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Gestão do Trabalho na Saúde: Transformações e Desafios, Notas de estudo de Enfermagem

Este documento discute as transformações na gestão do trabalho na área de saúde, particularmente no sistema único de saúde (sus) brasileiro. Ele aborda a evolução do modelo de trabalho, as novas competências exigidas, a importância da qualificação e formação dos profissionais, e os desafios enfrentados na área de recursos humanos. O texto também aponta soluções para a diversificação e ampliação da oferta de cursos de formação profissional em saúde.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 18/01/2010

joane-barboza-9
joane-barboza-9 🇧🇷

4.7

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Baixe Gestão do Trabalho na Saúde: Transformações e Desafios e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! GESTÃO DO TRABALHO NA SAÚDE Este projeto é uma parceria do CONASS com o Ministério da Saúde bc corigidoinda 1 o aleitasaa 101357 bc corigidoinda 2 o aleitasaa 101357 Concepção e Coordenação da Coleção Regina Helena Arroio Nicoletti René Santos Renilson Rehem Ricardo F. Scotti Rita de Cássia Bertão Cataneli Coordenação do Livro Tânia Celeste Matos Nunes Elaboração Aniara Araújo Correa Caco Xavier Érica Loureiro Joana Azevedo da Silva Júlio Müller Márcia Teixeira Maria Inês Martins Neuza Maria Nogueira Moysés Otilia Simões Paulo Henrique D’Agelo Seixas Rita de Cássia Bertão Cataneli Tânia Celeste Matos Nunes Revisão Ana Paula Vilela Edição Adriane Cruz Vanessa Pinheiro Projeto gráfico Fernanda Goulart Aquarela capa Mário Azevedo livro5_corrigido.indd 5 2/21/aaaa 10:13:58 Presidente Jurandi Frutuoso Silva Vice-presidente Região Norte Fernando Agostinho Cruz Dourado Vice-presidente Região Nordeste José Antônio Rodrigues Alves Vice-presidente Região Centro-Oeste Augustinho Moro Vice-presidente Região Sudeste Luiz Roberto Barradas Barata Vice-presidente Região Sul Cláudio Murilo Xavier livro5_corrigido.indd 6 2/21/aaaa 10:13:58 SecretárioS eStaduaiS de Saúde AC - Suely de Souza Mello da Costa AL - André Valente AP - Abelardo da Silva Vaz AM - Wilson Duarte Alecrim BA - Jorge José Santos Pereira Solla CE - João Ananias Vasconcelos Neto DF - José Geraldo Maciel ES - Anselmo Tose GO - Cairo Alberto de Freitas MA - Edmundo da Costa Gomes MT - Augustinho Moro MS - Beatriz Figueiredo Dobashi MG - Marcus Vinícius Caetano Pestana da Silva PA - Halmélio Alves Sobral Neto PB - Geraldo de Almeida Cunha Filho PR - Cláudio Murilo Xavier PE - Jorge Gomes PI - Tatiana Vieira Souza Chaves RJ - Sérgio Luis Côrtes RN - Adelmaro Cavalcanti Cunha Júnior RS - Osmar Terra RO - Milton Luiz Moreira RR - Eugênia Glaucy Moura Ferreira SC - Luiz Eduardo Cherem SP - Luiz Roberto Barradas Barata SE - Rogério Carvalho TO - Eugênio Pacceli de Freitas Coelho livro5_corrigido.indd 7 2/21/aaaa 10:13:58 3 Gestão do Trabalho e Pacto de Gestão 78 3.1 Gestão do Trabalho no SUS: campo, sociedade e Estado 78 3.2 Estrutura e organização da área de recursos humanos nas Secretarias Estaduais de Saúde 91 3.3 O financiamento da Gestão do Trabalho 94 3.4 Uma nova forma de gerir o trabalho no interior do SUS 95 3.5 O Pacto de Gestão 99 4 A Câmara Técnica de Recursos Humanos do CONASS 102 4.1 História que pavimenta o presente e o futuro da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde no SUS 102 4.2 A agenda de prioridades encontra no consenso um caminho de realização 104 Referências bibliográficas 111 livro5_corrigido.indd 10 2/21/aaaa 10:13:58 11Gestão do trabalho na saúde apresentação Com satisfação, apresento o livro Gestão do Trabalho na Saúde, da Coleção Progestores 2007. O tema é hoje um dos mais relevantes para a consolidação do Sistema Único de Saúde e vem merecendo a atenção prioritária dos gestores e de todos aqueles que participam de algum modo nessa construção. O CONASS desenvolveu um trabalho significativo nessa área, nos últimos quatro anos, com inúmeras iniciativas que contribuíram para o aumento do conhecimento, para a formulação das políticas e para a adoção de novas práticas nas secretarias de saúde. Uma pesquisa pioneira, em 2003, evidenciou a situação dos recursos humanos em todas as Secretarias Estaduais de Saúde e propiciou a realização do seminário sobre o tema em 2004, que possibilitou a Construção dos Consensos dos Gestores Estaduais sobre as políticas para o setor, documento que ainda hoje fundamenta nossa ação. A realização de novos concursos e planos de cargos, carreira e salários; a implantação de mesas estaduais de negociação; o planejamento, a modernização e a informatização do sistema de informação de Recursos Humanos (RH) nas SES; a formulação e implementação de programas de educação permanente, entre outras ações, foram levadas a cabo na maioria dos estados e continuam sendo prioridades das boas práticas de gestão. Afinal, sabe-se que o maior gasto em saúde é com pessoal. O livro aborda esses e outros tópicos importantes sobre o tema, tratando-os, teórica e praticamente, com informações atualizadas e análises consistentes, de modo a tornar a leitura ágil e facilitar a compreensão de todos. Jurandi Frutuoso Silva Presidente CONASS livro5_corrigido.indd 11 2/21/aaaa 10:13:58 12 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs livro5_corrigido.indd 12 2/21/aaaa 10:13:58 15Gestão do trabalho na saúde A criação da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH), fruto de uma luta política dos anos 1990 que configurou uma pauta ampla, com debates polêmicos à época, espalhou-se por todo o país em oficinas que terminaram por embasar, com documentos e propostas concretas, o ciclo atual de reformas nessa área, com a participação dos representantes dos diferentes segmentos que integram a gestão participativa do SUS. A terceira Conferência de Gestão do Trabalho, realizada em 2006, teve como resultado muitas proposições aprovadas, e suas conclusões deverão ser traduzidas em práticas, no interior do sistema de saúde, nos próximos anos. Esse é um contexto muito favorável à produção de mudanças na esfera pública no Brasil e na América Latina. É um momento de questionamento de modelos, que se reflete em revisões de políticas anteriores, construídas na década de 1990, caracterizadas como mais influenciadas pelo ajuste fiscal, e essa problematização deve contribuir para a produção de novos formatos de governança das áreas específicas que integram o sistema de saúde, notadamente a da Gestão do Trabalho. Esse movimento de questionamento e de construção de novas possibilidades no campo da Gestão do Trabalho e de Educação na Saúde está presente em toda a América Latina, com apoio substancial da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) e do governo brasileiro, com a disseminação de novas idéias e a formação de quadros para o sistema de saúde, consoante a esse contexto, em que também emergem novos governos, que questionam as propostas identificadas como neoliberais e propõem novas pautas que se diferenciem das anteriores. No Brasil, é importante destacar que essas mudanças estão em andamento. A recente aprovação das Diretrizes do Pacto pela Saúde, em 2006, como fruto do amplo consenso entre os representantes da gestão participativa do SUS, é um caminho aberto para essa construção. O Pacto pela Saúde – consolidação do Sistema Único de Saúde – é o resultado de um esforço das três esferas de governo, que define como questões principais: a regionalização com ênfase no Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) Plano de Diretor de Investimento (PDI) e na definição de Redes de Atenção à Saúde; o financiamento; a Programação Pactuada e Integrada (PPI); a regulação assistencial e o papel das Secretarias Estaduais de Saúde na coordenação das referências intermunicipais; a gestão dos prestadores de serviços1. O pacto configura um entendimento formal entre os gestores do SUS, em suas três dimensões: pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. 1 CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Para entender o Pacto pela Saúde – Nota Técnica n. 6 Brasília: CONASS, 2006. livro5_corrigido.indd 15 2/21/aaaa 10:13:59 16 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Nos capítulos subseqüentes serão apresentadas as diretrizes vinculadas às mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho e à gestão do trabalho e da educação na saúde que integram o Pacto. 1.2 Cenário Durante um longo período, que se inicia nos anos 1950 e se estende até meados dos anos 1980, a preocupação dos gestores públicos na área da saúde voltava-se para o financiamento e a organização da rede de serviços do SUS. A questão de recursos humanos, ainda que estivesse presente na retórica como fundamental, não se traduzia em foco de atenção vinculado à organização da produção do próprio trabalho na sociedade. A abordagem adotada pelo setor incluía essa questão como mais um insumo, ao lado dos recursos materiais e financeiros, ainda que as seguidas conferências nacionais de saúde, intelectuais do setor e as conferências específicas de recursos humanos tenham destacado a sua importância e especificidade, desde a década de 1980. A discussão sobre um novo paradigma do trabalho nas sociedades pós-industriais, que se instala com mais nitidez nas décadas de 1980 e 1990, a partir da reestruturação produtiva, recoloca a centralidade do trabalhador nesse processo, ampliando a discussão sobre a gestão do trabalho, inclui repensar o planejamento e a qualificação do trabalho e do trabalhador, atingindo todos os setores, e propondo também uma nova agenda para os gestores da saúde. reestruturação produtiva Termo que engloba o grande processo de mudanças ocorridas nas empresas e principalmente na organização do trabalho in- dustrial nos últimos tempos, pela introdução de inovações tanto tecnológicas como organizacio- nais e de gestão, buscando-se alcançar uma organização do trabalho integrada e flexível. Entre as mudanças organiza- cionais, destacam-se a redução substancial dos níveis hierár- quicos, a polivalência e multi- funcionalidade do trabalhador, o trabalho em grupos, mão de obra com maior capacitação e disposta a participar, a aprendi- zagem, a autonomia, a coopera- ção, diferenciando-se da lógica da especialização intensiva do trabalho. (GARAY, Ângela; SHEFFER, Beatriz) livro5_corrigido.indd 16 2/21/aaaa 10:13:59 17Gestão do trabalho na saúde Vale a pena relembrar que a realidade do trabalho nos dias atuais evidencia uma transformação significativa, caracterizada por uma transição entre o modelo taylorista/fordista – que vigorou entre os anos 1950 e 1970 –, no qual a organização do trabalho se caracterizava pela dominância do trabalho prescrito, com poucas possibilidades de intervenção nos processos produtivos e pouca autonomia por parte dos trabalhadores, para um modelo tecnológico, baseado na intelectualização do trabalho, cujas principais referências são o conhecimento técnico e a qualificação profissional. Nessa conjuntura, novas competências são requeridas dos trabalhadores e gestores, o que implica redefinir as formas de recrutar, selecionar, treinar e manter os profissionais em suas respectivas atividades, impondo a criação de instrumentos gerenciais essenciais a essa nova abordagem de gestão de recursos humanos, incidindo, principalmente, na incorporação e remuneração da força de trabalho, com requerimentos crescentes de especialização dos trabalhadores. No Brasil dos anos 1980, em decorrência da crise econômica, inicia-se um processo de desregulação do mercado de trabalho, marcado, nessa primeira etapa, por um movimento contraditório: de um lado, uma desregulação impulsionada pela novas competências No processo de