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Medida de Lebesgue e Medida de Hausdorff em Espaços Metricos, Notas de estudo de Física

Teorias sobre medidas de lebesgue e hausdorff em espaços métricos. Ele discute propriedades, definições e resultados relacionados a essas medidas, incluindo regularidade interior e exterior, relação entre elas e a importância histórica. O texto também menciona resultados sobre medidas exteriores diferentes de hausdorff e a importância de estudar essas medidas.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 20/09/2010

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marilton-rafael-1 🇧🇷

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Baixe Medida de Lebesgue e Medida de Hausdorff em Espaços Metricos e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! Caṕıtulo 25 A Medida de Lebesgue e a Medida de Hausdorff Conteúdo 25.1 A Construção da Medida de Lebesgue em Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1125 25.1.1 A σ-álgebra de Borel em Rn e a Medida de Borel-Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1127 25.2 As Medidas de Hausdorff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1129 25.3 Conjuntos de Cantor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1133 25.4 Bases de Hamel e a Medida de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1142 25.5 Exerćıcios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1144 O presente caṕıtulo é dedicado à construção da medida de Lebesgue e da medida de Hausdorff segundo os passosdelineados no Teorema de Carathéodory, Teorema 24.1, página 1111 e no Teorema 24.4, página 1121. A medidade Lebesgue1 em R é o nome dado à medida de comprimento usual de certos subconjuntos adequados da reta real. O termo “adequado” é crucial aqui pois, como discutimos no ińıcio do Caṕıtulo 24, não é para qualquer subconjunto de R que o conceito de comprimento está definido. É, portanto, essencial determinar σ-álgebras para cujos elementos a noção de comprimento não envolva paradoxos como os que encontramos quando tratamos do comprimento do conjunto de Vitali (página 1104). Fora isso, desejamos que essa medida de comprimento satisfaça certas condições adicionais, a mais importante sendo a invariância por translações. Desejamos também que os intervalos (a, b), [a, b], (a, b] e [a, b) sejam todos mensuráveis e com medida b − a. Com intuito de atingir maior generalidade apresentaremos a construção da medida de Lebesgue nos espaços Rn. Para construir a medida de Lebesgue em Rn seguiremos a estratégia sugerida pelo Teorema de Carathéodory (Teorema 24.1, página 1111): vamos primeiro construir uma medida exterior sobre os subconjuntos de Rn que seja conveniente aos nossos propósitos. O Teorema de Carathéodory, então, afirma que existe uma σ-álgebra Mµ sobre a qual a medida exterior é uma medida. Essa σ-álgebra é denominada σ-álgebra de Lebesgue e a medida correspondente é denominada medida de Lebesgue. Em seguida, na Seção 25.2, página 1129, apresentaremos a construção das chamadas medidas de Hausdorff2, as quais têm relevância no estudo de conjuntos ditos fractais, os quais aparecem em diversas áreas da F́ısica e da Matemática, notadamente na teoria dos Sistemas Dinâmicos, por exemplo, na forma de atratores de soluções de certas equações diferenciais. A Seção 25.3, página 1133, é dedicada ao estudo dos chamados conjuntos de Cantor, que exibem ilustrativamente diversas propriedades de interesse. 25.1 A Construção da Medida de Lebesgue em Rn Construiremos a medida de Lebesgue em Rn seguindo o esquema descrito na Proposição 24.2 e no Teorema 24.4 da Seção 24.4, página 1120. Para tal devemos definir os seguintes ingredientes: 1. uma coleção de conjuntos R de Rn; 2. uma função positiva h definida em R e 3. para cada A ⊂ Rn uma coleção CR(A) de recobrimentos contáveis de A por elementos de R, ingredientes estes que devem satisfazer as condições da Proposição 24.2 e do Teorema 24.4. Para R escolhemos a coleção de todos os n-cubos semi-abertos limitados da forma R = [a1, b1)× · · · × [an, bn) ⊂ Rn com −∞ < ak < bk < ∞ para todo k = 1, . . . , n. O conjunto vazio é também honorificamente (e convenientemente) inclúıdo em R. A escolha de cubos semi-abertos, e não abertos ou fechados, deve-se essencialmente a dois fatos: 1. com eles torna-se mais fácil demonstrar a invariância por rotações da medida de Lebesgue; 2. com eles torna-se mais simples provar que a medida de Lebesgue é uma medida métrica. 1Henri Léon Lebesgue (1875–1941). 2Felix Hausdorff (1868–1942). 