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Guias e Dicas
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Revista - biotecnologia ed 09, Notas de estudo de Química

REVISTA - BIOTECNOLOGIA 09

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 25/11/2010

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O desenvol- vimento da biotecnologia no Reino Uni- do acompanha as tendências da União Européia, que, no momento, em função principalmente da forte pressão exerci- da pelos movimentos ambientalistas con- trários aos organismos geneticamente modificados, tem aprovado poucos pro- dutos transgênicos. As primeiras libera- ções de OGMs (organismos genetica- mente modificados) no Reino Unido aconteceram em 1996 e os produtos liberados foram: híbridos de canola com tolerância a herbicida, somente para produção de sementes; e soja tolerante ao herbicida glifosato, para importação, armazenamento e uso para nutrição ani- mal e não para cultivo. Ainda em 1996, houve consentimento, por parte do Governo, para liberação restrita de ca- nola geneticamente modificada com to- lerância a herbicida (glufosinate ammo- nium) para importação de grãos, produ- ção de ração animal e uso industrial; e de milho resistente a insetos e a herbicida, somente para importação de grãos. Em 1997, o Reino Unido recebeu um pedido de importação de milho modificado ge- neticamente tolerante ao herbicida glifo- sato somente para produção de ração e não para cultivo. Esse pedido ainda não foi autorizado pelo Governo. BC&D - O senhor poderia explicar os procedimentos adotados para a co- mercialização de produtos transgê- nicos no Reino Unido? Kinderlerer - A comercialização de pro- dutos transgênicos no Reino Unido de- pende de autorização da União Euro- péia. As decisões tomadas pela União Européia quanto à comercialização são automaticamente adotadas pelo Reino Unido e demais países membros. As liberações são analisadas caso a caso e monitoradas quanto aos efeitos diretos e indiretos ao meio ambiente, e as exigên- cias podem ser ampliadas ou não, de acordo com a União Européia. Se as análises forem satisfatórias, os produtos transgênicos recebem licença para co- mercialização e podem ser colocados no mercado sem restrições. Hoje, há pou- cos produtos geneticamente modifica- dos sendo comercializados na União Européia, entre eles destacam-se milho, cana-de-açúcar e canola. No Reino Unido, por enquanto, o único produto transgênico desenvolvido, que está sen- do cultivado comercialmente, sob forte monitoramento, é a canola com tolerân- cia a herbicida e, dentro em breve, teremos também variedades transgêni- cas de batata resistentes a viroses, que estão em fase final de desenvolvimento. BC&D - Como a população na Europa reage aos produtos transgênicos? Ou seja, o senhor acha que o povo euro- peu está preparado para consumir esses produtos? Kinderlerer - A reação da população européia aos produtos transgênicos é muito negativa. Uma pesquisa realizada no início do mês de junho deste ano mostrou que menos de 1% da população aceita os transgênicos. A oposição aos produtos geneticamente modificados na Europa é extremamente forte. Os gru- pos ambientalistas mais expressivos, es- pecialmente o “Greenpeace”, o “Friends of the Earth” e a Sociedade de Proteção dos Pássaros, entre outros, além de órgãos de defesa do consumidor, enfa- tizam bastante, através dos veículos de comunicação, que os transgênicos po- dem vir a causar malefícios à saúde humana e ao meio ambiente. A popu- lação torna-se presa fácil desses grupos pelo desconhecimento generalizado da ciência e dos seus benefícios. Isso, no fundo, é uma grande irresponsabilidade da mídia por conceder espaço a esses grupos que contestam os transgênicos por questões puramente ideológicas, sem nenhum embasamento técnico-ci- entífico. Eu acho que os jornalistas têm obrigação de apurar melhor os fatos para não divulgar notícias distorcidas, especialmente relacionadas à saúde e alimentação para não causar pânico e desinformação na população. E mais ainda: os cientistas não estão agindo de maneira enfática, através da mídia, para mostrar à opinião pública a realidade e os avanços das pesquisas biotecnológi- cas. Diante dessa situação, o Parlamento Inglês tem- se esforçado no sentido de divulgar documentos técnicos sobre os transgênicos, através da mídia, com o objetivo de mostrar à população os benefícios que os transgênicos podem proporcionar. BC&D - A União Européia tem reali- zado campanhas de esclarecimento da população em relação aos trans- gênicos? Kinderlerer - Como eu já disse anteri- ormente, nós estamos tendo sérios pro- blemas na Europa, especialmente em função do movimento das organizações não-governamentais contrárias aos trans- gênicos. As campanhas de esclareci- mento devem ser conduzidas por insti- tuições de pesquisa e empresas que desenvolvem produtos transgênicos, que são, a rigor, os primeiros interessados. Os cientistas precisam ser mais enfáticos ao mostrar os benefícios que podem vir a ser gerados pelos transgênicos; e mais do que isso: provar que eles são equiva- lentes aos produtos convencionais, só que ainda muito mais monitorados e avaliados até chegarem ao consumidor. Além disso, não há 100% de segurança em nenhum produto alimentar, seja ele convencional ou transgênico. Se me perguntarem, por exemplo, se é seguro comer bife e batatas, eu vou responder que, possivelmente, não. Porque entre 10 mil ou mais, que são seguros, pode existir pelo menos um que não seja, devido a contaminações ou a outros fatores que a mídia aponta com freqüên- cia, aliás. BC&D - Que tipo de controle o Reino Unido exerce sobre as pesquisas e produção de organismos genetica- mente modificados? Kinderlerer - Em nível de pesquisas, nós temos um conjunto de leis e vários comitês consultivos que assessoram o Governo na regulamentação e fiscaliza- ção dos transgênicos, de acordo com o 6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento nível de segurança biológica exigido. Para os organismos geneticamente mo- dificados de menor risco, com amplo histórico documentado de utilização se- gura e sem registros de efeitos negativos para o meio ambiente, podemos traba- lhar livremente, seguindo, obviamente, os procedimentos de segurança básicos para qualquer manipulação em labora- tório. Mas, para desenvolver pesquisas com organismos de maior risco, precisa- mos pedir permissão antes mesmo de iniciarmos os trabalhos em laboratórios. Essa permissão é solicitada ao Comitê Consultivo de Modificação Genética (“Ad- visory Committee on Genetic Modifica- tion”-ACGM ), que assessora o Departa- mento de Saúde e Segurança na aprova- ção e liberação de organismos genetica- mente modificados. Esse Departamento tem total autonomia e poder de polícia para impedir qualquer desobediência à legislação pertinente. Os técnicos do Governo podem ainda auditar a qual- quer momento as instituições para veri- ficar se as pesquisas estão sendo realiza- das de acordo com a lei, independente de serem transgênicos ou não. Em termos de liberação no campo, o proces- so é muito semelhante ao do Brasil. A Embrapa, por exemplo, quando quer realizar testes de campo com produtos transgênicos, tem que ter autorização prévia da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) do Ministério da Ciência e Tecnologia. No Reino Unido, o processo é o mesmo: as insti- tuições interessadas também têm que obter permissão do Comitê Consultivo em Liberações no Meio Ambiente (“Ad- visory Committee on Release into the Environment - ACRE) e a fiscalização é feita por técnicos designados pelo De- partamento de Saúde e Segurança. Re- sumindo: a regulamentação das pesqui- sas que envolvem organismos genetica- mente modificados está dividida em três níveis: em primeiro lugar, estão os pro- cedimentos para as pesquisas dentro dos laboratórios; em segundo, para as liberações no campo; e, em terceiro, para o cultivo comercial e consumo de produtos transgênicos. Essa terceira etapa depende da aprovação de um outro órgão: o Comitê de Análise de Novos Produtos e Processos Alimenta- res ( “Advisory Committee on Novel Foods and Processes” - ACNFP), que assessora o Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação e a Secretaria de Estado da Saúde e suas Aplicações na avaliação dos riscos da liberação desses produtos para a alimentação humana. Em breve, dentro de poucos meses, será constituído ainda um novo comitê, que vai analisar a liberação de produtos transgênicos destinados à alimentação animal. BC&D - Se um produto transgênico foi liberado para comercialização nos Estados Unidos ele é automaticamen- te aprovado também na Europa ou tem que ser submetido às autorida- des locais? Kinderlerer - Não. Ele tem que ser submetido às autoridades de um dos 15 países que compõem a União Européia. Cada um desses países tem poder para liberar ou negar a importação de um produto transgênico comercializado nos Estados Unidos e a decisão será respei- tada e acatada pelos outros 14. Ou seja, na Europa não se fala em decisões locais; se um dos países diz não à introdução de um produto transgênico, diz não por toda a Europa. BC&D - Diversas instituições do agro- negócio têm desenvolvido plantas transgênicas com tolerância a herbi- cidas. O senhor acha que o cultivo dessas plantas pode aumentar a utili- zação de defensivos agrícolas no mundo? Kinderlerer - Vou mencionar um exem- plo para tentar responder a essa questão sobre o uso de herbicidas. Quando eu participei de uma reunião no Cairo, há alguns anos, me perguntaram se eu sabia como eles controlavam as plantas daninhas no Egito. Eu disse que não e fiquei surpreso com a técnica emprega- da por eles: as ervas são simplesmente arrancadas com a mão, sem uso de herbicidas ou de qualquer outra tecnolo- gia. E essa prática é muito comum na agricultura de subsistência em vários países no mundo. Diante disso, apesar da introdução de plantas tolerantes a herbicidas levar ao uso desses produtos, representa, ao mesmo tempo, melhoria na qualidade de vida do trabalhador rural, além do aumento de produção e produtividade e maiores ganhos econô- micos. Contudo, em escala de cultivo comercial, eu acredito que o uso dessas plantas levará à diminuição progressiva do uso desses produtos devido ao aper- feiçoamento constante dessa tecnologia. BC&D - A clonagem da ovelha “Do- lly” suscitou muitas polêmicas em todo o mundo por envolver aspectos legais, éticos e religiosos. O senhor acha que o avanço da ciência deve ser livre ou ter algum tipo de limita- ção? Kinderlerer - Vamos começar pelas pesquisas com animais. Há muitos anos, os cientistas vêm trabalhando para aper- feiçoar o padrão genético dos animais através de técnicas de melhoramento clássico e, assim, aumentar a produção de carne, leite e resistência a doenças e condições adversas. Por exemplo, as ovelhas que, antigamente, só tinham uma cria por ano, em média, podem ter hoje 20 ou mais filhotes, em função do desenvolvimento de técnicas de insemi- nação artificial e manipulação de embri- ões, ao longo dos anos. A clonagem nada mais é do que uma evolução desses métodos e, mais do que isso, uma imitação de um processo da natureza; eu, por exemplo, sou um clone natural, tenho um irmão gêmeo idêntico. Na pecuária, há uma preocupação constan- te do homem em desenvolver novas tecnologias que permitam aumentar o rebanho, de modo a atender à demanda crescente por carne e leite, em decorrên- cia principalmente do aumento popula- cional, além de proporcionar ganhos de produtividade. A clonagem é, sem dú- vida, a tecnologia mais eficiente para atingir esses objetivos. Já a clonagem humana deve ser vista por dois ângulos: do ponto de vista científico, pode ser considerada um grande avanço, por permitir, a longo prazo, o desenvolvi- mento de novos órgãos para transplan- tes. Por outro lado, considero inaceitá- vel a clonagem de seres humanos. Como cientista, eu considero qualquer desafio "A população torna-se presa fácil desses grupos ambientalistas pelo desconhecimento generalizado da ciência e dos seus benefícios" "Os cientistas precisam ser mais enfáticos ao mostrar os benefícios que podem vir a ser gerados pelos transgênicos" Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 7 válido para o avanço do desenvolvi- mento científico sustentado, desde que respeitados os limites éticos e morais da comunidade. BC&D - Em que áreas o senhor acredita que a biotecnologia pode dar respostas mais rápidas nos pró- ximos anos? Kinderlerer - A técnica que eu consi- dero mais promissora hoje é a de mapeamento genético, que permite armazenar e formar bancos de dados de informações genéticas, além de es- tabelecer a proximidade e o distancia- mento genético entre as espécies, o que facilita o desenvolvimento de pro- gramas de melhoramento genético, entre outros. Na verdade, a biotecno- logia já vem trazendo avanços signifi- cativos, pois tornou possível a pros- pecção de genes na diversidade bioló- gica