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Guias e Dicas
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paisagem bertrand, Notas de estudo de Geografia

geografia - geografia

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 28/02/2011

valdecir-filho-3
valdecir-filho-3 🇧🇷

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Baixe paisagem bertrand e outras Notas de estudo em PDF para Geografia, somente na Docsity! BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR 141 PAISAGEM E GEOGRAFIA FÍSICA GLOBAL. ESBOÇO METODOLÓGICO1 Georges BERTRAND “Paisagem” é um termo pouco usado e impreci- so, e por isto mesmo, cômodo, que cada um utiliza a seu bel prazer, na maior parte das vezes anexando um qualificativo de restrição que altera seu sentido (“paisa- gem vegetal”, etc.). Emprega-se mais o termo “meio”, mesmo tendo este termo outro significado. O “meio” se define em relação a qualquer coisa; este termo é im- pregnado de uma finalidade ecológica que não é en- contrada na palavra “paisagem”.2 O problema é de ordem epistemológica. Real- mente, o conceito de “paisagem” ficou quase estranho à geografia física moderna e não tem suscitado nenhum estudo adequado. É verdade que uma tal tentativa implica numa reflexão metodológica e pesquisas específicas que escapam parcialmente à geografia física tradicional. Esta é, com efeito, desequilibrada pela hipertrofia da pesquisa geomorfológica e por graves carências, em particular no domínio das ciências biogeográficas. Enfim, ela permanece essencialmente analítica e “separativa”, qualificativo emprestado de P. PÉDELABORDE que opõe a climatologia clássica “separativa” (estudo das temperaturas, das precipitações, etc.) à climatologia “di- nâmica” (estudo global das massas de ar)3 enquanto que o estudo das paisagens não pode ser realizado senão no quadro de uma geografia física global. A paisagem não é a simples adição de elemen- tos geográficos disparatados. É, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. A dialética tipo-indivíduo é próprio fundamento do método de pesquisa. É preciso frisar bem que não se trata somente da paisagem “natural” mas da paisagem total integrando todas as implicações da ação antrópica. No entanto, deixaremos provisoriamente de lado as paisagens fortemente urbanas que, criando problemas originais, determinam possivelmente, para alguns de seus aspectos, métodos análogos. Estudar uma paisagem é antes de tudo apresentar um problema de método. 1 Tradução: Olga Cruz. Trabalho publicado, originalmente, na “Revue Geógraphique des Pyrénées et du Sud-Ouest”, Toulouse, v. 39 n. 3, p. 249-272, 1968, sob título: Paysage et geographie physique globale. Esquisse méthodologique. Publicado no Brasil no Caderno de Ciências da Terra. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, n. 13, 1972. 2 Meio: “Espaço que envolve imediatamente as células ou os organismos vivos e com o qual os seres vivos realizam trocas constan- tes de matéria e de energia”. Grand Larousse Encyclopédique, t. 7, p. 358. 3 PEDELABORDE, P. Introduction à l’étude scientifique du climat. Paris: C.D.U., 1995. p. 3. BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR142 A exposição que se segue dá ênfase suces- sivamente a problemas de taxonomia, de dinâmica, de tipologia e de cartografia das paisagens. A ANÁLISE DA PAISAGEM A noção de escala é inseparável do estudo das paisagens. As escalas temporo-espaciais de inspiração geomorfológica de A. CAILLEUX e J. TRICART foram utilizadas como base geral de referência para todos os fenômenos geográficos (a ordem de grandeza é indicada entre parêntesis, abreviada G. I, G. II, G. III).4 1 – As classificações elementares - cada disciplina especializada no estudo de um aspecto da paisagem se apóia em um sistema de delimitação mais ou menos esquemático formado de unidades homogêneas (ao menos em relação à escala considerada) e hierarquizadas, que se encaixam umas nas outras. A classificação fitogeográfica de H. GAUSSEN: ANDAR (ex. mediterrâneo) – SÉRIE (ex. carvalho verde) – ESTÁDIO (ex. garrigue) é a melhor ilustração disso. Em qualquer dos casos, trata-se de unidades específicas que podem ser qualificadas