mudanças organizacionais para enfrentar um novo modelo de organização, mudam também as qualificações necessárias para esse novo trabalho. O perfil do novo trabalhador deve, então, adequar-se as novas funções que cada trabalhador deverá desempenhar, atentando-se ainda a possibilidade de transferibilidade entre setores ou até mesmo a construção de formas alternativas de sobrevivência fora do mercado formal de trabalho. Entre as novas competências requeridas desse trabalhador destacam-se o aumento de escolaridade exigida, exigência de conhecimentos gerais, capacidade de planejar, capacidade de comunicação, trabalho em equipe, flexibilidade, acesso a mais informações, capacidade de decisão frente a problemas complexos, valorização de traços de personali- dade (como responsabilidade, criatividade, iniciativa e espírito crítico). (GARAY, Ângela; SHEFFER, Beatriz) livro5_corrigido.indd 17 2/21/aaaa 10:13:59 20 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Dada a relevância que o tema foi adquirindo para o SUS, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) dedicou atenção especial à discussão da precarização do trabalho e à busca de caminhos para reverter a situação instalada4. Do ponto de vista do gerenciamento, essa discussão não se resume à forma de ingresso ou remuneração do trabalhador apenas, mas articula-se com a perspectiva do aumento da produtividade e da complexidade dos objetos de trabalho, que passam a requerer um aprofundamento vertical do conhecimento especializado e, ao mesmo tempo, a sua integração. Trazer esta discussão para o campo da saúde é um desafio, na medida em que: esta é uma área multi e interdisciplinar que compreende um largo espectro de atividades de produção e de serviços, abrangendo desde a indústria de equipamentos e medicamentos à prestação de serviços médicos, em nível hospitalar, ambulatorial ou de unidades de saúde, passando pela produção de conhecimento e informação; o foco principal dessas atividades são pessoas e, portanto, o processo de trabalho pauta-se no contato humano. A complexidade do processo de trabalho em saúde em alguns momentos parece aproximar-se da produção industrial, embora os dois setores tenham focos diferentes e bastantes específicos. O exercício de compreensão dessa confluência e especificidade facilita o entendimento sobre como as mudanças no mundo do trabalho acontecem em função da reestruturação produtiva, da incorporação tecnológica, e como se processam as transformações humanas nessa nova relação, em que ambos os setores são muito tensionados. Vale ressaltar também que as tendências do trabalho em saúde apontam para uma formação mais polivalente, no sentido da multiqualificação5, gerando a necessidade de revisão das atuais habilitações de nível médio, o que provoca resistências do ponto de vista corporativo e ameaça a construção de uma identidade profissional. Em síntese, é possível perceber que as mudanças tecnológicas se processam aceleradamente no campo do trabalho em saúde, embora de forma assimétrica e em diferentes tempos e espaços, expressando-se em tecnologias materiais e imateriais. 4 CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Recursos humanos: um desafio do tamanho do SUS. CONASS documenta n. 4, 2004. 5 O trabalhador opera diferentes atividades com níveis de complexidade equivalentes ou uma atividade princi- pal e outras correlatas (DELUIZ, 1996). livro5_corrigido.indd 20 2/21/aaaa 10:13:59 21Gestão do trabalho na saúde As mudanças têm impacto na vida das pessoas, no seu estado de saúde e no seu trabalho, ocorrendo em função e a partir de transformações na dinâmica social, sendo, ao mesmo tempo, determinantes e determinadas por novos comportamentos sociais. Na base dessas mudanças estão o desenvolvimento do campo científico e tecnológico e a forma de organização da produção. A relação entre processos cognitivos e uso de modernas tecnologias situa-se muito além do problema do ensino e da formação e deve ser analisada no contexto das mudanças nas bases técnica, organizacional e administrativa do trabalho. 1.3 Contexto 1.3.1 As reformas políticas num cenário de reestruturação produtiva A gestão do trabalho na administração pública brasileira relaciona-se ao contexto político e econômico mundial e pode ser compreendida por três grandes eixos: a mudança no modelo de Estado, que passa de um modelo provedor para um modelo regulador; a reestruturação produtiva, que traz novas formas de relação de trabalho; e a incorporação tecnológica, que introduz novas práticas e novos processos de trabalho. Na área da saúde, uma política setorial consolida-se progressivamente no interior do Sistema Único de Saúde e baseia-se nos princípios de universalidade, eqüidade, descentralização e controle social. O processo de institucionalização desse modelo, ao longo da última década, tem reorientado a oferta de serviços, pela hierarquização, responsabilização e reorganização das relações entre as diferentes esferas de governo, requerendo um planejamento setorial permeado por novos pactos federativos. A Constituição de 1988 instituiu o Regime Jurídico Único (RJU) estabelecendo as novas regras que deveriam orientar a incorporação e manutenção dos servidores públicos. Na esfera federal, essa norma constitucional se traduziu na Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais. Cada estado desenvolveu livro5_corrigido.indd 21 2/21/aaaa 10:13:59 22 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs processo próprio de organização do Regime Jurídico para os seus servidores públicos. No âmbito da contratação de serviços, a administração pública é regida pela Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Para fazer frente às novas demandas, que buscavam a consolidação de um modelo de Estado gerencial, tem início, nos anos 1990, um processo de Reforma Administrativa, institucionalizado pela Emenda Constitucional n. 19, de julho de 1998. A reforma, entre outras propostas, restringia o quadro de servidores com direito à estabilidade e conferia melhores salários somente às funções consideradas estratégicas e típicas do Estado, como militares, procuradores, diplomatas, médicos, engenheiros, agrônomos, sanitaristas, po- liciais, auditores fiscais, técnicos do Banco Central e especialistas em orçamento. Para os demais cargos, a reforma autorizava os municípios, os estados e a União a contratar ser- vidores com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo este um dos pon- tos mais polêmicos da Emenda Constitucional proposta. A reforma de Estado, instalada na época, deparou-se então com um impasse, havendo dificuldades de acordo político, principalmente em relação a esse aspecto. Foram impetradas, em 1999, Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), tanto contra o regime diferenciado de remuneração adotado para as agências reguladoras quanto contra a reforma administrativa promovi- da pela Emenda Constitucional n. 19, que institucionalizaria o regime de CLT no serviço público. Essas ações estão em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo com que o modelo de reforma fosse parcialmente implantado, mantendo-se o Regime Jurídico Único como forma exclusiva de incorporação de servidores na administração pública nas diferentes esferas de governo (Lei n. 8.112/1990)6 , adotando-se, de forma complementar, a contratação de serviços pela via da terceirização (Lei n. 8.666/1993)7. Ao longo dos últimos anos, as administrações federal, estadual e municipal vêm lançando mão de formas de contratação (ver subitens 1.3.1.1 e 1.3.1.2) e estratégias de gestão de pessoal diferenciadas, que incluem: contratação temporária, terceirização através de empresas ou cooperativas, contratos por órgãos internacionais, contratos por meio de serviços prestados, bolsas de trabalho, estágios, contratos com entidades privadas lucrativas ou não lucrativas, contratos de gestão com organizações sociais, convênios com organizações sociais de interesse público (Oscips) etc. 6 FIOCRUZ – DIREH. Plano de C&T e RJU com remissivos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. 7 Idem. livro5_corrigido.indd 22 2/21/aaaa 10:13:59 25Gestão do trabalho na saúde Sobre o tema da Lei de Responsabilidade Fiscal, os Secretários Estaduais de Saúde analisaram, no Seminário de Construção de Consensos, realizado pelo CONASS, em 2004, se a mesma se constituía em um fator limitante para a regularização da situação atual dos recursos humanos da SES. A maioria concluiu que a LRF não é, especificamente, um fator limitante para a regularização da situação atual dos recursos humanos das SES, mas se configura em um problema mais agudo para a regularização funcional no âmbito dos municípios. Para os participantes dessa reunião, quando se trata da expansão dos serviços, a LRF é, sim, um fator limitante, porém não é o único, pois a situação fiscal dos estados e o pagamento da dívida com o governo federal também têm um grande peso. Nos estados com grande componente de prestação de serviços e, conseqüentemente, grande volume de pessoal, essa situação é mais crítica do que naqueles que vêm realizando uma adequação de suas funções ao novo contexto do SUS12. Do ponto de vista legal, vale a pena destacar que a multiplicidade de vínculos utilizados no interior do SUS nem sempre cumpre o que a legislação brasileira estabelece como padrão de proteção ao trabalhador, mobilizando ações judiciais para cumprimento desses dispositivos. O Ministério Público brasileiro tem sido vigilante em relação a essa questão, buscando apropriar-se da dinâmica de funcionamento do SUS por seus procuradores, para atuarem na mediação dessas e de outras questões que integram a gestão do trabalho no SUS, na sua missão de preservação da saúde da população brasileira, mas zelando pelo que preceituam as leis do país. A absorção das formas mais flexíveis de contratos pela administração pública brasileira, aprofundada na década de 1990, instituiu, de fato, uma lógica de gestão diferente daquela anteriormente vigente, e seus resultados têm sido objeto de debates entre gestores e trabalhadores, gestores entre si, legisladores, acadêmicos, sindicalistas, dentre outros grupos, constituindo-se em objeto de formulações de políticas e de dispositivos de reversão dos mecanismos precários de inclusão e manutenção dos trabalhadores do SUS, e serão objeto de capítulos subseqüentes desta publicação. Reconhecê-los como elementos polêmicos na política de gestão do trabalho facilita a problematização e a identificação de formas adequadas de seu equacionamento. 