para aplicação imediata e seu armazenamento para uso futuro. Esses genes têm sido utilizados na agricultura para desenvolver plantas resistentes a doenças, insetos e estresses ambientais e para aumentar o valor nutricional dos alimentos, além de diminuir as perdas de armazenamento e pós-colheita; na saúde humana e animal e na indústria de alimentos, entre outros. Diante de todos os avanços que já vêm sendo obtidos pelas técnicas biotecnológicas e do potencial que apresentam para desenvolver a agricultura do futuro, eu acho que deve haver um esforço maior, especialmente por parte das empresas governamentais, para repassá-las à agricultura familiar. No Brasil, por exemplo, empresas como a Embrapa devem centrar suas pesquisas na pro- dução de espécies transgênicas impor- tantes para a agricultura de subsistên- cia e produção de alimentos acessíveis às camadas mais pobres, como a man- dioca, que é uma das principais fontes de carboidratos. As grandes empresas multinacionais, por razões óbvias de mercado, não têm interesse no desen- volvimento dessas variedades transgê- nicas, o que, aliás, não é mesmo papel delas. BC&D - Como o senhor avalia o estágio atual das pesquisas de bio- tecnologia no Brasil? Kinderlerer - Estou muito impressio- nado com o alto nível das pesquisas no Brasil, em termos de qualificação pro- fissional dos cientistas, infra-estrutura de laboratórios e com a abrangência técnica dos projetos de pesquisa. Com exceção de nações desenvolvidas como EUA, Canadá, Reino Unido, França e Japão, poucos países no mundo têm essas qualificações. No que se refere à biossegurança, o Brasil também ocupa posição de vanguarda. Em uma reunião da qual participei recentemente, onde estiveram presentes representantes de 18 países, incluindo Rússia, Namíbia, Hungria, Egito e Malásia, entre outros, o Brasil foi dos que mais se destacaram. BC&D - O que motivou essa sua vinda ao Brasil? Kinderlerer - Eu vim para participar, como convidado, do Seminário sobre Clonagem e Transgênicos, realizado na primeira quinzena de junho, no Senado Federal brasileiro, no qual atuei como palestrante em um debate sobre o tema: “Clonagem e transgênicos: riscos e be- nefícios” e de uma mesa redonda sobre “Bioética e biossegurança: limites e in- terfaces”, além de apresentar um semi- nário sobre biossegurança na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, tam- bém como convidado. Eu acho muito interessante participar desses eventos, já que essa troca de experiências e conhe- cimentos é muito importante para au- mentar a percepção pública acerca da biotecnologia, que é uma área do co- nhecimento que pode vir a trazer inúme- ros benefícios para a agricultura, saúde e meio ambiente. A desinformação e a idéia deturpada que a população, por vezes, tem dos transgênicos, muito por culpa dos meios de comunicação de massa, podem prejudicar o andamento das pesquisas no país. E a biotecnolo- gia, definitivamente, é uma ciência que não pode parar de se desenvolver. É importante ainda que a população, como um todo, saiba que existem normas, procedimentos e protocolos de biosse- gurança, que avaliam os riscos da intro- dução e desenvolvimento de produtos transgênicos e que só permitem a sua liberação se eles forem absolutamente seguros para o meio ambiente e saúde da população. Vou aproveitar ainda a minha passagem pelo Brasil para conhe- cer a região amazônica. BC&D - Os produtos transgênicos co- mercializados no Reino Unido têm que ser rotulados? Kinderlerer - Sim. Todos os novos produtos alimentares lançados no Reino Unido têm que ser rotulados para que os consumidores saibam o seu conteúdo, independentemente de serem genetica- mente modificados ou originários dos seus derivados. De uma maneira geral, o europeu só consome aquilo que ele conhece. Os rótulos existem para isso. BC&D - O senhor acha que o desen- volvimento e a introdução de orga- nismos geneticamente modificados no meio ambiente podem causar ris- cos à biodiversidade brasileira? Kinderlerer - Sim, podem se forem introduzidos de maneira irresponsável. Mas, para isso, é que são feitas as avaliações de riscos dos impactos no meio ambiente e os demais procedimen- tos de biossegurança para evitar que eles ocorram. Ao mesmo tempo, a biotecnologia é uma importante ferra- menta para ampliar os conhecimentos sobre os recursos biológicos da biodi- versidade, através, por exemplo, de téc- nicas de prospecção e formação de bancos de genes. Essa situação é singu- lar no Brasil devido à sua megabiodiver- sidade, especialmente na região amazô- nica, que ainda tem muito a revelar para a ciência. “No Reino Unido, temos um conjunto de leis e vários comitês consultivos que assessoram o Governo na regulamentação e fiscalização dos transgênicos” “Como cientista, eu considero qualquer desafio válido para o avanço do desenvolvimento científico sustentado, desde que respeitados os limites éticos e morais da comunidade” 10 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Plasticidade Cerebral e Epileptogênese Evidências a partir de estudos neuropatológicos humanos e experimentais SAÚDE João Pereira Leite Professor Doutor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica Chefe do Laboratório de Investigação em Epilepsia jpleite@fmrp.usp.br Vera Cristina Terra-Bustamante Médica Assistente junto ao Centro de Cirurgia de Epilepsia (CIREP) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP vct@rnp.fmrp.usp.br Fotos cedidas pelos autores Figura 1: Imagem de ressonân- cia nuclear magnética na seqüência flair do paciente JMV, 35 anos, com história de crises parciais comple- xas que tiveram início na adoles- cência e com história prévia de crise febril generalizada aos dois anos de idade. A investigação pré- cirúrgica evidenciou crises origina- das na região temporal esquerda. Observa-se a formação hipocampal assimétrica, com redução do volu- me e da diferenciação da estrutura interna do hipocampo esquerdo, além de acentuado aumento do sinal (seta). Introdução a tentativa de explicar a recuperação de funções após uma injúria cerebral, neurologistas levantam con- ceitos de reorganização fun- cional ou substituição funcional do sistema nervoso central (SNC) (Rami- rez et al., 1996; Sabel et al., 1997). Vários estudos nas últimas décadas têm descrito que neurônios sobrevi- ventes a um insulto no SNC passam por um processo de brotamento de siste- mas axonais, formando contatos funcionais com regiões deprivadas de suas aferências originais. Dada a natureza univer- sal dessa resposta de bro- tamento, existe a possi- bilidade de que a forma- ção desses novos conta- tos seja o substrato neu- ral responsável pela re- organização funcional. Estudos lesionais em es- truturas límbicas de ani- mais de experimentação têm demonstrado que o brotamento de terminais homólogos àqueles des- nervados por uma injú- ria prévia (brotamento homotípico) está associ- ado à recuperação de funções de memória (Ra- mirez et al., 1996). No entanto, estudos na for- mação hipocampal em modelos experimentais de epilepsia e em pacientes com epilepsia do lobo temporal têm indicado que alguns ti- pos de brotamento anormais podem contribuir para a ocorrência de crises epilépticas (Babb et al., 1991, Sutula et al., 1989). Nos últimos anos, o avanço das técnicas de neuroimagem estrutural e funcional, além da avaliação prolonga- da por Vídeo-EEG e do refinamento nas técnicas cirúrgicas têm proporcio- nado um aumento considerável do número de centros especializados no tratamento cirúrgico da epilepsia do lobo temporal. Esse procedimento, embora tenha sido realizado pela pri- meira vez há mais de um século, foi temporariamente esquecido com o aparecimento das drogas antiepilépti- cas. No entanto, estas têm-se mostrado ineficazes no controle da maioria dos casos de epilepsia do lobo temporal, o que levou ao reaparecimento e difusão da cirurgia de epilepsia. Já em 1880, Sommer observou que pacientes epilépticos apresentavam fre- qüentemente ao exame anátomo-pato- lógico alterações estruturais que en- volviam a região interna do lobo tem- poral, particularmente o hipocampo e a amígdala (Sommer, 1880; Mathern et al., 1998), mas foi Stauder (Stauder, 1936) quem fez a associação desses achados com a ocorrência de crises parciais complexas, dando início à descrição da síndrome que hoje co- nhecemos por epilepsia do lobo tem- poral mesial (French et al., 1993; Willi- amson et al., 1993). Desde então, cada Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 11 Figura 2: Representação es- quemática em corte coronal do hemisfério cerebral direito passan- do pelo lobo temporal. Na porção mesial está o hipocampo, seguido pelo giro parahipocampal, que é ligado ao lobo temporal, na sua porção mais inferior. Para a retira- da do hipocampo, faz-se uma sec- ção da superfície lateral do lobo temporal, entre o giro temporal médio e superior, em direção ao corno temporal do ventrículo late- ral, como indicam as setas. Faz-se a retirada da superfície cortical para, em seguida, retirar-se o hipo- campo em bloco, juntamente com o giro parahipocampal. vez mais essa síndrome vem sendo estudada na tentativa de determinar a causa do seu aparecimento e os meca- nismos que levam ao desenvolvimento da epilepsia. Epilepsia do Lobo Temporal Mesial A epilepsia do lobo temporal é o tipo mais comum de epilepsia intratá- vel do ponto de vista medicamentoso. As crises epilépticas são caracterizadas por uma aura inicial em parte dos pacientes, sendo a mais comum a aura epigástrica (sensação de mal-estar na região abdominal caracterizada por frio, cólica ou borborigmo), que pode as- cender em direção ao tórax ou à gar- ganta (French et al., 1993). Outras auras bastante freqüentes são as carac- terizadas por pensamentos forçados, lembranças de fatos já vividos (do francês, déjà vu) ou nunca vividos (jamais vu). Após essa fase, a crise usualmente evolui para perda da cons- ciência, com o aparecimento de vários comportamentos automáticos, que envolvem particularmente a muscula- tura facial e da deglutição e os mem- bros superiores. O paciente pode ain- da apresentar fala e marcha automáti- ca, ou períodos de agressividade (estes geralmente ocorrem quando o pacien- te é contido a força ou no período pós- crise). Na fase pós-ictal pode ocorrer confusão mental ou recuperação ime- diata da consciência. As crises podem evoluir para generalização tônico-clô- nica secundária e a sua incidência é variável de caso para caso (Fernandes e Sander, 1998). Ainda não há uma definição clara na literatura se crises epilépticas recorrentes podem ou não levar a uma piora progressiva da cog- nição desses pacientes ou agravar a epilepsia (Holmes et al., 1998). Os pacientes que se apresentam com essa síndrome têm freqüentemen- te, no seu passado, história de uma convulsão, na vigência de febre, na infância (na maioria dos casos, até os três anos de idade) (French et al., 1993). Essa convulsão geralmente é relatada como sendo duradoura (apro- ximadamente uma hora ou, muitas vezes, de várias horas de duração), podendo ainda se apresentar como convulsões repetidas no mesmo dia. As crises podem acometer preferenci- almente um dimídio, assumindo um caráter assimétrico. Após essa crise, que pode se caracterizar por um episó- dio único ou por crises repetidas no decorrer de meses ou anos, surge um período em que o paciente permanece assintomático. Esse período segue até o final da infância ou início da adoles- cência, quando, então, as crises epilép- ticas reaparecem, sendo dos tipos par- cial simples e/ou complexa, geralmen- te ocorrendo controle insatisfatório com as drogas anticonvulsivantes disponí- veis. Estes pacientes têm como achado radiológico a esclerose hipocampal (Williamson et al., 1993). Exames de Investigação Assim como nos outros casos de epilepsia, esses pacientes devem ser submetidos a exames de investigação de rotina, que incluem o eletrencefalo- grama, e a um exame de neuroima- gem, preferencialmente a ressonância nuclear magnética. O primeiro pode evidenciar anormalidades focais, prin- cipalmente nas regiões temporais, que podem ser unilaterais ou bilaterais. O achado típico da ressonância nuclear magnética é a atrofia da região mesial do lobo temporal, sendo esse achado conhecido por esclerose mesial tem- poral. Essa alteração envolve princi- palmente o hipocampo, o giro parahi- pocampal e a amígdala, sendo identifi- cada pela ressonância nuclear magné- tica como uma área de redução de volume na seqüência T1 e aumento de sinal na seqüência flair (Figura 1). Em alguns pacientes, a ressonância nucle- ar magnética pode ser normal ou limí- trofe com a normalidade. Esse achado ocorre com maior freqüência nos paci- entes em que não se observa história de crise febril na infância antecedendo a epilepsia do lobo temporal, ou seja, nos pacientes que não apresentam a história típica da síndrome da esclero- se mesial temporal. Nos casos definidos como clinica- mente intratáveis, é realizada uma in- vestigação pormenorizada, que inclui a monitorização prolongada por Ví- deo-EEG, onde são registrados os acha- dos interictais e ictais. Os achados ictais são tipicamente manifestos pela presença de atividade rítmica na faixa teta, correspondendo ao ritmo hipo- campal, que, na grande maioria dos casos, é unilateral. Ainda fazendo parte da avaliação pré-cirúrgica são ainda realizados testes neuropsicológicos que evidenciam déficits de memória verbal (quando as crises são originadas no hemisfério dominante) ou de conteú- do vísuo-espacial (quando as crises são originadas no hemisfério não do- minante) e a uma avaliação psiquiátri- ca e social que podem identificar dis- túrbios psiquiátricos e familiares relaci- onados ou não à epilepsia. Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico visa à cura da epilepsia ou à redução significativa do número das crises epilépticas. O intuito da cirurgia é a ressecção da área epileptogênica, que, na epilepsia do lobo temporal, envolve as estruturas mesiais (hipocampo, giro parahipo- campal e amígdala). Para que seja feita a ressecção é feita uma incisão na 12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Figura 3: A: Representação esquemática de um hipocampo normal. As células principais do hipocampo compreendem os neurônios piramidais (representados por triângulos) distribuídos nos diversos subcampos (CA1, CA2 e CA3) do Corno de Ammon e células granulares (com citoplasma arredondado) localizadas na fascia dentata (FD). A região do hilo é envol- ta pela FD e contém, no seu interior, interneurônios dispersos (representado por células em forma de losango). Os axônios das células granulares (fibras musgosas) se projetam para a região CA3, constituindo o stratum lucidum (cabeça de seta). Na superfície externa da fascia dentata, encontra-se a camada molecular com as porções interna (mais clara, indicada por um asterisco) e externa (mais escura, indicada por uma estrela). B: Representação esquemática de um hipocampo com esclerose hipocampal. Observa-se uma perda celular importante (representada por figuras em branco), particularmente neurônios piramidais e hilares. Já na camada granular não há perda significativa de neurônios, ocorrendo no entanto, uma proliferação de colaterais axônicas (reorganização sináptica) prove- nientes de neurônios granulares que se projetam principalmente para a camada molecular interna (indicadas pelas setas azuis). porção lateral do crânio, próximo ao pavilhão auricular, por onde se tem, acesso ao encéfalo. As técnicas de ressecção da região epileptogênica variam nos diversos centros de cirurgia de epilepsia, podendo incluir apenas as estruturas mesiais do lobo temporal ou estender-se com a ressecção da porção lateral do lobo temporal (Figu- ra 2), sendo esta a técnica mais comu- mente utilizada. Prognóstico O prognóstico cirúrgico é bastante favorável, particularmente nos pacien- tes com diagnóstico da síndrome da esclerose hipocampal. Nesse grupo de pacientes, chega a ser observado um índice de cura da epilepsia em torno de 80% a 90% dos casos, embora alguns pacientes continuem a apresentar as auras. Nos pacientes em que essa his- tória não é encontrada, mas, em exa- mes de neuroimagem, observa-se acha- do típico de esclerose hipocampal, o índice de cura é ligeiramente menor, mas ainda em torno de 80%. Por outro lado, para os pacientes que apresen- tam ressonância nuclear magnética normal, apresentam um prognóstico bem menos favorável, podendo ser obtido apenas 50% a 60% de casos em que ocorre a cura da epilepsia. Modelos animais e mecanismos de epileptogênese Para que haja um completo enten- dimento dos mecanismos que levam ao desenvolvimento das epilepsias, in- cluída a epilepsia do lobo temporal, vários modelos animais vêm sendo desenvolvidos. Tenta-se, dessa forma, determinar quais são os eventos que podem induzir o aparecimento das crises epilépticas, as estruturas envol- vidas e o melhor tratamento a ser utilizado. Determinar o substrato ana- tômico, patológico e funcional, inclusi- ve os neurotransmissores envolvidos e as suas vias nas diversas formas de epilepsia é de grande importância para o desenvolvimento de novas terapêu- ticas clínicas ou cirúrgicas e na criação de mecanismos de prevenção das mesmas. Assim, o modelo animal ideal seria aquele que mais se aproximasse à história natural que ocorre em paci- entes. O ideal é que se pudesse desen- volver em primatas, devido à maior semelhança filogenética com o ho- mem, um modelo em que ocorressem crises espontâneas, não sendo neces- sária a indução das crises por drogas ou lesões cerebrais. Infelizmente são poucas as espécies animais que apre- sentam epilepsia idiopática e menos ainda com crises parciais complexas como as encontradas na epilepsia do lobo temporal. As preparações experimentais mais antigas, particularmente as utilizadas para teste de drogas antiepilépticas, não reproduziam de forma fidedigna a fenomenologia encontrada em huma- nos (Purpura et al., 1972). As crises epilépticas eram induzidas principal- mente de forma aguda, não sendo observada a ocorrência de crises es- pontâneas tardiamente. Nas duas últi- mas décadas, novos modelos foram desenvolvidos tendo como caracterís- tica comum a ocorrência de crises espontâneas, em geral, como consequ- ência de um insulto cerebral decorren- te de status epilepticus. Os principais modelos utilizados para estudar a epilepsia do lobo tem- poral com ocorrência de crises espon- tâneas são obtidos com injeções na cavidade peritoneal ou intra-hipocam- pal em ratos ou camundongos ou ain- BAYER BIOMATERIAIS PARA FIXAÇÃO DE PROTEÍNAS NOVAS TECNOLOGIAS 16 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento DESENVOLVIMENTO DE UM PROCESSO DE FABRICAÇÃO DE VIDROS POROSOS VIA SOL-GEL PARA FIXAÇÃO DE PROTEÍNAS Herman S. Mansur - mestre e doutor em físico-química Rodrigo L. Oréfice - mestre e doutor em engenharia de materiais Wander L. Vasconcelos - mestre e doutor em engenharia de materiais Rúbia F. Silva – mestre e doutora em engenharia de materiais Universidade Federal de Minas Gerais – Escola de Engenharia – Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais hmansur@demet.ufmg.br Zélia P. Lobato – mestre em virologia e doutora em biologia molecular Universidade Federal de Minas Gerais - Escola de Veterinária - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva Fotos cedidas pelos autores Resumo Realizou-se um estudo para desenvolvimento de um processo de fabricação de vidro poroso de sílica via sol- gel para fixação de proteínas. Utilizou-se tetrametilortossilicato (TMOS) como precursor em meio de etanólico e um tampão fosfato salino PBS, mantendo o pH=7,40 ± 0,05. O processo de polimerização foi monitorado por meio de análise FTIR, sendo observado um período superior a 10 dias para obtenção de uma polimerização completa à temperatura ambiente. As análises dos substratos de vidros porosos incluiram medidas de porosidade e área superficial (B.E.T). Em seguida foram realizados testes preliminares para avaliação da eficiência de fixação da proteína albumina nos substratos de vidro poroso. Palavras Chaves: Biomateriais, Proteínas, Sol-gel. 1. INTRODUÇÃO A elevada eficiência apresentada pelas macromoléculas biológicas na seleção de reagentes e na especificidade da interação com sítios de reação tem promovido o crescente interesse de pesquisa envolven- do filmes finos de macromoléculas associ- adas a materiais avançados [1-2]. As prote- ínas, em especial, são macromoléculas biológicas de elevada importância e o estudo de suas interações com os diversos materiais e meios químicos é fundamental para o aprofundamento do conhecimento orgânico e funcional dos seres vivos. Os estudos envolvem geralmente a fixação ou imobilização de uma ou mais proteínas em substratos, por meio de diversos mecanis- mos, tais como, ligação covalente, adsor- ção física, ligações cruzadas, polarização e estereoquímica, etc. Um ou mais desses mecanismos citados devem estar envolvi- dos no processo de fixação da proteína com o substrato. Os vários parâmetros do Abstract In this work we report the development of a process for silica porous glass production with protein fixation based on sol-gel method. The glass was obtained using TMOS in ethanol and phosphate buffered saline (PBS) solution with pH= 7.40 ± 0.05. The polymerisation of the material during the gelation process was monitored through FTIR and no significant change of the spectra after 10 days was observed. Porosity and surface area were analysed by B.E.T and the results have shown an increase of the average pore size when albumin protein macromolecules were added to gelation solution. Keywords: Biomaterials, Proteins, Sol-Gel Glass. processo, tais como pH, temperatura, área superficial, íons e agentes quelantes, agen- tes complexantes etc. certamente determi- nam os níveis de eficiência e o grau de seletividade das interações proteína-subs- trato. Pesquisas recentes têm demonstrado que vidros silicatos obtidos por meio da tecnologia de processamento sol-gel po- dem oferecer um substrato para fixação de macromoléculas de proteínas sem a perda de características funcionais biológicas das mesmas [3-6]. Ao contrário dos métodos convencionais de fusão de sílica vítrea que requerem elevadas temperaturas, o pro- cessamento sol-gel envolve baixas tempe- raturas nas reações de hidrólise e conden- sação, ideal para a grande variedade de moléculas orgânicas sensíveis a altas tem- peraturas, como a classe das proteínas que podem desnaturar e perder sua atividade biológica [7]. Tipicamente, uma solução contendo um alcóxido líquido, tal como Si(OCH 3 ) 4 (tetrametilortossilicato, TMOS), conduz à reação de polimerização sob condições apropriadas e a viscosidade da solução aumenta até o gel ser obtido. O gel é subseqüentemente secado e aquecido para produzir os produtos desejados. Durante a polimerização, a evolução da forma e do tamanho dos polímeros, que determinam a interação reológica entre eles são os fatores chaves que afetam a dependência tempo-viscosidade da solução. Uma etapa fundamental no processo sol-gel é a pro- dução do gel poroso, preparado geralmen- te através da hidrólise e condensação de alcóxidos. Tal evolução conduz eventual- mente à formação de um gel poroso, que posteriormente pode ser convertido em vidro poroso pela desidratação do materi- al. As características de controle de poro- sidade, a elevada superfície de interação e estrutura amorfa dos vidros obtidos por processamento sol-gel os qualificam como substrato ideal para a construção de siste- mas biológicos heterogêneos envolvendo Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 17 materiais inorgânicos e macro- moléculas de proteínas. O con- trole da distribuição e do tama- nho médio de poros é funda- mental para a propriedade de fixação de proteínas do subs- trato, oferendo um maior ou menor número de sítios de interação, dependendo do vo- lume de poros e da área super- ficial sólido-poros da matriz vítrea obtida [8]. A porosidade e a elevada superfície específica intrínseca dos vidros porosos obtidos via sol-gel permitem a captura de macromoléculas sem a necessidade de uma ligação com os sítios biologicamente ativos, o que portan- to, não compromete a eficiência da propri- edade de seletividade do sistema constru- ído. Neste trabalho foi realizado um estudo de análise de FTIR da formação de uma matriz de sílica-gel porosa com incorpora- ção de proteína BSA. Foram feitas análises da variação da porosidade média da matriz obtida com a adição de macromoléculas de proteína durante o processamento sol- gel e também após a gelação. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Os reagentes Na 2 CO 3 (> 99,5%), forne- cidos pela VETEC foram utilizados sem purificação posterior. Na 2 HPO 4 (> 99,0%), NaH 2 PO 4 (> 99,0%) e NaCl (> 99,0%), fornecidos pela VETEC, foram utilizados como reagentes para pre- paração do tampão fosfato PBS (“phospha- te buffered saline”). Foi preparada uma solução 1,0 N de NaOH (> 99,0%), fornecido pela MERK, para correção do pH da solução utilizada no processo sol-gel. A albumina bovina (BSA - fração V > 99,5%), C 2 H 5 OH (absoluto >99,8%) e Si(OCH 3 ) 4 (TMOS > 98%) foram adquiridos da SIGMA- ALDRICH e utilizados sem purificação posterior. 2.1. Preparação do Substrato Sol-Gel a) Método-1 - Sem adição de albumina Preparou-se uma solução de TMOS (1,0 ml ), etanol (1,2 ml) e um tampão fosfato salina (PBS, pH=7,4, 0,6 ml), pro- movendo agitação moderada, à tempera- tura ambiente até ocorrência de gelação. A solução foi mantida em temperatura ambi- ente por 14 dias para polimerização com- pleta. Foram realizados espectros de FTIR ao longo desse período de tempo para monitoramento da polimerização. Após uma semana, foi feita a adição de 250 µl da solução de 1,0 % de albumina em tampão PBS, em cada amostra de gel de sílica. b) Método-2 - Com adição de albumina durante a gelação Preparou-se uma solução de 1,0 % de albumina em tampão PBS e adicionou-se à mistura de TMOS-Etanol, agitando-se mo- deradamente em banho de gelo até que a gelação ocorresse. Manteve-se à tempera- tura ambiente por 14 dias para polimeriza- ção completa. A Fig.1 mostra um diagrama representativo do processo de incorpora- ção de macromoléculas de proteínas du- rante o processamento sol-gel para obten- ção de uma matriz vítrea de sílica. 