de “elementares” em relação ao complexo formado pela paisagem. Esses sistemas são tão variados quanto numerosos; nós não reteremos senão os que apresentam um interesse do ponto de vista da taxonomia das paisagens. As classificações climáticas e pedológicas são também tão gerais como teóricas e, além disso, são bastante discutíveis. A hierarquia bem conhecida desde Max Sorre: clima zonal (G. I), clima regional (G. I a G. IV), clima local (G. V - G. VI) e microclima (G. VII), pode fornecer um primeiro ponto de partida. Os geomorfologistas nunca demonstraram muito interesse por questões taxonômicas. Podendo citar somente a classificação morfo-estrutural apresentada por G. VIERS conforme os trabalhos de J. TRICART: o domínio estrutural (ex. Europa herciniana, G. III) a região estrutural (ex. as Ardenas, G. IV) – a unidade estrutural (ex. um anticlinal pré-alpino, G. V).5 A bacia-vertente, unidade hidro-geomorfológica, corresponde a uma descontinuidade essencial da paisagem, mas ela é heterogênea por definição e o limite à jusante é sempre difícil de ser estabelecido. Enfim, as paisagens ditas “fí- sicas” são com efeito quase sempre amplamente re- modeladas pela exploração antrópica. A divisão em parcelas, territórios, comunidades, quarteirões e “pays” vai então constituir um dos critérios essenciais da taxonomia das paisagens.6 No entanto, a melhor aproximação do problema é fornecida pela vegetação que se comporta sempre como verdadeira síntese do meio. As unidades fitogeográficas citadas acima (andar-série-estádio) correspondem a massas vegetais perfeitamente definidas tanto no plano fisionômico quanto no plano dinâmico. A fitosociologia moderna com orientação sinecológica vem harmoniosamente completar este sistema, permitindo delimitar unidades homogêneas do ponto de vista florístico (associações e agrupamentos vegetais, G. VI a G. VII). Como era de se esperar, essas diversas classificações elementares não têm entre elas nenhuma relação lógica porque os fenômenos em causa pertencem a ordens geográficas diferentes. Certos especialistas realizaram reagrupamentos parciais que constituem já uma 1ª etapa para a definição das paisagens. Nesse domínio, os biogeógrafos, já há muito tempo, precederam os geógrafos. 2 – As combinações bio-ecológicas – A biocenose é um agrupamento de seres vivos, correspondendo, pela composição e pelo número das espécies e dos indivíduos, a certas condições médias do meio, agrupamento de organismos, ligados por uma dependência recíproca que se mantém por reprodução de maneira permanente”7 O pântano com rãs é um exemplo dessa combinação. A biocenose coloniza o biótopo que é a unidade elementar correspondente ao menor conjunto homogêneo do meio físico-químico (G. VII-VIII). O ecótopo, a biogeocenose, o microcosmo, o “holocoen”, o “naturcomplex”, o fisiótopo, a geoforma, etc., exprimem com algumas variações, e de diversas maneiras, uma realidade bem próxima.8 As unidades biogeográficas superiores, como a tundra, a savana, a floresta tropical úmida, são 4 TRICART, J. Principes et Méthodes de la Géomorphologie. Paris: Masson, 1965, p. 79-90. Ver também GLANGEAUD, L. Degré de régionalité. Bull Soc. Géol. Fr., 1952. 5 VIERS, G. Eléments de Géomophologie. Paris: Nathan, 1967, p. 27-29. 6 Terminologia utilizada por R. BRUNET nos estudos a serem publicados: La notion de quartier rural. Bull A.G. F., 1968 et Rev. Géogr. Pyr. S. - O., 1968. 7 ANGELIER, M. Cours de biogéographie animale, proferido no Centro do 3º Ciclo de Biogeografia, da Faculdade de Ciências de Toulouse, 1963-1964. 