12 CONASS documenta n. 4, 2004. livro5_corrigido.indd 25 2/21/aaaa 10:14:00 26 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Para efeito de síntese, ainda podem ser identificados outros fatores problemáticos que impactam o cotidiano da gestão do trabalho no SUS, merecendo reflexão, crítica e dedicação na busca de formas adequadas de superação: • a pouca flexibilidade do RJU para a gestão do trabalho; • a indefinição quanto à regulamentação do Regime Celetista para o setor público; • os Termos de Ajuste de Conduta (TACs) realizados com o foco na questão trabalhista, como determinante, mas nem sempre exeqüível pelos gestores, sem constrangimentos de outras despesas também necessárias ao bom funcionamento do SUS; • o trabalho desregulado e desprotegido; • a falta de controle e planejamento sobre os gastos com pessoal; • a falta de controle e baixa capacidade de avaliação do sistema e de recursos humanos; • a baixa eficácia e efetividade dos serviços; • a insatisfação dos trabalhadores com a mobilização de suas representações. Vale ressaltar que a atuação dos órgãos de controle internos e externos, com questionamentos consistentes às múltiplas interpretações das leis que se expressam nos diversos contratos, tem contribuído para iluminar problemas a serem superados, exercendo um papel pedagógico no aperfeiçoamento da gestão, fornecendo aos gestores de RH matérias importantes para novas formas contratuais de maior proteção ao trabalho e subsidiando os gestores dos sistemas para formulação de políticas mais pró-ativas quanto à desprecarização do trabalho em saúde. É fato que as questões enumeradas como problemas se reproduzem e se multiplicam como preocupações fundamentais entre dirigentes e gestores em todas as esferas de governo, nos diferentes setores da administração, comprometendo a capacidade gestora do Estado, e tem mobilizado as entidades de representação dos Secretários Estaduais – CONASS – e Municipais – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) – e o governo federal na busca de soluções mais compatíveis com os aspectos que organizam o mundo do trabalho e com os mecanismos de gestão pública que integram o Estado brasileiro. Alguns avanços têm sido alcançados por meio das Comissões Intergestoras, nas Mesas de Negociação livro5_corrigido.indd 26 2/21/aaaa 10:14:00 27Gestão do trabalho na saúde e nos inúmeros colegiados constituídos para a discussão das questões relativas à gestão do trabalho, com a representação dos entes federados e de segmentos importantes do governo e dos trabalhadores, gerando novas proposições que serão contempladas nos capítulos subseqüentes. 1.3.1.1 Formas de contratação direta utilizadas pelos gestores do sus Servidor Estatutário O servidor estatutário mantém vínculo de trabalho com a administração do estado, cujo ingresso é feito através de concurso público. Tem remuneração, vantagens e condições previdenciárias estabelecidas num estatuto, que constitui um conjunto de normas legais a que a pessoa adere no momento de sua entrada para o serviço público. Trata-se do Regime Jurídico Único (RJU), adotado pela União, Unidades Federadas e municípios, como coletânea de normas gerais. (NOGUEIRA R.P.; ROMEIRO, J.; RODRIGUES, V.A.) Servidor Celetista A mudança criada pela Emenda n. 19/1998 estabelece que os empregados públicos ocupem empregos públicos, subordinados às normas da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). São contratados por prazo indeterminado para exercício de funções na administração direta, autárquica e fundacional. Os empregados públicos não têm estatuto próprio, sendo regulados por lei específica, tal como a Lei n. 9.962/2000, que disciplinou o emprego público no âmbito da administração federal. O celetista observa uma relação contratual, embora sua liberdade de negociação de preços e condições de trabalho seja mais rígida ou determinada por dispositivos legais e normas gerais diferentes das que acontecem na administração privada. Pode-se dizer, no entanto, que o emprego público é uma figura jurídica que ainda não se transformou em realidade administrativa na medida em que não foi regulamentado na esfera federal. (NOGUEIRA R.P.; ROMEIRO, J.; RODRIGUES, V.A.) livro5_corrigido.indd 27 2/21/aaaa 10:14:00 30 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Contratos de gestão com Organizações Civis de Interesse Público (Oscips) As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) estão regulamentadas pela Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999. Para todos os efeitos, uma Oscip pode ser descrita como uma organização não-governamental (ONG), portanto, integrante do chamado Terceiro Setor, e voltada para atividades de interesse público, sendo essa condição devidamente reconhecida pelo Ministério da Justiça, a partir do que se credencia a celebrar termos de parceria com o poder Executivo da União, dos estados e dos municípios. A lei estabelece que um dos objetivos de interesse público que a organização pode cumprir é a promoção gratuita da saúde. Portanto, a Oscip é uma organização da sociedade civil que, no caso de parceria com o poder público, utilizará também recursos públicos para suas finalidades, dividindo dessa forma o encargo administrativo e de prestação de contas. Por essa razão as Oscips são ONGs, criadas por iniciativa privada, que obtêm um certificado emitido pelo poder público ao comprovar o cumprimento de certos requisitos, especialmente aqueles derivados de normas de transparência administrativas. Em contrapartida, podem celebrar com o poder público os chamados termos de parceria, uma alternativa interessante aos convênios para ter maior agilidade e razoabilidade em prestar contas. Esta modalidade tem chamado a atenção dos gestores do SUS, na medida em que ela abre a possibilidade de maior flexibilidade para a gestão de recursos humanos, já que em sua regulamentação está prevista a disponibilização de força de trabalho na execução de programas de interesse público, no qual se enquadram os serviços de saúde, por meio de parceria com o terceiro setor. Trabalho vinculado indiretamente por meio de entidades filantrópicas e fundações privadas As entidades privadas filantrópicas e as demais que não tenham fins lucrativos são de direito parceiras do SUS, tal como dispõe a Artigo 199 da Constituição, no seu parágrafo primeiro: “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. livro5_corrigido.indd 30 2/21/aaaa 10:14:00 31Gestão do trabalho na saúde Sendo assim, essas entidades privadas podem participar tanto em convênios de delegação completa de serviços para atendimento a pacientes quanto na terceirização exclusiva de força de trabalho a favor de programas como o PSF. Para ser reconhecida como filantrópica, a entidade tem de se submeter à apreciação e ao julgamento do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), obtendo um título renovável a cada três anos. 1.4 A realidade dos serviços e o papel estratégico do planejamento de recursos humanos no novo modelo de gestão descentralizada A pesquisa, realizada pelo CONASS, em 2004, sobre a estruturação da área de Recursos Humanos, nas Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal13, analisou os principais problemas no campo de Recursos Humanos, a partir dos três principais eixos em torno dos quais se orienta a gestão do trabalho nesse novo contexto político e econômico: o processo de planejamento e gestão, a gestão do trabalho em saúde e o desenvolvimento e a formação de recursos humanos14. Seu relatório aponta algumas questões que têm sido matéria de reestruturação dos mecanismos de gestão da área, assim apresentados: as questões referentes à estrutura da SES – recursos humanos, financeiros e capacidade institucional – ocupam o primeiro lugar entre os problemas apresentados pelos entrevistados, com 45% de expressão, seguidas das questões referentes à gestão de pessoas, com 38,0%, apresentando-se a seguir a formação e o desenvolvimento, com 17,5%15. As conclusões apresentadas nesse relatório apontam a necessidade de desenvolver mecanismos próprios nessa área, para melhorar o seu desempenho, indo além das grandes definições que são acordadas em fóruns e colegiados do setor. Isso implica reconhecer que há um consenso de que a política de recursos humanos é uma dimensão estratégica 13 CONASS documenta n.1; 2004. 14 CONASS documenta n. 4; p:29. 15 CONASS documenta n. 4; p:29. livro5_corrigido.indd 31 2/21/aaaa 10:14:00 32 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs da gestão em saúde e que os organismos responsáveis pela sua condução devem buscar a institucionalização de sistemas de planejamento que dêem conta da especificidade das matérias tratadas pela área, orientados por metas e objetivos institucionais, e que permitam aos gestores utilizá-lo como instrumento importante de gestão e regulação da força de trabalho. Planejar recursos humanos significa incluir essa temática no planejamento dos órgãos federais, estaduais e municipais e trazer para os fóruns de decisão política do SUS questões estratégicas como: o financiamento dirigido à contratação e manutenção da força de trabalho; a qualificação dos trabalhadores e os programas de proteção à sua saúde, dando também atenção especial a um processo de modernização necessária aos sistemas que organizam essas questões, para tornar ágil e transparente as ações realizadas; e a comunicação com trabalhadores e demais órgãos dos sistemas federais, estaduais ou municipais que interagem com essas políticas. O planejamento da força de trabalho é fundamental para definir o quantitativo, o perfil e a composição dos recursos humanos necessários para atingir os objetivos da organização, levando em consideração as alterações que vêm ocorrendo nos processos de trabalho e as restrições orçamentárias. As estratégias para captação e manutenção devem ser bem definidas, para possibilitar o alcance deste perfil desejado, através da redução das disparidades entre as características do quadro de pessoal atual e o proposto, seja por meio de processos seletivos ou da capacitação dos atuais trabalhadores, considerando os desligamentos que também ocorrem no dia-a-dia. Atenção especial deve ser dada às mudanças dos modelos assistenciais e às incorporações tecnológicas que ocorrem no interior do sistema, antecipando-se com estudos e produções de relatórios gerenciais, que facilitem a tomada de decisão com relação a esses processos. O relatório do CONASS Documenta n. 116 aponta que mais de 50% dos estados não desenvolvem processos de planejamento na área de Recursos Humanos. Segundo o relatório, mesmo os estados onde o planejamento se realiza, sua formalização é pequena, 25,9%, o que, aliado à precariedade dos sistemas de informação, corrobora a pouca capacidade de articulação política e baixa autonomia desses setores na estrutura das Secretarias, em que pese o papel estratégico que a área ocupa na gestão dos serviços de saúde17. 16 CONASS documenta n. 1; p. 31. 17 CONASS documenta n. 1; p. 31. livro5_corrigido.indd 32 2/21/aaaa 10:14:00 35Gestão do trabalho na saúde 1.4.1 O papel regulador do estado e a necessidade de instrumentos que possibilitem a tomada de decisões e o monitoramento e a avaliação da força de trabalho No atual cenário, onde a informação é a base fundamental para o desenvolvimento institucional, os sistemas de informações gerenciais são instrumentos essenciais à gestão do trabalho, contribuindo para os processos de planejamento, monitoramento, desenvolvimento e avaliação da força de trabalho. A criação de um sistema capaz de produzir dados para a tomada de decisão pode ser compreendida como uma ação estratégica, favorecendo a gestão profissionalizada, guiando a eleição de prioridades e colaborando na definição de instrumentos gerenciais que venham integrar os planos de ação para a área. Os bancos de dados são também instrumentos valiosos para subsidiar processos negociais que integram as políticas de gestão do trabalho no SUS, na atualidade. Um outro elemento estratégico para a gestão do trabalho é o controle e o monitoramento da força de trabalho, que pode se estabelecer por meio de instrumentos construídos para tal finalidade. Nessa perspectiva, adquire relevância no sistema de gestão do trabalho: banco de dados de trabalhadores que inclua servidores e terceirizados com suas características próprias; definição de um padrão de regulação dos contratos de terceirização com parâmetros salariais, perfil dos postos de trabalho contratados, pré-requisitos de acesso aos postos de trabalho, benefícios e formas de seleção e desligamento; equipes qualificadas para o desenvolvimento dessas ações, nas áreas de gestão do trabalho, instrumentos de gestão aplicados com regularidade acordada entre os órgãos coordenadores da gestão do trabalho e as diferentes instâncias