Baixe A enfermagem nosistema penitenciário e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! A ENFERMAGEM NO SISTEMA PENITENCIÁRIO José Ricardo Camargo Xavier 1 A ENFERMAGEM NO SISTEMA PENITENCIÁRIO Por Dr. José Ricardo Camargo Xavier Enfermeiro Especialista em Saúde Pública, Administração de Serviços de Saúde, UTI - Unidade de Terapia Intensiva Nefrologia Doenças Infecto - Contagiosas, Traumatismos Raquimedulares, Auditorias, Analises e Gestão de Riscos de Saúde, Home Care – Internação Domiciliar Auditoria Ambiental entre outras Especializações. Em 30 anos de atividades profissionais Compilação de dados e fatos no período de 1990 a 2004 2 como são, arriscam sua integridade física, mental e moral para atender àqueles infelizes que cumprem penas por erros cometidos. Como relata o próprio autor, seu objetivo não é agredir ou denegrir pessoas ou instituições, mas trazer aos interessados em seguir a profissão de Enfermeiro no Sistema Penitenciário, um relato completo e verdadeiro, vivido em sua própria carne, aos seus colegas de Enfermagem, quando adentrarem ao interior de uma instituição prisional. Pois são fatos que são comentados detalhadamente, por segurança e que, naturalmente, venham parecerem absurdos se reproduzidos na mídia sensacionalista que é diariamente apresentada em nossa imprensa escrita, falada e televisionada. É um compilado de observações e instruções úteis e necessárias que vem, portanto preencher aquela lacuna que referimos no início deste prefácio. Sintome honrado pela lembrança do autor e amigo que me convidou para prefaciar este trabalho, que me foi de grande importância e valia diante do papel público que exerço. Parabéns ao Amigo. SALVADOR KHURIYEH Deputado Estadual 07 de junho de 2002. 5 Comentário do Autor: Este livro não tem a intenção de agredir ou de denegrir nenhuma pessoa ou imagens das Instituições aqui relatadas, mas de refletir o que realmente se passa no interior destas instituições, que são mantidas pela população recolhendo seus impostos, querendo ver as verbas enviadas ao Estado; dinheiro este recebido ser aplicado de forma correta e em situações que sabemos serem de utilidade pública, como manda a lei. Utopia da vontade popular. Também não tenho a pretensão política de se ver estes dados serem aproveitados para qualquer destes fins ou desta natureza, até porque já sabemos destes fatos pelos meios de comunicação e já se tornou até um pouco maçante e poucos querem na verdade discutilos, pelo simples fato de preocupações de outras origens são mais patentes e vertentes para a nossa população já tão descrente do que aí esta. 6 Os fatos aqui narrados são verdadeiros e facilmente apurados se assim o quiserem as autoridades constituídas, pois têm eles todos os documentos em mãos bem guardadas e seus respectivos responsáveis sabem onde estão. Minha primária intenção o que pode e deve ser sentida ao discorrer na leitura,é apenas levar e esclarecer através destas informações, nossos colegas de Enfermagem, e quem mais se interessar, o que enfrentarão ao adentrarem o interior de uma instituição prisional de qualquer nível de segurança, seus meandros e fatos que não devem ser comentados, por “origem de segurança” ou por serem absurdos e ilegais se forem reproduzidos, passível de punição administrativa e coercitiva, o que me reservo o direito de deixálos bem guardados para minha segurança pessoal. Espero que possa este compilado servir de alguma maneira aos fins propostos, que é de apenas servir de informativo. O autor 7 dentro dos recursos físicos e humanos disponíveis, por parte dos colegas de profissão, Enfermeiros, existe a manipulação de atos a se subestimar condutas e procedimentos, levando se em conta os interesses “maiores” que regem a área de segurança. Isto não parte de uma área isolada, mas do sistema como um todo e de seus profissionais, cada um achando que sua função não pode ser diminuída por qualquer um que não faça parte do “esquema deles”, isto salvo um ou outro colega de trabalho mais lúcido e inteligente. Apesar das dificuldades enfrentadas, é com a paciência que nos forjamos nesta particularidade e que mostramos com técnicas e atos objetivos direcionados ao bem comum, apesar de fazêlo em um ambiente “medieval” tanto em nível de mentalidades da população alvo e outros que se deixam contaminar – os funcionários, quanto de toda a estrutura que nos rodeiam, e tornamos e buscamos os parcos recursos materiais e os escassos medicamentos, às vezes ao extremo, em algo que possa ser utilizado, como levalos nós mesmos a servir a população alvo e estes desafetos gratuitos. Não somos como eles. Inexistentes e/ou subestimados estes recursos, em nível amplo e estrito, tentando transformar o que é um local para a guarda de reclusos em um reservatório de novas idéias no trato com esta população específica, que bem sabemos não recupera ninguém, ao contrário, vê, degenera o que resta de humano em todos. 10 Qualquer indivíduo que trabalha no sistema é transformado em semi irracional – pois há o resgate de instintos escondidos e reservados em cada um de nós, fato este que a psiquiatria explica com propriedade. Sendo o sistema prisional um refugo animalesco da ação e reação sem raciocínios lógicos, e se o fazem são para interesses próprios, em tom individualista, não há de ter um objetivo de recuperar ou conduzir a melhoras, mas de servir de manipulação de poderes, quais estes mandatários conhecem bem. Neste espaço a narrativa pode ser em tom mais contundente, mas são pontos de partida verdadeiros, pois existe o menosprezo dos ASPs – agentes de seguranças penitenciários, e dos internos, nossa população alvo, e uns pelos outros, o que já irá criar um clima belicoso, um sendo inimigo do outro apesar dos esforços para ser ao contrário, em seu início de trabalho, de ambos os lados. E nós estamos no meio disso. Há um estudo pormenorizado das atitudes como se estivessem em um campo de batalha, havendo espiões de ambos os lados, inclusive os infiltrados, conforme as ofertas e vantagens oferecidas, materialmente, claro. E não poderia deixar de nos atingir, pois lá também estamos, e com certeza atingem todos que lá trabalham, afetando de uma forma ou de outra a postura mental, intelectual e social que carregamos reflexo das vontades escusas e inconseqüentes. 11 Os profissionais da área da saúde, não por acaso, são forjados a saber entender as razões que movem determinadas atitudes, em especial quando afeta e nos é mostrado ou apresentado; sensibilidade, intuição e uma dose de sabedoria na observação, parte inerente dos currículos escolares e desenvolvidos na prática diária, e que nos traz condições de elaborar um diagnóstico de que a “coisa” não anda nada bem, sofrendo de um colapso de múltiplos órgãos, mas enquanto há vida, a esperança é nossa pedra angular. Acreditamos ainda nisso. Sabemos fazer perguntas e ouvir respostas. O problema é o que fazer e o que não fazer para ser um bom ouvinte, mas dar boas respostas sob um padrão de boa educação, coisa rara nestes ambientes ; estimular o bom senso geral, não o do bom senso de pouca produtividade , voltado para interesses de pouco. Mostrar empatia, não condenar, menos ainda discutir ou assumir ares de superioridade; isso nos é patente tanto em nível de comportamento quando não nos deixamos influenciar por “contaminações”, o que já sabemos como fazer por técnicas aprendidas nos bancos escolares, mas mostrar a todos que nossa missão é fazer cumprir a assistência àqueles que dela necessitam. Fazemos parte de uma equipe e esta deve ser respeitada tanto em nível individual como no coletivo. Temos olhos a serem usados para saber ver e ouvidos para saber como ouvir. Devemos ser os olhos e ouvidos, mas não podemos esquecer que também 12 Ficar em posição de inferioridade trás algumas vantagens em situações específicas de necessidades. Em 2001 a Resolução COFEN Nº 256/2001, de 12 de junho de 2001, autoriza os Enfermeiros a usarem o título de Doutor. Infelizmente, mesmo entre os profissionais de enfermagem, graduados ou não, encontramos muita resistência à idéia, ao direito de uso do título de Doutor, pois a subserviência está enraizada mentalmente, como forma de submissão inconteste. O fato é que aquele romantismo de exercer a medicina, e consequentemente o título de Doutor, caiu em decadência pelo atual despreparo