclusive na forma de linguagem, caso esta seja uma das relações selecionadas. Essa implementação assemelha-se a uma espécie de “linha de montagem de pensamentos”, como se todas as operações fossem realizadas em série. No entanto, com o desenvolvimento das redes de processamento distribuído, algumas operações podem ocorrer em paralelo, como as pertinentes à camada perceptiva, que recolhe informações sobre o ambiente ao mesmo tempo em que a camada de identificação analisa os dados previamente recolhidos. Na realidade, como o sistema está inserido em uma história, o funcionamento é constante e ininterrupto em todas as camadas. Por estar inserido em uma história, e não dedicado ao processamento de um único evento, haverá sempre uma máquina de estado finito ampliada e combinatorial65 alocada para o controle de cada operação, responsável pela armazenagem das novas situações encontradas em categorias preexistentes e pela manutenção das redes hipertextuais do sistema (incluindo reforço ou destruição e criação de novas pontes entre nós). Essa seria a “camada de controle e armazenamento”. Chalmers (1996) propõe a implementação de sistemas inteligentes que 65 As máquinas de estado finito ampliadas e combinatoriais são como máquinas de estado finito comuns, porém possuem como entradas vetores, e não dados simples; seu funcionamento interno e saídas são orientados a vetores de informações (CHALMERS, D. J. The conscious mind: in search of a fundamental theory. New York: Oxford University Press, 1996). 66 Quadro 5: Simulação dos processos mentais em sistemas computacionais através da arquitetura sugerida Processo mental Construto para a simulação Camadas: perceptiva; identificação; relacional. Representação do mundo Estratégias: categorização das entradas; identificação de relações (redes). Camadas: qualificatória; relacional; adequativa. Processamento da situação Estratégias: comparação (das relações entre as entidades – redes); categorização das relações. Camadas: interativa. Ação sobre o mundo Estratégias: seleção de categorias e relações. Camadas: tratamento do erro. Tratamento do erro Estratégias: categorização do erro; categorização da experiência; relacionamentos decorrentes da experiência (resultados integrados às redes hipertextuais). Camadas: controle e armazenamento. Controle do processo Estratégias: categorização da experiência; manutenção das redes. Entretanto, a existência dos mecanismos que possibilitam a simulação da inteligência não é condição suficiente para que realmente exista inteligência. Tanto esta como a sua característica observável – o comportamento inteligente – dependem de bases de conhecimentos e de relações entre essas bases; computadores e seres humanos compartilham bases de conhecimento sustentadas em hardwares diferentes, impondo a obrigatoriedade da 67 aproximação do sistema cognitivo humano por meio de sua simulação, conforme demonstrado no quadro 6. Quadro 6: Paralelo entre o cérebro humano e os sistemas computacionais Processos de Inteligência Cérebro Humano Sistemas Computacionais Organização da informação Rede hipertextual (Lévy) Protótipos e categorias (Rosch, Kay) Bases de dados (datawarehouses) Representação do mundo Analógica (ícones) Digital (linguagem) Digital Evidência do processo Consciência Varredura em paralelo, com processamento em background Não exclusivo Não consciente Varredura seriada, com processamento em primeiro plano Exclusivo Abertura a estímulos Aberto a estímulos externos durante o processamento Fechado a estímulos Dependências Depende de conhecimentos e experiências prévias (crenças) Depende de bases de dados bem montadas Orientação e tipo de processamento Por relevância Difusa Coincidência de informações Exata A implementação desse tipo de sistema, a princípio, pode ser realizada em qualquer tipo de hardware computacional. A efetivação e os testes necessários, entretanto, estão além do escopo deste trabalho, abrindo portas para novas pesquisas e desenvolvimento de processos e técnicas de aplicações para inteligência artificial. Em especial, a arquitetura sugerida parece permitir a construção de domínios cognitivos computacionais, por meio da categorização de entidades e de relações hipertextuais de significados, possibilitando o surgimento de insights criativos do próprio sistema pelo “aprendizado”, em razão do tratamento de erros, gerando um conseqüente aumento da quantidade de categorias cognitivas e das relações entre elas (redes). Em aplicações voltadas à criatividade e à solução de problemas por analogia, parece adequada a utilização desse tipo de estrutura. 