onde o trabalho se realiza. Entre outros, um sistema de informação bem delineado favorece o fluxo de informações nas instituições, criando um relacionamento dinâmico entre as unidades, departamentos e setores da organização, representando, portanto, uma base concreta para um processo gerencial que dê estabilidade ao sistema e, no caso da saúde, pode ser um instrumento valioso para a implantação de um Sistema de Gestão do Trabalho. Neste sentido, ganha relevância a informatização dos processos, encurtando fluxos, favorecendo uma gestão responsável dos pleitos dos trabalhadores e da gestão institucional. livro5_corrigido.indd 35 2/21/aaaa 10:14:00 36 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Outro desafio para a gestão do trabalho em saúde é a estruturação de um modelo de gestão de pessoas compatível com o modelo de gestão adotado pelo estado. Nesse particular, o Plano de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) foi sempre um caminho apoiado pelos trabalhadores, em conferências nacionais e outros fóruns específicos sobre o tema recursos humanos. O documento do CONASS que trata da gestão de pessoas chama a atenção para o fato de que, nessa área, “o principal problema identificado é a ausência de um PCCS20, associada à indefinição de uma política para o campo e à ausência de ações de planejamento e programação, levando a uma situação de remuneração insuficiente, diversidade de contratos e precarização das relações de trabalho”21. A discussão desse tema no interior do SUS vem se dando ao longo dos últimos quinze anos, tendo como referência os princípios que orientaram a reforma sanitária. Conforme documento da Comissão Nacional da Reforma Sanitária, de maio de 1987, “a lei do Sistema Nacional de Saúde deveria fixar alguns elementos que servissem de ‘matriz’ para garantir a compatibilidade dos planos de carreira das instituições federais, estaduais e municipais”. O documento faz referência aos pisos salariais para as diferentes categorias profissionais e outras normas genéricas, com vistas à garantia do mínimo de uniformidade na carreira dos trabalhadores de saúde, sem prejuízo dos acréscimos que pudessem ser efetuados nas particularidades regionais. Deveria ser contemplado o incentivo ao exercício em condições adversas (interior, periferias urbanas, áreas de fronteiras, horário noturno, entre outros) de forma a tornar atrativo o deslocamento dos profissionais para estas situações. A progressão na carreira deveria ocorrer sempre pela avaliação do mérito, experiência e pelo compromisso com o serviço22. Em 2004, o Ministério da Saúde criou uma Comissão Especial para elaboração das Diretrizes do Plano de Carreira, Cargos e Salários do âmbito do SUS, coordenada pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS), por meio da Portaria GM/MS n. 626, de 8 de abril de 2004. O documento final elaborado por esta comissão, Diretrizes do PCCS, relaciona os princípios que devem nortear as Diretrizes dos Planos de Carreira apontando para a: mobilidade – assegura o trânsito do trabalhador do SUS, sem perda de seus direitos 20 Apenas dez estados , 37%, têm propostas de PCCS específicos da área de saúde, dos quais apenas oito estados estão implantados, o que representa 29,6% dos estados da Federação. CONASS documenta. n. 1; p. 31. 21 CONASS documenta. n. 1; p. 30. 22 COMISSÃO NACIONAL DA REFORMA SANITÁRIA. Documentos I, II e III. livro5_corrigido.indd 36 2/21/aaaa 10:14:01 37Gestão do trabalho na saúde e progressão na carreira; flexibilidade – garantia permanente da adequação dos planos às necessidades e à dinâmica do SUS; carreira – instrumento de gestão; educação permanente e avaliação de desempenho. Há uma tendência, nos últimos dez anos, notadamente na esfera federal, em relação à estruturação de planos de carreiras, cargos e salários, de que esta esteja associada a um modelo de gestão integrada de pessoas, orientado para os resultados do seu trabalho e da organização, utilizando-se a noção de competências. Um modelo de gestão integrada prevê um processo de gestão e desenvolvimento institucional voltado para resultados institucionais, organizacionais e individuais e, portanto, que abriguem a possibilidade de se institucionalizar mecanismos de remuneração variável, gratificações por desempenho, localização e qualificação. A implantação de uma gestão integrada do trabalho em saúde pressupõe: definição de carreiras próprias de estado; critérios de mobilidade, ascensão e desenvolvimento na carreira; impacto orçamentário do plano de gestão no orçamento da saúde do estado e/ ou do município; correspondentes estratégias de implantação com as Secretarias de Administração dos estados e municípios e suas correspondentes políticas para gestão de pessoas, em sua esfera de atuação. 1.5 A qualificação da gestão, a formação para o trabalho e o crescimento profissional Levando-se em consideração que está em andamento uma transformação significativa no âmbito da gestão do trabalho no SUS, faz-se necessário considerar fatores importantes no processo de mudanças na gestão do trabalho, que incluem o desenvolvimento de novas competências dos trabalhadores, implicando a redefinição das formas de recrutar, selecionar, treinar e manter os profissionais em suas respectivas atividades. livro5_corrigido.indd 37 2/21/aaaa 10:14:01 40 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs para a economia dos países, mas também, considerando a mobilidade que os meios de comunicação e as relações entre mercados permitem aos cidadãos de todo o mundo, na atualidade, favorecendo as migrações de pessoas. Aparece com mais vigor, nessa pauta, a solidariedade e a necessidade de organizar redes de cooperação capazes de apoiar um caminho de correção dos desequilíbrios existentes entre as realidades dos diversos países. Com o reconhecimento da importância desse enfoque na humanidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) conferiu destaque particular ao tema dos recursos humanos, dedicando a próxima década à busca de esforços que visem à redução das desigualdades, conferindo um tratamento mais adequado ao trabalhador de saúde, o que significa um reconhecimento mundial de que as abordagens anteriores precisavam ser revistas e também um sinal de reconhecimento da importância das pessoas como sujeitos fundamentais ao bom funcionamento dos sistemas de saúde. Vale ressaltar que o trabalho enquanto categoria vem sendo objeto de preocupação e análise em todo o mundo, dadas as mudanças ocorridas nos últimos vinte anos nessa esfera, provocando uma verdadeira revolução de valores que impactam sobremaneira a gestão das instituições e, portanto, as preocupações dos governos dos países. Segundo Nogueira26, referindo-se ao setor público de um conjunto de países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Canadá, Dinamarca, Finlândia e Suécia já têm problemas de seleção de pessoal, fenômeno que atingirá em poucos anos a Áustria, a Alemanha e a Noruega. O Canadá e a Suécia já têm problemas de retenção de pessoal neste momento e é notório o déficit de competências especiais no Canadá, na Itália, na Coréia, na Polônia, em Portugal e na Espanha para cobrir necessidades existentes entre os diferentes setores da economia, entre eles os sistemas de saúde. Os dados apresentados por Nogueira, em palestra proferida para um conjunto de gestores públicos de países andinos e do Brasil27, em 2006, no Rio de Janeiro, são ilustrativos de como os gestores do setor público desses países vêm antecipando diagnósticos para desenvolver mecanismos de atratividade para o setor público, na condição de pessoas jovens, com talento e competência para as funções que o setor público exige. Nogueira levanta, ainda, em relação a esses países, que tem 26 NOGUEIRA, 2006, referindo fonte da OCDE. 27 NOGUEIRA, 2006. livro5_corrigido.indd 40 2/21/aaaa 10:14:01 41Gestão do trabalho na saúde sido importante pensar em como melhorar os sistemas de gerência de recursos humanos para oferecer melhores condições organizacionais de trabalho. Como reduzir pessoal nas áreas que estão perdendo importância e aumentar em áreas de importância crescente? Como criar uma imagem positiva das condições de trabalho, particularmente em setores tradicionalmente vistos como desfavoráveis, tais como o de atenção à saúde? Como dar conta da educação permanente desse pessoal? As questões abordadas por Nogueira, em relação aos países da OCDE, resultam de avaliações de como o fenômeno da globalização atingiu esses países e que resultados devem ser monitorados para tratar as desigualdades que se estabeleceram, no sentido de corrigir rumos para a formulação de políticas de recursos humanos coerente com os compromissos sociais do setor público. No caso brasileiro, para Nogueira, nessa oportunidade, não é diferente a necessidade de aperfeiçoar os processos seletivos de gestão do trabalho e da gestão da educação permanente, a valorização da qualificação de todo o pessoal, com estímulo a uma visão abrangente, mas, nessa fase, os atributos de especialização ganham protagonismo, consoante às funções complexas já exercidas pelos sistemas de saúde na atualidade. Valorizar as carreiras estruturadas, com estímulos à progressiva formação dos trabalhadores, além de resguardar o princípio da diversidade na composição da força de trabalho, incentivando talentos, construindo mecanismos inclusivos que contemplem políticas afirmativas levando em consideração a raça/ cor, o sexo, a orientação sexual e os portadores de necessidades especiais, são tendências adotadas em todo o mundo e também no Brasil, notadamente pelas suas diferenças regionais. Finalmente, vale destacar que os integrantes da Reunião Regional dos Observatórios de Recursos Humanos em Saúde, realizada em Toronto, Canadá, de 4 a 7 de outubro de 2006, reconheceram a importância do tema dos recursos humanos para os sistemas de saúde, produzindo um “Chamado à Ação”28, expresso em três princípios básicos, que poderão iluminar a organização de futuras pautas dos países de todo o mundo, no que se refere aos sistemas de saúde, e que têm o integral apoio da Opas e dos países participantes, entre eles o Brasil. 