destes profissionais, constatado pelo fato de não mais se exercer função de medico com aquele desprendimento de outrora, quando estes profissionais, filhos de pais ricos e de renomes, já tinham heranças que podiam lhes dar o sustento, e, sua prática era voltada a caridade e desprendimento. Lembremos da época que recebíamos os médicos em casa e este profissional fazia parte de nosso cotidiano, havendo respeito e afeto pela pessoa e profissional que lá estava. Houve evolução em todas as áreas, e com esta, o afastamento das pessoas,tornando os atendimentos de hoje 15 impessoais e distanciados do dia a dia do paciente, apenas voltado a doença daquele momento e não mais da vida dos pacientes/clientes. E com isso, seus problemas inerentes aos tempos e as mudanças de mentalidades dos homens que assim o acompanham. Estas situações – embutidas na forma mental e social, refletem no interno/preso por estarem sofrendo alguma ameaça como fuga e proteção. Mas não falarão a verdade, ou serão dedos duros, e isto em um ambiente prisional pode significar mutilações, isolamentos ou até a morte; este fato não é tolerado nem pelos ASPs, que deles se esperava orientação e mesmo proteção e menos ainda pelos seus iguais. Isto são alguns exemplos de composições belicosas que podem e com certeza ocorrerem e continuarão a ocorrer, que em nível profissional da área de saúde não é explicitado. Estamos jogados como carne nova dentro da cova dos leões, estes, representados mais pelos ASPs que pelos internos/presos. Como sabemos a contratação de funcionários para exercício de cargo público é somente através de concursos, mas não há referências de como se deverá proceder e muito 16 menos que tipo de situações irá se deparar o profissional quando do exercício da função a que concorreu. Existe uma omissão proposital ou é falta de critério mesmo? Não existem parâmetros para as atividades que serão exercidas, pressupondo que sejam as mesmas de um hospital ou clínicas, mas não o são. Certamente se ocorresse uma explanação e explicação contundente do que é um ambiente prisional, suas nuances, um preparo de adequação e localização, os recursos pessoais e profissionais que poderia se dispor para evitar contundentes confrontos, orientando os direitos e obrigações a serem exercidas, o trabalho assistencial ficaria direcionado e seus resultados mais palpáveis. A população alvo é “especial” e os demais funcionários também o são, pois suas visões de trabalho estão diferenciadas da convergência em fim último. Visarão apenas a segurança, e nós, a saúde como bem comum. Como conciliar esta divergência se estamos acostumados a ver nossas atividades serem protegidas para podermos servir e atuar e não sermos “vítimas” destas atitudes, quase que impedidos de atuar? O fato de nossos colegas ASPs acharem que “ladrão”, referência ao interno/preso não tem direitos, e assim 17 Não quero generalizar este espaço de negligências e impotências, mas sua existência é mais que conhecida e deveria ser trabalhada em nível estrutural e de eficiência, em busca de solução e valorização do profissional que com preso lida, pois todos, sem exceção são especiais, basta querer ver e saber. No âmbito da Administração Penitenciária, desde abril de 1993, foi proposto o preparo dos profissionais de saúde em especial no saber como materiais disponíveis e como saber agir frente a esta população em especial, mas não passou de retórica barata, em especial quando nos convidavam a participar de palestras, seminários, jamais cursos de aperfeiçoamento ou reciclagem. Tudo não passava de pura enganação, pois os que detinham o poder para modificar, não o queriam, e, assim continuávamos a ficar ignorantes para sermos a massa de manobra desejável , independente do local do exercício profissional. Catalepsia Assim como qualquer indivíduo pode apresentar catalepsia, ser manipulado fisicamente, nos níveis mais inimagináveis nesta situação, ser enterrado e morrer por isso, e não poder impedir e se dar conta do que ocorre; menos ainda, reagir a este fato por incapacidade física e mental, esta situação pode ser transferida aos profissionais que adentram no Sistema Penitenciário, dado 20 a falta de informações que nos faltam de como se deve trabalhar em nível de relacionamentos inter profissionais e pessoais nesta área e lugar. Fazse presente à falta de interesse por parte das “autoridades competentes” que deveriam mudar este estado das coisas, mas há desinteresse: desmando por parte de diretores das unidades e das autoridades constituídas, e gradualmente em menor grau, vai se formando uma corrente em espiral, sem fim, até chegar ao sentenciado. O certo é que nem mesmo estas autoridades sabem como lidar com este estado de coisas, tamanho o despreparo e desinteresse em aprender e buscar soluções. Se souberem e não o fazem, é crime de responsabilidade e incapacidade para o cargo que ocupa. É o que diz as leis em vigor. Há falta de empenho em equipar e fazer funcionar Núcleos de Assistência à Saúde, que literalmente são levados pelos profissionais de enfermagem, que levam medicamentos de suas casas, medicamentos e equipamentos de uso particular e familiar, para fazer nutrir o setor e medicar os internos para não deixalos perecer como estrumes que 21 existem, mas queremos fazer de conta que não existem. Não estou sendo o defensor de criminosos, sentenciados, condenados ou não. Mas fazer um trabalho pelo qual somos contratados a executar e pago pela população, trabalho este que requer muito desprendimento, dedicação, empenho, em vários níveis, requer, ao mínimo, que façamos nosso trabalho da maneira mais correta possível, com condições de executálo. Para que estes medicamentos e equipamentos adentrem e sejam usados no interior dos presídios, pedese permissão a diretoria e com esta autorização via em regra verbal, fazerem se os atendimentos. Como é sabido, mas pouco divulgado, por total falta de interesse, o sistema de saúde do sistema penitenciário é mantido pelos profissionais de enfermagem, quase que em todos os níveis, salvo exceções localizadas e mínimas, mas não poderia ser diferente. Porque para qualquer instituição de saúde funcionar a contento, necessita de ter uma equipe de enfermagem bem sintonizada e não 22 A Segurança no Sistema Prisional Após ingressar no Sistema Prisional para trabalhar, o profissional de Enfermagem vêse perante vários dilemas, entre eles, os mais eminentes e principais cito: 01falta de preparo pessoal e profissional em lidar com esta população especial, tendo em vista a total falta de literatura e instruções de como proceder, tanto em nível de vida quanto de formação curricular, menos ainda em nível de acompanhamento e acomodação do aspecto visual, mental e físico, frente a essa nova realidade; 02falta de recursos materiais e de equipamentos, inclusive os de uso essencial, como seringas, agulhas, gases, algodão, soluções antisépticas e soluções para curativos; 03falta de preparo dos ASPs em lidar com os profissionais da saúde; 04exposição à nova realidade, contatos com as diferenciações no trato pessoal, profissional e de recursos materiais; 05falta de equilíbrio emocional pelas diferenças entre este submundo e seus vícios e a realidade que vivência fora do trabalho, no dia a dia com amigos e familiares; 25 06discriminação da população como um todo, por trabalhar com essa população alvo, que não entende ou não aceita entender o trabalho desenvolvido e repassa este desconforto e insatisfação aos profissionais de enfermagem do convívio social, por cuidarem destes presos; 07falta de respeito por parte dos ASPs e diretores que trabalham no presídio, dos setores de reposição de materiais, equipamentos e medicamentos, isto quando chegam ao destino, conforme solicitado, tanto em nível estrutural quanto assistencial, deixando os profissionais expostos a situações de constrangimentos e perigos evitáveis, até com risco de morte; 08ausência de respostas às solicitações mínimas para o exercício profissional e seus fins, e à manutenção do departamento do Núcleo de Assistência à Saúde (NAS) e seu funcionamento com um mínimo de eficiência e eficácia. Por conta desse quadro, não é nada confortável e digerível a atuação, subsistência e equilíbrio funcional, emocional e profissional, a que a satisfação e estímulos em efetivamente trabalhar, ficam