2.2. Ténica de análise por Espectros- copia no Infravermelho por Trans- formada de Fourier (FTIR) Utilizou-se o equipamento de análise FTIR Paragon-1000 da Perkin-Elmer, com o software Spectrum for Windows 1.0. Os espectros foram obtidos na faixa de núme- ro de onda de 400 a 4000 cm-1 para acompanhamento da evolução durante a preparação do substrato de gel de sílica com a incorpora- ção e adsorção de proteínas. Fo- ram obtidos espectros de refle- xão, utilizando-se o acessório Perkin-Elmer para reflexão difusa. Amostras monolíticas e na forma particulada foram analisadas. 2.3. Ténica de análise de porosidade por B.E.T. Utilizou-se o equipamento de análise AUTOSORB-1 da Quantachrome. Os ensaios foram realizados com susbtra- tos de gel de silica com diferentes concen- trações de proteínas para avaliação da sua influência na área superficial e no tamanho médio dos poros obtidos. 3. RESULTADOS 3.1. B.E.T. Os resultados iniciais indicam uma influência significativa no tamanho médio de poros obtidos e na área superficial com a adição de macromoléculas da proteína albumina bovina (BSA) no processo de síntese de vidro de sílica porosa via sol-gel. Utilizando-se o Método-1, onde a proteína foi adicionada no oitavo dia de envelheci- mento do gel, observou-se um valor médio de 75 Å para as amostras com concentra- ção de albumina de 3% a 5 % e 50 Å para o gel de sílica sem adição de proteína . De modo análogo, as amostras fabricadas pelo Método-2, onde a proteína foi adicionada durante o processo de gelação, observou- se um tamanho médio de poro inferior ao obtido no Método-1, mas uma tendência similar de aumento do tamanho médio de poro (50-100%) com adição de 1% de BSA. Essa observação está de acordo com a literatura [3] que discute o aumento do tamanho do poro com a adição de macro- moléculas orgânicas associado, principal- mente, ao encapsulamento dessas macro- moléculas nos poros, que impedem a contração durante o processo de envelhe- cimento do gel de sílica. 3.2. Espectroscopia de Infravermelho A espectroscopia de infravermelho foi utilizada nesse trabalho para comprovar a eficiência do método de preparação no que se refere à incorporação de proteínas nos géis de sílica. Além disso, essa técnica foi ainda usada para monitorar os proces- sos envolvidos na formação do reticulado inorgânico do gel de sílica. Como salientado anteriormente, a for- mação do gel de sílica via sol-gel inclui o processamento de uma série de reações Figura 1. Representação esquemáti- ca das etapas de processamento sol- gel, com a incorporação de proteí- nas em matrizes dos vidros porosos obtidos Figura 2. Espectros de infravermelho de amostras de géis de sílica em diferentes está- gios de consolidação DOENÇA DE CHAGAS SAÚDE Novos conhecimentos na patogênese da Doença de Chagas Edécio Cunha Neto Pesquisador do Instituto do Coração (InCor) Faculdade de Medicina da USP Ganhador do Prêmio Roche (1994) e Prêmio Santista Juventude (1998) por seu trabalho na Imunologia da Doença de Chagas edecunha@usp.br doença de Chagas, causa- da pelo protozoário Trypa- nosoma cruzi, afeta de 16 a 18 milhões de pessoas no continente americano. Da- dos da Organização Mundial de Saúde revelam que cerca de 90 milhões de pessoas estão expostas ao risco de in- fecção. Em decorrência de migrações populacionais, a doença de Chagas, classicamente considerada uma enfer- midade rural, passou a atingir centros urbanos, estimando-se que, aproxima- damente, 300.000 indivíduos infectados residam hoje em São Paulo e mais de 200.000, no Rio de Janeiro. A despeito de a doença de Chagas ter sido descoberta e seu ciclo elucida- do há mais de oito décadas, vários aspectos relacionados com o seu con- trole ainda se apresentam desafiadores. Os quimioterápicos anti-T. cruzi atual- mente disponíveis apresentam baixa eficácia e alta toxicidade, especialmente na fase crônica da doença de Chagas. O conhecimento dos aspectos imunológi- cos e inflamatórios que levam ao desen- volvimento das diferentes formas clíni- cas e dos mecanismos responsáveis pelas formas graves, como a cardiopatia chagásica crônica, poderia permitir um tratamento eficaz por meio da modula- ção desses mecanismos. A via mais importante de transmis- são de T. cruzi para humanos é a vetorial, pelas fezes de insetos triatomí- neos (barbeiros) infectados. Graças a programas de Saúde Pública, a trans- missão vetorial está sendo controlada em diversos países da América Latina, como é o caso do Brasil. Em função das grandes correntes migratórias citadas acima, a transfusão sangüínea passou a representar, especialmente nas grandes cidades, a via mais importante no surgi- mento de novos casos da doença de Chagas. Acometimento cardíaco na Doença de Chagas A causa principal de morbidade e mortalidade na doença de Chagas é o acometimento cardíaco, que ocorre de 5 a 30 anos após a infecção primária em cerca de 30% dos indivíduos infectados pelo T. cruzi. Na cardiopatia chagásica crônica (CCC), ocorre uma inflamação e destruição progressiva do tecido cardí- aco, levando a alterações da condução dos impulsos elétricos no coração e arritmias. Paralelamente, ocorre um pro- gressivo afinamento do músculo cardí- aco, levando à dilatação das cavidades do coração, tendo como conseqüência a incapacidade de bombear adequada- mente o sangue para o organismo, um quadro chamado de insuficiência cardí- aca congestiva. Dessa forma, a CCC freqüentemente tem um curso fatal, uma vez que o tratamento é apenas sintomático e a possibilidade de realiza- ção de transplantes cardíacos é bem menor que a demanda. Existem cerca de 2 milhões de pacientes acometidos de CCC em nosso país. A CCC é respon- sável por, aproximadamente, 15% dos casos de pacientes atendidos por insu- ficiência cardíaca congestiva, em hospi- tais do Estado de São Paulo. Um grupo menor dos pacientes infectados por T. cruzi (cerca de 5% a 8%) desenvolve alterações no tubo digestivo (os chama- dos megaesôfago e megacólon), apa- rentemente por destruição dos neurôni- os que controlam sua motilidade; esses problemas digestivos dificilmente le- vam ao óbito. Já no acometimento car- díaco, que é tratado apenas sintomati- camente com sucesso variável, o paci- ente em geral vem a falecer em decor- rência de complicações irreversíveis da doença. A CCC é a indicação mais comum para o implante de marca-pas- sos cardíacos artificiais em nosso país. Nos pacientes com insuficiência cardía- ca refratária, o único caminho é o trans- plante cardíaco, um procedimento dis- pendioso e inaccessível para a grande maioria dos pacientes. Estudos com animais experimentalmente infectados indicaram que o tratamento com drogas anti-T. cruzi não parece evitar a pro- gressão da cardiopatia 1. Mecanismos de destruição do coração Os mecanismos que le- vam ao desenvolvimento da CCC ainda são assunto de intenso debate. São ainda desconhecidos os fatores de suscetibilidade que levam apenas 30% dos indivíduos a desenvolverem a CCC após a infecção por T. cruzi, en- quanto que os restantes 70% não apresentam problemas cardíacos. A principal carac- terística do tecido cardíaco na CCC é uma miocardite difusa, incluindo a destrui- ção das fibras cardíacas e substituição por fibrose cica- tricial, associada a um considerável in- filtrado inflamatório difuso, composto por linfócitos T e macrófagos. Essas células inflamatórias têm sido conside- radas como as efetivas destruidoras do tecido cardíaco, na aparente ausência do T. cruzi. Já no coração de pacientes da forma indeterminada (IND), sem sintomas cardíacos, identifica-se uma inflamação bem menos intensa, chama- da miocardite focal 2, que pode estar associada com restos parcialmente des- truídos do parasita 3(Higuchi et al. Am. J. Trop. Med. Hyg. 1997; 56: 485). Utili- zando-se técnicas ultra-sensíveis, como o PCR 4 e a imuno-histoquímica 5, en- contram-se indícios da presença do T. cruzi no coração de pacientes com CCC; entretanto, tais indícios também são encontrados no coração de chagá- sicos da forma indeterminada, sem alte- rações cardíacas 6. Além disso, outros órgãos, como os rins, são parasitados pelo T. cruzi de forma análoga ao coração 7, sem apresentarem sinais de destruição ou dano funcional. Em conjunto, esses dados sugerem que a simples presença do T. cruzi não é suficiente para a indução da miocardite difusa e da destruição do tecido cardíaco. Há algumas décadas, foi postu- lada a hipótese auto-imune da pato- gênese da CCC, que procurava ex- plicar a agressão ao tecido cardíaco na CCC na ausência do T. cruzi in situ como um fenômeno secundá- rio a uma resposta imunológica contra algum antígeno do T. cruzi, que apresentasse semelhanças anti- gênicas, ou mimetismo molecular, com um componente cardíaco. A esse mecanismo - reagir com um antígeno semelhante, porém distin- to daquele que gerou a resposta imune - chama-se reação cruzada imunológica. Tanto as respostas imu- nes ao T. cruzi quanto a auto-imu- nidade a componentes cardíacos já foram responsabilizadas como de- sencadeadores do infiltrado infla- matório e da destruição tecidual na CCC 8. Informações obtidas com mo- delos animais freqüentemente apon- tam para uma direção que pode ser confirmada por estudos com doen- tes. Linfócitos T CD4+, ou auxilia- dores, de camundongos cronica- mente infectados com T. cruzi po- dem transferir a inflamação cardía- ca para camundongos não-infecta- dos. Também foi observado que tanto anticorpos do soro quanto linfócitos T CD4+ de camundongos infectados reconhecem a miosina cardí- aca, a proteína mais abundante do cora- ção (Resultados revisados na ref. 8). Para verificar a validade dos resultados na doença humana, nosso grupo estu- dou anticorpos anti-miosina cardíaca no soro de pacientes CCC e IND. Anti- corpos anti-miosina cardíaca purifica- dos por afinidade a partir de soros de pacientes CCC reconheceram especifi- camente um antígeno de T. cruzi em um “imunoblot” com proteínas dos pa- rasitas, apresentando-se como duas bandas de 140 e 116 kDa 9. Identificou- se esse antígeno como a proteína re- combinante B13 de T. cruzi 10. Anticor- pos de reação cruzada estavam presen- tes em 100% dos soros de CCC, mas somente 14% dos soros IND os apresen- tavam 9. Uma vez que são os linfócitos T e não os anticor- pos os principais envolvidos na destruição ao coração, tes- tamos clones de linfócitos T obtidos por clonagem in vitro e expandidos a partir de um fragmento de biópsia do co- ração de um paciente porta- dor de CCC. Foram identifica- dos clones de linfócitos T CD4+ obtidos de biópsia en- domiocárdica de portador de CCC que reconheciam de for- ma cruzada a miosina cardía- ca (a principal proteína do coração) e a proteína B13 de T. cruzi 11. Curiosamente, ne- nhum clone de célula T rea- giu a qualquer outro antíge- no de T. cruzi, o que poderia indicar que, pelo menos nas áreas estudadas, o desencadeador do infiltrado inflamató- rio era o reconhecimento cruzado da miosina cardíaca e não a presença do T. cruzi 11. Estudamos também a produção de citocinas (mediadores solúveis se- cretados por linfócitos modular à infla- mação) por linfócitos T presentes no coração de pacientes CCC. Quando sub- metidos a estímulo com a fitohemaglu- tinina, potente ativador de linfócitos, essas células produzem quantidades sig- nificativas de IFN-γ e TNF-α, (citocinas inflamatórias, do tipo T1) mas não IL-4 (citocina anti-inflamatória, do tipo T2) 12. Em conjunto, esses dados indicam a presença, no infiltrado inflamátorio do coração de cardiopatas chagásicos, de linfócitos T reagindo cruzadamente com componentes do coração e capazes de produzir citocinas inflamatórias, capa- zes de estabelecer uma inflamação do Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 21 22 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento tipo “hipersensibilidade tardia”, justa- mente a observada na CCC. Após a definição das características principais dos linfócitos T presentes no coração de cardiopatas chagásicos, é possível comparar tais características em linfócitos do sangue periférico de pacientes CCC e IND, um material mais facilmente disponível que biópsias car- díacas. Embora os linfócitos periféricos não tenham apresentado resposta con- tra a miosina cardíaca, a imunização in vitro de linfócitos com a proteína B13 leva à geração de clones de linfócitos T com reação cruzada com a miosina 13 .Isso sugere que, ao longo da infecção por T. cruzi, a sensibilização pela prote- ína B13 in vivo possa levar à quebra da tolerância para a miosina cardíaca. A resposta de linfócitos T do sangue