68 Baseado no exposto, a formação de domínios artificiais encontra suporte nas teorias apresentadas. De fato, as pesquisas da Nova Robótica atestam a capacidade de se construir representações de objetos com base na interação com o meio; a teoria das categorias e dos protótipos de Berlin, Kay e Rosch permite compreender os mecanismos de formação de conceitos por meio das representações de objetos; e as redes hipertextuais de Lévy fazem as ligações entre os conceitos para a construção de um domínio. A integração desses domínios em um sistema de inteligência artificial que de fato aplique o modelo da criatividade proposto na figura 4, entretanto, ainda deve responder a algumas considerações, especialmente as pertinentes à função exploratória do modelo em si, das possibilidades técnicas de efetivamente implementá-lo e das estratégias para a auto-organização dos domínios. A seguir, buscam-se respostas para essas considerações, apresentando uma análise das potencialidades do sistema como ferramenta de aprendizado; dos métodos de inteligência artificial mais adequados para implementá-lo em uma arquitetura de camadas; e dos estudos de Heylighen para a auto-organização da rede de domínios. 71 sentida na psicologia da aprendizagem por meio de seus reflexos no estruturalismo e, principalmente, no comportamentalismo de Skinner. A respeito do comportamentalismo, trata-se de uma forma de resposta ao subjetivismo. Para os comportamentalistas, o estudo dos processos mentais superiores para a compreensão da conduta humana é desnecessário: aprende-se por condicionamento e repetição (Pozo, 1999). O impulso dado por diversos fatores externos à psicologia, especialmente a evolução tecnológica, as novas teorias da comunicação, a lingüística e a cibernética, trouxe um novo paradigma, representado pelo processamento de informações, que torna possível o estudo dos processos mentais que o comportamentalismo negava. Esses novos estudos, apoiados em bases tecnológicas e buscando uma interdisciplinaridade em campos como a filosofia, a informática, a medicina e a própria psicologia, geraram a escola cognitivista. A relevância dessas duas doutrinas para a aprendizagem é significativa. Historicamente, inclusive nos dias atuais, há um predomínio do enfoque comportamentalista nas metodologias de ensino das escolas de praticamente todos os níveis. Teóricos como Chi e Rees (1983), Gagné Glaser (1987), Mandler (1985), Shuell (1986) apud Pozo (1999), entre outros, acreditam haver motivos para se confiar na possibilidade de que o enfoque cognitivista venha a ser adotado como modelo de aprendizagem em um futuro próximo. Na realidade, algumas experiências já estão sendo realizadas nesse sentido, mas se trata de estudos embrionários e que não chegam a representar um movimento claro rumo à adoção da psicologia cognitiva da aprendizagem (Pozo, 1999). Lakatos (1978) apud Pozo (1999) desenvolveu uma aplicação da teoria comportamentalista à aprendizagem, que buscava conciliar os fundamentos do 72 condicionamento e da repetição como bases para a pesquisa científica, e esta como fator de aprendizado. Figura 8: O comportamentalismo como programa de pesquisa científica CONDUTAS Elementos unidos mediante regras sintáticas Correspondência entre aprendizagem e realidade externa Eqüipotencialidade de estímulos, de espécies, de indivíduos Sujeito passivo Reducionismo antimentalista Ambientalismo externo Anomalias devido à falta de organização. Problema de Hume Anomalias adquiridas à incapacidade de adquirir significados. Problema do conteúdo. TEORIA DA APRENDIZAGEM (Estímulo-Resposta) Fonte: POZO, Juan Ignacio. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3 ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 25. Uma das principais críticas ao comportamentalismo é a sua incapacidade de produzir respostas teóricas originais. Como conseqüência, novos programas vêm sendo elaborados, cuja fundamental diferença é uma liberação do núcleo conceitual comportamentalista, eliminando, principalmente, a rejeição dos processos cognitivos e aprofundando o processamento de informações (Pozo, 1999). O conceito central da psicologia cognitiva, na qual se embasa este novo programa, é mais abrangente do que o próprio conceito de processamento de informações. Segundo Rivière (1987) apud Pozo (1999), “o mais geral e comum que podemos dizer da Psicologia Cognitiva é que remete à explicação da conduta, a entidades mentais, a estados, a processos e disposições de natureza mental, para os quais 73 reclama um nível de discurso próprio”66. Isso significa, portanto, que a ação do sujeito está determinada por suas representações mentais. Figura 9: O processamento de informações como programa de investigação científica Organização? Aquisição deSignificados? TEORIA DA MEMÓRIA PROCESSOS COGNITIVOS CAUSAISREPRESENTAÇÕES Eqüipotencialidade?Correspondência? Decomposição Recursiva. Elementos unidos mediante regras sintáticas Sujeito como processador ativo de informações Interação de variáveis do sujeito e da tarefa Fonte: POZO, Juan Ignacio. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3a. ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 42. Assim, a capacidade de aprendizagem estaria determinada pela forma como o indivíduo representa seus conhecimentos, em conjunto com as suas capacidades de memória e com os seus processos cognitivos causais. Para adquirir essas representações, o ser humano tem como canais seus mecanismos de assimilação, aqui entendidos “no sentido amplo de uma integração às estruturas prévias”67, e utiliza, para isso, seus sentidos como porta para uma percepção do mundo externo, aliados a processos mentais de tratamento das informações. A maior ou menor efetividade dessa assimilação depende de fatores de aprendizado, que variam de pessoa para pessoa, constituindo estratégias de aprendizagem. Essas estratégias levam em 66 POZO, Juan Ignacio. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3 ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 40-41. 76 sentimento é de medo ou ira. O padrão parassimpático, chamado de “resposta de relaxamento”, é um conjunto de reações que percorre todo o corpo, provocando um estado geral de calma e satisfação, facilitando a recuperação. O erguer das sobrancelhas, na surpresa, proporciona uma varredura visual mais ampla, e também mais luz para a retina. Isso permite que obtenhamos mais informação sobre um acontecimento que se deu de forma inesperada, tornando mais fácil perceber exatamente o que está acontecendo e conceber o melhor plano de ação. Em todo o mundo, a expressão repugnância se assemelha e envia a mesma mensagem: alguma coisa desagradou ao gosto ou ao olfato, real ou metaforicamente. A expressão facial de repugnância (...) sugere, como observou Darwin, uma tentativa primeva de tapar as narinas para evitar um odor nocivo ou cuspir fora uma comida estragada. Uma das principais funções da tristeza é a de propiciar um ajustamento a uma grande perda, como a morte de alguém ou uma decepção significativa. A tristeza acarreta uma perda de energia e de entusiasmo pelas atividades da vida, em particular por diversões e prazeres. Quando a tristeza é profunda, aproximando-se da depressão, a velocidade metabólica do corpo fica reduzida. (...) É possível que essa perda de energia tenha tido como objetivo manter os seres humanos vulneráveis em estado de tristeza para que permanecessem perto de casa, onde estariam em maior segurança.”68 Essa diversidade emocional demonstra que existem momentos e situações que propiciam uma aprendizagem mais efetiva. Uma metodologia de ensino que buscasse provocar uma sensação de felicidade, ou que se dispusesse a, no mínimo, respeitar momentos de tristeza ou 68 GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. 76 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995, p. 20-22. 77 raiva, teria mais condições de formar novas estruturas mentais e relacionar mais eficiente os conhecimentos adquiridos. 