fortemente comprometidos, levando algumas vezes, o profissional de enfermagem e seus pares, a tratamentos por depressão, ansiedade e afastamentos desnecessários, por não verem condições mínimas de atuação profissional e pessoal. Isto tudo em nome de uma falsa segurança, pois é só abrir os jornais, revistas, televisões para depararmos com situações em que agentes de segurança (ASPs), estão comprometidos com os escusos 26 movimentos carcerários do que com os próprios colegas de trabalho, mas felizmente é uma parcela pequena deles mas a existência é patente e inegável , pois como se explicam a entrada de armas, celulares, drogas e outros ingredientes mais? Conscientização A partir do momento em que os profissionais voltados à assistência de saúde dessa população diferenciada, reclusa e consciente por nós, considerada escárnio da sociedade, dita justa, deste sistema que se impõem, os fatos confrontam os interesses de dirigentes de penitenciárias/presídios, pelos moldes ao longo de ensinamentos ditatoriais e medievais, no trato da coisa pública: cuidar destes reclusos / presos. E as diferenciações se apresentam, criando e gerando conflitos e muito pouco interesse em buscar as soluções compostas, mesmo as mais simples. Certamente o que vemos como rebeliões, revoltas, celulares, drogas, passeios noturnos permitidos, são frutos da corrupção (ativa e passiva), induzido pelas autoridades que remuneram mal e não dão condições de trabalho adequadas e decentes, além da degeneração contida no sistema em si. O nível de entendimento individual é bem diferenciado, pela formação pessoal, profissional e por regras 27 passam pelos pacientes, pelos setores de ala hospitalares e ambulatórios/consultórios. Mas a efetiva e eficácia assistência ao doente/paciente, hospedado ou não em ambiente hospitalar, é feita pelos profissionais de enfermagem, através das prescrições individuais de enfermagem e das evoluções ali anotadas, independente das anotações médicas. E isto não é diferente dentro do sistema penitenciário, observados (visitados) na rede da Coespe (Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado). Genericamente, a contratação para um determinado número de horas, 06 horas diárias, não “pode” ser cumprido. A causa do impedimento de não poder cumprir com este período de horas? Ociosidade de atividades do profissional. Portanto, as médias de consultas são variáveis, pois existe número suficiente de médicos e faltam de auxiliares de enfermagem e de enfermeiros, pois estes são sobrecarregados em horas de atividades no pico dos atendimentos e com possível ociosidade em poucos horários, sendo as exceções às emergências. A equipe de saúde (dentistas, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem), trabalha em sincronia de sobrevivência: os auxiliares de enfermagem se achando mandados pelos médicos apenas, e 30 estes, patrões inatacáveis na conduta, ”semideuses”, salvadores da pátria..., até se precisar deles em emergências, finais de semana, feriados, fora do horário de trabalho (matutino ou vespertino ou noturno). E não adianta procurar; nunca estão disponíveis, a não ser que estejam de escala previamente elaborada pelo Diretor de Saúde, mas fazer cumprir estas escalas é como fazer Matrix. Se fato novo acontece, como exemplo: brigas, uma queda acidental (?), crises respiratórias ou cardíacas, ansiedades, encaminhase à enfermaria do presídio e o plantonista enfermeiro ou auxiliar de enfermagem atende e medica “conforme rotina”, e “anota em livro próprio”. Mas este vocabulário é o ideal e rotineiro de um setor de saúde que se possa prezar? Claro que não. É vocabulário de marginais, com malandragem explícita e escrita. Mas qual rotina é a melhor que poderia ser efetivada em um setor de Saúde dum presídio? O que se torna difícil na convivência com presos e com funcionários já forjados nesta área, é manter o padrão da boa educação, tanto escrita quanto falada, e quem dera a comportamental e a dos relacionamentos inter pessoais. Faço, ao final deste livro, sugestão de Prescrição de Enfermagem e Evolução Clínica de Enfermagem, que poderia 31 ser utilizada por qualquer serviço de saúde do Sistema Prisional. Nenhuma víscera é igual à outra, por diferenciações da natureza humana e não podemos tratar indivíduos, sejam eles quem for de maneira tão desprezível como são tratados atualmente. Sabemos que quando um preso necessita ser removido para um Pronto Socorro, são deslocados ao menos dois ASPs, um auxiliar de enfermagem ou quem estiver de plantão (menos os médicos), desfalcando o setor de saúde e a segurança. Mas como proceder à frente a esta situação se nos NAS não há os materiais básicos para atendimentos rotineiros? Não há vontade política para solucionar, pois senão, vejam os mascaramentos de dados estatísticos da polícia civil, que sabemos é apenas a ponta desenterrada deste escombro da área de segurança, pois os cadáveres que comandam podem cheirar pior ainda. Querem procurar? Mas e os senhores médicos, onde estarão nestes atendimentos emergenciais? Vamos procurar juntos? Esta conduta é aconselhada pelo diretor da instituição, com o intuito de acomodar estes profissionais médicos, pois é isto ou nada. 32 odontológicas, além é claro, das orientações que os auxiliares de enfermagem sempre que possível dão, recebendoas, encaminhando o agendamento destas consultas. São acolhidas as solicitações na conformidade do possível, pois nem sempre é de nossa função o que pedem, mas sempre há andamento e encaminhamento à solução, mesmo que seja fora do quadrilátero das prisões. Encaminhar à Assistência Social, Psicólogos, Médicos, Odontólogos, Enfermeiros ou outro especialista, é uma rotina, que poderia ser melhorada se as condições internas fossem melhores, com mais recursos para atuação, evidente as saldos desnecessários. Isto não é coisa eventual, mas uma coisa constante, pois procedimentos padrão deveriam ser instituídos , para que não se obedeça aos parâmetros do individualismo, mas de padrão instituído pelo órgão de competência, no caso o Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário do Estado, mas este também subestima dados e regula ao mínimo os medicamentos necessários a boa manutenção dos NAS, e por isso, há a falta destes materiais e equipamentos. As consultas de enfermagem, médicas e odontológicas, deveriam ser padronizadas através de modelos previamente adotados, e faço no final deste livro as sugestões para este fim também. É certo que os pedidos de consultas são a priori quando necessários, mas 35 tendo em vista que somos um porto seguro, estas mesmas consultas tornamse mais constantes para fins os mais variados e mais surpreendentes, baseados nas reais necessidades e nas intenções por detrás delas, mas sempre se encontra uma maneira de acomodar as situações para evitarse a recusa do tratamento ou mesmo uma revolta por pequenos detalhes; tudo pode ser motivação para uma revolta. Quando percebemos que o interno necessita de uma consulta psiquiátrica, o preso é encaminhado ao especialista que avalia e medica se necessário, mas existe um temor enorme em fazer passar um interno pelo psiquiatra, pois este profissional, como “sabemos” , tem a chave da mente e isto se torna uma faca de dois gumes. A integração multidisciplinar se faz necessária, contudo deve haver respeito entre todos, mas não uma classe achar que pode ser deus ou semideus, se achando senhor das razões. No Sistema Prisional não se pode agir com individualismo, mas coletivamente, para que a proteção de fatores externos se faça uma constante, mas dentro da Ética e do bom senso. Os setores, NAS, são portos seguros destes internos, de funcionários, que sempre buscam informações, consolo, manutenção de “status quo”; quando há interesse da ordem estabelecida, mas na contra mão e como rotina, agem como se inimigos fossemos em outra situação .É por falta de preparo ou desvio de caráter? Por isso é que estes profissionais 36 da área de saúde têm que ter um jogo de cintura, controle emocional e estrutural mais apurado, com o uso dos conhecimentos técnicos científicos adequados, mas não nos furtamos de também termos estas necessidades de caráter emotivo. Mas nem sempre se é permitido ter este comportamento de composição, pois as informações geralmente chegam truncadas, por fatores íntimos ou por restrições sociais e administrativas. Buscamos uma “osmose” entre os setores do presídio tanto dos dados dos internos quanto dos dados pessoais dos que lá trabalham, para sempre tentar ajudar, mas o que ocorre na realidade é apenas uma irrigação suficiente para não necrosar os relacionamentos por completo. Podese afirmar com exatidão, que este é um submundo do submundo. Ajudamos sempre na medida certa e do que é nos possível. 