28 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Organização Pan-Ame- ricana da Saúde. Chamado à Ação de Toronto 2006 – 2015: Rumo à década de recursos humanos em saúde nas Américas. Brasília: MS, 2006. (Série D, Reuniões e Conferências). livro5_corrigido.indd 41 2/21/aaaa 10:14:01 42 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs • Os recursos humanos são a base dos sistemas de saúde. A contribuição do trabalhador é fator essencial para a melhoria da qualidade de vida e de saúde. • O trabalho em saúde é um serviço público de responsabilidade social. É necessário o equilíbrio entre os direitos sociais e as responsabilidades dos trabalhadores da saúde e as responsabilidades dos cidadãos que merecem atenção e direito à saúde. • Os trabalhadores são protagonistas do desenvolvimento e melhoria do sistema de saúde. O desenvolvimento dos recursos humanos em saúde é um processo social, não exclusivamente técnico, orientado para a melhoria da situação de saúde da população e da eqüidade social, por meio de uma força de trabalho bem distribuída, saudável, capacitada e motivada. Esse processo social tem o conjunto dos trabalhadores de saúde como um dos seus principais protagonistas. livro5_corrigido.indd 42 2/21/aaaa 10:14:01 45Gestão do trabalho na saúde a 14% do total de mestres formados no conjunto de todas as áreas de conhecimento desse ano, e 1.105 doutores, correspondendo a 18,3% do total de doutores formados em todas as áreas nesse mesmo ano. Em relação ao pessoal de nível médio, o Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (Profae) conseguiu formar 173.544 auxiliares de enfermagem e 71.973 técnicos de enfermagem. Além disso, especializaram-se 15.150 enfermeiros em Educação Profissional. Agora, o Programa de Aplicação de Recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Profat) pretende qualificar cerca de 182.750 mil agentes comunitários de saúde. Ao mesmo tempo, segundo dados da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), do Ministério da Saúde, para além da formação, existem em torno de 105 Pólos de Educação Permanente constituídos, abarcando, aproximadamente, 236 instituições de ensino superior e 90 escolas técnicas de saúde. Entretanto, apesar desses números impressionantes, com muita freqüência o gestor de saúde continua sentindo dificuldade em contar com profissionais com perfis adequados e comprometidos para trabalhar nos serviços públicos. Percebe que sua máquina não funciona bem, que não tem os médicos especialistas necessários na rede estadual e municipal e, freqüentemente, tem sérias dúvidas quanto à eficácia de autorizar seus profissionais a participarem de cursos ou de financiá-los. Evidentemente as questões acima não serão resolvidas por meio de processos educativos isolados, mas por meio de ações integradas na gestão de recursos humanos, articulando políticas específicas de qualificação e desenvolvimento, integradas às macro-políticas da respectiva secretaria e do SUS. No campo da preparação de pessoal da gestão da educação, a ação direcionada do gestor estadual pode fazer uma diferença fundamental para o funcionamento do sistema. O que tentaremos desenvolver aqui não é construir a impossível fórmula que estabeleça a intervenção ótima do gestor no setor, mas, através de discussão de algumas questões, contribuir para um olhar mais qualificado que, respeitando consensos já estabelecidos, permitam alguma orientação para suas possíveis políticas no campo, levantando também questões atualizadas que possam integrar as agendas dos novos gestores no âmbito do CONASS. livro5_corrigido.indd 45 2/21/aaaa 10:14:01 46 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs 2.2 Qual é o papel do gestor estadual com a formação e o desenvolvimento de pessoal? 2.2.1 A responsabilidade constitucional A primeira questão que se coloca é por que o gestor estadual de saúde deve se preocupar com as questões relativas à preparação e ao desenvolvimento de pessoal. A primeira parte da resposta é óbvia: porque trabalhadores mais qualificados devem e podem produzir melhor para o sistema e, se o processo for desenvolvido de forma adequada, podem ficar mais satisfeitos e comprometidos com o trabalho; evidentemente, desde que se saiba de que tipo de qualificação o trabalhador precisa ou, que tipo de problema esta qualificação se propõe a resolver. E quem é mais capaz de reconhecer, de forma adequada, os problemas com os quais lida e a competência, ou não, que tem para a sua resolução, e orientar a formação e o desenvolvimento de pessoal, é aquele que está enfrentando o problema e sentindo dificuldade para o funcionamento de sua estrutura. É o gestor estadual que pode demandar e, com freqüência, desenvolver estratégias educacionais que, associadas a outras políticas, contribuam para resolver a questão. Em função dessa proximidade do problema, é um dever constitucional do SUS contribuir para a formação do pessoal de saúde. A Constituição Federal aponta, em seu artigo 200, inciso III, que compete ao SUS, além de outras atribuições, “ordenar a formação de recursos humanos na área de Saúde”. A Lei Federal n. 8.080/1990 define, em seu artigo 27, que “a política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada, articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes objetivos: organizar um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, e elaborar programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal”. O gestor estadual não conhece todos os problemas de saúde que afligem o seu estado – existem outros atores que podem estar mais perto das situações específicas ou que tenham pontos de vista diferentes – e nem sempre detém todas as competências e capacidades específicas para o desenvolvimento adequado das propostas de intervenção. Portanto, este mandato constitucional de intervir no livro5_corrigido.indd 46 2/21/aaaa 10:14:02 47Gestão do trabalho na saúde processo de formação de seu pessoal é compartilhado tanto por outras esferas de governo dentro do próprio setor Saúde – gestores federais e municipais – quanto fora do próprio setor saúde – principalmente por meio do Ministério da Educação, o principal agente regulador do processo de qualificação profissional no país. Assim, é um mandato que não se desenvolve isoladamente, mas sempre de forma partilhada. 2.2.2 O incremento da complexidade e o compromisso com a eqüidade O exercício desse compromisso constitucional, para o gestor estadual, sempre se dará em dois níveis. O primeiro está voltado à qualificação de seu próprio pessoal, relacionado às novas funções e à complexidade de atividades que as Secretarias Estaduais vêm continuamente assumindo. Essa complexidade de gestão do sistema exige, necessariamente, três grandes competências – ou pelo menos capacidades – a serem desenvolvidas: negociação, gestão da informação e apoio técnico. Em cada nível do sistema, o processo de negociação far-se-á necessário na relação entre a Secretaria Estadual de Saúde (SES) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS); no estabelecimento de critérios para distribuição de recursos finitos entre entes autônomos; na negociação das normas e nos mecanismos e instrumentos de regulação; na aplicação das sanções estabelecidas; na indução de políticas consideradas estratégicas. Essa negociação também se faz necessária para o enfrentamento adequado dos conflitos que o trabalho em saúde inevitavelmente produz nas relações entre gestores e trabalhadores, principalmente em face de tantas transformações estruturais e tantos novos ordenamentos de trabalho requeridos. Dentro da própria SES, onde ainda persistem processos segmentados, mas interdependentes, estabelecer acordos e parcerias internas é fundamental para o adequado desempenho da máquina. Essa negociação não deve obedecer apenas a uma disputa política, mas deve ser orientada pela busca da eqüidade, da integralidade e da qualidade da atenção; pela capacidade de discutir e tomar decisões com base em informações, livro5_corrigido.indd 47 2/21/aaaa 10:14:02 50 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Além dessa qualificação interna, as Secretarias também têm uma grande responsabilidade externa: devem ser responsáveis pelo apoio à qualificação dos profissionais em atividades nos municípios. Esse apoio deve ser compreendido dentro da sua função de agente promotor de eqüidade entre os municípios, da garantia do acesso eqüitativo aos diferentes bens e serviços, ao conjunto da população estadual e no campo da preparação de pessoal, ao conjunto de servidores em atividade no setor. Essa função é importante porque assim como a distribuição dos serviços de saúde não se dá de forma homogênea entre os municípios, também a possibilidade de acesso a processos educativos é extremamente desigual. Se é crescente a interação entre centros formadores, universitários ou não, entre os municípios de maior porte, essa relação não ocorre da mesma forma entre os menores municípios. As relações de cooperação ensino-serviço tendem a se concentrar apenas naquelas estabelecidas entre grandes municípios e centros formadores aí localizados. Cabe ao gestor estadual possibilitar e mediar este acesso para os municípios de menor porte, que não contam com instituições formadoras em seu território. Assim, a SES não é apenas o agente político com maior poder de convocatória regional, mas deve realizar essa função a partir de seu papel de gestor do sistema no estado. A partir dessa perspectiva, o gestor estadual deve desenvolver a capacidade de identificação de problemas que acometem o conjunto dos municípios ou de municípios específicos, bem como os principais problemas de saúde loco-regionais, gerando intervenções educativas que contribuam para a sua solução. Esse papel deverá ser exercido tanto nos Pólos de Educação Permanente quanto na articulação e coordenação dos agentes formadores para políticas mais transversais. Diferentes estratégias educacionais precisam ser desenvolvidas para fazer frente a essas necessidades. Não é pequeno o trabalho de qualificação da gestão estadual para suas novas funções e dos municípios. Parte dessas ações de qualificação demandará articulações com novos parceiros para além dos habituais, em campos específicos, o que implicará um esforço adicional para adequá-los às questões próprias da gestão pública em saúde. A grande maioria delas, entretanto, já vem sendo abordada há tempos, por parceiros históricos da SES. Aprofundar a discussão sobre as competências requeridas e as estratégias educacionais adequadas para essa nova realidade, em conjunto com esses parceiros, identificando também suas capacidades de resposta a tais expectativas, representa uma ação fundamental para a construção de uma política efetiva de preparação de pessoal nas SES. livro5_corrigido.indd 50 2/21/aaaa 10:14:02 51Gestão do trabalho na saúde 2.3 A educação permanente como estratégia educacional prioritária Um problema tradicional, freqüentemente referido ao funcionamento das organizações, em particular naquelas em que trabalham os gestores – o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais –, é a fragmentação das ações: área administrativa separada da área técnica, planejamento separado da assistência, vigilância atuando como um corpo isolado e todas as ações fragmentadas internamente em suas diferentes áreas técnicas. Cada uma dessas áreas técnicas, dotada da profundidade de seus conhecimentos específicos e experiências, bem como dos compromissos políticos mais justos, avalia e analisa os problemas referentes ao seu campo de atuação e define as políticas que serão desenvolvidas, bem como seus respectivos programas de implantação. Ganhando legitimidade e aprovação superior, estabelece um plano de ação em que freqüentemente, associam-se, por um lado, recursos financeiros e, por outro, normas e capacitações. Nesse sentido, as políticas são freqüentemente constituídas por três conjuntos de subsídios básicos: financiamento, regulamentações/procedimentos e capacitações. Em linhas gerais, essa é uma forma tradicional de conduzir as políticas. Em que pese o financiamento ser um elemento indutor importante, essa forma de fazer política tem um problema significativo, caso se acredite em alguns princípios fundamentais do sistema, como a descentralização, a autonomia entre os entes federativos, a construção da atenção integral e, principalmente, a promoção de eqüidade. A promoção da eqüidade pressupõe a não-anulação das diferenças, mas, a partir do seu reconhecimento, o desenvolvimento de estratégias diferenciadas para a satisfação de necessidades distintas na garantia de um mesmo direito. Assim, não adianta apenas “definir a norma e ensinar como fazer”. Os níveis centrais de governo, em suas respectivas áreas técnicas, devem ter, além de um conhecimento técnico razoável da área em que atuam, a capacidade de identificar e priorizar problemas, por meio de informações gerais, que demandem algum grau de intervenção. Entretanto, dificilmente têm a capacidade de explicá-los plenamente. O problema demandará necessariamente a explicação e o detalhamento do nível local para a definição das melhores estratégias de enfrentamento. Sob este ponto de vista, o papel