1125 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1126/1730 Por exemplo, para n = 1 cada 1-cubo R ∈ R é um intervalo semi-aberto limitado [a, b) com −∞ < a < b < ∞. Para n = 2 um 2-cubo R ∈ R é um retângulo semi-aberto limitado da forma [a1, b1) × [a2, b2) ⊂ R2, de lados b1 − a1 e b2 − a2, respectivamente, com −∞ < ak < bk < ∞, k = 1, 2. Para cada n-cubo R da forma R = [a1, b1) × · · · × [an, bn) ⊂ Rn definimos h(R) := (b1 − a1) · · · (bn − an) (25.1) que corresponde ao n-volume do n-cubo R. Definimos também h(∅) := 0. Como na Seção 24.4, para cada A ⊂ Rn denotamos por CR(A) a coleção de todos os recobrimentos de A por coleções contáveis de n-cubos semi-abertos e limitados. Com essas escolhas é relativamente fácil constatar a validade das hipóteses do Teorema 24.4. Em particular, todo A ⊂ Rn possui um recobrimento por coleções contáveis de n-cubos semi-abertos e limitados. A Proposição 24.2 e o Teorema 24.4 garantem que µL(A) := inf { H(R), R ∈ CR(A) } := inf { ∑ Rn∈R h(Rn), R ∈ CR(A) } , (25.2) definida para todo A ⊂ Rn, é uma medida exterior em Rn, denominada medida exterior de Lebesgue de Rn. Devemos gastar algumas palavras sobre a interpretação de (25.2). A coleção R é uma coleção de cubos n-dimensionais e, para um tal n-cubo R, a função h(R) fornece o volume de R. Assim, H(R) fornece a soma de uma coleção contável R de n-cubos e µ(A) é o menor valor posśıvel (o ı́nfimo) de H(R) dentre todas as coleções contáveis de n-cubos que recobrem A. Com isso em mãos, temos agora permissão para evocar o Teorema de Carathéodory (Teorema 24.1, página 1111), e afirmar que a coleção MµL formada por todos os subconjuntos A de R n que tenham a propriedade µL(E) = µL(E ∩ A) + µL(E ∩ Ac) , ∀E ⊂ Rn , é uma σ-álgebra e que µL é uma medida em MµL , que denotaremos por µL. A medida µL assim definida é chamada de medida de Lebesgue de Rn e MµL é chamada de σ-álgebra de Lebesgue de R n. Os elementos de MµL são chamados de conjuntos mensuráveis por Lebesgue de Rn. Antes de mostrarmos que a coleção MµL é de fato não-trivial (um fato que não é óbvio até aqui), o que faremos na Seção 25.1.1, vamos exibir duas propriedades básicas da medida de Lebesgue: invariância por translações e regularidade. • Invariância de µL por translações A medida e Lebesgue de Rn satisfaz um requerimento básico associado à noção usual de volume de conjuntos: invariância por translações. Mais precisamente, tem-se que para todo A ∈ Rn, A ∈ MµL e todo x ∈ Rn o conjunto transladado Ax := {y ∈ Rn, y − x ∈ A} é também elemento de MµL e tem-se µL(Ax) = µL(A). A demonstração desses fatos é simples e é deixada como exerćıcio ao estudante. E. 25.1 Exerćıcio. Prove que para todo A ∈ MµL e todo x ∈ Rn tem-se Ax ∈ MµL e que µL(Ax) = µL(A). Sugestão: Prove primeiro que para todo E ⊂ Rn e todo x ∈ Rn tem-se µL(Ex) = µL(E). Para isso, use a definição (25.2) e o fato evidente que para a função h definida em (25.1) vale h ( [a1 + x1, bn + x1) × · · · × [an + xn, bn + xn) ) = h ( [a1, bn) × · · · × [an, bn) ) . Em seguida, use esse fato para mostrar que se A é mensurável por Lebesgue então Ax também o é (para qualquer x ∈ Rn), ou seja, mostre que se µL(E) = µL(E ∩ A) + µL(E ∩ Ac) para todo E ⊂ Rn então µL(E) = µL(E ∩ Ax) + µL(E ∩ Acx) para todo E ⊂ Rn. Conclua dos fatos acima que µL(Ax) = µL(A) para todo A ∈ MµL e todo x ∈ Rn. 6 • Regularidade de µL A medida µL possui as seguintes propriedades. Para todo B ∈ MµL vale µL(B) = sup{µL(C), C compacto com C ⊂ B} (regularidade interior) , µL(B) = inf{µL(A), A aberto com A ⊃ B} (regularidade exterior) . (25.3) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1129/1730 de Lebesgue de qualquer subconjunto finito de R é igualmente nula, pois se {a1, . . . , am} ⊂ Rn é um conjunto com m elementos distintos, tem-se µL ({a1, . . . , am}) = µL ({a1} ∪ · · · ∪ {am}) = µL ({a1}) + · · · + µL ({am}) = 0 , pois µL({ak}) = 0, ∀k ∈ {1, . . . , m}. Da mesma forma, pela aditividade contável (relação (24.2), página 1107), verifica-se que a medida de Lebesgue de qualquer subconjunto contável da reta é nula. De fato, se {ak ∈ Rn| k ∈ N} ⊂ Rn é contável, com todos os ak’s distintos, tem-se µL ( {ak ∈ Rn| k ∈ N } ) = µL ( ⋃ k∈N {ak} ) = ∑ k∈N µL ( {ak} ) = 0 , também pois µL ( {ak} ) = 0, ∀ k ∈ N. Assim, conclúımos, por exemplo, que o conjunto Q dos números racionais e o conjunto A0 dos números algébricos são conjuntos de medida de Lebesgue nula em R. Recordando a noção de propriedade válida quase em toda a parte, introduzida à página 1110, podemos afirmar que em relação à medida de Lebesgue, quase todo número real é irracional, ou que todo número real é irracional µL-q.t.p., pois só não são irracionais os números racionais, que formam um conjunto de medida de Lebesgue nula. Analogamente, em relação à medida de Lebesgue, quase todo número é transcendente, ou seja, todo número real é transcendente µL-q.t.p. Um ponto que não pode deixar mencionado é que há também subconjuntos não-enumeráveis de R que também têm medida de Lebesgue nula. Veremos exemplos quando tratarmos dos chamados conjuntos de Cantor na Seção 25.3, página 1133. 