37 Certamente, por situações de extrema tensão, tanto pelos níveis sócio econômicos (salários baixos), quanto pelo próprio contato com esta população especial, criase um clima de descontrole interpessoal, O que poderia advir à explicação que um indivíduo de boa formação e escrúpulos, depois de certo tempo de convivência começa a degenerarse comportamental, reflexo, como sabemos, da degeneração em nível psíquico. Esta situação leva o indivíduo a atuar de forma alheia aos padrões usuais de sua personalidade conhecida, da sua anterioridade (passado), tanto no seio da família, como no social, refletindo em cheio no trabalho, origem destes desvios. Dizer que os psiquiatras do sistema não sabem ou desconhecem este fato é mentira deslavada. Tanto conhecem que evitam muito contato com muitos funcionários, para não ter que ajudar; muitas vezes a mando da diretoria estabelecida. Isto é um estudo que poderia ser feito pelos nossos psiquiatras do próprio sistema e instituir a devida correção em nível de tratamento desta e de outras situações. Ajudaria a evitar muitos desvios e destruição da vida de muitos funcionários, mas o sistema não tem nenhum interesse nisso, e sabidamente é contra. 40 Se o sistema é contra a melhoria de conhecimento dos profissionais que lá trabalham, que dera se interessar por problemas que não lhes diz respeito? Mas diz respeito sim, pois os responsáveis são eles próprios, que criaram e mantém esta situação, por interesses de manutenção de um poder que não existe, só na mentalidade ditatorial e medieval destes mandatários. Os Colegas da Saúde Assim como se desloca um profissional habituado a tratar a população em geral, nos hospitais, clínicas e ambulatórios, para através de concurso, ingressar no sistema prisional, viciado e desviado dos propósitos fim como foi exposto, sem o mínimo de orientação e instrução de como proceder, não é de se esperar clima amistoso, mas belicoso, pelas anterioridades de cada um. Como se adequar aos confrontos entre presos, funcionários, através do vocabulário todo peculiar deste ambiente, sem modificar sua intimidade ou se deixar refletir em seus afazeres do dia a dia, se a osmose é inevitável em qualquer ambiente, por menor que seja a influência, ela existe e nos atinge em vários níveis (estudo do comportamento humano). 41 Precisamos ter este amparo para não degenerar; mas onde buscálo se é “cada um por si e danese o resto”. O melhor modo de sentir estes deleite de desvios, é observar o que se tinha de hábitos no antes e no depois de ingressar no sistema prisional: as tensões aumentam, os nervos ficam em frangalhos, respostas ficam mais ásperas, ficase mais quieto e pensativo ou ao contrário, relaxase com outros meios, para distração. Dizerse que se desconhece este problema por parte de diretores é falsete, mas a solução nem sempre está em suas mãos, mas que poderia haver encaminhamento para solução, poderia, e o que falta é à vontade a resolver, com medo de intrometerse e ainda criarem problemas administrativos e pessoais e então o funcionário é aconselhado a afastarse por motivo de saúde e vaise protelando a solução e prevalecendo o vá se cuidar para não degenerar, por conta e risco próprio, sem apoio devido pelo gerador dos problemas. Foi por mim proposto em abril de 1993, durante uma reunião para tentar solucionar estes problemas e outros de ordens administrativas, um trabalho de pesquisa científica em conjunto com os colegas lá presentes, estando a coordenação em minha responsabilidade, com o apoio do Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário, mas não houve retorno algum dos colegas, apesar de insistentes apelos feitos por carta e telefonemas, onde referia: 42 profissionais de saúde ou de outras áreas do sistema prisional, ficando ultrapassado o trato da população alvo, destoando com as realidades presentes, não evoluindo, e quando há, não se é divulgado e são apenas para os poucos privilegiados. Propostas, solicitações de informações foram encaminhadas ao Centro de Recursos Humanos do Sistema Penitenciário por cartas, telefonemas particulares e em serviço, fax e pessoalmente, mas ao que se percebe, não há mesmo uma vontade política em investir na melhoria da assistência, formação profissional e reciclagem, isto posto, se falta até o essencial como medicamentos, equipamentos e materiais, vão, por acaso, ligar para funcionários que só dão despesas e não dão voto? Quando muito, a Secretaria de Saúde do Estado, através de iniciativas regionalizadas das DIRs (Escritórios Regionais de Saúde), solicita o comparecimento de profissionais de enfermagem, médicos, odontólogos a participarem de simpósios, seminários, isto quando os comunicados e convites não nos são apresentados na última hora, com um ou dois dias de antecedência, o que torna quase que inviável o comparecimento, dado ao tempo disponível para o preparo para estes fins, pois envolve transporte, o que nem sempre está a disposição para estes fins. Isto tudo somente para trazer mais informações para o NAS, pois estas informações são para serem repassadas. 45 Contudo, esta chance de acumular novas experiências e formações pelas informações divulgadas, nem sempre são em horários de trabalho, o que requer do profissional o desprendimento para “esticar” o horário e como forma de recompor conhecimentos, comparece e busca a melhor forma de aprimoramento. Apesar de obter estas informações, e quando retoma o trabalho rotineiro pelo que se vê, é que seus superiores hierárquicos não reconhecem o esforço despendido, e em regra, quase que impede que o conhecimento seja implantado, pois não há interesse nesta atitude. Novamente a discriminação parte desses senhores que deveriam estimular, contudo não o fazem; talvez pelo simples fato de não permitir que haja evolução nos NAS, ou por razões desconhecidas, talvez inconfessáveis de egoísmos ou despeito, mas que o fato existe é mais que palpável. A quem reclamar, se a figura que teoricamente deveria receber esta queixa é o mesmo que a rejeita, contrariando a “norma estabelecida” que time que está ganhando não se mexe, e nos perguntamos afinal: Reclamar a quem? Reivindicar a quem? Notificar a indignação a quem? Haverá resposta?Quando?Se os prazos não são cumpridos pelos Superiores? Os prazos e departamentos são muitos e a aceitação por parte de quem tem uma visão mais abrangente e tenta colaborar, geralmente não encontram os ecos 46 indispensáveis a esta sobrevivência de conhecimentos profissionais. Somos uma classe especial de profissionais, por tratarmos com as doenças e o homem que a pertence, ser este já genuinamente egoísta, e ainda sermos relegados à condição de curva de rio, o que não nos acalenta em absolutamente em nada e menos ainda estimuladora. Propostas, trabalhos científicos, técnicas apuradas, recursos humanos e de trabalho, equipamento de proteção individual, medicamentos específicos não são aceitos e muito menos presentes nos NAS. Pois é sabido que são poucos os NAS em que seus diretores, têm a mentalidade aberta, apóiam seus funcionários dando a eles o respaldo necessário para exercerem suas atividades como manda e recomenda as condições mínimas de órgãos de saúde. O interesse dos diretores de NAS, não deveriam aterse somente “ao bom andamento do serviço” ao executarem as tarefas administrativas e fazêlas fluir, mesmo não tendo capacitação ou especialização nesta área, mas de estimular trabalhos científicos e o desenvolvimento de técnicas apuradas e atualizadas, voltadas a todos, em especial para a população alvo (presos). Isso, qualquer profissional de bom senso e boas intenções faz, ao contrário, são vampiros sagazes vestidos em peles de fantoches. 