6.2.3 Fatores motivacionais A motivação traz embutida o conceito de impulso para a ação e para a manutenção da ação. Schank (1995) propõe que o aprendizado é um processo natural, que acontece na forma de uma “cascata”: primeiro, o aprendiz adota uma meta, em seqüência gera uma pergunta ou um questionamento e, finalmente, responde à pergunta. Esse processo traz de forma implícita a importância do fator motivacional no aprendizado: quando se deseja aprender a andar de bicicleta, por exemplo, uma meta foi adotada. No decorrer do processo “andar de bicicleta”, o aprendiz irá cair, se desequilibrar ou parecer tolo, e isso tudo o fará questionar, mesmo que internamente, o que está fazendo de errado – por que não consegue andar de bicicleta? Buscará, então, respostas a esse questionamento, e aprenderá. No entanto, Schank não explicita o papel motivacional inicial: por que alguém gostaria de andar de bicicleta? E, para dar seqüência ao raciocínio, por que o aprendiz não desistiu quando caiu pela primeira vez? Essa motivação para “continuar tentando” é conseqüência das pressões internalizadas por sentimentos de inadequação, de desafio ou de curiosidade. Portanto, para que o aprendizado se concretize em sua plenitude, é necessário um constante estímulo às motivações do estudante. Para conseguir manter a motivação, pesquisadores desenvolvem novas propostas educacionais, como a auto-orientação e a eficácia pessoal como metas educacionais (Barrel, 1995). Dessa forma, os estudantes podem tomar suas próprias decisões sobre seu aprendizado, cultivando um desejo presente em todos os seres humanos: a independência 78 (Goodlad, 1984). Outro importante fator motivacional é a relevância do aprendizado. Estudantes aprendem mais efetivamente quando o que está sendo ensinado tem relação direta com a sua realidade, oferecendo-lhe a oportunidade de se tornar um agente de sua própria vida (Freire, 1996). “Quando professores ligam novas informações ao conhecimento prévio do estudante, ativam o seu interesse e curiosidade, e embutem a instrução com um senso de propósito” (Presseisen, 1995). Não é suficiente, portanto, que se adote apenas a “cascata natural” proposta por Schank. O educador precisa mostrar ao estudante que é bom entrar na água, se molhar e “escalar a cascata”. 6.2.4 Fatores sensoriais Os sentidos são a porta de entrada para as informações do mundo. O que se conhece deriva de forma direta dos mecanismos que possuímos para apreender a realidade e representá-la. Como fenômeno biológico, o ser humano possui sistemas de percepção capazes de estimular o cérebro a interagir com o mundo com o intuito de compreendê-lo ou de modificá-lo, a fim de garantir a adaptação69 da espécie. A qualidade dessa percepção varia de pessoa para pessoa e de cultura para cultura. “Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações. (...) O ato de perceber ainda pode caracterizar-se pela limitação informativa. Percebe-se em função de uma perspectiva. A possibilidade 69 Adapatação, nesse contexto, possui o sentido darwinista associado à adaptação seletiva – precisamos nos adaptar para que possamos sobreviver. 81 Figura 10: A interação dos fatores nos espaços de aprendizagem FATORES EMOCIONAIS FATORES INTELECTUAIS FATORES MOTIVACIONAIS FATORES SENSORIAIS ES PA ÇO INT ERNAL IZADO DE APRENDIZAGEM ESPAÇO TOTAL DE APRENDIZAGEM A análise desses fatores sugere a existência de dois espaços para a aprendizagem, um internalizado, em que atuam de forma mais efetiva os fatores emocionais e os intelectuais, e outro mais geral, que permite interações mais complexas do indivíduo com o ambiente, mediadas pelos fatores motivacionais e sensoriais. Partindo-se dessa visualização, não há aprendizado sem que todos os fatores estejam envolvidos, em maior ou menor grau, na formação do conhecimento (Greenspan, 1999). 6.2.6 A interface e o ambiente virtualizado A otimização desses fatores de aprendizagem em um programa de ensino com bases tecnológicas tende a permitir melhor aproveitamento das capacidades cognitivas dos estudantes. Para isso, seria necessária a construção de um ambiente virtualizado em que o aluno fosse motivado a entrar, pudesse expor suas iniciativas e sentir-se bem com isso, 82 interagisse, com seus sentidos, com o objeto de estudo, e fosse-lhe permitido deduzir comportamentos, regras e relações do objeto com a sua realidade. Também seria importante deixá-lo errar e construir sua própria “base de conhecimentos” sobre o assunto. Schank propõe diversos ambientes de aprendizagem que se utilizam de estratégias cognitivas variadas objetivando justamente a construção dessas condições ideais de aprendizagem. Suas arquiteturas utilizam recursos que: a) exploram o campo perceptivo; b) trabalham com as emoções, buscando motivar o estudante; c) deixam que o próprio estudante determine seu ritmo de aprendizagem; d) conduzem o aluno a raciocinar e a