peri- férico à proteína B13 foi muito seme- lhante entre pacientes CCC e IND. Os linfócitos T reconhecem B13 de forma restrita ao HLA, isto é, apenas indivídu- os com certas características genéticas (portadores de determinados alelos dos genes da região HLA) podem apresen- tar resposta, embora estas característi- cas estejam presentes em até 85% da população. Entre os chagásicos, a res- posta de citocinas a B13 é caracterizada por grande produção de Interferon- gama, uma citocina pró-inflamatória, do tipo T1, e produção quase nula de Interleucina 4, uma citocina anti-infla- matória, do tipo T2. A resposta de citocinas a estímulo com fitoemaglutini- na foi semelhante ao da B13 e oposta à encontrada em controles normais. Esses resultados indicaram a existência, nos pacientes chagásicos, de um desvio sis- têmico e generalizado para a produção de citocinas do tipo T1 (IFN-γ e proinfla- matórias), com supressão de produção das citocinas do perfil T2 (IL-4) 14. Esse desvio do perfil das citocinas provavel- mente está relacionado com a capacida- de do T. cruzi de induzir a produção da Interleucina 12 (IL-12) por monócitos e macrófagos, que, reconhecidamente, es- timula a produção de citocinas do tipo T1 e suprime o perfil T2. Em suma, nossos resultados, ilustra- dos esquematicamente na Figura 1, re- forçam a possibilidade de que a infec- ção pelo T. cruzi estimule a formação de linfócitos T potencialmente patogê- nicos, como postulado para outros agen- tes infecciosos em doenças autoimunes. A infecção gera linfócitos T maturos, que reconhecem a proteína B13 e pro- duzem IFN-γ, que são potencialmente capazes de migrar para o coração. Entretanto, a identificação de linfóci- tos T anti-B13 capazes de produzir citocinas tipo T1 tanto em pacientes CCC como em IND, que não apresen- tam destruição do tecido cardíaco, indica que a sua presença não é suficiente para causar inflamação e destruição no coração. Assim, deve haver um “ponto-chave”, um fenô- meno imunológico adicional, ocor- rendo apenas em pacientes CCC, que leve ao acúmulo e ativação de tais células no miocárdio levando à lesão. Estamos investigando a hipótese de que a geração de um infiltrado infla- matório destrutivo no miocárdio pode somente ocorrer no subgrupo de indivíduos infectados por T. cruzi, cujos linfócitos T anti-B13 apresen- tem reação cruzada com a miosina cardíaca. Novos tratamentos: drogas “inteligentes” e imunomodulação Aparentemente, não existe imu- nidade estéril ao T. cruzi, isto é, o parasita persiste no organismo do paciente em baixos números, ao lon- go da fase crônica da doença, quer entre cardiopatas quer entre indeter- minados. Isso é apoiado pelo fato de que estados de imunossupressão (por exemplo, drogas imunossupressoras para transplante de órgãos, imuno- deficiências) em chagásicos crônicos invariavelmente provocam reativa- ção do parasitismo. O tratamento com as drogas disponíveis contra o T. cruzi não leva à eliminação completa do parasita de pacientes adultos cro- nicamente infectados; assim, a cura parasitológica completa é difícil. Apa- rentemente, o parasita persiste no hospedeiro na forma intracelular, já que estudos mostraram que células intensamente parasitadas por T. cru- zi não são danificadas pelo infiltrado inflamatório durante a infecção 3,15. Os dados parecem indicar que as formas intracelulares do parasita de- senvolveram mecanismos de escape, ou pelo menos de retardo, da destrui- ção das células infectadas pelo siste- ma imune, como acontece com al- guns tipos de virus 15,16. A identifica- ção desses possíveis mecanismos de escape poderia fornecer importantes alvos para o desenvolvimento de drogas anti-T. cruzi efetivas, capazes de curar a infecção crônica pelo para- sita. Por outro lado, a definição do auto-antígeno cardíaco relevante para a patogênese auto-imune da cardiopa- tia chagásica crônica é o primeiro passo para, no futuro, conceber um tratamento por supressão antígeno- específica da resposta imune dirigida contra esse auto-antígeno, como já descrito na uveíte auto-imune, diabe- tes mellitus insulino-depedente, escle- rose múltipla e na artrite reumatóide 16. Nessas doenças, observou-se que a administração oral do auto-antígeno relevante gerou diminuição dos níveis de citocinas inflamatórias do tipo T1 no órgão afetado, com conseqüente redução de inflamação e destruição tecidual. Seria possível, então, elimi- nar seletivamente a resposta auto-imu- ne prejudicial sem interferir na respos- ta de defesa contra o parasita. Referências bibliográficas 1. Teixeira, A.R.L. et al. J. Infect. Dis. 162:1420, 1990 2. Higuchi, M.L. et al. Clin. Cardiol. 1987; 10:665 3. Higuchi, M.L. et al. Am. J. Trop. Med. Hyg. 1997; 56: 485 4. Jones, E. et al. Am J. 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Annu.Rev.Med. 1997; 48:341 Figura 2: Distribuição dos abrigos artificiais de madeira com colônias de Polistes simillimus ao redor de uma quadra de milho experimental. correspondeu a lagartas de Lepidop- tera que estavam presentes nas plan- tações próximas aos ninhos estuda- dos. O Japão e os E.U.A. possuem programas de manejo de colônias de vespas desse gênero para abrigos artificiais instalados ao redor de plan- tações, com a finalidade de controle das pragas dessas culturas. A primeira pesquisa brasileira en- volvendo a utilização de uma espécie de vespa social do gênero Polistes no controle biológico de pragas agríco- las, foi realizado por PREZOTO (1997), no Município de Piracicaba, SP. Nesta pesquisa, o autor procurou avaliar a ação predatória da vespa social Polistes simillimus sobre as pragas do milho (Zea mays L.) em campo, verificando os efeitos dessa associação na produtividade da la- voura e na incidência de pragas. O trabalho de PREZOTO (1997) foi realizado em duas etapas: a pri- meira durante o período de novem- bro de 1994 a março de 1995 e a segunda de novembro de 1995 a marco de 1996. A primeira etapa do trabalho avaliou o efeito da ação predatória da vespa P. simillimus na produtividade de uma lavoura de milho infestada com a “lagarta-do- cartucho” (Spodoptera frugiperda). Para tanto, infestou-se uma lavoura experimental de milho de 500 m2 (5 quadras de 10 x 10 metros, distantes 8 metros entre si) na sua fase inicial com lagartas de primeiro ínstar da referida lagarta. Após a completa infestação da lavoura, foram translo- cadas 20 colônias de P. simillimus, em estágio inicial, de localidades próximas para abrigos artificiais de madeira, distribuídos um em cada lado das 5 quadras -experimento. Também foram mantidas duas qua- dras-controles (sem infestação e sem vespas), distantes cerca de 750 me- tros da área experimental. Ao final do ciclo da cultura, em março de 1995, a comparação da produção média das quadras-experimento e quadras-con- trole revelou que, devido à ação das vespas, a produtividade das quadras- experimento foi 15,94% maior do que a produção das quadras controle para o peso bruto de espigas e 13,07% maior em relação ao peso de grãos. A segunda etapa do trabalho quan- tificou a ação predatória das vespas P. simillimus sobre as pragas da cul- tura do milho (5 quadras experimen- to) em relação à ocorrência natural das mesmas em uma cultura em con- dições normais (2 quadras-controle). O experimento seguiu a mesma me- todologia da primeira etapa, com exceção da infestação com lagartas de S. frugiperda. Pela amostragem semanal de 5 plantas em cada uma das quadras experimento e controle, estimou-se a incidência de pragas nas duas áreas e, por meio da coleta semanal de presas capturadas pelas vespas (5 horas por semana), identi- ficou-se quais as pragas da cultura do milho estavam sendo predadas (Ta- bela I). Os resultados obtidos nas 12 cole- tas realizadas durante o ciclo da cul- tura do milho (novembro de 1995 a março de 1996) revelaram que a predação de pragas exercida pelas 20 colônias de P. simillimus na área experimental, contribuiu para uma redução de 77,16% na incidência de S. frugiperda e 80% na população de Helicoperva zea (“lagarta-da-espiga”) em relação à área de controle. Esses resultados confirmam a ex- celente atuação dessa espécie de ves- pa no controle biológico das pragas e significam uma economia para o agri- cultor, uma vez que acabam predan- do com sucesso as pragas mais abun- dantes da cultura e diminuindo o gasto com inseticidas, que, muitas vezes, não controlam com eficiência a espé- cie danosa, além de contribuir para a preservação do meio ambiente pela produção de produtos sem agrotóxi- cos. As vespas de P.simillimus encon- traram e predaram de maneira eficien- te as lagartas de S frugiperda, mesmo as escondidas dentro de partes da planta, onde os produtos químicos não atuam. A lagarta-do-cartucho é a praga mais importante e disseminada Figura 1: Vespa forrageadora de Polistes simillimus trazendo pedaço de presa para a colônia (na Seta). TABELA I. Quantidade de presas capturadas por 5 colônias de Polistes simillimus durante 5 horas semanais (60 horas) na área experimental de uma cultura de milho. PRESAS CAPTURADAS LEPIDOPTERA Spodoptera frugiperda Spodoptera sp. Heliothis virescens Helicoverpa zea Mocis latipes Trichoplusia ni Anticarsia gemmatalis Nymphalidae Pieridae LEPIDOPTERA Não identificados Ninfa de HEMIPTERA INSETOS ADULTOS Não identificados Material não identificado TOTAL 4 - 1 - - - - - - - - 1 - 6 - - 3 1 - - - - - - - - - 4 1 - - 2 1 2 - - - 1 - - - 7 1 - 2 - - 3 - - - - - 1 1 8 2 - 3 - - - - - - - - 1 - 6 1 - 1 - - - 2 2 - - - - - 6 3 - 2 - - - - - 1 - - - 2 8 2 1 - 1 - - 3 - - 3 - - 1 11 1 - 1 1 - - 2 - - 2 - - - 7 1 - - 1 - 2 2 - - 2 1 - - 9 2 - 1 2 - 1 3 - - 3 - - 1 13 3 - - 2 - - 1 - - - - - - 6 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 NÚMERO DE SEMANAS TOTAL % 23,07 1,09 15,38 10,98 1,09 8,79 14,28 2,19 1,09 12,08 1,09 3,29 5,58 100,0 na cultura de milho no país, não somente pelos danos que causa, mas também pela difi- culdade de controlá-la (CRUZ, 1986). Dessa forma, pode-se con- cluir que o manejo de colônias de vespas sociais para contro- le de pragas de culturas agrí- colas é muito viável, não ape- nas pelos bons resultados ob- tidos, mas também pela facili- dade e boa aceitação dessas vespas ao manejo e transloca- ção de suas colônias. As ves- pas sociais são relativamente abundantes no ambiente e, uma vez introduzidas, as colô- nias crescem, multiplicam-se e disseminam-se pela região, favorecendo sua manutenção e continuada eficiência no controle biológico das pragas do local. Apesar da grande impor- tância ecológica das vespas no ambiente, muitas espécies estão ameaçadas de extinção devido, principalmente, à fal- ta de consciência da maior parte da população que, ao encontrar um ninho de vespa, o destrói mesmo sem motivo, além do uso indiscrimina- do de inseticidas, que levam à morte várias colônias no ambiente. Ao contrário da abelha, as técnicas para o manejo e a criação das vespas ainda estão no início, por isso, quando um vespeiro é destruído, nada pode reconstruí-lo. Por se tratar de um animal silvestre, protegido por lei, quem for pego cap- turando ou destruindo ninhos de ves- pas está sujeito às penas da lei. Agradecimentos O autor agradece a atenção da Profª Lígia Vieira Lage, pela colabora- ção na revisão do artigo. Referências CRUZ, I. Manejo de pragas do milho no Brasil. In: EMBRAPA. Curso inter- nacional de manejo de pragas. Sete Lagoas: EMBRAPA/CNPMS, 1986. 22p. DeBACH, P. The necessity for na ecological approach to pest control on citrus in California. J. Econ. Ento- mol., 44: 443-7, 1951. Figura 3: Vista de uma colônia da vespa social Polistes simillimus em um abrigo artificial de madeira. GIANNOTTI, E.; PREZOTO, F.; MACHADO, V.L.L. Fora- ging activity of Polistes lanio lanio (Fabr.) (Hymenoptera, Vespidae). An. Soc. Ento- mol. Brasil, 24: 455-63, 1995. GILLOTT, C. Entomology. New York, Plenium Press, 1995. 798p. MORIMOTO, R. Polistes wasps as natural enemies of agricultural and forest pests. III. (Studies on the social Hy- menoptera of Japan. XII). Sci. Bull. Fac. Agric. Kyushu Univ., 18: 243-52, 1961. PREZOTO, F. “Ação de Po- listes (Aphanilopterus) si- millimus Zikán, 1951 (Hy- menoptera, Vespidae) no combate às pragas de Zea mays L.” Dissertação de Mestrado apresentada ao Ins- tituto de Ciências Biológicas/ UNESP. Rio Claro, 1997, 67p. PREZOTO, F.; GIANNOTTI, E.; MACHADO, V.L.L. Ativi- dade forrageadora e material coletado pela vespa social Polistes simillimus Zikán, 1951 (Hymenoptera, Vespidae). In- secta, 3(1): 11-19, 1994. RABB, R.L. & LAWSON, F.R. Some factors influencing the predation of Polistes wasps on tobacco hornworm. J. Econ. Ent., 50: 778-84, 1957. 