47 E se ele não o mantém como deveria, que seus representantes assumam esta responsabilidade e a faça cumprir, sob pena que estes possam passar algum período lá dentro para sentirem o gosto amargo deste fel, criado e mantido por eles, e quem sabe, talvez, se humanizem. Pois quem paga os impostos tem o direito de manifestar sua indignação frente estes fatos, verdadeiros é só querer ver. Tudo isso é sabido e deveria funcionar melhor, e com certeza pode. Temos consciência e sensibilidades suficientes para ver e sentir que este estado de coisas só faz aumentar a degeneração do humano que utiliza estes locais. Sabese também que existem por detrás destas atitudes, interesses escusos e inconfessáveis: fios de tear que vão se amarrando por interesses comuns a manter o poder que não é emanado do povo, mas de uma parte ínfima dele. Assistir o indivíduo em situação de necessidade de saúde é direito, não favor do Estado, nas pessoas de seus representantes, seja em que situação for; e dentro do sistema prisional este estado de situação é FAVOR, pois não adianta a força da lei PESSOAL contra a “lei” do sistema. Para diretores e alguns funcionários do sistema, a área de saúde é privilégio e deve ser manipulada com interesse próprio. 50 Não podemos atuar conforme é de recomendação no nosso Código de Ética Profissional nos interiores do sistema, principalmente como deveria ser e estamos preparados para atuar, por que amamos o que fazemos. Falar ou demonstrar sentimentos de compaixão ou de interesse em ajudar um doente ou necessitado, dentro do sistema penitenciário é demonstração de sexualidade, ignorância, inimizades, ser mal visto, desprezo, cumplicidade com bandidos, e tornase também, escárnio para esta sociedade em particular. Naturalmente e conscientemente temos de nos acautelar com propósitos subliminares de alguns internos / presos, pois também é sabido que há intenções nada nobres e recomendadas sobre estas intenções e desejos, mas felizmente não é a maioria como querem fazer crer. É falta de oportunidade clara e objetiva no amanhã desta população. Mas também existe a massa de conformados, acomodados, desestimulados, que desistiram de lutar pelo que é certo; melhorar o sistema é possível, apesar de não acharem nenhum tipo de respaldo nos colegas de enfermagem (alguns locais), em diretores de NAS e nas diretorias da instituição, até porque estes também estão desestimulados pelos próprios desencontros administrativos do Estado. Como deve funcionar o sistema 51 em seu aspecto estratégico, funcional e estrutural é sabido, mas não podemos fazêlo por impedimentos administrativos. Será que este estado de coisas é também de interesse dos mandatários eleitos ou nomeados? Saber como atuar nos é oxigênio, contudo somos impedidos por tipos de normas e pelas questões de segurança segundo dizem os responsáveis. Então porque existem agentes de segurança, senão para segurança dos presos e dos colegas de trabalho que no sistema atuam? Propostas isoladas foram colocadas aos diretores de NAS, que vislumbram um horizonte mais atualizado e realista, integrandose com outros profissionais de saúde e desempenhando suas funções de uma maneira menos ociosa e degenerativa, como o que deveria ocorrer em todos os presídios. E tomara que possam implementálos..., se deixarem. Como proposta de atuação mínima dentro dos parâmetros esperados do profissional de saúde, em especial o de enfermagem, sob a coordenação do Enfermeiro, é as que abaixo exponho: 01integração entre os profissionais de enfermagem, formadores de opinião e atualização; 52 vazamentos, estimulando e exigindo as reformas necessárias, através de meios legais se for o caso; 15educar para não degenerar; 16controle de materiais e equipamentos indispensáveis à manutenção à vida e para procedimentos diários e rotineiros; 17programação de trabalhos em equipe e discutir a sua efetivação e manutenção; 18caixa de proposta de sugestões; 19 Manter disponível Caixa de Emergência, móvel, com os equipamentos indispensáveis à vida. É sabido que para implantar este projeto, esta idéia, que desde 1993, quando foi apresentado pela primeira vez, não é difícil. Basta querer fazer, pois não implica em gastos vultosos, apenas em básica reciclagem e boa vontade em implementar. Talvez por não ter gastos vultuosos é que há tanta dificuldade em implementalos. Ou não? Sabemos que existem obstáculos e impedimentos pessoais, por parte de diretores de NAS e de outros setores que aparentemente perderão “poderes” sobre nós e os demais funcionários. Não queremos tomar poder de ninguém, apenas e somente trabalhar, exercer as tarefas para a qual fomos contratados e 55 preparados profissionalmente, sem estes obstáculos ilegais, pois o que pleiteamos é legal e já deveria estar sendo feito. Sistema Computadorizado Desde a década de 80, o sistema computadorizado vem sendo implantado nos 56 lares, lojas, sistemas governamentais, nos poderes legislativo, judiciário e executivo. Com certas restrições no início, por condição pessoal de estranhar o desconhecido, confirmase o que temiam alguns e desfezse ao vento para outros, mas nos dias de hoje, em pleno início do século 21, o computador tornouse mais um elemento dos tantos eletroeletrônicos disponíveis e de acesso fácil, indispensáveis para certas atividades e fins, em especial no trabalho. Sabemos de suas utilidades e de seus manejos e basta ter um pouco de aulas com um parente próximo, a namorada (o) ou amigo (a) ou com um professor habilitado, e pronto, já estamos acessando e viajando por este mundo, fato este que já foi bem assimilado e aceito pelos mais resistentes. O sistema penitenciário não ficou atrás. Com tantos processos entrando e saindo, com dados individuais surgindo a cada instante, estas informações vão se acumulando e a sua inclusão manual, que apesar de ainda ser muito usada, o sistema computadorizado facilita sobremaneira a elaboração de relatórios, as escalas, os laudos, fax, avisos, portarias baixadas pelos departamentos, entres outros fins. Mas este instrumento hoje já tão bem incorporado no dia a dia de todos não é usado em todos os departamentos do sistema prisional. 57 Não vivemos sem informações; e, dentro e com as informações colhidas e contidas em um prontuário de um interno/preso, podese fazer muita coisa, entre elas manipular o próprio interno/preso ou grupos deles para fins que desconhecemos. Imagine estas informações em mãos erradas?...pensemos e vamos dar solução para este grave problema de falta de condições de guarda de dados e instalar um sistema computadorizado nestes NAS. Ou continuaremos a viver na era jurássica? Fundamental não é a retórica, mas a diferença. 60 Pergunte Certo e Ouça as Respostas... Todos nós falamos ou expressamos o que somos e o que sentimos através de informações, por gestos, interesses, conversas; uma linguagem corporal, que pode refletir entusiasmo, empatia, curiosidade, mas na contra mão, reflete através dos silêncios: angústia, indiferença, suspiros de desconforto, comentários sarcásticos, uma outra leitura corporal. Qual destas gostaria de vivenciar no dia a dia? Certamente não poderíamos viver em plena paz do Jardim do Éden por longo tempo, nem contrariamente viver um desinteresse desprezível constantemente. Sempre o meio termo é a situação mais aceitável, pelo simples fato de a natureza humana não ser uma constante também, mas de natureza egoísta, por essência, mas sempre com um nível de educação básica e de tolerância visível e palpável, para compreender e ser parte das soluções. Pois ser parte dos problemas é mais um estímulo a fazer as pessoas se fecharem e a rotularem condutas que não se explicam, por mera conformidade e revolta. 61 O que fazer e que não fazer para ser um bom ouvinte? Aprender a ouvir é mais difícil do que aprender a fazer boas perguntas, portanto vamos nos lembrar quando observamos um grupo de pessoas, sempre se questionando e mostrando suas experiências e inexperiências. Muitos estão preocupados em manter uma “linha de raciocínio”, com suas respostas evasivas ou algum assunto importante para si e para o grupo. Se pudesse dar uma sugestão a pessoas ao meu redor, diria: saibam ouvir antes de elaborar e formular perguntas. Ouvir é essencial, passivo é verdade, o que leva a considerarse que é submissão ou estar subestimado. Mas sabiamente quem ouve ou sabe ouvir antes de formular perguntas, estas certamente seriam mais objetivas e produtivas. Como você ouviu a última pessoa com quem esteve no trabalho, no restaurante , nas compras, no supermercado e em especial em casa ou em uma festa? Se você é como a maioria das pessoas, não tenho medo de dizer que não sabe ouvir, e está perdendo a oportunidade real de saber ler as pessoas, de decifrálas, mas o tempo de aprender a ouvir não se esgota. Quantas vezes você interrompeu uma conversa? 