livro5_corrigido.indd 51 2/21/aaaa 10:14:02 52 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs das esferas de governo centrais é o de definir princípios e diretrizes e de apoiar as outras esferas de gestão no enfrentamento de seus problemas, de acordo com as características locais. Dessa forma, o diálogo e a cooperação entre a área técnica e a outra esfera de gestão permite contextualizar melhor a política, compreender sua complexidade e desenvolver as articulações necessárias para sua resolução30. Tomando como exemplo: durante um surto de meningite meningocócica B, numa grande capital do país, a vigilância epidemiológica estadual percebeu um incremento acima do esperado na mortalidade de casos de meningite bacteriana. Ao mesmo tempo, uma grande parte desses casos não apresentava diagnóstico etiológico definido, o que era preocupante, em decorrência da possibilidade de entrada de sorotipos mais epidêmicos do meningococo, pois poderiam provocar situações mais graves. Preocupado com a situação, o secretário estadual convocou uma oficina com representantes das Secretarias municipal e estadual, da Vigilância municipal e estadual, do hospital de referência de moléstias infecciosas e de alguns hospitais importantes da cidade, para avaliar o atendimento de emergência nestes serviços. Percebeu-se, então, que vários problemas estavam ocorrendo: problemas na gestão do sistema e na organização da atenção, insuficiência de conhecimentos técnicos, preconceitos e receios dos profissionais frente a patologia, falta de diálogo com a população. Ainda que o surto não fosse explosivo, o fantasma da epidemia de meningite de vinte anos atrás ainda pairava no ambiente. O fato de não haver vacina segura em relação ao meningo B assustava ainda mais os profissionais e a população. Assim, a reação mais imediata percebida era transferir rapidamente a criança para o hospital de referência, muitas vezes sem o início do tratamento adequado. Esse hospital apresentava inclusive índices menores de mortalidade, porém queixava-se da sobrecarga e da gravidade dos casos que estava recebendo. Por outro lado, em hospitais das regiões periféricas, centrais e metropolitanas, a mortalidade era altíssima. A dificuldade de transferência, as longas distâncias a serem percorridas e, principalmente, o receio e o desconhecimento dos profissionais para abordar os casos pareciam estar causando esta situação. Entretanto, essa abordagem poderia 30 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Formação de facilitadores de formação permanente em saúde – uma oferta para os pólos e para o Ministério da Saúde. Brasília, 2005. Acesso em 15/11/2006. Disponível em www.aids.gov. br/main.asp?Team=%7BB8663429-4175-4CE4-8F8D-027F8CC3A991%7D. livro5_corrigido.indd 52 2/21/aaaa 10:14:02 55Gestão do trabalho na saúde provavelmente um espaço onde os fluxos e processos institucionais não foram bem resolvidos. Assim, não haverá aprendizagem se os atores não se conscientizarem do problema e não se reconhecerem nele. A Educação Permanente permite revelar a complexidade e a articulação das explicações dos diferentes problemas e torna evidente a necessidade de estratégias múltiplas, que, para serem propostas e implementadas, necessitam de articulação com a gestão do sistema. Nesse sentido, apresenta-se também como uma estratégia de gestão, para que os necessários recursos de poder sejam mobilizados para enfrentar problemas de natureza diversa32. Um pressuposto importante da educação permanente é o da aprendizagem significativa, um componente da aprendizagem de adultos, que parte do “desconforto” sentido pelo indivíduo ou pela organização ao perceber que sua forma de atuar ou pensar é insuficiente para a resolução de determinado problema. Se esse problema tem significado para o indivíduo e é capaz de dialogar com o passado acumulado por ele, então se pode desenvolver um aprendizado significativo. Entretanto, esse desconforto não se produz a partir de um discurso externo, mas precisa ser intensamente vivenciado, para gerar disposição, buscar alternativas novas nas práticas e nos conceitos que conduzam a transformações. No caso anterior, a letalidade altíssima da meningite era evidentemente um motivador forte para todos. Nenhum membro da equipe de saúde gosta de perder uma criança, principalmente com uma evolução que pode ser fulminante. E também não gosta de subir em uma ambulância para realizar uma transferência para serviços a mais de 20 quilômetros dali. Nessa situação, não há por que não responder ao caso se o procedimento é simples, seguro e preserva a vida do paciente. Por outro lado, os profissionais agem em função de suas concepções, seus valores, suas representações acerca do sistema, e com elas vão trabalhar e se integrar às equipes. Como as concepções são distintas, é fundamental instituir e estimular o diálogo entre os profissionais, principalmente por meio do trabalho concreto em equipe, e reconstruir novos pactos coletivos que aproximem o SUS da atenção integral e de qualidade. 32 MINISTÉRIO DA SAÚDE. A educação permanente entra na roda: pólos de educação permanente em saú- de–conceitos e caminhos a percorrer. Brasília: MS, 2005. livro5_corrigido.indd 55 2/21/aaaa 10:14:02 56 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs 2.4 A educação a distância – ampliando o acesso Um componente importante do processo educacional a ser desenvolvido sob os princípios da educação permanente são as ações possibilitadas pela Educação a Distância (EAD). A complexidade da organização do sistema de saúde brasileiro demanda estratégias de formação e capacitação que dêem conta das dificuldades de acesso, que, dentre outros fatores, impõem-se também pelas barreiras geográficas. Por outro lado, vale ressaltar que os mecanismos tecnológicos, utilizados pela EAD, são hoje de amplo domínio de grande parte da população jovem e está em ascensão, o que amplia as possibilidades de sua utilização em ampla escala no interior do sistema de saúde, nos próximos anos. Nesse sentido, a EAD surge como uma proposta que, quando utilizada corretamente, pode constituir-se num instrumento facilitador aos processos de formação e capacitação de recursos humanos para o SUS. É possível que, num primeiro momento, o termo “Educação a Distância” nos remeta imediatamente à idéia de um processo educacional em que a ausência do professor e do aluno em sala de aula sejam os principais elementos do sistema de aprendizagem. Entretanto, a EAD pode ser compreendida como um “processo educacional interativo que propicia a produção de conhecimento individual e grupal, em processos colaborativos favorecidos pelo uso de ambientes digitais e interativos de aprendizagem”33, ou seja, permite a interação e troca de experiências entre alunos e professores, e entre alunos localizados em ambientes geograficamente distintos. Nesse processo, a presença do professor (tutor) deve ser garantida, mediada por tecnologias educacionais que permitam a utilização articulada de diferentes meios de comunicação e formas de representação, tais como vídeo, áudio, fotografia, animação. O conjunto desses meios serve a diferentes modelos pedagógicos e propicia uma série de interações, principalmente por meio de correio eletrônico, salas de conversa, listas de discussão, blogs, programas para ligações telefônicas, minicâmeras, banco de imagens e bibliotecas virtuais. 33 ALMEIDA, M.E.B. Educação a distância na Internet: abordagens e contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. Educação e Pesquisa. jul./dez. 2003; 29 (2): 327-340. livro5_corrigido.indd 56 2/21/aaaa 10:14:02 57Gestão do trabalho na saúde Os tutores de educação permanente são novos personagens das equipes de docentes preparadas para a formação em saúde. Sua utilização na mediação dessa formação deve ser acompanhada de uma criteriosa capacitação na mídia escolhida, após processo seletivo relacionado à área técnica de interesse da capacitação/ formação a ser oferecida. No entanto, o simples uso de tecnologias da comunicação no ensino não garante a transformação dos processos de ensino/aprendizagem. Os recursos listados devem ser entendidos como “ferramentas” que podem e devem ajudar na operacionalização de um modelo pedagógico sólido e qualificado. Algumas das principais vantagens de um ambiente de aprendizado mediado pela Internet estão relacionadas à difusão mais homogeneizada da informação, quer pela democratização ao acesso do material didático, quer pela possibilidade no disparo de processos de capacitação e formação simultâneos. Outro ponto que chama atenção incide na flexibilidade quanto ao local destinado a estas atividades, que, nesse modelo, constitui-se no próprio ambiente de trabalho, o que permite uma interessante combinação entre estudo e trabalho, otimizando o tempo do próprio aluno. Porém, cabe ressaltar que, apesar da agilidade que esta modalidade de aprendizagem nos apresenta, a realidade vivenciada pelos serviços, no que se refere à disponibilidade de recursos na área de informática, é bastante limitada, o que pode se constituir num importante entrave à proposta do modelo. Considerando o volume de trabalhadores a serem permanentemente formados e capacitados, os diferentes perfis de competência dos profissionais da saúde e a dinamicidade da incorporação tecnológica do setor, soluções que viabilizem a diversificação e ampliação da oferta de cursos, num timing correlato ao demandado pelas normas regulamentadoras do SUS, de baixo custo operacional, podem ser de grande valia para os gestores que lidam com esta área. livro5_corrigido.indd 57 2/21/aaaa 10:14:03 60 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs seja vinculá-lo aos espaços de negociação regional que eventualmente existam nos estados, bem como, em nível estadual, contar com espaços de articulação bipartite – SES/Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems) – que possam estabelecer regras de funcionamento, mecanismos de financiamento complementar e prioridades a serem trabalhadas. Em relação ao Conselho Estadual de Saúde, a existência de Câmaras específicas, destinadas a discutir integração ensino-serviço, por exemplo, poderia ser um espaço importante para construir mecanismos de acompanhamento e avaliação dos Pólos, aprovação de cursos e pactuação de prioridades, como forma de agilizar e qualificar a função da participação social, no acompanhamento da Política Educacional para o SUS, no Estado. 