8 Cf., mais particularmente, KORMONDY, E. S. Readings of ecology, New Jersey, 1965, 220 p. BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR 145 temperada). Na realidade, a zona se define primeira- mente pelo seu clima e seus “biomas”, acessoriamente por certas megaestruturas (os estudos das áreas tropi- cais...). O “domínio” corresponde a unidade de 2ª grandeza. O domínio mediterrâneo s.s. é um exemplo deste tipo com suas paisagens vigorosamente individualizadas. Da mesma maneira, define-se um domínio cantábrico caracterizado por uma certa combinação de relevos montanhosos e de climas oceânicos. A definição do domínio deve ficar suficientemente maleável para permitir reagrupamentos diferentes nos quais a hierarquia dos fatores pode não ser a mesma (domínio alpino, domínio atlântico europeu...). A região natural, já apresentada, situa-se entre a 3ª e 4ª grandeza. Os Picos de Europa constituem, no interior do domínio cantábrico, uma região natural bem circunscrita que corresponde à individualização tectônica de um maciço calcário vigorosamente compartimentado e carstificado. Ele constituiu uma “frente montanhosa” hiperúmida e hipernebulosa caracterizado por um an- dar biogeográfico original (mistura faia-carvalho verde nas baixas encostas, ausência de resinosas, limites superior da floresta bem baixa, passagem da “terra fus- ca” oceânicas aos solos alpinos húmicos). 2 – As unidades inferiores - Foi necessário montar todas as peças das unidades globais inferiores à região natural. Após numerosos ensaios, forjaram-se 3 entidades novas: o geosistema, o geofácies e o geótopo. Estes termos têm a vantagem de não terem sido utilizados, de serem construídos em um modelo idêntico e de evocar cada um o traço característico da unidade correspondente. Na verdade, geo “sistema” acentua o complexo geográfico e a dinâmica de conjunto; geo “facies” insiste no aspecto fisionômico e geo “topo” situa essa unidade no ultimo nível da escala espacial.17 a) O geosistema – O exemplo de geosistema Sierras Planas (Espanha do noroeste, domínio cantábrico região dos picos de Europa). As Sierras Pla- nas são plataformas escalonadas entre 180 e 450m de altitude entre o oceano Atlântico e o maciço Cantábrico. Talhadas no arenito e os quartzitos do primário, elas 17 Em um 1° estudo consagrado à análise de um caso concreto (BERTRAND, G. Esquisse biogéographique de la Liébana, La dynamique actuelle des paysages, R.G.P.S. – O, 1964, fasc. 3, p. 225-262), havia-se utilizado um vocabulário diferente que tinha sido criticado por um certo número de especialistas. TABELA 1 – BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR146 representam os vestígios de superfícies de aplainamento de idade miocênica que se ligam ao piemonte norte-cantábrico hoje em sua maior parte afundado e afogado sob o oceano. Esses planaltos, talhados em estreitas línguas, por sulcos de erosão plio- quaternários, mergulham em um clima hiperoceânico particularmente úmido e nebuloso. As “landes” atlânti- cas partilham a superfície com as turfeiras oligotróficas de “Sphagnum” e “Polytricum”. As Sierras Planas fo- ram desmatadas e usadas como pastagens desde o neolítico. Atualmente, elas são sub-utilizadas: alguns pedaços para pastoreio, reflorestamentos recentes com Eucalyptus globulus e Pinus insignis, uma exploração arcaica da turfa. É uma paisagem nítida e bem circuns- crita que se pode, por exemplo, identificar instantane- amente nas fotografias aéreas. Portanto as Sierras Pla- nas se ligam a unidades elementares discordantes e de extensão variável: um piemonte complexo que franjeia toda a vertente norte-cantábrica, um clima co- mum ao conjunto do litoral asturiano, fenômenos de podzolização que são vistos em todas rochas matrizes quartzíticas das montanhas cantábricas, uma série ve- getal dominada pelo carvalho pedunculado que cobre uma superfície muito mais vasta, enfim uma explora- ção silvo-pastoral, que não é muito diferente das en- contradas nas regiões vizinhas. A unidade da paisa- gem é portanto incontestável. Ela resulta da combina- ção local e única de todos esses fatores (sistema de declive, clima, rocha, manto de decomposição, hidrologia das vertentes) e de uma dinâmica comum (mesma geomorfogênese, pedogênese idêntica, mes- ma degradação antrópica da vegetação que chega ao paraclimax “lande” podzol ou à turfeira). A paisagem das Sierras Planas caracteriza-se por uma certa homogeneidade fisionômica, por uma forte unidade ecológica e biológica, enfim, fato essencial, por um mesmo tipo de evolução. Este exemplo permite esbo- çar uma definição teórica do geosistema (vide figura 1 – abaixo). O geosistema situa-se entre a 4ª e a 5ª grandeza temporo-espacial. Trata-se, portanto, de uma unidade dimensional compreendida entre alguns quilômetros quadrados e