deduzir regras sobre as situações vivenciadas; e) aproximam o objeto de estudo à realidade do aluno por meio de simulações; e f) orientam o estudante a explorar várias possibilidades, de modo que este construa perspectivas diferentes sobre o que está estudando. Para uma efetiva exploração de todas as estratégias cognitivas para a aprendizagem, é necessário desenvolver um ambiente que permita as interações entre os fatores. Ou seja, tal ambiente necessita levar em consideração não apenas os fatores em si, mas a sua interação, e permitir feedback emocional, sensorial ou ambos, para dar continuidade motivacional à aprendizagem. Convém lembrar que, como defende Piaget, a mudança é o estado natural do ser humano – estamos sempre em processo de equilibração, entendendo-a como “uma sucessão de compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações exteriores e de uma regulação, ao mesmo tempo, retroativa (sistemas em anel ou feedback) e antecipadora, constituindo um sistema permanente de tais compensações” (Piaget, 1966). Um ambiente de tal natureza pode ser construído também na Internet, com a utilização das tecnologias de inteligência artificial e de comunicação de dados de banda larga. A interatividade hoje característica da Internet permite que o ambiente forneça feedback real ao 83 estudante, gerando desafios, estimulando a curiosidade e oferecendo perspectivas (fatores motivacionais). Também possibilita a geração de problemas complexos automáticos, pertinentes ou complementares ao objeto de estudo do aluno, levando-o a utilizar faculdades lógico-matemáticas e efetuar relações entre as proposições (fatores intelectuais). As possibilidades de contato com outras pessoas, ou com os próprios tutores inteligentes que um ambiente virtualizado como proposto necessariamente teria, dá ao aluno a opção de descontração, de dispersão para outras áreas, de troca de experiências e de alívio da tensão emocional inerente à solução de problemas particularmente difíceis (fatores emocionais). Finalmente, o amplo leque de recursos multimídia disponíveis possibilita a troca de informações entre o ambiente e o aluno utilizando vários sentidos, complementando e reforçando os conteúdos importantes por meio do apelo a várias habilidades mentais72 (fatores sensoriais). A execução de um ambiente completo já é possível com as ferramentas atuais, bastando apenas a formação de uma equipe multidisciplinar e de recursos financeiros para o projeto. As estratégias cognitivas para a aprendizagem podem ser entendidas como uma conjunção de fatores que definem uma variedade de formas de interação responsáveis pela amplitude do conhecimento do indivíduo. O conhecimento desses fatores (emocionais, motivacionais, sensoriais e intelectuais) permite ao educador preparar os conteúdos pedagógicos com mais eficiência e conseguir, efetivamente, melhor aprendizagem para seus alunos. 72 Entendemos “habilidades mentais” como as inteligências múltiplas propostas por Gardner (GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, l995). 86 um repositório de casos e, à medida que novos casos são apresentados, busca em seu repertório casos semelhantes, aplicando na nova situação a experiência antiga. “CBR está baseado em um modelo de cognição humana que lida com conhecimento em forma de exemplos de experiências concretas. Surge basicamente da pesquisa na área de Ciência Cognitiva no trabalho de Schank e Abelson em memória dinâmica e o papel central que a lembrança de situações anteriores (episódios e casos) e padrões de situações (em forma de scripts que descrevem informações sobre eventos estereótipos e Pacotes de Organização de Memória (Memory Organization Packets – MOPs), expressando os padrões das situações) têm no aprendizado e na solução de problemas.” 75 Esse é justamente o conceito da formação do espaço inicial de pesquisa. Portanto, o raciocínio baseado em casos pode ser utilizado como ferramenta de busca inicial da solução, definindo o escopo da pesquisa e preparando o campo de conhecimentos a ser utilizado. 