62 mSaiba ouvir com todos os seus sentidos; nTente criar um ambiente agradável para desenvolver a conversa; oEvite ter platéia, a não ser que queira fazer uma conferência ou teatro; pNão tenha obstáculos físicos entre você e seu interlocutor, e terá uma boa conversa; qEvite as distrações ou ficar distraído com alguém ou alguma “coisa”; rTenha uma postura para receber as informações da conversa, nunca cruze os braços ou seu interlocutor interpretará como uma recusa de conversa; sNunca queira discutir quando estiver cansado ou no fim de um dia longo e difícil; isto serve também para seu interlocutor, portanto se ele/ela estiver cansado, respeite; tAvalie o estado físico e emocional de seu interlocutor, para melhor decifrálo; uCrie um vínculo conforme seus interesses, mas não atropele os potenciais de cada um; vPergunte se ele/ela quer fazer alguma pergunta, pois isto abre um leque de informações confiáveis ou não – saiba avalialas; wDevemos pensar no assunto ou deixar o interlocutor pensando? – refletir sobre qualquer assunto é essencial e de boa educação; xSaiba ser ouvinte e saiba ser ouvido pelo seu interlocutor; ySaiba o que perguntar e o que responder. A boa conversa sempre começa com um bom discernimento sobre o outro e sobre si , mas não com tom de superioridade, mas de igualdade, removendo os obstáculos e sendo honesto. 65 Nunca se explique. Aos amigos, não é preciso. Aos inimigos não adianta O Coren – Conselho Regional de Enfermagem Diferentemente do que ocorria a alguns anos passados, diziam que o Coren não assistia os profissionais de enfermagem de conformidade com as expectativas dos profissionais que o fizeram existilo, mas apenas caminhava, aos olhos dos colegas, contra nós e contra nossas atitudes não nos amparando e não nos acolhendo. Isto é sabido, mas não é de todo verdade. Contudo, mas que deixava transparecer que o Coren só servia para punir, isto parecia, mas não tenho informações se acontecia e realmente não acredito nisto, apesar do artigo 14 inciso V, que cita; “V – conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo as penalidades cabíveis”. Arbitrariedades e desafetos podem ocorrer em todos os lugares, e conheço 66 muitos casos que fiscais despejavam suas amarguras bem pessoais, intolerâncias e vinganças em colegas sabidamente e comprovadamente inocentes. Ocorrências que resultavam em absolvição das acusações formuladas e nenhuma punição aos acusadores, pois o Coren escudava seus pares. Como se pode ver, em quase todas as áreas do relacionamento humano, existem regras que devem ser respeitadas e a ética para promover a justiça, mas o gênero humano é hipócrita por natureza – você sabe disso! Nos últimos anos, os Corens, em especial o do Estado de São Paulo, tem primado pela visão global e estrita no trato com seus iguais, com distinção e honestidade, lembrando sempre que existimos e mostrando que estão lá para servir, orientar, encaminhar, e, se necessário punir, esta última, dando as oportunidades antes de defesa ampla (esperamos). Eles sabem que existimos e sentimos sua presença sempre, através de envio de relatórios e novas resoluções entre outros fins. E devemos perceber novas evoluções, o que os colegas também podem participar dando suas sugestões. Ao longo dos anos, esta visão deformada e incompleta serviu para nos afastar de nossos direitos e talvez de nossas 67 Talvez se houvesse maneiras de se queixar buscando resguardar a integridade pessoal e profissional, e não ser atingido enquanto se apura a verdade, fosse uma boa saída e poderia ser colocada em prática. Isto é uma constante dentro do sistema prisional e em outros locais onde estão os profissionais de enfermagem. Queremos trabalhar de acordo com nosso Código de Ética, mas é difícil. Ficamos descompensados em cuidar de todos os lados: das diretorias de NAS, dos colegas já descompensados e estressados pela mesma situação, de ASPs que sofrem pressões de todos os lados de presos de diretores e de colegas comprometidos com o crime, de diretores de outras áreas. Não podemos é continuar a sermos saco de pancadas, pois não temos aptidão para sermos as “saudosas Amélias”, da velha canção. A Lei, o Preso, e os Funcionários do Sistema Prisional Recentemente, em 1999, foi elaborado por Procuradores Gerais do Estado, uma Cartilha dos Direitos e Deveres dos Presos, onde estão relatadas de forma didática com perguntas e respostas, as principais dúvidas tanto de presos quanto de funcionários. 70 Dúvidas de funcionários? É isso mesmo. Os funcionários do sistema prisional também têm dúvidas e deficiências em informações e formações tanto quanto qualquer cidadão. Algumas vezes mais ainda. Estas informações são para algumas pessoas que procuram conhecelas, mas não deveria ser desta maneira. Talvez neste ponto estejam as razões das revoltas, rebeliões, fugas, resgates de presos, deficiências estruturais. Sabemos que os novos centros de detenções e outros afins, são construídos para alojar em melhores condições o cidadão preso e para mostrar atenção para com este estado de coisas por parte do Estado. Seria muito bom se funcionasse como está no papel, mas é o inverso disso. Cita a referida Cartilha, na pergunta: Quais são os direitos básicos dos presos? E as respostas vão desde alimentação; vestimenta fornecida pelo Estado; alas arejadas e higiênicas; visitas da família e amigos; escrever e receber cartas; ser chamado pelo nome (e não de ladrão como é feito desde há muito); receber três quartos (3/4) do salário mínimo para ajudar no sustento da família e até o “direito à assistência médica” entre outros 71 itens. Ora, se não é explicitado nem ao preso, nem aos funcionários seus deveres e direitos, por que exigir destes o respeito profissional aos demais funcionários do sistema se não é explicado a ninguém isto. E se o foi explicado, porque não se coloca em prática? O interessante e de direito a todos, é a informação, mas se não se informa. Como obter informações se não sabemos as fontes (os livros de leis não são tão acessíveis quanto podemos imaginar), e se sabemos, temos dificuldades no seu acesso. O Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo, no Capítulo III, Secção I, dos Direitos, no artigo 23, letra d inciso XIII, cita: “...o preso tem direito a tratamentos médicohospitalar e odontológico gratuitos, com os recursos humanos e materiais da própria unidade ou do (Sistema Único de Saúde SUS)...” E novamente há a omissão das atividades de enfermagem, mais presentes e constantes que os demais profissionais da área de saúde, relegando nossas funções a planos inexistentes. Médico tem sua função e obrigação diferenciada das funções e obrigações da Enfermagem. 72 O Processo de Enfermagem no Sistema Prisional Quando estava na Faculdade de Enfermagem, em 1979, tivemos a informação que a futura colega de ofício, a Dra.Wanda de Aguiar Horta e colaboradores, elaboraram o chamado Processo de Enfermagem. Nele constavam, contundentemente, as maneiras de assistir ao paciente de forma cientifica e racional, hospitalizado ou não, em liberdade ou preso, não distinguindo em que condições de locais seriam os atendimentos, mas as formas de os recursos que seriam utilizados para prestar da melhor maneira possível a assistência. Apesar das digestões difíceis do atual sistema de saúde do sistema prisional, e que nos deu uma visão mais abrangente e específica do cuidar em condições adversas, tentamos implantar este Processo de Enfermagem nestes estabelecimentos, para melhor cuidar desta população já mais carente. Como já disse anteriormente em outros tópicos, a Enfermagem é para o paciente o que o paciente não pode ser para si, e portanto, entramos naquilo que ficou incompleto ou dependente de outros. Hoje, na maioria dos hospitais e clínicas médicas e de enfermagem, ambulatórios, já são utilizados o Processo de Enfermagem, mas no sistema penitenciário isto ainda não foi possível ser instituído . 