algumas centenas de quilômetros quadra- dos. É nesta escala que se situa a maior parte dos fenô- menos de interferência entre os elementos da paisa- gem e que evoluem as combinações dialéticas mais interessantes para o geógrafo. Nos níveis superiores a ele só o relevo e o clima importam e, acessoriamente, as grandes massas vegetais. Nos níveis inferiores, os elementos biogeográficos são capazes de mascarar as combinações de conjunto. Enfim, o geosistema constitui uma boa base para os estudos de organiza- ção do espaço porque ele é compatível com a escala humana. O geosistema corresponde a dados ecológicos relativamente estáveis. Ele resulta da combinação de fatores geomorfológicos (natureza das rochas e dos mantos superficiais, valor do declive, dinâmica das FIGURA 1 – ESBOÇO DE UMA DEFINIÇÃO TEÓRICA DE GEOSSISTEMA. BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR 147 vertentes...), climáticos (precipitações, temperatura...) e hidrológicos (lençóis freáticos epidérmicos e nascentes, pH das águas, tempos de ressecamento do solo...). É o “potencial ecológico” do geosistema. Ele é estudado por si mesmo e não sob o aspecto limitado de um simples “lugar”. Para uma soalheira calcária da média montanha pirenaica, por exemplo, as paredes talhadas no calcário urgoniano-aptiano da bacia de “Tarascon-Ariège”, o potencial ecológico corresponde a vertentes recobertas de camadas de fragmentos rochosos, a uma insolação e a um aquecimento do substrato, superiores à média regional, enfim, à ausência de fontes e mesmo de todo o escoamento epidérmico. Pode-se admitir que existe, na escala considerada, uma sorte de “contínuo” ecológico no interior de um mesmo geosistema, enquanto que a passagem de um geosistema ao outro é marcada por uma desconti- nuidade de ordem ecológica. O geosistema se define em seguida por um certo tipo de exploração biológica do espaço. A vertente Nor- te da Montanha Negra (SW do Maciço central), bem servida por chuvas, fresca e nebulosa, é colonizada por uma floresta de faia montanhosa com urzes, Asperula odorata, Melia como a flor, etc... em equilíbrio com solos brunos florestais de vertentes. Há uma relação evidente entre o potencial ecológico e a valorização biológica. No entanto, esta última depende também muito estrei- tamente do estoque florístico regional. Por exemplo, se o pinheiro pectíneo fosse espontâneo na Montanha Negra, a floresta de faia seria naturalmente substituída, seja por uma floresta de faia e pinheiro, seja mesmo por uma floresta de pinheiro pura, com Prenanthes purpurea em solos lixiviados ou em solos podzólicos. O geosistema está em estado de clímax quando há um equilíbrio entre o potencial ecológico e a exploração biológica. A floresta de faia já citada realiza este equilíbrio. O potencial ecológico está de qualquer maneira “saturado” e o geosistema caracteriza-se por uma boa estabilidade de conjunto. Mas é um caso relativamente raro. Com efeito, o geosistema é um complexo essen- cialmente dinâmico mesmo em um espaço-tempo mui- to breve, por exemplo, de tipo histórico. O “clímax” está longe de ser sempre realizado. O potencial ecológico e a ocupação biológica são dados instáveis que variam tanto no tempo como no espaço. A mobilidade biológica é bem conhecida (dinâmica natural da vegetação e dos solos, intervenções antrópicas, etc.). De outro lado, parece que os naturalistas se interessaram pouco pela evolução própria do potencial ecológico que precede, acompanha ou segue as modificações de ordem bioló- gica. Por exemplo, a destruição de uma floresta pode contribuir para a elevação do lençol freático ou desen- cadear erosões susceptíveis de transformar radicalmen- te as condições ecológicas. As noções de “fator – limitante” e de “mobilidade ecológica” merecem um exa- me aprofundado da parte do geógrafo advertido dos fe- nômenos de geomorfogênese e de degradação antrópica.18 Por essa dinâmica interna, o geosistema não apresenta necessariamente uma grande homoge- neidade fisionômica. Na maior parte do tempo, ele é formado de paisagens diferentes que representam os diversos estágios da evolução do geosistema. Realmente, estas paisagens bem circunscritas são ligadas