6.3.2 Redes neuroniais O modelo neurológico humano foi o ponto de partida para essa técnica de inteligência artificial. Essa técnica tenta imitar o funcionamento do cérebro, montando uma rede de neurônios artificiais operando de forma similar aos biológicos, por meio de um programa autodesenvolvido que conecta simultaneamente seus neurônios para emular a maneira que a mente humana desenvolve modelos e teorias sobre o mundo. O funcionamento dessa rede é fundamentado na capacidade de um neurônio estimular o outro (ativando-o) ou de suprimi-lo (inibindo-o). À medida que se forma uma massa crítica de ativações, a rede gera modelos da situação, baseados nos estímulos recebidos que 75 VON WANGENHEIN, Christiane Gresse. Case-based reasoning: a short introduction – technical report Iknow002.00E. C3 – Centro de Competência em Raciocínio Baseado em Casos. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, 87 desencadearam a reação em cadeia. Uma característica da rede neuronial é sua capacidade de “preencher lacunas” nas informações de entrada – em outras palavras, a habilidade de compreender a informação mesmo que ela esteja incompleta. Isso acontece em razão da característica intrínseca da própria rede, que opera conceitualmente por meio de proximidade: se um nó é ativado, provavelmente um nó próximo será ativado, principalmente se, no passado, a ativação tiver acontecido para ambos os nós. Esse modelo é interessante para implementar, na arquitetura da criatividade, os mecanismos de percepção da situação e de evolução da busca da solução. A partir dos dados inicialmente apresentados sobre o problema, o sistema selecionaria o repositório de conhecimentos conforme a ativação dos neurônios. Dessa forma, o sistema seleciona o domínio e o campo inicial da pesquisa. À medida que a busca no repositório de casos progride, a rede se auto-alimenta e busca “encaixar” a nova percepção (interna) da situação a casos já existentes, mesmo que a sobreposição não seja perfeita. Uma vez esgotados os casos no domínio inicial, a rede ampliaria a busca para outros domínios, procurando, da mesma forma, a sobreposição das situações existentes com as novas situações. Sua função, nesse caso, é a de um mecanismo de analogia. Thaler (1999) desenvolveu uma rede semelhante, a qual batizou de “Creativity Machine”. Na sua própria descrição, “Uma rede neuronial, quando negada de contribuições e sujeita a disrupções internas, forma um poderoso mecanismo de pesquisa dentro de qualquer espaço conceitual. Emparelhada com uma rede Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2000. Disponível em: <http://c3.eps.ufsc.br/rt/IKnow002_00E.pdf>. Acesso em: 27 de abril de 2001. 88 ‘crítica’, nós formamos o que alguns chamaram a mãe de toda a invenção, a tão falada ‘Creativity Machine’.” 76 6.3.3 Algoritmos genéticos e programação evolucionária As redes neuroniais, em especial a proposta por Thaler, incorporam características de sistemas dinâmicos complexos, fundamentalmente os ruídos a que estão submetidos tais sistemas. Trata-se de uma tentativa de aproximação dos fenômenos do mundo natural, em que a geometria euclidiana e o determinismo vêm sendo substituídos pelos fractais de Mandelbrot (1977)77 e pelo indeterminismo. Algoritmos genéticos são modelos de máquinas que aprendem cujo comportamento é derivado dos mecanismos evolutivos da natureza78. Isso é feito por meio de mutações e cross- overs entre cromossomos79, em uma competição pelos espécimes mais aptos a sobreviver em um ambiente e, por conseqüência, capazes de melhor transmitir seu material genético. A implementação de algoritmos genéticos, em geral, acontece da seguinte forma: a) avalia-se a adequação de todos os indivíduos da população; b) cria-se uma nova população por meio de operações de mutação, cross-over e reprodução dos indivíduos avaliados; e c) descarta-se a população antiga e interage-se com a nova. 76 THALER, Stephen L. Creativity machine: executive summary. Disponível em: <http://www.imagination- engines.com/cmexecsu.htm>. Acesso em: 23 de março de 2001. 77 O desenvolvimento do conceito de fractais está diretamente relacionado à teoria dos sistemas dinâmicos, popularmente conhecida como “caos”. Segundo essa teoria, uma pequena alteração nos valores iniciais de um sistema produz grandes diferenças em um curto período de tempo. 78 Vale ressaltar que, na natureza ou em sistemas genéticos, a evolução não é um processo diretivo ou com um propósito, mas uma característica aleatória. 79 No contexto da inteligência artificial, cromossomos são cadeias de caracteres análogos aos cromossomos de base 4 do próprio DNA humano.
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