26 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento SOJA ROUNDUP 30 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento nas sejam puros e seguros, e que, ao mesmo tempo, não comprometam a potência da vacina. Testes em ani- mais, inclusive em primatas não-hu- manos, devem ser exaustivamente re- alizados para garantir que a mesma não é tóxica, portanto é segura, po- tente e eficaz para uso em humanos. Após a avaliação da eficácia dessa vacina no laboratório, os critérios de biossegurança devem ser aplicados na investigação clínica. A investigação clínica para valida- ção da vacina como imunobiológico geralmente se faz em três fases: os ensaios clínicos de fase I, II e III. Na fase I, o produto é administrado para um pequeno número de voluntários e visa a determinar a atividade biológi- ca do produto, sua potência e a sua segurança. Nesse caso, um candidato vacinal para a dengue deverá induzir a formação de anticorpos neutralizan- tes e, para alcançar esse objetivo, o candidato vacinal deve ser adminis- trado em pequenas doses e ser isento ou com poucos efeitos colaterais. Ain- da nessa fase, pode-se certificar de que o candidato vacinal não persiste no organismo (latência) e que pode ser administrado com segurança a imunossuprimidos e imunocompro- metidos. Ensaios de fase II destinam- se a confirmar os achados dos ensaios de fase I, em particular a eficácia do produto em produzir a sua atividade farmacológica e fisiológica. No caso das vacinas da dengue, essas deverão induzir resposta imune que confira proteção contra os quatro sorotipos de vírus da dengue semelhante à resposta induzida pelos próprios agen- tes. Nessa fase, o vírus selvagem pode ser administrado aos voluntários que foram vacinados ou podem ser usa- dos voluntários de área endêmica e verifica-se a capacidade protetora da vacina. Alguns efeitos colaterais mais raros podem ficar aparentes nessa fase. Devido ao maior número de voluntários usados, pode-se determi- nar, nessa fase, se a “infecção” pela vacinação ocorre somente na popula- ção alvo, se o candidato vacinal é contagioso e se induz fenômenos imu- nológicos que possam ser associados ao desenvolvimento de doença auto- imune. Se o candidato vacinal é um vírus recombinante, deve-se avaliar se não ocorreu mudança de especifi- cidade celular ou aumento da virulên- cia. Na fase III, os ensaios clínicos são realizados “no campo”, com um gran- de número de pessoas e devem in- cluir populações com características epidemiológicas bem estudadas. A vigilância pós-liberação deve ser im- plementada e documentada. Somen- te assim, eficácia e segurança a longo prazo podem ser determinadas. Ape- nas com estudos a longo prazo é que se poderá concluir que o candidato vacinal não é tumorogênico ou não ocorre integração no genoma do hos- pedeiro. Nessa fase, por meio de estudos controlados, outros aspectos importantes na discussão de critérios de biossegurança poderão ser avalia- dos. Entre eles estão a capacidade do candidato vacinal infectar outras es- pécies, incluindo os vetores da den- gue, de sobreviver na natureza, de ser disseminado no meio-ambiente e, fi- nalmente, do grau de segurança des- se candidato vacinal a longo prazo. Dessa fase sairão os resultados que serão analisados em relação ao risco da liberação de uma vacina para uso humano e o benefício a ser alcança- do. Como exemplo, os efeitos colate- rais do vírus da vaccínia não foram desprezíveis durante a campanha de erradicação da varíola, porém a erra- dicação dessa doença livrou a huma- nidade de um dos seus maiores flage- los. Do mesmo modo, as vacinas contra a poliomielite e o sarampo não são inócuas, mas prestam um benefí- cio imensurável às pessoas vacina- das. Quanto à persistência na nature- za, é impossível predizer o resultado da liberação de um candidato vacinal no meio-ambiente. O vírus da vaccí- nia é, até hoje, excretado por búfalos, na Índia. Isso só ocorre porque o vírus da vaccínia tem a capacidade de infectar outras espécies que não aquela visada para a vacinação. Desse modo, será difícil ocorrer a liberação de um vírus recombinante preparado a par- tir de um vírus da vaccínia para uso vacinal. Por outro lado, se a especifi- cidade do candidato vacinal para a espécie humana for alta e os efeitos da infecção aguda pouco importan- tes, a persistência na natureza pode auxiliar na imunização de susceptí- veis Assim, a avaliação de critérios de biossegurança na liberação de um candidato vacinal é complicada pela necessidade de estudos a longo pra- zo, porém um dos critérios mais im- portantes é a avaliação de risco e benefício. As vacinas de vírus atenu- ados multivalentes, como é o caso da vacina para a dengue, podem apre- sentar a replicação preferencial de um sorotipo viral em detrimento dos ou- tros. Além disso, por serem atenua- das, e portanto, vacinas de vírus vi- vos, existe a possibilidade da reversão de um deles à cepa virulenta, aumen- tando a possibilidade de causar doen- ça clínica após a inoculação da vacina. As vacinas de vírus quiméricos funci- onariam como vacinas de vírus atenu- ados e, portanto, com os mesmos problemas mencionados anteriormen- te para essas vacinas. Adicionalmen- te, como ocorre a produção de um vírus previamente inexistente, não se pode prever o impacto desste novo vírus na natureza e o resultado das suas infecções em seres humanos. Desde que vacinas de DNA estão sendo consideradas uma alternativa promissora para o desenvolvimento de vacinas, a maior preocupação é a possibilidade de integração desstes DNAs no genoma celular. Estudos sobre esse tema têm mostrado que a injeção de 200 mL de DNA, o que corresponde a 3 x 1013 moléculas de DNA, representa uma freqüência de integração 10.000 vezes inferior a even- to oncogênico, o que é um evento extremamente raro. Assim, se um can- didato vacinal apresentasse um efeito adverso indesejado a cada 100.000 vacinações, este seria considerado um alto índice de efeitos adversos. Po- rém, se analisarmos o fato de que já foram notificados mais de 200.000 casos de dengue este ano no Brasil e que houve 50 casos de dengue he- morrágico nesse período, resultando em 8 óbitos, o benefício da vacinação é óbvio. Desse modo, é importante determinar os critérios de biossegu- rança para que se possa avaliar um candidato vacinal na sua totalidade, mas, é claro, que os estudos a longo prazo são aqueles que nos darão as maiores informações sobre a seguran- ça e o benefício do uso desses imuno- biológicos. Desse modo, na eventua- lidade de se produzir uma vacina para dengue, esta deverá passar por uma bateria imensa de testes para que seja cogitada a sua aprovação para uso humano. Infelizmente, apesar dos es- forços e da necessidade para controle dessa doença, vacinas para a dengue não estarão disponíveis para uso hu- mano em um futuro próximo. CARGILL Biossegurança e Alimentos Transgênicos SOCIEDADE O papel da CTNBio 32 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Simone H. C. Scholze A autora é analista de C&T do Ministé- rio da Ciência e Tecnologia, tem mestrado em Direito pela UnB e é membro da CTNBio. intenso avanço da pesquisa bio- tecnológica provoca hoje uma crescente mobilização da socie- dade e dos Poderes Públicos quanto à absorção dos seus resultados - reações positivas com relação aos benefíci- os aportados pela biotecnologia e reações negativas quanto aos riscos tecnológicos. Quando se trata de riscos tecnológicos, não se está lidando apenas com a incerteza econômica ou científica e tecnológica, mas também com a incerteza ética e moral. À primeira ordem de incertezas, a sociedade responde com o estabelecimento de regula- ção técnica mais estrita, por exemplo, no campo da biossegurança, do uso de animais para pesquisa e da propriedade e comércio de bens de alto conteúdo tecnológico. Rela- tivamente à segunda categoria de incerte- zas, além do debate no campo da biossegu- rança, verifica-se a legítima intensificação do debate ético. O Brasil chega hoje exata- mente a essa era de transformações científi- cas e de debates éticos e legais. A aprovação de um plantio em escala comercial de uma linhagem transgênica começa com muitos anos de trabalho de laboratório. Uma vez que uma planta poten- cialmente útil tenha sido desenvolvida e testada em laboratório, um programa de testes de campo é essencial para avaliar seu desempenho, antes da comercialização. A biossegurança visa precisamente ao estabe- lecimento dos mecanismos de proteção para o uso da biotecnologia moderna, tanto no que tange a experimentos laboratoriais, como a testes de campo que possam implicar risco biológico, provocando impactos ambientais favoráveis ou indesejáveis ou conseqüênci- as para a saúde humana. Desde a década de 1970, fatores associados ao desenvolvimen- to científico e tecnológico dos países, a interesses econômicos e a pressões dos próprios cientistas e de grupos ambientalis- tas vêm delineando as normas do que se convencionou denominar biossegurança. A Lei de Biossegurança Como conseqüência de projeto de lei de iniciativa do então Senador Marco Maciel, após 5 anos de tramitação no Congresso Nacional, foi sancionada, em 1995, a Lei de Biossegurança e foi criada a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN- Bio), instituição norteadora do desenvolvi- mento da moderna biotecnologia no Bra- sil. Operacionalmente vinculada ao Minis- tério da Ciência e Tecnologia, a CTNBio começou suas atividades em junho de 1996. É composta por 36 membros, titula- res e suplentes, especialistas de notório saber científico, das áreas humana, animal, vegetal e ambiental, representantes dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, da Saúde, da Agricultura, do Meio Ambiente, da Educação e das Relações Exteriores, além de representantes de órgão de defesa do consumidor, de proteção à saúde do trabalhador e do setor empresarial de biotecnologia. Compete à CTNBio estabelecer nor- mas e regulamentos relativos às atividades e projetos que envolvam construção, cul- tivo, manipulação, uso, transporte, arma- zenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte relacionados a orga- nismos geneticamente modificados, visan- do a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente. A Comissão vem-se reu- nindo regularmente desde a sua criação para certificar a segurança de laboratórios e experimentos relativos à liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente e para julgar pedidos de comercialização de produtos que conte- nham OGMs. Ao longo de seus três anos de funcionamento, foram emitidas 18 Ins- truções Normativas que regulamentam di- versos aspectos da biotecnologia moderna no País. Atualmente, existem 120 instituições públicas e privadas credenciadas pela CTNBio, por meio da concessão de Certi- ficado de Qualidade em Biossegurança (CQB), para desenvolver atividades com organismos transgênicos, das quais 20 efe- tivamente conduzem liberações planeja- das no meio ambiente. A Comissão já autorizou e vem acompanhando cerca de 700 processos de liberações planejadas no meio ambiente, em plantios agrícolas em escala experimental e apenas um em esca- la comercial, a soja “roudup ready”. Embora se verifique um processo cada vez maior de conscientização, muitas instituições ainda atuam com organismos transgênicos sem autorização legal da CTNBio. A fiscalização dessas atividades é incumbência dos órgãos fiscalizadores do Ministério da Agricultura, do Ministério da Saúde e do Ministério do Meio Ambiente, em suas respectivas áreas de competência. Procedimentos da CTNBio A Comissão analisa, caso a caso, as solicitações que lhe são encaminhadas, ja- mais emitindo pareceres genéricos sobre, por exemplo, “soja transgênica” ou “milho transgênico” em geral, mas, unicamente, sobre determinada linhagem de soja modifi- cada para expressar determinadas caracterís- ticas. Cabe ao solicitante o ônus de demons- trar a biossegurança do OGM, fornecendo todos os dados necessários para a avaliação da CTNBio, podendo a Comissão exigir in- formações e testes adicionais. É exigência legal para realização de experimentos com OGMs que a instituição interessada disponha da autorização específica da CTNBio para a realização do experimento, de Certificado de Qualidade em Biossegurança, ambos publi- cados no Diário Oficial da União, e que constitua Comissão Interna de Biosseguran- ça de acordo com os critérios das Instruções Normativas. A elaboração de parecer técnico prévio conclusivo pela CTNBio é regulada pela Lei 8.974/95, Decreto 1.752/95, Regimento In- terno da CTNBio, além dos procedimentos estabelecidos nas Instruções Normativas. De acordo com esses procedimentos, o pedido de liberação de OGMs no meio ambiente é distribuído às Comissões Setoriais Específi- cas da áreas da Saúde, Vegetal, Animal e Ambiental, que emitem pareceres técnicos nas áreas de sua competência, determinando os critérios e recomendações para a sua liberação ou a indeferindo. O Parecer Técnico Conclusivo emitido pela CTNBio contempla necessariamente os seguintes aspectos da segurança do OGM: a) riscos ao meio ambiente, examinados com especial atenção pela Comissão Setorial Es- AGROCERES ALGODÃO COLORIDO AGRICULTURA O ALGODÃO COLORIDO NO BRASIL ORIGEM O algodão colorido foi desenvolvido pelos incas e astecas há 4.500 anos, bem como por outros povos antigos das