25.2 As Medidas de Hausdorff Esta seção é dedicada à construção das chamadas medidas de Hausdorff. Vamos introduzi-las no contexto geral de espaços métricos e, posteriormente, trataremos do caso dos espaços Rn com a métrica usual. A importante noção de dimensão Hausdorff de um conjunto Boreliano será discutida com algum detalhe. A referência matemática mais abrangente para tais assuntos é [50]. Vide também [73]. Seja M um conjunto não-vazio dotado de uma métrica d e seja τd a topologia induzida em M por essa métrica. Definimos o diâmetro d(E) de um conjunto E ⊂ M na métrica d por d(E) := sup { d(x, y), x, y ∈ E } , que claramente representa a máxima distância posśıvel entre pontos de E, segundo d. A chamada medida de Hausdorff de dimensão s ≥ 0 em M é definida, analogamente à medida de Lebesgue de Rn, pela prescrição do Teorema 24.4, página 1121, mas usando também a Proposição 24.1, página 1111. No que segue assumiremos que o espaço métrico (M, d) possui a seguinte propriedade: P. Para todo δ > 0 vale que todo A ⊂ M possui ao menos um recobrimento por coleções contáveis de conjuntos com diâmetro menor ou igual a δ. O exemplo mais importante que teremos em mente e que satisfaz a propriedade P é Rn com a métrica usual. Para δ > 0 e s ≥ 0 fixos vamos definir os seguintes ingredientes: 1. uma coleção de conjuntos Rδ de M ; 2. uma função positiva hs definida em Rδ e 3. para cada A ⊂ M uma coleção CRδ (A) de recobrimentos contáveis de A por elementos de Rδ, ingredientes estes que devem satisfazer as condições da Proposição 24.2 e do Teorema 24.4. Para Rδ escolhemos a coleção de todos os subconjuntos de M com diâmetro menor ou igual a δ: Rδ := { R ⊂ M : d(R) ≤ δ } . O conjunto vazio é também honorificamente (e convenientemente) inclúıdo em Rδ. Para cada R ∈ Rδ hs(R) := d(R) s (25.6) Definimos também hs(∅) := 0. Como na Seção 24.4, para cada A ⊂ M denotamos por CRδ (A) a coleção de todos os recobrimentos de A por coleções contáveis de subconjuntos de M com diâmetro menor ou igual a δ. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1130/1730 Com nossas escolhas é relativamente fácil constatar a validade das hipóteses do Teorema 24.4 e, em particular, a propriedade P garante que todo A ⊂ M possui um recobrimento por coleções contáveis de conjuntos com diâmetro menor ou igual a δ. A Proposição 24.2, página 1120, e o Teorema 24.4, página 1121, garantem que µδ, sH (A) := inf { Hs(R), R ∈ CRδ (A) } := inf { ∑ Rn∈R hs(Rn), R ∈ CRδ (A) } , (25.7) definida para todo A ⊂ M , é uma medida exterior em M . Pela Proposição 24.1, página 1111, µsH(A) := sup δ>0 µδ, sH (A) = sup δ>0 inf { Hs(R), R ∈ CRδ (A) } = sup δ>0 inf { ∑ Rn∈R hs(Rn), R ∈ CRδ (A) } , (25.8) definida para todo A ⊂ M , é também uma medida exterior em M , denominada medida exterior de Hausdorff de dimensão s. Nota. Segundo [50], se escolhermos Rδ como a coleção de todos os subconjuntos τd-abertos ou τd-fechados de M com diâmetro menor ou igual a δ obtemos as mesmas medidas exteriores de Hausdorff que constrúımos acima com nossa escolha mais geral. Essa referência menciona também um teorema, demonstrado por Besicovitch5, que afirma que uma classe de medidas exteriores diferentes das de Hausdorff é obtida se escolhermos Rδ como sendo formado por bolas abertas de raio δ em M . Vide referências citadas em [50]. ♣ • Algumas propriedades das medidas exteriores de Hausdorff A proposição que segue fornece uma definição alternativa útil da medida exterior de Hausdorff de dimensão s ≥ 0. Proposição 25.3 Para cada s ≥ 0 e todo A ⊂ M vale que µδ1, sH (A) ≥ µδ2, sH (A) sempre que 0 < δ1 < δ2. Logo, para todo A ⊂ M , µsH(A) := lim δ→0 µδ, sH (A) = lim δ→0 inf { Hs(R), R ∈ CRδ (A) } = lim δ→0 inf { ∑ Rn∈R hs(Rn), R ∈ CRδ (A) } . (25.9) 2 Prova. Se δ1 < δ2 então Rδ1 ⊂ Rδ2 , pois todo conjunto de diâmetro menor ou igual a δ1 tem, evidentemente, diâmetro menor ou igual a δ2. Logo, para todo A ⊂ M tem-se CRδ1 (A) ⊂ CRδ2 (A) e, portanto, inf { Hs(R), R ∈ CRδ1 (A) } ≥ inf { Hs(R), R ∈ CRδ2 (A) } , estabelecendo que µδ1, sH (A) ≥ µδ2, sH (A). As demais afirmações são imediatas. Antes de explorarmos as conseqüências da Proposição 25.3, provemos o seguinte resultado, que será importante quando discutirmos a noção de dimensão Hausdorff de um conjunto. Proposição 25.4 Para todo δ > 0 e para cada E ⊂ M vale δ−s ( µδ, sH (E) ) ≥ δ−t ( µδ, tH (E) ) (25.10) sempre que 0 ≤ s ≤ t. 2 Prova. Por definição, todo conjunto R ∈ Rδ tem diâmetro menor ou igual a δ e, evidentemente, 0 ≤ d(R)δ ≤ 1. Portanto, para cada R ∈ Rδ a função de r definida para r ≥ 0 por [0, ∞) ∋ r 7−→ δ−rhr(R) = ( d(R) δ )r é decrescente, ou seja, δ−shs(R) ≥ δ−tht(R) sempre que 0 ≤ s ≤ t. A Proposição 25.4 segue imediatamente, então, da definição (25.7). A conseqüência mais importante da Proposição 25.3 é a seguinte afirmação: 5Abram Samoilovitch Besicovitch (1891–1970). Besicovitch foi um dos nomes que mais contribuiu à teoria matemática dos conjuntos fractais. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1131/1730 Proposição 25.5 Para cada s ≥ 0, a medida exterior de Hausdorff de dimensão s definida em (25.8) ou (25.9) é uma medida exterior métrica (para a definição, Seção 24.3.1, página 1117). 2 Prova. Suponhamos que A e B ⊂ M sejam tais que d(A, B) = ǫ > 0. Se R é um recobrimento de A ∪ B por conjuntos de diâmetro menor ou igual a δ e esse δ for escolhido menor que ǫ, então é posśıvel afirmar que R é a união de três conjuntos disjuntos: RA, RB e R0, sendo RA um recobrimento de A que não intersecta B, RB um recobrimento de B que não intersecta A e R0 que não intersecta A nem B. Se assim não fosse, existiria um aberto em R intersectando A e B, o que só é posśıvel se seu diâmetro fosse maior que ǫ. Notemos que RA ∈ CRδ (A), que RB ∈ CRδ (B) e que, importante, R0 pode ser vazio. Tem-se, portanto, ∑ Rn∈R hs(Rn) = ∑ Rn∈RA hs(Rn) + ∑ Rn∈RB hs(Rn) + ∑ Rn∈R0 hs(Rn) devido à disjunção dos conjuntos e RA, RB e R0. Logo, ∑ Rn∈R hs(Rn) ≥ ∑ Rn∈RA hs(Rn) + ∑ Rn∈RB hs(Rn) . Assim, para todo δ com 0 < δ < ǫ, ao tomar o ı́nfimo sobre CRδ (A ∪B) em (25.7) podemos nos restringir a conjuntos R da forma RA ∪ RB como descritos acima (com R0 vazio). Disso segue que µδ, sH (A ∪ B) = inf { Hs(R), R ∈ CRδ (A) } + inf { Hs(R), R ∈ CRδ (B) } = µδ, sH (A) + µ δ, s H (B) . Logo, ao tomarmos o limite δ → 0 como em (25.9), teremos µsH(A ∪ B) = lim δ→0 µδ, sH (A ∪ B) = limδ→0 µ δ, s H (A) + limδ→0 µδ, sH (B) = µ s H(A) + µ s H(B) . e, portanto, µsH é uma medida exterior métrica. • A medida de Hausdorff de dimensão s ≥ 0 De posse da construção e dos fatos acima descritos e evocando o Teorema de Carathéodory, Teorema 24.1, página 1111, o Teorema 24.3, página 1119, e o Teorema 24.2, página 1116, chegamos às conclusões expressas no seguinte teorema: Teorema 25.2 (A Medida de Hausdorff de Dimensão s ≥ 0) Seja M um conjunto não-vazio dotado de uma métrica d e seja para cada s ≥ 0 a medida exterior µsH definida em M por (25.9) ou, equivalentemente, por (25.8). Seja Mµs H a σ-álgebra formada por todos os conjuntos A ⊂ M mensuráveis segundo Carathéodory, ou seja, que satisfazem µsH(E) = µ s H(E ∩ A) + µsH(E ∩ Ac) para todo E ⊂ M . A restrição de µsH a MµsH define uma medida, denotada por µsH , denominada medida de Hausdorff de dimensão s. Essa medida é completa e todo conjunto Boreliano de M segundo τd é mensurável, ou seja M[τd] ⊂ Mµs H para todo s ≥ 0. 2 • A dimensão Hausdorff de um conjunto Boreliano A medida µsH restrita a M[τd] é denominada medida de Borel-Hausdorff. Note-se que M[τd] não depende de s e, portanto, podemos nos perguntar como varia com s a medida de um conjunto Boreliano fixo. A proposição que segue é fundamental para isso. Proposição 25.6 Seja E ∈ M[τd]. Então valem as seguintes afirmações: 1. µs1H (E) ≥ µs2H (E) sempre que 0 ≤ s1 ≤ s2 < ∞. 2. Se 0 < µtH(E) < ∞ para algum t > 0, então µsH(E) = ∞ para todo s com 0 ≤ s < t. Se 0 < µtH(E) < ∞ para algum t ≥ 0, então µuH(E) = 0 para todo u > t. 2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1134/1730 [ ] [ ] [ ] [ ] [ ][ ] [ ][ ] [ ] [ ][ ] [ ] ( )( ) ( )( ) ( ) ( ) 1/27 2/27 7/27 8/27 20/27 26/2725/2719/27 1/9 2/9 1/3 2/3 7/9 8/9 0 1 ( ) 0 2/3 11/3 1/90 2/9 2/3 11/3 2/27 8/271/90 1/27 2/9 7/27 2/3 8/9 25/27 26/27 119/27 20/27 7/91/3 [ ] [ ] 7/9 8/9 T T T 1 2 3 1323 3 2 3 Figura 25.1: As três primeiras etapas da construção do conjunto de Cantor ternário C1/3. Agora, para todo n grande o suficiente tal que (1/3)n < b − a, os conjuntos (a, b) ∩ Tn são subconjuntos próprios7 de (a, b), pois cada intervalo fechado que compõe Tn tem largura (1/3) n. Portanto, o lado direito de (25.13) é um subconjunto próprio de (a, b) e a igualdade em (25.13) passa a ser absurda. Um conjunto com a propriedade de não conter nenhum aberto é dito ser um conjunto denso em parte alguma (para tais definições, vide Seção 28.1). Por ser fechado, C1/3 é um conjunto mensurável por Lebesgue, ou seja, possui um comprimento. Um ponto importante é determinar a medida de Lebesgue de C1/3. É fácil perceber que µL(Tn+1) = (2/3)µL(Tn), pois a cada etapa é eliminado um terço dos intervalos fechados de Tn. Assim, como µL(T0) = 1, segue que µL(Tn) = (2/3) n. Dáı8 µL(C1/3) = limn→∞ µL(Tn) = limn→∞(2/3) n = 0, ou seja, o conjunto ternário de Cantor C1/3 é um conjunto de medida de Lebesgue nula. • A cardinalidade de C1/3 Um outro fato importante sobre C1/3 é que o mesmo tem a cardinalidade de R, sendo, portanto, um exemplo de um conjunto não-contável de medida de Lebesgue nula. Vamos mostrar isso e, para tal, começaremos provando que C1/3 não é contável. Para provar que C1/3 não é contável, demonstremos a seguinte afirmação, que apresentamos para futura referência na forma de uma proposição. Proposição 25.9 C1/3 é o subconjunto de [0, 1] composto por todos os números c que podem ser escritos na forma c = ∞∑ n=1 tn 3n , sendo que cada tn pode apenas assumir os valores 0 ou 2. Isso equivale a dizer que c ∈ C1/3 se e somente se for representado na base ternária na forma c = 0, t1t2t3t4 . . . onde cada “d́ıgito” tn vale ou 0 ou 2. 