75 A primeira tentativa ocorreu em 1993, quando exercia minhas funções de Supervisor de Enfermagem no Hospital Central do Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário, em São Paulo, com o Apoio da Diretoria de Enfermagem e da Administração do Hospital, e com o apoio incondicional do Diretor do Departamento de Saúde . É um hospital somente para presos portadores de DST/AIDS e outras doenças infecciosas e infectocontagiosas, com sessenta e oito leitos disponíveis, que tinha uma equipe de médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, devidamente treinados e afinados com os propósitos fins, invejável a outros departamentos de outras localidades, dado o nível de conhecimento que estes profissionais dispunham e ainda acredito que disponham nos dias de hoje. As atuações eram com total desprendimento, dedicação e integração entre os profissionais. Tudo era novo, funcionava bem e fluía melhor ainda com as condutas apresentadas por estes profissionais, como se um rio calmo fosse, mas que levava em suas intenções o servir. Dispúnhamos de diretoria de Enfermagem com autonomia para as atividades e uma equipe de profissionais enfermeiros, auxiliares, técnicos e serviçais afinados, de boa formação pessoal e profissional, que se entendiam e se reciclavam, de boa vontade e muito estimulados. 76 Não havia falta de materiais, equipamentos; recursos humanos em número suficiente, medicamentos gerais e específicos, alguns importados; testes laboratoriais eram feitos imediatamente após os pedidos efetivados tanto por médicos quanto pelos enfermeiros, como já é rotina nos dias de hoje, dado os conhecimentos que ambos dispunham. Os resultados dos exames logo que ficavam prontos eram entregues para que o paciente/preso fosse atendido imediatamente, havendo intervenção em tempo real, de conformidade às necessidades do paciente e conforme manda a lei, e assim deveriam ser todos nós atendidos. A equipe médica que plantonava com assistência diária só medicavam ou prescreviam para o paciente após pedir a colaboração e parecer dos profissionais de enfermagem ou do supervisor de enfermagem. Os profissionais de enfermagem forneciam todas as informações pertinentes àquele paciente/preso e desta forma direcionava os procedimentos mais adequados a serem efetuados, e isso criava uma dinâmica de ajuda e colaboração constantes. Sabemos todos que a equipe de enfermagem é o advogado da saúde dos pacientes, zelando contra atitudes ou intervenções desnecessárias ou resolvendo os efeitos destas. Equipe de primeiro mundo, só vista em filmes, diferente da nossa realidade 77 “Conhece os defeitos de quem te rodeia e conhecerá suas virtudes.”. Ditado Chinês A Penitenciária 1 (de Tremembé) Quando ingressei no sistema penitenciário, em fevereiro de 1990, através de concurso público, iniciei minhas experiências nesta área na Penitenciária Dr. Edgar Magalhães Noronha de Tremembé, mais conhecido como PEMANO. Neste local tive a oportunidade de trabalhar com um grande conhecedor deste universo de adversidades, e, saber usufruir as mazelas em benefício da assistência aos internos e à equipe de enfermagem; falo de Dr. Andraus. Este diretor de núcleo de saúde, psiquiatra de carreira invejável, nos acolheu e nos orientou no que era possível, para àquele ambiente novo e aparentemente hostil, para nos nutrir com idéias e maneiras de agir com poucos recursos materiais, nos estimulando a continuar, a fazer uma assistência possível 80 naquelas condições de guerra branca de mocinhos e bandidos. Estes mocinhos e bandidos não era necessariamente nós contra nossa população alvo, mas muitas vezes nos defender de colegas de profissão e de ASPs mal intencionados. A assistência era aplicada como deveria ser feita, apesar de “certos” procedimentos administrativos difíceis, sempre presentes, e conforme já foi descrito; “... O lobo perde o pêlo, mas não perde o vício...” Foram meses trabalhando ao lado de quem nunca desistiu de assistir e dar o melhor de si. Sempre nos decifrava, e através de suas palavras e atos, nos ajudava a exercer nossa função, usando como escudo os anos de medicina no sistema e a influência de diretor de saúde do complexo penitenciário. Quando inauguraram a Penitenciária Um de Tremembé–SP, hoje Penitenciária Leônce Pinheiro, em dezembro de 1990, fui convidado pelo Dr. Andraus a ser chefe se secção de saúde daquela Penitenciária, o que me deixou muito triste e contrariado, abalando minha credibilidade naquele homem que se tornou uma lenda dentro do sistema prisional, dado a sua dedicação por anos seguidos. De início não entendi o porque desta conduta, e conforme já disse, me contrariou muito, mas mal sabia eu que aquela 81 atitude iria mudar por completo toda a história da minha vida; com os aprendizados que se me impuseram pelas dificuldades que presenciava, talhandome como pessoa e profissional de uma maneira que em lugar nenhum poderia encontrar, só viver e ver. Sentir sentimentos que desconhecia da natureza humana e, nunca ouvira falar ou descrição havia lido ou sabido. Hoje, agradeço aquela atitude de um “pai” que sabe o que é melhor para seu filho. Quando nesta penitenciária cheguei, encontrei apenas: salas vazias, mesas e cadeiras amontoadas e uma caixa de sapato vazia com aspirinas e dipirona (analgésicos e antitérmicos), emprestados de outro presídio. Indaguei ao responsável pelo almoxarifado da Penitenciária I, um biólogo de formação, mas um administrador por vocação, como deveria proceder para equipar o setor, que formulários deveriam ser preenchidos para obter o necessário em nível de materiais, equipamentos e recursos humanos, e não eram poucas as necessidades, e, finalmente, em quanto tempo chegariam os pedidos. Foi um grande colaborador que de imediato solicitou todo material que necessitava o setor de saúde, o que levou cerca de duas semanas. Neste período ouvi, presenciei e senti ofensas de internos/presos e principalmente de ASPs, que queriam 82 eletroencefalogramas, alguns exames laboratoriais e consultas internas com especialistas. Isto, com a ajuda recíproca e desprendida de alguns poucos ASPs, que se transformaram em agentes de saúde e, estimulados pelo ambiente criado, conversas sobre as atuações da enfermagem no cuidar, começaram a procurar cursos de formação profissional e hoje são referências pessoais e profissionais para muitos de nós. O setor de saúde dispunha de toda assistência necessária ao bom funcionamento e, cobertura na área de saúde, com exceções de exames mais específicos, como ultra sonografia, tomografia e ressonância magnética, exames estes que nem nós na aparente liberdade temos acesso fácil. Mas, quando os internos/presos necessitavam, conseguíamos marcar estes exames nos hospitais da região, não sem uma grande resistência. As consultas e os acompanhamentos de tratamentos eram no mesmo dia, ou conforme as necessidades e possibilidades, dependendo do caso, na mesma hora, sempre com um primor de assistência como se esta fosse particular, sem as grades a segurarem estes internos / presos, no que refletiam nos comportamentos disciplinares destes. Nesse período onde os atendimentos eram efetivados com respeito ao ser humano, com tratamentos sérios e 85 adequados, não houve revoltas, rebeliões, paralisações ou qualquer outro movimento reivindicatório mais substancial, especialmente na área de saúde. Dispúnhamos de leitos para internação, quarto de isolamento, quarto psiquiátrico, com área verde montada pelos internos / presos e funcionários do setor, com mudas de plantas cedidas e autorizadas sua entrada e plantio, pela diretoria geral, no que transformava o ambiente conciliatório e de resolução, dado o tratamento igualitário e recuperador que era proporcionado. Consegui com minha equipe, colocar em prática uma administração de serviços de saúde, naquele departamento de saúde, que recebeu vários elogios, mas estava apenas aplicando e praticando uma de minhas especializações que detenho. Foi uma realização do grupo, sendo que cada um participou e dedicou o melhor de si, independentemente dos obstáculos da administração geral da penitenciária, que após a montagem da secção, passou a nos bloquear e inibir em iniciativas, obstando atividades, alegando razões de segurança sempre lembradas mas nunca justificadas, o que nos impedia de exercer o direito de assistir a quem necessitava como vínhamos fazendo. Às vezes me perguntava quem era mais criminoso. É difícil dissociar um fato de outro, sendo que de um lado havia 86 impedimento físico, e de outro, o