umas às outras por meio de uma série dinâmica que tende, ao menos teoricamente, para um mesmo clímax. Estas unidades fisionômicas se unem então em uma mesma família geográfica. São os geofácies (pl. VII A e B). b) O geofácies e o geótopo: no interior de um mesmo geosistema, o geofácies corresponde então a um setor fisionomicamente homogêneo onde se desenvolve uma mesma fase de evolução geral do geosistema. Em relação à superfície coberta, algumas centenas de Km2 em média, o geofácies se situa na 6a grandeza de escalas de A. Cailleux e J. Tricart. Assim como para o geosistema, pode-se distinguir em cada geofácies um potencial ecológico e uma exploração biológica. Nessa escala, é muitas vezes esta última que vem a ser determinação e que repercute diretamente na evolução do potencial ecológico. O geofácies representa assim uma malha na cadeia das paisagens que se sucedem no tempo e no espaço no interior de um mesmo geosistema. Pode-se falar de cadeias progressivas e de cadeias regressivas de geofácies, como também de um “geofácies-clímax” que constitui um estágio final da evolução natural do geosistema. Na superfície de um geosistema, os geofácies desenham um mosaico mutante cuja estrutu- ra e dinâmica traduzem fielmente os detalhes ecológi- cos e as pulsações de ordem biológica. O estudo dos geofácies deve sempre ser recolocado nessa perspec- tiva dinâmica. Às vezes é indispensável conduzir a análise ao nível das microformas, na escala do metro quadrado ou mesmo do decímetro quadrado (7a grandeza). Uma diáclase alargada pela dissolução (Pr. VIII, B), uma 18 Sur la notion de “mobilité écologique”, cf. BERTRAND, G. Pour une étude géographique de la végétation R.G.P.S. – O., 1966, fasc. 2, p. 129-143. BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR150 “lande” empobrecida em equilíbrio com os podzóis. A base aqui é de origem pedológica. A podzolização interdita todo retorno espontâneo do clímax florestal. A evolução não pode prosseguir senão artificialmente para uma outra forma de clímax (reflorestamento com resinosas após aração profunda). 1c. Os geosistemas degradados com dinâmica progressiva são bem freqüentes nas montanhas temperadas úmidas submetidas ao êxodo rural. Os territórios rurais cultivados passam ao abandono, com “landes”, capoeiras e retorno a um estado florestal que é, na maior parte dos casos, diferente da floresta-clímax. É o caso de certas áreas declivosas dos territórios rurais pirenaicos do andar do carvalho séssil, que se cobrem de mata de tronco fino como aveleiras, bétulas, castanheiras e carvalhos diversos que não constituem obrigatoriamente a frente pioneira da floresta de carvalho-clímax anteriormente destruída. 1d. Os geosistemas degradados com dinâmica regressiva sem modificação importante do potencial ecológico representam as paisagens fortemente humanizadas onde a pressão humana não afrouxou ainda (montanhas cantábricas com economia agro- pastoril). A vegetação é modificada ou destruída, os so- los são transformados pelas práticas culturais e o percurso dos animais. No entanto, o equilíbrio ecológico não é rompido malgrado um início de “ressecamento ecológico”. As erosões mecânicas, sempre muito localizadas, guardam um caráter excepcional (por exem- plo, ao longo dos caminhos vicinais). 2 – Os geosistemas em resistasia - A geomor- fogênese domina a dinâmica global das paisagens. A erosão, o transporte e a acumulação dos detritos de toda a sorte (húmus, detritos vegetais, horizontes pedológicos, mantos superficiais e fragmentos de ro- cha in loco) levam a uma mobilidade das vertentes e a uma modificação mais ou menos possante do potencial ecológico. A geomorfogênese contraria a pedogênese e a colonização vegetal. No entanto, é preciso distinguir os 2 níveis de intensidade: - de um lado, os casos de “resistasia verda- deira” ligados a uma crise geomorfo- climática capaz de modificar o modelado e o relevo. O sistema de evolução das paisagens se reduz então ao sistema de erosão clássico. A destruição da vegetação e do solo pode nesse caso ser total. Cria- se um geosistema inteiramente novo. Este fenômeno é freqüente nas margens das regiões áridas onde ele é muitas