2 Essa proposição equivale a uma outra caracterização de C1/3 (de fato, alguns autores definem C1/3 como o conjunto de pontos de [0, 1] em cuja representação na base ternária ocorrem apenas os d́ıgitos 0 ou 2). Antes de entrar na prova dessa proposição, recomendamos ao estudante o seguinte exerćıcio. 7Aos estudantes: um conjunto A é dito ser um subconjunto próprio de um conjunto B se A ⊂ B mas A 6= B. 8O por quê de valer µL(C1/3) = limn→∞ µL(Tn) é intuitivo, mas será justificado com base em uma propriedade geral de medidas ao discutirmos sua generalização, a equação (25.21), página 1139. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1135/1730 E. 25.2 Exerćıcio. Sabemos que 1/3 pertence a C1/3. Esse número pode ser representado na base ternária por 0, 1, o que parece contradizer a afirmação da Proposição 25.9 sobre os elementos de C1/3. Porém, essa não é a única forma de representar 1/3. Mostre que na base ternária 1/3 também pode ser escrito como 0, 0222222 . . .. Generalize isso e mostre que todo número que possua a representação ternária 0, t1 · · · tn1 (ou seja, que tenha um número finito de “d́ıgitos”, o último deles sendo 1) também pode ser representado na forma 0, t1 · · · tn222222 . . .. 6 Prova da Proposição 25.9. Dado inteiro n ≥ 1 tentemos localizar onde, no intervalo [0, 1], encontram-se os números que reúnem as seguintes propriedades: 1. o n-ésimo “d́ıgito” na base ternária é 1; 3. entre os “d́ıgitos” seguintes (finitos ou não) pelo menos um é não-nulo. Tais números são da forma 0, t1 · · · tn−11tn+1 . . ., sendo que pelo menos um dos tm com m ≥ n+1 é não-nulo. Alguns segundos (minutos?) de meditação levam-nos a concluir que esses números correspondem a todos os números do intervalo aberto situado entre 0, t1 · · · tn−11 e 0, t1 · · · tn−12, ou seja, de ( 0, t1 · · · tn−11, 0, t1 · · · tn−12 ). Agora, 0, t1 · · · tn−11 = 0, t1 · · · tn−1 + 1 3n e 0, t1 · · · tn−12 = 0, t1 · · · tn−1 + 2 3n . Assim, o intervalo ( 0, t1, · · · tn−11, 0, t1 · · · tn−12 ) é o intervalo ( 1 3n , 2 3n ) transladado de 0, t1 · · · tn−1. Observe-se, então, que esse intervalo ( 1 3n , 2 3n ) é um dos intervalo abertos subtráıdo de Tn−1 quando do processo de construção do conjunto C1/3, a saber, o mais próximo de 0 (vide Figura 25.1). Devemos então nos perguntar: quais são os outros intervalos obtidos transladando ( 1 3n , 2 3n ) por todos os números da forma 0, t1 · · · tn−1? Como todos os números da forma 0, t1 · · · tn−1 podem ser obtidos somando repetidamente o número 1 3n−1 (certo?) conclúımos que os intervalos podem ser obtidos transladando-se ( 1 3n , 2 3n ) sucessivamente por 1 3n−1 à direita. Mais uma curta meditação nos leva a concluir que os intervalos assim obtidos ou são precisamente aqueles subtráıdos de Tn−1 quando do processo de construção do conjunto C1/3 ou estão contidos nos intervalos subtráıdos anteriormente dos conjuntos Tm com m < n−1. Conclúımos, assim, que os números da forma 0, t1 · · · tn−11tn+1 . . ., sendo que pelo menos um dos tm com m ≥ n + 1 é não-nulo, não pertencem a C1/3. O que fizemos não exclui de C1/3 números que sejam da forma 0, t1 · · · tn−11, com tj ∈ {0, 2}, j = 1, . . . , n− 1. Tais números também pertencem a C1/3, pois formam uma das bordas de alguns abertos ( 0, t1, · · · tn−11, 0, t1 · · · tn−12 ) que tratamos acima. Porém, o Exerćıcio E. 25.2, acima, nos ensina que tais números podem ser também representados como 0, t1 · · · tn−1022222 . . ., com o n-ésimo d́ıgito igual a 0 seguido de infinitos 2’s. E. 25.3 Exerćıcio. Certo? 6 Com isso a prova da Proposição 25.9 está conclúıda. A afirmação da Proposição 25.9 conduz diretamente à conclusão que C1/3 não é enumerável. Por aquela proposição, todo c ∈ C1/3 é (fatorando o número 2) da forma c = 2 × 0, d1d2d3 . . . na base ternária com dn ∈ {0, 1} para todo n. Assim, a demonstração que C1/3 não é enumerável é, mutatis mutantis (i.e., trocando a base decimal pela ternária), idêntica à demonstração que R não é contável fornecida na Seção 1.1.2, página 45, na prova do Teorema 1.3, página 47. Deixamos os detalhes como exerćıcio. E. 25.4 Exerćıcio. Faça-o! 6 E. 25.5 Exerćıcio. Mostre que 1/4 e 1/13 pertencem a C1/3 pois, na base ternária, 1/4 pode ser representado como 0, 02020202 . . . e 1/13 como 0, 002002002002 . . .. Note que 1/4 e 1/13 não pertencem à borda de nenhum Tn! 6 O seguinte fato será usado em outros lugares. Lema 25.1 Todo elemento x ∈ [0, 1] pode ser escrito na forma x = c1 + c2/2 com c1, c2 ∈ C1/3. 