Amé- ricas, Ásia, África e Austrália. Já foram identificadas 39 espécies silvestres de al- godão com fibras coloridas. Na maioria dessas espécies primitivas, o algodão pos- sui fibras coloridas, principalmente na to- nalidade marrom. Porém, já foram descri- tos algodões coloridos em tonalidades verde, amarela, azul e cinza. Esss algo- dões, por longos períodos, foram descarta- dos pela indústria têxtil mundial e até mesmo foi proibida sua exploração em vários países por serem considerados como contaminação indesejável dos algodões de tonalidade branca normal. Esses tipos co- loridos foram preservados pelos povos nativos e nas coleções de algodão em vários países. No Brasil, foram coletadas plantas de algodoeiros asselvajados, nas tonalidades creme e marrom, em misturas com algodoeiros brancos cultivados, das espécies G. barbadense L. e G. hirsutum L. Elêusio Curvelo Freire Pesquisador da Embrapa Algodão-Campina Grande, PB Fotos: Eleusio Curvêlo Freire raça, marie galante Hutch, conhecidos como algodões arbóreos. Esses algodões coloridos tinham uso apenas artesanal ou ornamental, principalmente nos Estados da Bahia e Minas Gerais. Inicialmente passaram a ser preservados em bancos de germoplasma da Embrapa Algodão, em Patos-PB, desde 1984. A partir de 1989, foi iniciado o trabalho de melhoramento ge- nético, após uma visita de empresários têxteis japoneses, que demonstraram inte- resse em adquirir aquele tipo de fibra. A HERANÇA DA COR DA FIBRA A herança da coloração da fibra nor- malmente é controlada por um gene domi- nante, mas com alelos em locus diferentes. O gene verde é controlado pelos alelos de um único locus Lg, encontrado no cromos- somo 15 do genoma D do algodão ameri- cano (G. hirsutum). O gene que controla a coloração mar- rom em suas várias tonalidades é encontra- do nos algodões do velho e do novo mundo, com vários alelos identificados. (Tabela 1). Sendo a cor do algodão contro- lada por genes maiores, o melhoramento dessa característica é simples, porém não prescinde de autofecundação controlada pelo melhorista, para evitar segregações ou contaminações indesejáveis. Por outro lado, algumas tonalidades de cores são fortemente influenciadas pelo ambiente (luz solar, tipo de solo, ano). Entre as tonalidades de cores, a verde é a mais influenciada pelo ambiente, enquanto a creme e a marrom são as mais estáveis. O PROCESSO DE MELHORAMENTO Inicialmente foi efetuada uma avalia- ção da produtividade e das características das fibras dos 11 acessos de algodão arbó- reo colorido existentes no Banco de Ger- moplasma. Constatou-se que o compri- Símbolo do gene Ld1k Lc2B Lc2k Lc2M Lc2v Lc3B Lc4k Dw Lg1 Lc2 Lc Coloração da fibra Caqui Marrom claro caqui Marrom médio Marrom muito claro Marrom claro Caqui Branco sujo Verde Marrom Marrom Espécie de Gossypium Arboreum e herbaceum Arboreum e herbaceum Arboreum e herbaceum Arboreum e herbaceum Arboreum e herbaceum Arboreum e herbaceum Arboreum Raimondii Hirsutum Hirsutum Barbadense, Darwinii e Tomentosum Região África e Afroásia África e Afroásia África e Afroásia África e Afroásia África e Afroásia África e Afroásia Afroásia América América América América FONTE: Endrizzi et al (1984) Tabela 1 - Herança de cor da fibra do algodão. Miscelânia de cores do algodão trabalhado na Embrapa mento das fibras dos acessos coloridos variou de 25,9 a 31,6mm; a resistência era muito fraca, com 60% dos materiais varian- do de 19,5 a 21,7 gf/tex, o que impossibi- litaria sua industrialização em fiações mo- dernas, que exigem algodões de alta resis- tência. As fibras eram também excessiva- mente finas e de baixa uniformidade. A produtividade, no campo variou de 294 a 1.246 kg/ha. Foi determinado como objetivo do programa de melhoramento elevar a resis- tência das fibras, a finura, o comprimento e a uniformidade, bem como estabilizar a coloração das fibras nas tonalidades creme e marrom e elevar a sua produtividade no campo. Utilizou-se primeiramente, o mé- todo de seleção individual com teste de progênies, e, posteriormente, o método de hibridação seguido de seleção genealógi- ca, para se obter variações nas tonalidades de cores. A partir de 1996, foram incluídos nas pesquisas algodões de coloração ver- de e procuradas novas combinações de cores, por meio de cruzamentos dos algo- dões marrom, creme e verde. O método de seleção individual com teste de progênies consistiu em separar plantas coloridas nas 11 entradas originais que constituiam o Banco de Germoplasma, de modo que propiciasse a análise das características agronômicas e das fibras de cada uma das plantas eleitas. Por meio desse método foram obtidas e estudadas 1.085 plantas, que resultaram em 217 linhas de progênies de tonalidades creme a marrom. O método de hibridação foi utilizado para obter nova variedade e combinação de cores diferen- tes, pelo do cruzamento dos algodoeiros nativos do Brasil, de coloração creme e marrom, com as cultivares americanas Arkansas Green (verde) e Texas (marrom intenso). Esses cruzamentos estão nas gerações F2 e F3 e irão resultar cultivares com tonalidades de cores mais variadas em futuro próximo. Outra opção que foi utilizada pela Embrapa para a obtenção de cultivares de algodão colorido foi a introdução dos genes que controlam a coloração verde, na cultivar comercial mais plantada no Nordeste (CNPA 7H), por meio da técnica de retrocruzamentos. Para isso, foram efetuados três ciclos de retrocruzamentos utilizando-se a cultivar Arkansas Green como progenitor doador e a CNPA 7H como progenitor recorrente. Nos últimos três anos, foram estuda- das 217 progênies, 35 novas linhagens e 22 linhagens avançadas de algodão colo- rido, nos municípios de Patos e Monteiro, na Paraíba e Touros, no Rio Grande do Norte. Tabela 2 - Características médias das novas linhagens de algodão colorido. Touros, RN - 1998. Linhagem CNPA 95-3B CNPA 96-713 CNPA 96-871 CNPA 96-426 CNPA 96-703 CNPA 96-729 CNPA 96-802 CNPA 96-816 CNPA 96-974 CNPA 96-1016 CNPA 96-1029 Média F. CV% Rendimento kg/ha 1.982 ab 2.510 a 1.268 b 1.841 ab 1.715 ab 1.425 b 1.755 ab 1.377 b 1.488 b 1.754 ab 1.470 b 1.689 3,0* 24,1 1ª Flor (dias) 60 ab 61 ab 61 a 59 b 61 a 60 ab 59 ab 60 ab 60 ab 61 ab 60 ab 60 2,4* 1,7 1ª Capulho (dias) 111 b 116 ab 114 ab 112 ab 113 ab 115 ab 113 ab 118 a 115 ab 112 ab 112 ab 114 1,9ns 2,3 P. 100 Sementes (g) 9,2 abc 9,0 abc 8,0 c 10,0 a 8,5 bc 9,9 a 9,5 ab 8,7 abc 9,1 abc 9,3 abc 8,1 c 9,0 5,6** 6,1 % de Fribra 38,4 38,6 38,0 38,2 39,9 37,9 39,8 39,5 38,6 38,6 39,3 38,8 0,7ns 4,5 P. 1 Capulho (g) 3,7 3,4 3,4 4,2 3,3 3,7 4,0 3,4 3,2 3,6 3,5 3,6 1,3ns 14,1 Comprimento S.L. 2,5 % 25,8 ab 25,7 ab 24,8 b 27,6 ab 25,9 ab 28,3 a 26,4 ab 26,1 ab 25,1 ab 24,9 b 26,6 ab 26,1 2,6* 5,1 Uniformidade (%) 45,8 ab 45,6 ab 46,5 ab 48,3 a 46,8 a 42,3 b 46,4 ab 46,6 ab 46,7 ab 46,7 a 46,4 ab 46,2 2,7** 3,8 Resistência gf/tex 22,1 abc 21,5 abc 21,5 abc 24,2 a 23,0 abc 18,0 bc 23,9 ab 22,0 abc 21,8 abc 17,7 c 19,3 abc 21,4 3,1** 11,6 Finura (Micronaire) 4,0 ab 4,3 a 4,3 a 4,1 ab 3,9 ab 3,5 b 3,9 ab 4,1 ab 4,3 ab 4,2 ab 3,9 ab 4,1 2,5* 7,8 Elongação (%) 5,3 5,1 5,4 5,5 5,3 4,8 5,7 5,2 5,1 5,1 5,2 5,3 1,5ns 7,6 Tabela 3 - Características médias das linhagens avançadas de algodão colorido. Touros, RN - 1998. Linhagem Bulk CNPA 95-3B CNPA 95-130 CNPA 95-653 CNPA 95-709 CNPA 95-813 CNPA 95-816 Bulk Creme ENL 789 CNPA 771/92-1139M CNPA 95-4B CNPA 92-127 Média F. CV% Rendimento kg/ha 2.912 ab 3.534 a 2.398 bc 2.142 bc 1.904 c 2.191 bc 2.629 bc 2.688 bc 2.302 bc 2.396 bc 2.509 7,2** 13,7 1ª Flor (dias) 59 59 59 58 58 58 59 57 58 58 58 7,0ns 7,8 1ª Capulho (dias) 112 ab 110 b 113 ab 113 ab 112 ab 113 ab 111 b 111 ab 111 b 114 a 112 3,2** 1,3 P. 100 Sementes (g) 10,1 ab 10,4 a 8,8 b 9,2 ab 10,0 ab 9,4 ab 9,7 ab 8,9 b 8,9 b 9,2 ab 9,4 3,9** 6,0 % de Fribra 35,1 33,5 37,2 35,8 33,8 34,0 34,8 33,6 37,4 37,6 35,6 2,5* 5,5 P. 1 Capulho (g) 4,0 ab 4,2 ab 3,6 ab 3,9 ab 4,5 a 4,0 ab 3,7 ab 3,7 ab 3,4 b 4,3 ab 3,9 3,0** 9,8 Comprimento S.L. 2,5 % 25,6 28,6 26,5 27,9 28,8 28,1 26,9 25,5 26,3 26,9 27,1 1,6ns 7,1 Uniformidade (%) 48,1 ab 48,3 ab 50,9 a 49,8 ab 48,7 ab 45,0 b 47,9 ab 49,6 ab 48,8 ab 47,1 ab 48,4 1,8ns 4,9 Resistência gf/tex 19,3 21,5 20,3 19,5 20,2 20,0 18,7 21,8 18,0 19,1 19,8 2,0ns 8,5 Finura (Micronaire) 3,8 3,6 3,5 4,1 4,0 3,5 4,2 3,9 3,7 3,8 3,8 1,9ns 8,9 Elongação (%) 7,0 7,2 7,7 7,1 6,2 6,5 7,5 7,4 7,2 7,1 7,1 16ns 9,9 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 37 Extração de DNA de plantas AGRICULTURA SOLUÇÕES PARA PROBLEMAS COMUMENTE ENCONTRADOS Eduardo Romano, Biólogo Molecular, M.Sc. Ana Cristina Miranda Brasileiro, Bióloga Molecular, Ph.D. CENARGEN/Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. romano@cenargen.embrapa.br isolamento de DNA de plantas e de material ve- getal proveniente de cul- tura de tecidos é uma etapa importante na análise da estru- tura e organização do genoma de plantas. Essas análises necessitam, freqüentemente,usar enzimas de res- trição, que cortam o DNA em frag- mentos, para ser que é utilizado em Southern blot ou em construção de bibliotecas genômicas. Preparações de DNA vegetal também são, comu- mente, utilizadas como substratos em reações de PCR para estudos filogenéticos ou no desenvolvimen- to de marcadores moleculares como os microsatélites e os gerados por RAPD. Independente do tipo de es- tudo molecular, as preparações de DNA devem produzir amostras pu- ras suficientes para não inibir os tratamentos enzimáticos ou causar interferências nos padrões de migra- ção em gel de eletroforese. Algumas considerações são im- portantes na obtenção de DNA de boa qualidade e devem ser atendidas independente do método utilizado. 1) As paredes celulares devem ser rompidas com o objetivo de libe- rar os constituintes celulares. Essa etapa é realizada geralmente pelo congelamento do tecido vegetal em nitrogênio líquido e posterior que- bra mecânica, com o auxílio de um pilão e de um almofariz, no caso de extração em larga escala. Para extra- ção em pequena escala, utiliza-se um pequeno bastão de vidro e um tubo de microcentrífuga. Nesse caso, as preparações freqüentemente se des- tinam a reações de PCR e podem ser realizadas somente na presença de tampão de extração, sem a adição de nitrogênio líquido. 2) As membranas celulares de- vem ser rompidas para liberação do DNA. Essa etapa é realizada pela ação de um detergente como SDS (dodecil sulfato de sódio) ou CTAB (brometo de cetiltrimetilamônio). 3) Deve-se evitar a ação de DNA- ses, que podem degradar o DNA. Com esse propósito, os tampões de extração possuem pH por volta de 8,0, enquanto o pH ótimo para ação de DNAses endógenas fica por volta de 7,0. Outro expediente emprega- do é a adição de EDTA (ácido etileno diamono tetracético) no tampão de extração. O EDTA é uma substância quelante de cátions divalentes, como Mg+2 e Ca+2 e, portanto, inibe a ação de DNAses, que usam esses metais como cofatores (Sambrook et al., 1989). 4) Ácidos nucléicos devem ser separados das proteínas. Para tanto, realiza-se de uma a várias extrações com fenol e/ou clorofórmio, que des- naturam as proteínas tornando-as in- solúveis à fase aquosa, onde se en- contram os ácidos nucléicos. 