vezes acelerado pela exploração antrópica (“ter- ras más” do Oeste dos EE.UU.). Pode tra- tar-se também de uma ruptura de equilíbrio “catastrófica”, (por exemplo lava torrencial em montanha); - por outro lado, os casos de “resistasia limitada” à “cobertura viva” da vertente, isto é, à parte superficial das vertentes: vegetação, restos vegetais, húmus, solos e, às vezes, manto superficial e lençóis freáticos epidérmicos. Esta evolução ainda não interessou suficientemente os geógrafos e os biogeógrafos. É certo que ela é quase negligenciável do ponto de vista geomorfológico porque ela não cria relevos, mesmo que anuncie às vezes os inícios de uma crise geomorfológica. No entanto, seu interesse é capital do ponto de vista biogeográfico porque ela mobiliza toda a parte biologicamente ativa da vertente. Pode-se qualificar esta erosão de “epidérmica” para bem distingui-la da erosão verdadeira ou “geomorfológica” e para evitar as confusões e as discussões inúteis que durante um certo tempo puseram em oposição os contra e a favor da erosão sob cobertura vegetal: eles não falavam do mesmo tipo de erosão nem de mesma cobertura vegetal e não se situavam na mesma escala. A erosão epidérmica tinha já sido definida sob o nome de erosão “biológica”,20 mas este qualificativo era uma fonte de confusão. A tipologia dos geosiste- mas em resistência deve levar em conta todos esses fatos. 2a. Os geosistemas com geomorfogênese “natural”. Nas regiões áridas e semi-áridas, assim como na alta montanha, a erosão faz parte do “clímax”, isto é, ela contribui a limitar naturalmente o desenvolvimento da vegetação e dos solos (vertente montanhosa com talude de detritos móvel, superfície de um “glacis” de erosão alimentado por escoamento anastomosado de “oued”). 2b. Os geosistemas regressivos com geomor- fogênese ligada à ação antrópica. Já se insistiu longa- mente sobre este aspecto da dinâmica das paisagens. É preciso encarar 3 casos: primeiro, os geosistemas em resistasia bioclimática cuja geomorfogênese é ativa pelo homem. Em seguida, os geosistemas marginais em “mosaico”, isto é, com geofácies em resistasia e 20 (BERTRAND, G. op. cit., note 19, p. 140-143). BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR 151 com geofácies em biostasia, caracterizados por um certo desequilíbrio e uma certa fragilidade natural. O exemplo típico é o do domínio mediterrâneo cuja degradação não está ligada somente ao fator antrópico. Enfim, os geosistemas regressivos e com potencial ecológico degradado que se desenvolvem por intervenção antró- pica no seio das paisagens em plena biostasia (certas culturas de “plantation” em economia colonial). Este esboço tipológico deve ser sumariamente colocado na dupla perspectiva do tempo e do espaço. “No tempo”, o problema mais delicado é consi- derar a parte das heranças. Com efeito, essas não são somente geomorfológicas e pedológicas, mas também florísticas e antrópicas. Seria preciso reconstituir a cadeia histórica dos geosistemas, sobretudo levando em conta a alternância e a duração respectiva das fases de equilíbrio biológico e das fases de atividade geomor- fogenética. Os resultados combinados da análise de pólen, do exame dos depósitos superficiais e dos paleo- solos, do estudo da ação humana, desde os inícios da vida pastoril e da agricultura, permitem às vezes obter- se uma idéia precisa da dinâmica recente das paisagens. A região cantábrica se presta bem a essa pesquisa graças aos trabalhos dos pré-historiadores, dos palinó- logos e dos fitosociólogos. “No espaço”, a justaposição dos geosistemas é um fato geral. No entanto, os geosistemas com equilíbrio biológico ocorrem, sobretudo, nas zonas temperadas e tropicais úmidas, assim como em certas regiões de planície. A alta montanha e as diagonais áridas abrigam, sobretudo, os geosistemas com mais ou menos grande atividade geomorfogenética. A exploração antrópica está em vias de perturbar esta distribuição essencialmente bioclimática estendendo os geosistemas em dese- quilíbrio biológico. Mas a erosão “geomorfológica”, muitas vezes rápida e espetacular, não se exerce senão em superfícies reduzidas. Em compensação, o verda- deiro perigo do ponto