2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1136/1730 Prova. Todo elemento x ∈ [0, 1] pode ser representado na forma x = ∞∑ n=1 tn 3n , onde tn ∈ {0, 1, 2} (representação na base ternária). A soma acima pode ser quebrada em duas, uma contendo apenas termos onde cada tn vale 0 ou 2 e outra onde tn = 1: x = ∑ n∈Nx tn 3n + 1 2 ∑ n6∈Nx 2 3n , onde Nx := {n| tn ∈ {0, 2}}. Agora, os elementos de C1/3 são precisamente aqueles cujos d́ıgitos na representação na base ternária são 0 ou 2 (Proposição 25.9). Logo, vimos que todo x ∈ [0, 1] pode ser escrito na forma x = c1 + c2/2, com c1, c2 ∈ C1/3. Chegamos agora à Proposição 25.10 C1/3 tem a cardinalidade de R. 2 Prova. Pelo Lema 25.1, todo elemento x ∈ [0, 1] pode ser escrito como x = c1 + c2/2 com c1, c2 ∈ C1/3. Isso mostra que [0, 1] (e, portanto, R) tem a cardinalidade de um subconjunto de C1/3 × C1/3, cuja cardinalidade é menor ou igual a de R2 que, por sua vez, tem a cardinalidade de R (Proposição 1.9, página 48). Logo C1/3 × C1/3 tem a cardinalidade de R. Paralelamente, o mesmo argumento usado na prova da Proposição 1.9, página 48, conduz à conclusão que C1/3 e C1/3 × C1/3 têm a mesma cardinalidade. Isso completa a prova. • O conjunto de Cantor ternário é denso em si mesmo e totalmente desconexo Vamos provar agora que o conjunto de Cantor ternário é denso em si mesmo e totalmente desconexo. Para as definições e fatos básicos que usaremos, recomenda-se a leitura prévia da Seção 28.1, página 1224. Para mostrar que C1/3 é um conjunto denso em si mesmo, sejam c, c ′ ∈ C1/3 e que, portanto, tenham representações em base ternária 0, c1c2c3 . . . e 0, c ′ 1c ′ 2c ′ 3 . . ., respectivamente, com cn, c ′ n ∈ {0, 2} para todo n (Proposição 25.9). Então, se os primeiros m d́ıgitos de c e c′ forem idênticos, teremos |c − c′| ≤ 2/3m. Escolhendo m grande o suficiente isso pode ser feito menor que qualquer ǫ > 0 dado. Isso mostra que qualquer aberto contendo c ∈ C1/3 contém outros elementos de C1/3 diferentes de c, provando que C1/3 é um conjunto denso em si mesmo. O mesmo tipo de argumento também mostra que arbitrariamente próximo a qualquer elemento c ∈ C1/3 há elementos que não pertencem a C1/3. Se c tem a representação ternária 0, c1c2c3 . . ., escolhamos x ∈ [0, 1] da seguinte forma: seus m primeiros d́ıgitos são iguais ao de c, o m-ésimo d́ıgito de x é 1 e dentre os seguintes pelo menos um é não-nulo. Um tal x não pertence a C1/3, mas a distância do mesmo a c é menor que 2/3 m. Essa distância, porém, pode ser feita menor que qualquer ǫ > 0 dado, se escolhermos m grande o suficiente. É fácil de se ver que C1/3 é um subconjunto desconexo de R na topologia τR, pois um par de abertos como A1 = (−1, 1/2) e A2 = (1/2, 2) desconecta C1/3 (verifique!). Pelo que acabamos de ver, dados c, c′ ∈ C1/3 com c < c′, existe x 6∈ C1/3 tal que c < x < c′. Assim, os abertos A1, x = (−1, x) e A2, x = (x, 2) também desconectam C1/3. Dessa forma, não existe nenhum subconjunto conexo de C1/3 que contenha c e c ′ (um tal conjunto seria desconectado pelos abertos A1, x e A2, x). Logo, c e c ′ pertencem a componentes conexas distintas. Como isso vale para todos c e c′ em C1/3 com c < c′, conclúımos que as componentes conexas de C1/3 possuem exatamente um elemento. Isso significa que C1/3 é totalmente desconexo, como queŕıamos mostrar. * Em resumo, conclúımos que C1/3 é um subconjunto fechado e limitado de R, mensurável de Lebesgue, não-contável, com a cardinalidade de R, denso em parte alguma, denso em si mesmo e totalmente desconexo. Pelo fato de C1/3 ser fechado e limitado, C1/3 é um conjunto compacto (pelo Teorema de Heine-Borel, Teorema 28.14, página 1263). Pelo fato de C1/3 ser fechado e denso em si mesmo, C1/3 é um conjunto perfeito. Por ser também totalmente desconexo, C1/3 é um conjunto de Cantor segundo a definição geral da Seção 28.1, página 1224. • A dimensão Hausdorff de C1/3 Cada conjunto Tn é composto de 2 n intervalos de largura (diâmetro) 3−n. É fácil ver pela definição que para s ≥ 0 tem-se µsH(Tn) = 2 n3−sn = exp ( n ln 3 ( ln 2 ln 3 − s )) . Assim, se s > ln 2ln 3 teremos limn→∞ µsH(Tn) = 0; se s < ln 2 ln 3 teremos JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1139/1730 Teremos também que µL(Un, f (F )) = µL(F ) − µL(T nf (F )) = [1 − (1 − f)n] µL(F ) . Para um intervalo fechado finito para F = [a, b] e uma fração f , definimos o Cf (F ) por Cf (F ) := ⋂ n∈N T nf (F ) . O conjunto de Cantor ternário C1/3, que definimos informalmente páginas