2.6 Fortalecendo parcerias para as ações próprias e transversais Como dissemos anteriormente, persistem algumas questões transversais ao sistema, como, por exemplo, estratégias de capacitação voltadas à qualificação da gestão, que necessitam de políticas indutoras mais globais, e não são totalmente identificadas em articulações ensino-serviço loco-regionais, ou demandam estratégias mais amplas que aquelas definidas no limite geográfico dos Pólos. Portanto, cabe às Secretarias Estaduais articular o conjunto do aparelho formador, no estado, nesse processo de interlocução entre as demandas loco-regionais e as demandas e necessidades transversais, recriando o processo de educação permanente para além dos Pólos. Neste sentido, pelo menos cinco campos de articulações/intervenções merecem atenção especial: Gestão de Sistema e Serviços de Saúde; Atenção Básica/Programa Saúde da Família (PSF); Graduação em Saúde; Residência Médica; e Formação de Nível Médio. livro5_corrigido.indd 60 2/21/aaaa 10:14:03 61Gestão do trabalho na saúde 2.6.1 Gestão de sistema e serviços de saúde A eleição dessa área de gestão como prioritária deve-se à complexidade que o sistema de saúde vem adquirindo cotidianamente. A alta rotatividade de gestores, as novas funções que vão surgindo, a infinidade de ações de desenvolvimento relacionadas à qualificação da gestão, que podem ser realizadas, tanto no âmbito interno à SES quanto externo, devem fazer com que o gestor estadual articule iniciativas de grande alcance para a qualificação dos serviços, para a implementação de ações de educação permanente, para coordenar o apoio dos agentes formadores a estas demandas. Em alguns estados, parte dessa função é desempenhada pelas Escolas de Saúde Pública, ou eventualmente Escolas de Governo. Essas estruturas podem ser interessantes no sentido de se contar com estruturas internas ao estado e mais próximas às questões da gestão. Sua presença pode permitir o desenvolvimento de uma inteligência própria, capaz de promover a qualificação adequada, formando um corpo de servidores qualificado e profissionalizado e desenvolvendo continuamente processos de aprimoramento e modernização gerencial. Um elemento importante nesse processo, entretanto, é a necessidade de revisão da relação tradicional que as escolas tendem a ter com a Secretaria, oferecendo cursos regulares estanques de especialização desta ou daquela área. Por se tratarem de escolas vinculadas ao sistema estadual e sistemas locais de saúde, os programas de trabalho e correspondentes ofertas educativas e de investigações necessárias aos serviços poderiam se constituir de forma articulada com o processo de profissionalização desejável para o estado, numa programação que amparasse a estruturação de um quadro permanente profissionalizado, engajado nos movimentos institucionais de mudanças freqüentes, que o dinamismo da área de gestão impõe, nos dias atuais. Ainda no campo da pós-graduação, vêm surgindo algumas experiências muito exitosas, relacionadas aos mestrados profissionais, que têm possibilitado a um grupo menor de dirigentes ou profissionais dos serviços, frente às necessidades institucionais, desenvolverem capacidade crítica, abordagem científica das questões dos serviços e propostas de intervenção e inovação tecnológica referentes ao seu trabalho, de alta relevância para as SES. Esses cursos aproximam os serviços das universidades e centros de pesquisa e, dada sua relevância para o avanço do sistema livro5_corrigido.indd 61 2/21/aaaa 10:14:03 62 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs de saúde, que já apresenta demandas complexas aos seus trabalhadores que ocupam posições especializadas, têm recebido apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Ministério da Educação (MEC), no sentido de encontrar soluções que permitam a sua expansão, sem perda da qualidade e sem pôr em risco a qualidade dos mestrados acadêmicos das instituições que os abrigam, em convênios com as SES. Por outro lado, para cursos de atualização de menor carga horária é necessário que essa relação seja mais diversificada e mais adequada aos princípios de educação permanente, em que as ações desenvolvidas possam estar mais próximas das necessidades dos serviços e com abordagens mais voltadas para discutir, em conjunto, os problemas da gestão, do que simplesmente transferir conhecimento. Aqui ganha relevância, mais uma vez, as ações baseadas em Educação a Distância, bem como a possibilidade de se constituírem redes de cooperação entre diferentes agentes formadores, interna e externa aos estados, no sentido de se garantir uma oferta contínua de ações ao conjunto dos estados. 2.6.2 A atenção básica Uma outra área em que a intervenção do gestor estadual é muito importante, também como agente articulador, é a atenção básica, particularmente na qualificação das equipes do Programa Saúde da Família (PSF). Matriz principal dos pólos de educação permanente, a qualificação em Saúde da Família continua um tema presente. Vários estudos têm demonstrado que a redução da rotatividade dos profissionais de nível superior, particularmente médicos, está fortemente relacionada com o acesso à educação permanente. Nesse processo, ganha grande relevância técnica e simbólica a especialização em Saúde da Família, como qualificação específica, valorização e reconhecimento inter-pares. Entretanto, passados quase quinze anos do início da implantação do Programa, ainda não estão suficientemente esclarecidas as competências requeridas para médicos e enfermeiros do PSF. Quais as competências em termos de diagnóstico e planejamento de saúde da comunidade em que atua, quais as desejáveis em termos livro5_corrigido.indd 62 2/21/aaaa 10:14:03 65Gestão do trabalho na saúde Há de se considerar que novas metodologias de aprendizagem devem ser estimuladas neste processo de mudança. Tornam-se centrais metodologias ativas de aprendizagem que permitam a construção de conhecimentos em processos, no que podemos chamar de “aprender aprendendo”, e que devem levar em conta experiências vivenciadas durante a prática. De nada adianta a oferta de um grande volume de informações e a formação de profissionais altamente qualificados, do ponto de vista técnico, sem que se preparem estes quadros para a realidade que enfrentarão nas rotinas dos serviços. Numa primeira iniciativa de implementação das então aprovadas Diretrizes Curriculares, dirigentes do MEC e do MS aprovaram, ao final de 2001, a criação de um Programa de Estímulo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed). O Programa apoiou e sustentou dezenove escolas médicas no processo de mudança curricular37. Em 2005, inspirado no modelo do Promed, surge o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), que, em seus eixos centrais, prevê a consolidação de um modelo de aprendizagem mais ativo, em que o ensino volta-se à realidade da assistência à saúde pelo SUS, fortalecendo a relação entre ensino e prestação de serviço38. Entretanto, viabilizar tais transformações nos processos de formação necessita de muito esforço conjunto, tornando-se indispensável a parceria entre agentes formadores, financiadores, gestores e população. Nesse contexto, a participação dos gestores é nuclear, dando o conhecimento sobre a organização e lógica do SUS no estado, demandando e discutindo competências específicas aos profissionais, identificando possíveis serviços para campo de estágio, articulando ações cooperativas de diferentes faculdades, processos estes necessários na orientação de tais mudanças. 37 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Uma nova escola médica para um novo sistema de saúde: Saúde e Educação lan- çam programa para mudar o currículo de medicina. Rev. Saúde Pública. 2002; 36(3): 375-378. 38 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Pró-Saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saú- de. Brasília: MS, 2005. (Série C, Projetos, Programas e Relatórios). livro5_corrigido.indd 65 2/21/aaaa 10:14:03 66 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs 2.6.4 Residência médica Esta é uma área em que as Secretarias Estaduais têm uma grande participação em termos de financiamento, mas que nem sempre exercem plenamente a sua capacidade de orientar políticas dirigidas às necessidades do SUS. Das 17 mil bolsas existentes, cerca de 50% são financiadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, 30% são financiadas pelo Ministério da Educação e da Saúde e 20%, pelo setor privado, principalmente instituições filantrópicas. Ao longo do tempo, a Residência Médica (RM) vem sendo considerada o principal meio de formação de médicos especialistas para o país. Além de proporcionar uma formação qualificada ao especialista, a RM é um componente importante para a definição do perfil da força de trabalho e do próprio mercado de trabalho médico, influindo significativamente na organização e nos resultados esperados do sistema de saúde, tanto em termos de custo quanto de impactos populacionais. Recentemente, os Estados Unidos redefiniram sua política de formação de especialistas, dirigida para uma equiparação gradativa do contingente de generalistas com o de especialistas. Entretanto, o que se vê, em função da atual perspectiva de funcionamento do sistema norte-americano, aparentemente menos permeável às propostas de managed care, é a falta de determinados especialistas em pouco tempo, bem como a necessidade de uma distribuição mais eqüitativa de profissionais pelos estados. No Brasil, a profissão médica é a única categoria profissional que subordina o processo de especialização a um espaço público de regulação. A RM conta com legislação específica que estabelece direitos e deveres dos residentes e prevê órgão regulador próprio, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). A CNRM aloca-se no Ministério da Educação e conta com uma composição determinada por decreto governamental, com critérios e mecanismos de credenciamento de serviços, programa educacional determinado e garante ao residente, ao final do período de formação, título de especialista. livro5_corrigido.indd 66 2/21/aaaa 10:14:03 67Gestão do trabalho na saúde A alocação desta estrutura de regulação no MEC representa, de certa forma, o acordo possível entre o reconhecimento do exercício profissional e o processo educativo39. Uma vez aprovada a Lei que regulamenta a RM no Brasil, reconhecendo os direitos trabalhistas dos residentes, assim como horas trabalhadas, férias, licença- maternidade, contribuição como autônomo ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), e constituída a Comissão, também foram estabelecidos critérios para o credenciamento dos programas, tanto em termos de atividades didático-assistenciais, como de estrutura e equipamentos necessários para o seu desenvolvimento. Essa regulamentação tem orientado, ao longo dos últimos 25 anos, a atividade central da CNRM: credenciar e descredenciar programas, utilizando como base estes critérios, além de criar novas especialidades40. Recentemente, essa última capacidade foi repactuada por meio de um protocolo comum entre a CNRM, a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), tomando como norte as especialidades já reconhecidas pela própria AMB. Essa unificação da lista de especialidades e de critérios para seu reconhecimento, além de ter proporcionado uma maior coesão entre a corporação médica e a CNRM, desencadeou um intenso e contínuo movimento de revisão de critérios, que progressivamente tem ampliado os anos de formação do médico residente, ocasionado impactos importantes, tanto na oferta de especialistas no mercado quanto no financiamento da própria RM. Num espaço de regulação pública importante como a CNRM, era de se esperar uma maior orientação na formação de médicos especialistas, baseada essencialmente nas necessidades do sistema. Entretanto, pouco ou quase nada tem sido discutido em relação ao estabelecimento de políticas claras para a especialização médica frente às demandas do SUS. O significativo processo de reordenamento do sistema de saúde no Brasil, ocorrido nos últimos 25 anos, com a expansão e redefinição dos papéis dos gestores estaduais e municipais, a expansão do setor privado, a transformação do perfil epidemiológico da população, a incorporação contínua de novas tecnologias 39 ELIAS, P. Residência Médica no Brasil – A institucionalização da ambivalência. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP, 1987. 40 FEUERWERKER, L. A formação de médicos especialistas no Brasil. Material preparado para o curso ‘Política de RH para gestão do SUS’. Brasília: OPAS; 2000. Disponível em http://www.opas.org.br/rh/admin/documen- tos/especialistas.pdf livro5_corrigido.indd 67 2/21/aaaa 10:14:03 70 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs de participação dos hospitais universitários no sistema de saúde, bem como a necessidade de desenvolvimento de ações de formação e desenvolvimento de acordo com as demandas do sistema. Entretanto, o detalhamento e a cobrança destas ações têm sido muito genérico e, no caso específico das bolsas de RM, talvez fosse um momento importante para a indução de prioridades, bem como de políticas de qualificação de preceptores e supervisores, associadas às discussões relativas ao Pacto de Gestão. 