de vista da organização do espaço é a erosão “epidérmica” que, de forma às vezes insi- diosa, arranha a película viva das vertentes em setores extensos sem que se preste a ela uma real atenção. O estudo da distribuição espacial dos geosistemas é pois um problema de geografia “ativa” que vem reforçar o interesse da pesquisa cartográfica. A CARTOGRAFIA DAS PAISAGENS A representação cartográfica das paisagens exi- ge um inventário geográfico completo e relativamente detalhado. A análise deve ao menos descer até o nível dos geofácies mesmo se eles não devem figurar na carta. O essencial do trabalho se efetua no terreno: levantamen- tos geomorfológicos, pedológicos e fitogeográficos, exame das águas superficiais, observações meteorológicas elementares, inquéritos sobre o sistema de valorização econômica (gestão florestal, percursos pastoris, direitos de uso, etc...). Essas informações e levantamentos temáticos são completados pelos trabalhos de arquivos e inquéritos diversos (cadastro, serviços administrativos, etc...). A consulta da bibliografia especializada é, bem entendido, indispensável, mas ela é muitas vezes difícil de ser utilizada por causa da diferença de ponto de vista. Para orientar toda essa documentação volumosa e disparatada, é preciso escolher uma linha mestra. Ela é fornecida pelo tapete vegetal cujo levantamento sistemático a 1/50.000, segundo um método simplificado, intermediário entre o do Serviço da Carta da Vegetação a 1/200.000 da França e o da Carta da Vegetação a 1/100.000 dos Alpes de P. Ozenda, serve de base à cartografia global das paisa- gens. A interpretação das fotografias aéreas constitui um apoio precioso porque ela fornece uma visão sintética e instantânea das paisagens. Ensaios cartográficos foram realizados em diversas escalas (contentemo-nos em lembrar aqui o método seguido e os resultados obtidos no curso das pesquisas de tese e de direção de mestrados). Na escala média (1/100.000 e 1/200.000) pode- se cartografar os geosistemas de maneira satisfatória com a condição de renunciar à acumulação dos sinais analíticos e de escolher uma representação sintética. Cada geosistema corresponde a um lugar cuja cor e respectiva trama são escolhidas em função da dinâmi- ca do geosistema, (exemplo: azul para os geosistemas climácicos, verde para os geosistemas paraclimácicos, amarelo para os geosistemas regressivos com degra- dação antrópica dominante, vermelho para os geosistemas com evolução essencialmente geomorfo- lógica). Os jogos de trama permitem variar essa tipologia. Na carta 1/200.000 das montanhas cantábricas centrais (cobrindo mais ou menos 6.000 Km2) foram determina- dos 32 geosistemas.21 Na escala grande 1/20.000, pode-se facilmente cartografar os geofácies no interior dos geosistemas. A cor ou a variação na cor de cada geosistemas indica a situação dinâmica em relação ao clímax (geofácies- climax em azul, geofácies degradado em amarelo ou em vermelho). Pode-se assim escolher um tema, por exemplo, como as relações entre a cobertura vegetal e a erosão “epidérmica”. 21 Esta carta a 1/200.000 em 7 cores existe sob forma de maquete e deverá estar terminada em 1968. BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 141-152, 2004. Editora UFPR152 A geografia física global não está destinada a substituir, nem mesmo a concorrer com os estudos especializados tradicionais dos quais, aliás, ela se nutre. Ela constitui uma pesquisa paralela que aproxima, confronta e completa os dados da análise e que coloca cada elemento no seu complexo de origem, estudando mais especialmente as combinações geográficas e sua dinâmica global. Sua função essencial é, portanto, de “redescobrir” a geografia física tradicional e de fazer diretamente apelo às ciências biológicas e às ciências humanas. Mas ainda, dando o meio de descrever, de explicar e de classificar cientificamente as paisagens, ela se abre naturalmente para os problemas de organização do espaço não urbanizado. Mas este estudo global dos meios naturais não pode ser conduzido somente pelos geógrafos. Ele não pode expandir-se senão na pesquisa e na reflexão interdisciplinar.
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