acima, corresponde a C1/3([0, 1]). Note que Cf (F ) não é vazio, pois contém pelo menos os pontos a e b, assim como os pontos a(1+f)+b(1−f) 2 e a(1−f)+b(1+f) 2 e, em verdade, todos os pontos que formam as bordas de cada intervalo fechado finito que compõe os conjuntos T nf (F ), pois, como observamos acima, cada aplicação Tf mantém esses pontos no conjunto resultante. A primeira observação que fazemos sobre Cf (F ) é que se trata de um subconjunto fechado de F , pois é uma intersecção de fechados. Definimos também Uf(F ) := F \ Cf (F ) = F ∩ (Cf (F ))c = F 0 ∩ (Cf (F ))c , (25.20) que é naturalmente um subconjunto aberto de F , por ser a intersecção de dois abertos: F 0 e (Cf (F )) c. Vemos que Uf (F ) = F 0 ∩ ( ⋂ n∈N T nf (F ) )c = F 0 ∩ ( ⋃ n∈N ( T nf (F ) )c ) = ⋃ n∈N ( F 0 ∩ ( T nf (F ) )c) = ⋃ n∈N Un, f (F ) . É posśıvel também provar (mas não o faremos aqui) que Cf (F ) tem a mesma cardinalidade de R. Fora isso, Cf (F ) é compacto (por ser fechado e limitado) totalmente desconexo, denso em parte alguma e denso em si mesmo e, portanto, é perfeito. (Essas definições são apresentadas na Seção 28.1, página 1224). Assim, pela definição geral da página 1228, Cf (F ) é um conjunto de Cantor. Vamos agora determinar a medida de Lebesgue de Cf (F ) e de Uf (F ), começando pela segunda. Por (25.19), podemos aplicar a propriedade geral de medidas 3 da página 1109 e concluir que µL(Uf (F )) = lim n→∞ µL(Un, f (F )) = lim n→∞ [1 − (1 − f)n] µL(F ) = µL(F ) , (25.21) já que 0 < (1 − f) < 1. Por (25.20) tem-se também que µL(Uf (F )) = µL(F ) − µL(Cf (F )) e conclúımos que µL(Cf (F )) = 0 . Cf (F ) é assim um subconjunto fechado, denso em parte alguma, denso em si mesmo e com a cardinalidade de R mas com medida de Lebesgue nula! Seu complemento em F , que é o aberto Uf , tem a mesma medida que F ! E. 25.8 Exerćıcio. Determine a dimensão de Hausdorff dos conjuntos de Cantor Cf (F ). 6 • Ainda mais exemplos de conjuntos de Cantor (com uma surpresa) As idéias a a construção dos conjuntos de Cantor Cf (F ), acima, podem ser generalizadas ainda mais. Seja {f} := {fj, j ∈ N} uma seqüência de frações. Cada fj satisfaz 0 < fj < 1, mas não precisam ser todos iguais. Para n ∈ N, defina-se T n{f} ≡ Tfn ◦ · · · ◦ Tfn . (25.22) Pelas mesmas razões que acima (confira!), cada T n{f} é também uma aplicação de F0 em F0. Nota. O estudante deve atentar para o fato que o n que aparece no expoente de T n {f} representa o número de aplicações que aparecem compostas no lado direito de (25.22), não uma potência de uma única aplicação. ♣ Para um intervalo fechado e finito F = [a, b], tem-se também que T n{f}(F ) = Tfn ◦ · · · ◦ Tfn(F ) ⊂ F . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1140/1730 Como antes, os conjuntos T n{f}(F ) são compostos por 2 n intervalos fechados e as bordas desses intervalos estarão contidas em todos os conjuntos T m{f}(F ) com m > n. Fora isso, T m{f}(F ) ⊂ T n{f}(F ), para todos m > n . (25.23) Em verdade os T m{f}(F ) são subconjuntos próprios de T n {f}(F ) para todos m > n. Temos também que Un, {f}(F ) := F \ T n{f}(F ) := F ∩ (T n{f}(F ))c = F 0 ∩ (T n{f}(F ))c . Como os conjuntos T n{f}(F ) são fechados, os conjuntos Un, {f}(F ) são subconjuntos abertos de F , por serem a intersecção de dois abertos: F 0 e (T n{f}(F )) c. Note-se novamente que Un, {f}(F ) ⊂ Um, f (F ), ∀ n < m , (25.24) por (25.23). Definimos então, em completa analogia com o apresentado acima, os conjuntos C{f}(F ) := ⋂ n∈N T n{f}(F ) . e U{f}(F ) := F \ C{f}(F ) = F ∩ (C{f}(F ))c = F 0 ∩ (C{f}(F ))c . C{f}(F ) é também um subconjunto fechado de F , pois é uma intersecção de fechados. U{f}(F ) é um subconjunto aberto de F , por ser a intersecção de dois abertos: F 0 e (C{f}(F )) c. Vemos novamente que U{f}(F ) = F 0 ∩ ( ⋂ n∈N T n{f}(F ) )c = F 0 ∩ ( ⋃ n∈N ( T n{f}(F ) )c ) = ⋃ n∈N ( F 0 ∩ ( T n{f}(F ) )c) = ⋃ n∈N Un, {f}(F ) . É posśıvel também provar (mas não o faremos aqui) que C{f}(F ) tem a mesma cardinalidade de R. Fora isso, C{f}(F ) compacto (por ser fechado e limitado) totalmente desconexo, denso em parte alguma e denso em si mesmo e, portanto, é perfeito (para as definições vide Seção 28.1, página 1224). Assim, pela definição geral da página 1228, Cf (F ) é um conjunto de Cantor. Quanto à medida de Lebesgue de C{f}(F ), ocorre aqui uma surpresa. Como antes, temos que µL(U{f}(F )) = µL(F ) − µL(C{f}(F )) e que µL(U{f}(F )) = lim n→∞ µL(Un, {f}(F )) . Vamos porém, calcular µL(Un, {f}(F )). Sabemos que µL(Un, {f}(F )) = µL(F ) − µL(T n{f}(F )) . Agora, µL(T n {f}(F )) = µL(Tfn ◦ T n−1{f} (F )) = (1 − fn)µL(T n−1{f} (F )) = (1 − fn) · · · (1 − f1)µL(F ) , onde, acima, usamos (25.17). Dessa forma, µL(Un, {f}(F )) =  1 − n∏ j=1 (1 − fj)  µL(F ) e, portanto, usando novamente a propriedade geral de medidas 3 da página 1109, tem-se µL(U{f}(F )) = lim n→∞  1 − n∏ j=1 (1 − fj)  µL(F ) =  1 − lim n→∞ n∏ j=1 (1 − fj)  µL(F ) . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1141/1730 O ponto, porém, é que, ao contrário do caso anterior quando todos os fj ’s eram iguais, não se pode sempre concluir que limn→∞ ∏n j=1(1−fj) = 0 mesmo que 0 < (1−fj) < 1 para todo j. Tomemos, por exemplo, a seqüência fj = 1−e−1/j 2 . Teremos lim n→∞ n∏ j=1 (1 − fj) = lim n→∞ exp  − n∑ j=1 1 j2   = exp  − ∞∑ j=1 1 j2   = e−π 2/6 > 0 e, com isso, µL(U{f}(F )) = [ 1 − e−π2/6 ] µL(F ) < µL(F ) e µL(C{f}(F )) = e −π2/6µL(F ) > 0 . O conjunto de Cantor C{f}(F ) com a seqüência {f} dada acima tem medida de Lebesgue não-nula. • Condição para os conjuntos C{f}(F ) terem medida de Lebesgue não-nula Voltando a seqüências {fj, j ∈ N} gerais, conclúımos do Lema 25.2, a seguir, que uma condição necessária e suficiente para que C{f}(F ) tenha medida de Lebesgue não-nula é que a seqüência de frações {f} = {fj, 0 < fj < 1, j ∈ N} seja somável, ou seja ∑∞ j=1 fj < ∞. No caso do conjunto de Cantor ternário C1/3, essa condição é violada, pois obviamente ∑∞ j=1 1/3 = ∞, o mesmo se dando para os conjuntos Cf (com 0 < f). Lema 25.2 Se {fj, j ∈ N} é uma seqüência de números tais que 0 < fj < 1 para todo j, então a condição para que lim n→∞ n∏ j=1 (1− fj) > 0 é equivalente à condição ∞∑ j=1 ln(1− fj) < ∞. Essa por sua vez é equivalente à condição ∞∑ j=1 fj < ∞. 2 Prova. Notemos primeiro que n∏ j=1 (1 − fj) = exp  − n∑ j=1 [− ln(1 − fj)]   . Logo, limn→∞ ∏n j=1(1 − fj) > 0 se e somente se a série de números positivos ∑∞ j=1 [− ln(1 − fj)] for finita. Estudemos uma condição necessária e suficiente para que isso ocorra. Para x ∈ [0, 1) tem-se que x ≤ − ln(1−x). Isso se vê notando que a função f(x) := −x − ln(1 − x) satisfaz f ′(x) = x (1 − x) ≥ 0 para x ∈ [0, 1), o que mostra que f é crescente nesse intervalo. Como f(0) = 0, conclúımos que f(x) ≥ 0 para x ∈ [0, 1). Assim, ∑n j=1 fj ≤ − ∑n j=1 ln(1− fj), mostrando que se a série de números positivos − ∑∞ j=1 ln(1 − fj) for finita, a série∑∞ j=1 fj também o será. Reciprocamente, suponhamos que ∑∞ j=1 fj converge. Seja M um número fixo tal que 0 < M < 1. Vamos mostrar que existe um J tal que fj < M para todo j > J . Para isso, vamos supor o contrário e assumir que haja uma coleção infinita fj1 , fj2 , . . . tal que fjl ≥ M para todo l ≥ 1. Teŕıamos que ∑∞ j=1 fj ≥ ∑∞ l=1 fjl ≥ ∑∞ l=1 M = ∞, uma contradição. Assim, a coleção fj1 , fj2 , . . . deve ser finita e podemos tomar J como o maior dos ı́ndices jl. Podemos então escrever ∞∑ j=1 fj = J∑ j=1 fj + ∞∑ j=J+1 fj com a garantia que na, última soma, todo fj satisfaz 0 < fj < M para um certo 0 < M < 1 fixado. Agora, observemos que no intervalo [0, M ] a função g(x) := − ln(1 − x) é cont́ınua, limitada, diferenciável e satisfaz g′′(x) = 1/(1 − x)2 > 0. Assim, g é convexa10 naquele intervalo e, portanto, tem-se g(x) ≤ g(0) + (g(M) − g(0)) M x , 10O estudante poderá encontrar um estudo detalhado das propriedades de funções convexas em vários textos, por exemplo em [180]. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1144/1730 25.5 Exerćıcios Adicionais E. 25.9 Exerćıcio. Mostre que a dimensão Hausdorff da Curva de Koch18 (linha indicada na Figura 25.2) vale ln(4)ln(3) . Supondo que cada segmento inicial tenha comprimento 1/3, determine o comprimento total (medida de Lebesgue) da curva de Koch. 6 E. 25.10 Exerćıcio. Mostre que a dimensão Hausdorff do Triângulo de Sierpiński19 (indicado em preto na Figura 25.3) vale ln(3) ln(2) . Supondo cada aresta inicial com comprimento 1, determine sua área (medida de Lebesgue). 6 E. 25.11 Exerćıcio. Mostre que a dimensão Hausdorff do Tapete de Sierpiński (indicado em preto na Figura 25.4) vale ln(8) ln(3) . Supondo cada aresta inicial com comprimento 1, determine sua área (medida de Lebesgue). 6 Figura 25.2: Primeiras seqüências de conjuntos que geram a Curva de Koch. Em cada etapa, todos os segmentos de reta têm o mesmo comprimento. Figura 25.3: Primeiras seqüências de conjuntos que geram o Triângulo de Sierpiński. 18Niels Fabian Helge von Koch (1870–1924). A Curva de Koch foi descrita pelo mesmo em trabalho datado de 1904. 19Waclaw Franciszek Sierpiński (1882–1969). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1145/1730 Figura 25.4: O Tapete de Sierpiński. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 25 1146/1730 Figura 25.5: As três imagens acima mostram trechos em diferentes escalas dos anéis de Saturno. As imagens foram obtidas pelas sondas Voyager 1 e 2. A Voyager 1 fez sua melhor aproximação a Saturno em 12 de novembro de 1980 e a Voyager 2 em 26 de agosto de 1981, a distâncias de 124.000 km e 101.000 km, respectivamente.
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