5) O DNA deve ser protegido da ação de compostos fenólicos, que oxidam o DNA irreversivelmente, tor- nando este inacessível às enzimas de restrição. A contaminação por com- postos fenólicos pode ser evidencia- da pela coloração do DNA que tende a ficar marrom. Para evitar o efeito oxidativo dos polifenóis, deve ser adicionado ao tampão de extração agentes anti-oxidantes, como PVP (polivinilpirrolidona), BSA (albumi- na de soro bovino) ou β-mercaptoe- tanol. Figura 1: Esquema representativo das etapas de extração de DNA pelo método CTAB. 40 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 6) Os ácidos nucléicos devem ser separados de polissacarídeos. Esses inibem a ação de enzimas de restrição (Shioda & Marakami-Muofushi, 1987) e tornam a amostra de DNA excessi- vamente viscosa, interferindo na mi- gração do DNA em corridas eletrofo- réticas. O detergente CTAB é utiliza- do com essa finalidade, já que polis- sacarídeos e ácidos nucléicos possu- em solubilidade diferenciada na pre- sença desse detergente. Polissacarí- deos também podem ser removidos pelo emprego de gradiente de cloreto de césio (CsCl). Vários autores descrevem proble- mas no isolamento e purificação de DNA vegetal de boa qualidade (para uma revisão ver: Rogers & Bendich, 1994). Esses problemas são resultantes principalmente do co-isolamento de polissacarídeos, substâncias fenólicas e compostos secundários. O método mais utilizado com su- cesso para diferentes espécies é o base- ado no uso do detergente CTAB. Esse detergente solubiliza as membranas, formando com o DNA um complexo que facilita uma posterior precipitação (Weising et al., 1995). A maioria dos protocolos descritos na literatura uti- lizam o protocolo CTAB padrão, com algumas modificações, com vistas a resolver problemas específicos da espécie em estudo. Outros protoco- los freqüentemente empregados são variações do descrito por Dellaporta e colaboradores (Dellaporta et al, 1983). Esses métodos se fundamen- tam na precipitação simultânea de proteínas e polissacarídeos na pre- sença de SDS e altas concentrações de acetato de potássio. Outro méto- do utilizado é a extração de DNA por meio de núcleos celulares. Essa es- tratégia é baseada em uma prévia separação dos núcleos dos outros constituintes celulares. Esse procedi- mento pode resolver o problema de co-isolamento de constituintes inde- sejáveis, como os polissacarídeos e polifenóis citoplasmáticos. A princi- pal desvantagem deste método é que a extração de núcleos a partir de material congelado é muito inefici- ente. Outra desvantagem é que esse método é mais laborioso do que os previamente mencionados. As pre- parações de DNA obtidas por qual- quer um desses métodos podem so- frer uma posterior purificação por centrifugação em gradiente de den- sidade de CsCl. Essa purificação, apesar de laboriosa, é eficiente na remoção de RNA, polissacarídeos, proteínas e outros contaminantes da amostra de DNA. Outra estratégia para purificação do DNA isolado é a precipitação com acetato de amônio. Essa estratégia é mais rápida, porém o DNA purificado é de menor quali- dade. Nesse artigo descrevemos um pro- tocolo CTAB padrão utilizado com sucesso em nosso laboratório, em diferentes espécies, e dois protoco- los de purificação (gradiente de CsCl e acetato de amônio). Apresentamos também uma tabela (tabela 1), onde são identificados os problemas co- mumente encontrados na extração de DNA por meio do protocolo CTAB. Dessa forma, o leitor poderá identi- ficar o problema e tentar fazer as modificações necessárias para me- lhorar a qualidade do DNA. Na tabela 2, estão listadas algumas espécies vegetais para as quais foram neces- sárias adaptações de protocolos bá- sicos, visando à resolução de proble- mas específicos. Tabela 1: Problemas comumente encontrados durante o isolamento de DNA de plantas; possíveis causas e soluções. Problema encontrado Amostra de DNA marrom ou muito escura. Amostra de DNA com aspecto gelatinoso e excessivamente viscoso. O DNA, antes da digestão com enzimas de restrição, apresenta arraste vertical no gel. O DNA apresenta forma cônica no gel, em direção ao pólo positivo. Após a corrida, muito DNA retido no poço do gel. Após digestão com enzima de restrição, a amostra apresenta uma corrida com muito DNA nas laterais e pouco DNA no centro. O DNA no gel apresenta contaminação com RNA. Causa Contaminação por polifenóis. Contaminação por polissacarídeos. DNA degradado por contamina- ção por DNAses ou por quebra mecânica durante a extração com clorofórmio. Excesso de DNA aplicado no gel. Contaminação por polissacarídeos. Contaminação por polissacarídeos. Contaminação por polissacarídeos. Excesso de DNA aplicado no gel. Contaminação por RNA. Solução Adição de PVP-40 e/ou BSA no tampão de extração, a concentração de 1 a 2%. Aumento da concentração de ß- mercaptoetanol para até 5%. Purificação da amostra em gradiente de CsCI ou por precipitação com acetato de amônio. Extrato de DNA via núcleos celulares. Verificar o pH do tampão de extração. Este deve estar por volta de 8,0. Se o pH estiver por volta de 7,0 facilitará a ação de DNAses durante a extração Mistura das fases aquosa e de clorofórmio menos vigorosamente. Aplicar menos DNA no gel. Purificação da amostra em gradiente de CsCI ou por precipitação com acetato de amônio; Extração de DNA via núcleos celulares. Purificação da amostra em gradiente de CsCI ou por precipitação com acetato de amônio; Extração de DNA via núcleos celulares. Purificação da amostra em gradiente de CsCI ou por precipitação com acetato de amônio; Extração de DNA via núcleos celulares; Aplicação de menos DNA no gel. Adicionar RNAse A, a uma concentra- ção final de 100µg/mL e incubar a 37ºC por 20 minutos. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 41 Protocolos Isolamento de DNA total de plan- tas utilizando-se o método CTAB (Figura 1) 1. Pese 3 g do material vegetal a ser analisado (calos, folhas, plântulas etc.), de preferência fresco, e transfira para um almofariz contendo com nitrogênio líquido. Com o auxílio de um pilão, pulverize o material até se obter um pó fino. 2. Transfira rapidamente o pó ob- tido para um tubo de polipropileno de 50 ml que contenha 15 ml de tampão CTAB [CTAB 2% (p/v); NaCl 1,4 M; Tris-HCl 100 mM, pH 8,0; EDTA 20 mM; β-mercaptoetanol 0,2% (v/v)] pré-aquecido a 65oC. Feche o tubo e misture gentilmente até o pó ficar homogeneamente distribuído. 3. Incube as amostras em banho- maria a 60oC por 30 minutos, agitan- do ocasionalmente o tubo para man- ter o extrato ressuspendido. 4. Retire o tubo do banho-maria e espere que a mistura atinja a tempe- ratura ambiente. Adicione 15 ml de clorofórmio:álcool isoamílico (24:1; v/v). Feche o tubo e misture manual- mente por 10 minutos. 5. Centrifugue a 5.000 g por 10 minutos a temperatura ambiente, para separar a fase orgânica da aquosa. 6. Remova a fase aquosa (fase superior) para um tubo novo de 50 Tabela 2 - Principais espécies vegetais para as quais foram necessárias adaptações de protocolos básicos, visando à resolução de problemas específicos (adaptado de Weising et al. 1995). Espécie vegetal Abies alba (abeto) Betula alba (bétula) Glycine max (soja) Gossypium hirsutum (algodão) Fragaria x ananassa (morango) Helianthus annus (girassol) Hordeum vulgare (cevada) Ipomoea batatas (batata-doce) Linum usitatissimum (linho) Lycopersicon esculentum (tomate) Musa acuminata (bananeira) Nelumbo spp. (lótus) Nicotiana tabacum (fumo) Oryza sativa (arroz) Picea abies (aberto) Pisium sativum (ervilha) Prunus persica (pessegueiro) Saccharum spp. (cana-de-açúcar) Solanum tuberosum (batata) Theobroma cacao (cacaueiro) Vicia faba (fava) Vitis vinifera (videira) Zea mays (milho) Protocolos utilizando tampões CTAB X X X X X X X X X X X Protocolos baseados na precipitação de proteínas e polissacarídeos com aceato de potássio/SDS (Dellaporta) X X X X X Protocolos mistos X X X X X X X X X Protocolos envolvendo o isolamento de núcleo X X X X X X X ml. Evite pegar qualquer proteína desnaturada presente na interface. 7. Repita a extração com clorofórmio:álcool isoamílico mais uma ou duas vezes (etapas de 4 a 6), levando em consideração que mais extrações podem tornar a amostra mais pura, porém com maiores per- das de DNA. 8. Adicione RNAse A a uma con- centração final de 100 µg/ml e incube a 37oC por 30 minutos. Essa etapa é opcional e contribui para aumentar a pureza da sua amostra. 9. Adicione 0,6 volume de isopro- panol ou 2,5 volumes de etanol abso- luto, ambos a -20oC. Misture suave- mente até formar um precipitado. 10. Se o complexo DNA-CTAB obtido formar uma rede de filamen- tos visíveis, recupere o DNA com o auxílio de uma pipeta. Caso o DNA não forme uma rede visível, centrifu- gue a amostra a 10.000 g por 20 minutos. Em uma boa preparação, o DNA não deve estar escuro. Sempre que possível, evite a etapa da centri- fugação para não co-precipitar o DNA e polissacarídeos. 11. Descarte o sobrenadante e lave o precipitado com 5 ml de etanol 70% (v/v). Caso o precipitado se solte durante a lavagem, repita a etapa da centrifugação por 3 minutos(etapa 10). 12. Descarte o sobrenadante e seque o precipitado invertendo o tubo em um papel-toalha. 13. Dissolva o precipitado em 500 µl de tampão TE (Tris-HCl 10 mM, pH 8,0; EDTA 1 mM) e incube a 4oC por meia hora ou mais. A amostra pode ser então armazenada a -20oC. 14. Uma purificação posterior pode ser realizada por tratamento com ace- tato de amônio ou por gradiente de cloreto de césio . Purificação de DNA total de plantas por tratamento com acetato de amônio 1. Dissolva o DNA isolado em 1,0 ml de tampão TE (Tris-HCl 10 mM, pH 8,0; EDTA 1 mM) e adicione 500 µl de acetato de amônio a 7,5 M. 2. Feche o tubo e misture suave- mente por inversão para homogenei- zar a solução. Incube no gelo por 15 minutos. 3. Centrifugue por 30 minutos a 10.000 g a 4oC. Transfira o sobrena- Para maiores informações sobre técni- cas de isolamento e análise de DNA de plantas, consulte o "Manual de Trans- formação Genética de Plantas" (Brasi- leiro & Carneiro, 1998). Nele são apre- sentadas diferentes técnicas utilizadas na transformação de plantas, assim como experimentos para a detecção de genes repórteres e análise molecu- lares da integração de genes em plan- tas. Para adquirir o manual, acessar via Internet a home page da Embrapa no endereço: http://www.spi.embrapa.br GIACOMETTI CARTAS SEÇÃO DE CARTAS Para entrar em contato com Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento você pode enviar sua corres- pondência via Internet, fax ou carta para esta seção. A critério do editor, as mensagens poderão ser publicadas resumidamente. Nossos endereços são: Redação de Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento: SRTV/Sul – Quadra 701 – Ed. Palácio do Rádio II, sala 215 – Cep 70340-902 – Brasília –DF Tel: (061) 225-1512 Fax: (061)224-2830 Home-page: http://www.biotecnologia.com.br Email: kl3@biotecnologia.com.br 46 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Mi nombre es Ricardo Albarran y me gustaria me mandaran informacion so- bre el uso de la biotecnologia para tratar residuos peligrosos y tambien el uso de bioenzimas para biodegradar materia organica de origen humano, grasas de origen animal o vegetal, lacteos etc. Formo parte de una empresa dedicada a la ingenieria ambiental y me gustaria ampliar mi informacion sobre esta area. Favor mandar informacion al mail trimmor@df1.telmex.net.mx llll Sou estudante de biologia pela Univer- sidade Federal do Pará e lendo a repor- tagem “Clones Tecnológicos, a Salvação da Lavoura do Cacau”, da edição núme- ro 3, de Biotecnologia, Ciência & De- senvolvimento, interessei-me muito pelas variedades resistentes à Vassoura- de-bruxa. Gostaria de entrar em contato com quem está trabalhando com esse material, e como devo proceder para conseguir sementes e mudas estando em Belém. Gunther Barbosa, e-mail gunther@ufpa.br. Prezado Sr. Gunther, Temos os telefones da Ceplac onde o Senhor poderá conseguir informação. CEPLAC: Geraldo Lessa (assessor de co- municação) 021.73.214-3015; Raul Rene Valle (diretor de pesquisa) 021.73.214-3003 e 226-7585, 225- 8041. Endereço: Caixa Postal 07 – Ita- buna (BA), CEP 45600-000. A reporta- gem foi feita por Lucas Tadeu Ferreira e o e-mail é: deluca@tba.com.br llll Gostaria de saber se vocês podem me dar uma dica: onde posso encontrar informações recentes sobre produ- ção, consumo e regulamentação de flavors produzidos por biotransfor- mação? Hannah Rozenbaum. E-mail: hannah@netgate.com.br llll Preciso fazer um trabalho sobre “Tra- tamento de Efluentes Industriais”. Peço que vocês se possuírem alguma coisa sobre este assunto enviem-me e-mail. Raquel: e-mail: 97311315@inf.ucp.br llll Meu nome é Isabel Cristina, sou estu- dante do curso de biologia. Adorei a matéria sobre vacinas polivalentes anti- helmintos. Gostaria de obter mais informações a respeito. Seria possível conseguir mais alguma coisa sobre o assunto? Isabel Cristina, e-mail: isabel@sunnet.com.br llll Publicamos os e-mails acima para que os leitores entrem em contato com os interessados. Comunicamos o lançamento do livro “Manual de transformação genética de plantas” organizado pelas pesquisadoras da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Vera Tavares Campos Carneiro e Ana Cristina Miranda Brasileiro, publicado pela própria Embrapa. Interessados podem adquiri-lo pela livraria virtual da Embrapa, no site www.spi.embrapa.br, ou pelos telefones (021) 61.348-4236 e 348-4708. As autoras do artigo “Probióticos – Uso de probióticos na alimentação de frangos de corte”, publicado na Revista número 3 (maio/junho 1999), solicitam a inclusão de uma referência bibliográfica, fazendo uma retificação. Trata-se de um manual técnico publicado em 1997 pela extinta empresa “Biotecnal” denominado “O Fantástico Mundo dos Probióticos”. Prezados Senhores, Estamos desenvolvendo um projeto de uma fazenda auto-sustentada no Sul de Minas, no Município de Camanducaia. Gostaríamos de saber informações sobre Seleção de Embriões. Os Senho- res tem alguma informação a respeito? Poderiam indicar algum consultor no assunto que estivesse próximo a esta região? Caso necessitem de mais informações, terei grande prazer em explicar mais detalhadamente nossas necessidades. Aguardando seu retorno, agradeço des- de já sua atenção. Fernando Lopez fernando&neusa@xpnet.com.br llll Parabéns pelo projeto. Estamos divul- gando seu e mail para que algum interessado entre em contato. Aos interessados na discussão dos projetos de lei de acesso aos recursos genéticos brasileiros, informamos que estão disponíveis no site da Revista Biotecnologia: www.biotecnologia.com.br, seção de Legislação, todos os projetos em tramitação no Congresso Nacional.
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