poder de autoridade penitenciária, não de lei. Foi quase três anos de intensos trabalhos, renunciando família, o particular, lazer, em benefício de poucos, mas que quando realizado, foi com dedicação e amor ao próximo. Amor ao próximo dos que ama ajudar, assistir e servir ao menos favorecido e neste caso, aos enjaulados. Como um trabalho bem feito e funcionando se torna incômodo aos supostos administradores do bem público, pois via de regra não é esta uma conduta comum, fui transferido compulsoriamente para trabalhar no Hospital Central do Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário, aos cuidados de seu diretor, que já foi comentado no capítulo anterior. O que sei, é que algum tempo depois de minha transferência desta penitenciária, a rotina que havia sido instituída e os atendimentos aos internos / presos da P I decaiu e houve uma rebelião violenta e cruel, onde uma colega de enfermagem se tornou refém por dias, e uma das justificativas deste motim, era o péssimo e mal atendimento e assistência de saúde prestado a época. Foi uma grande perda de tempo ou não poderia ocorrer diferentemente? Basta uma análise superficial e direcionada para se obter a resposta. Quando queremos fazer certo, é 87 Quando reivindicava através de ofícios, que eram difíceis de serem protocolados, pois só o seriam se o diretor geral concordasse e quisesse que fossem registrados no expediente e, a partir daí, passava a ser visado e até de receber ameaças de morte, o que se transformara até em rotina, apesar de não terem êxito nesta intenção. Apesar de representações junto a delegacias de polícia, e procuradoria geral do estado, que não sei por que nunca sequer levaram a nada, em nenhuma resposta sequer, sendo negligenciados e esquecidos estes Ofícios numa gaveta qualquer, apesar dos apelos às autoridades constituídas, independente dos meus pedidos oficiais e formais. Os interesses por detrás desse tipo de situação são de amizade de raposa a raposa e, portanto, evitei e evito ser ovo para a degustação profissional e pessoal, por parte destes Canídeos. Perguntavame: eles estão acima da lei ou as leis os servem conforme suas vontades? Nunca obtive respostas claras, só ameaças. Daí recebi nova transferência de Taubaté para Tremembé, desta vez para o mais conhecido presídio da região, além de ser um dos mais antigos, o antigo IRT. Lá fui recebido pelo senhor diretor geral, que muito em seu estilo próprio, 90 relatou as dificuldades que eu enfrentaria pelos poucos recursos lá existentes, com solicitações não atendidas por bloqueio de verbas e de vontades além de sua competência administrativa, como equipamentos, medicamentos essenciais, além dos poucos, mas duvidosas eficiências dos recursos humanos que lá dispunham. Pude perceber que pela primeira vez trabalhando no sistema prisional, um diretor geral admitia suas dificuldades e limitações, com extrema franqueza e contundente verdade, admitindo até que todos nós não passamos de piões nas mãos dos poderosos e que nos colocávamos em situações de conflitos por isso. O efeito propulsor da realidade no sistema prisional como um todo, é que ele é uma curva de rio, e que nós fazemos parte disso. Infelizmente, isto é uma verdade. Sei que gostaríamos que fosse diferente... Tentamos, enquanto funcionários, fazer o que é possível para manter um sistema sabidamente falido; desprezado pelo Estado e pela coisa pública, e em especial pela sociedade como um todo, pois esta age como avestruz, funcionando, mas sabemos que não podemos mantelo. Esperamos por muito tempo mudanças que ainda não vieram e que reclamamos. 91 É um paciente em estado terminal, com início de falência de múltiplos órgãos, restando apenas a boa vontade e a dedicação de alguns para fazêlo sobreviver enquanto temos forças para suportar. Passei por duas rebeliões nesse trabalho, e fatos e situações que jamais esquecerei, com violências de parte a parte, pois nestes locais há uma guerra declarada de gladiadores contratados da sociedade de um lado e de impotência velada de outro. O sistema usa os internos/presos como massa de manobra para levantar fundos para fins daqueles que mantém a aparência de sociedade civilizada. A mais conhecida e de repercussão internacional, foi a do Carandiru, onde lá estava para meu primeiro dia de trabalho. Após a transferência da PI de Tremembé, para conhecer e me familiarizar com os “setores” de saúde lá existentes, fui surpreendido com este famoso massacre, sob o comando de “cidadãos” acima de qualquer suspeita, que lá desencarnaram seus mais odiosos sentimentos reprimidos. A segunda rebelião foi no próprio IRT (hoje Penitenciária II de Tremembé). Apesar de estar em licença para tratamento de saúde, fui convocado como “voluntário” para ajudar a assistir de forma contundente aos internos feridos e necessitando 92 Nos meses e trimestres seguintes, este procedimento se repete. Sempre reclamamos da baixa quantidade de medicamentos e materiais, até que eles nos informam que por dados estatísticos anteriores, a nossa média eram menores do que estávamos pedindo, e que não há motivo para esse aumento tão significativo (?). É uma matemática perversa, que subestima as nossas necessidades mínimas e que por isso temos que fazer pequenos e grandes milagres; mendigar em diferentes locais para tentar suprir com o mínimo e fazer cumprir o que é uma obrigação legal, não assumida pelo Estado. Reclamar a quem se não há ouvidos a nos escutar? Sabemos o que diretores e nossos colegas da área de saúde passam e sentem quando precisamos indicar ou medicar com determinado fim ou utilizar materiais para fins específicos, com risco de vida do interno e, risco de vida para o profissional, que o assiste, sem ter os recursos suficientes para fazer. Colocando todos em situação de omissão prevista, imposta por vontades de quem tem a obrigação de fazêlo e não o fazem, pois preferem permanecer em seus gabinetes refrigerados com lanches, almoços e cafés à vontade, pagos por todos nós, e não usar a caneta para suprir esse buraco. A usam sim para apenas punir 95 quem os repreende ou os lembram de suas obrigações legais e funcionais. Quando morre um interno/preso em nossas mãos, ou esse está correndo risco de vida, os demais internos/presos não reportam suas indignações aos verdadeiros responsáveis pelo estado da coisa, mas a nós que lá estamos , servindo de vidraças para descarregarem suas iras, no que estamos tentando servir apenas. Contudo, impedidos, até certo ponto, por força de responsabilidades não cumpridas em fazer manter e funcionar um NAS. É incompetência de quem pede ou de quem deve mandar estes materiais e equipamentos, que não são comprados por eles, mas fazem uso do dinheiro público? A justiça tem termos interessantes quando ela quer fazer parecer que é um dos pilares da verdade e da democracia. Então que se faça valer esta verdade e democracia, e pedimos justiça pelo descalabro em que nos encontramos e vivemos, seja ela por incompetência, negligência, intolerância por esses infelizes que nas mãos dela está, e, peçamos a Deus misericórdia. O ATENTADO 96 Em setembro de 2003 fui “convidado” a assumir a chefia do Setor de Saúde do CDP de Taubaté/SP – cargo de Diretoria, onde encontrei aberrações de caráter e desvios de condutas e de personalidades que poderiam servir de estudos psicológicos e psiquiátricos anos a fio, se Setores da sociedade civil quisesse e autorizações fornecessem para isso. Encontrei o Setor em total desorganização, entre as quais cito algumas: ROUBO DE MEDICAÇÕES, EQUIPAMENTOS E MATERIAIS, Funcionários onerosos e sem vontade de trabalhar, domínio do Setor Penal, que lá levavam internos para torturálos, sob a anuência da Diretoria Geral e de Delegados de Polícia, Internos jogados ao chão, e, suplicantes de socorro e assistência de saúde, como casos de AVC – Acidente Vascular Cerebral que eram negados pedidos junto ao Juízo da cidade para a remoção para hospitais do Estado, portadores do virus HIV em estado de magreza, fome, só encontrados em filmes “fictícios”, onde se vê masmorras fétidas e esquecidas de todos, por conveniências sociais e de equilíbrio e busca de PODER, além dos desmandos imagináveis e inimagináveis, além de articulações para se manterem o status quo desejado pelos funcionários desse Setor e de outros, além é claro, do Sistema jurídico. 97