2.6.5 A formação de profissionais de nível técnico para o Sistema Único de Saúde O Inquérito de Assistência Médico-Sanitária (MAS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2002, indica que 54% dos postos de trabalho do setor saúde são ocupados por trabalhadores de nível médio e elementar, representando um total de 871 mil empregos. Pode-se afirmar que um número significativo desses trabalhadores tem conhecimento insuficiente quanto aos vários aspectos que influenciam a saúde. Muitos deles foram, e continuam sendo, inseridos nos serviços sem qualificação profissional, por vezes recebendo apenas um treinamento improvisado em seu local de trabalho. Por seu lado, do processo de consolidação do SUS emerge um enorme leque de funções e de especialidades. Ao tempo em que a alta complexidade demanda cada vez mais profissionais técnicos detentores de qualificações específicas, as novas modalidades de tratamento e cuidados domiciliares abrem condições para novas formas de empregabilidade, demandando outros perfis profissionais para os diferentes setores envolvidos com a atenção à saúde e não apenas com a prestação direta de assistência. Ainda entre essas necessidades, há aquelas criadas por novos programas e estratégias, como por exemplo, a reorganização da atenção básica à saúde, o Programa de Saúde da Família e nesse, um sujeito sui generis, o agente comunitário de saúde, assim como outras necessidades que se identificam no conjunto do mercado de trabalho42. 42 NOGUEIRA R.P. Política de Recursos Humanos em Saúde e a inserção de trabalhadores de nível técnico: uma abordagem das necessidades. Revista Formação. 2002; (5). livro5_corrigido.indd 70 2/21/aaaa 10:14:04 71Gestão do trabalho na saúde São novos saberes, novas habilidades e, principalmente, novas atitudes e compromissos, e, por conseqüência, novas competências, novos perfis profissionais no trajeto para viabilizar a saúde. Torna-se necessário, portanto, ampliar a qualificação dos trabalhadores em saúde tanto na dimensão técnica especializada quanto na dimensão técnico-política, comunicacional e de inter-relações pessoais, para que eles possam participar como sujeitos integrais no mundo do trabalho e atender às necessidades e à magnitude do compromisso assumido pelo SUS. Se por um lado, os desafios são enormes e multifacetados, por outro, o trabalho dos gestores estaduais, nesse campo específico, será facilitado por alguns importantes fatores, entre os quais, a experiência adquirida, a tecnologia desenvolvida e incorporada pelo setor saúde, a partir de meados da década de 70: o Projeto Larga Escala, o Centro Formador de Pessoal de Nível Médio para a Saúde, ou Escola Técnica de Saúde (ET/SUS) e o Profae43. Naquele período, um dos grandes desafios dizia respeito às características dos trabalhadores que necessitavam freqüentar os processos de formação atuando no interior do país. Colocava-se a necessidade de conceber uma proposta metodológica que possibilitasse a esses alunos-trabalhadores que não tiveram acesso à educação geral conseguir percorrer um currículo formal, tendo em vista a formação e a conseqüente titulação. Ao mesmo tempo, havia a impossibilidade de afastar esse enorme contingente de pessoas do trabalho para estudar, tendo em vista o prejuízo para o atendimento à população. O Larga Escala, como exemplo de alternativa política para resolver o problema da qualificação profissional do pessoal de saúde de nível médio44, concebeu e viabilizou uma escola específica para alunos-trabalhadores do setor saúde, com uma metodologia específica para o processo de ensino-aprendizagem desses alunos/ adultos/trabalhadores, baseada na problematização de situações de vida e trabalho. Além destas contribuições, o projeto previa a preparação dos profissionais de nível superior dos serviços, para serem instrutores/supervisores, e o desenvolvimento de um material didático de acordo com a metodologia, tanto para os alunos quanto para os próprios instrutores. 43 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política de Recursos Humanos para o SUS: balanço e perspectivas. Brasília: MS, 2002. 44 SANTOS, I. Entrevista. Revista Formação. 2002; (5). livro5_corrigido.indd 71 2/21/aaaa 10:14:04 72 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Essa escola, instituição de formação técnica, validada pelo Sistema Educacional, Centro Formador de Pessoal de Nível Médio para a Saúde, ou Escola Técnica de Saúde, tinha, ainda, como principais características o ensino multiprofissional e a descentralização da execução curricular. Ou seja, em vez de o aluno caminhar para a escola, a escola-função iria aonde o trabalhador se encontrava. O processo de ensino-aprendizagem aconteceria dentro dos serviços de saúde. Esses Centros Formadores seriam estruturados por Unidade Federada e se constituiriam em espaços organizados para o desenvolvimento de materiais instrucionais e para a busca de conhecimentos, permitindo que os alunos avançassem no processo de qualificação. A expansão deste modelo foi incorporada pela concepção do Profae, desenvolvido em todo o território nacional, no período de 2000 a 2003, capacitando os trabalhadores que exerciam sua profissão sem qualificação específica, diminuindo os riscos à população atendida e melhorando a qualidade da atenção hospitalar e ambulatorial do SUS. Além da formação de milhares de trabalhadores, o Profae permitiu criar as bases de sustentação da educação profissional em saúde, por meio de investimentos na criação de metodologias até então pouco desenvolvidas ou inexistentes no setor saúde, além do investimento em modernização e capacidade técnica gerencial das Escolas Técnicas/ Centros Formadores de Pessoal de Nível Médio do SUS45, hoje articuladas em Rede Nacional, apoiada pelo Ministério da Saúde e com sua Secretaria Técnica vinculada à Escola Politécnica Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. O desenvolvimento do Profae possibilitou a qualificação de trabalhadores de enfermagem em ampla escala, produzindo um impacto positivo na qualidade do atendimento oferecido à população pelas instituições públicas, privadas e filantrópicas. Cabe referência especial, ainda, ao desafio hoje colocado para os gestores, para as Escolas, para os próprios agentes e suas equipes: a formação do Agente Comunitário de Saúde (ACS), já em desenvolvimento em praticamente todos os Estados do país, pelas Escolas Técnicas de Saúde. A legislação que cria a profissão de ACS, as demandas da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para a educação profissional, 45 SILVA, J.A. Estratégias de Qualificação e Inserção de Trabalhadores de Nível Médio na área de Saúde. In: Recursos Humanos em Saúde: política, desenvolvimento e mercado de trabalho. Campinas: UNICAMP, 2002. livro5_corrigido.indd 72 2/21/aaaa 10:14:04 75Gestão do trabalho na saúde 2.9 Considerações finais Toda a discussão acima tentou subsidiar e problematizar aspectos fundamentais à construção de caminhos alternativos à política de formação e desenvolvimento de pessoal na esfera estadual. Entretanto, é imprescindível que as Secretarias desenvolvam competências específicas nesta área. As funções referidas não se desenvolvem espontaneamente. A função de agente coordenador só poderá ser assumida a contento se houver estrutura e capacidade operacional dentro do estado para gerir este processo. A coordenação do sistema de educação permanente só se realizará se o estado for capaz, não apenas do ponto de vista político, mas também técnico e financeiro, para desempenhar essas funções. Isto significa desenvolver e qualificar pessoal com competência para executar estas funções nos diferentes setores da Secretaria, organizar estruturas de coordenação internas capazes de articular estes diferentes setores, desenvolver negociação para o estabelecimento de novas parcerias externas e propiciar o investimento necessário de recursos próprios. Também é pouco provável que, ao desenvolver essa política, o gestor terá retornos espetaculares em curto prazo. Os processos educativos tendem a ser cumulativos e a aquisição de habilidades e atitudes é um processo mais lento do que a simples incorporação de conhecimentos. A compra do medicamento decorrente da ação judicial é mais urgente, a construção do hospital vai permitir atender mais gente necessitada. Mas nenhuma política trará tanto impacto transformador e dará tanta sustentabilidade ao SUS quanto uma política educacional bem conduzida junto aos profissionais de saúde no estado. livro5_corrigido.indd 75 2/21/aaaa 10:14:04 76 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs livro5_corrigido.indd 76 2/21/aaaa 10:14:04 G estã o d o t r a b a lh o e p a C to d e G estã o 3 3.1 Gestão do Trabalho no SUS: campo, sociedade e estado 3.2 Estrutura e organização da área de recursos humanos nas Secretarias Estaduais de Saúde 3.3 O financiamento da Gestão do Trabalho 3.4 Uma nova forma de gerir o trabalho no interior do SUS 3.5 O Pacto de Gestão livro5_corrigido.indd 77 2/21/aaaa 10:14:04 80 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Merhy49, “em saúde, governa desde o porteiro de uma unidade de saúde qualquer, passando por todos os profissionais de saúde mais específicos, até o dirigente máximo de um estabelecimento”. Restringindo-nos ao âmbito do SUS, cabe destacar, no que diz respeito aos recursos humanos, a existência de uma relação entre usuários, trabalhadores de saúde e gestores no processo de produção e consumo de cuidados de saúde. Metodologicamente, podem-se delimitar dois campos de atuação para as ações do sistema que implicam a relação entre trabalhadores e sistema de saúde: o campo da gestão e o campo do desenvolvimento. Tradicionalmente, temos o hábito de segmentá-los, tomando o primeiro como o que cuida de recrutamento e seleção, cadastro e remuneração, lotação e movimentação e direitos e deveres, e o segundo, como responsável pelas ações de formação, estágios, qualificação, treinamentos, capacitações e outras modalidades de preparação de recursos humanos. Essa racionalidade, encontrada no campo de RH em saúde, na lógica da administração pública burocrática, e implantada a partir da segunda metade do século XIX, ainda persiste nas estruturas organizacionais, estando colocada como um dos inúmeros desafios a serem enfrentados para a reestruturação do sistema. Convém mencionar que muitos dos problemas de recursos humanos possuem solução a partir de mudanças no Estado brasileiro e na sociedade como um todo. Entendendo o SUS como um movimento dinâmico e em permanente processo de construção, essas mudanças estão no campo das possibilidades. Não é possível reestruturar o sistema de saúde mantendo os agentes vivos do processo em uma lógica de gestão cuja rigidez se configura como obstáculo à mudança. 49 MERHY E. Em busca da qualidade dos serviços de saúde: os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em defesa da vida, In: CECÍLIO L. C. de O (org.). Inventando a mudança na saúde. Hucitec. São Paulo; 1994. 117–160. livro5_corrigido.indd 80 2/21/aaaa 10:14:05 81Gestão do trabalho na saúde 3.1.1 Gestão do trabalho no SUS: processo em andamento A pesquisa Estruturação da área de Recursos Humanos nas Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal, citada nos capítulos 1 e 2, realizada pelo CONASS, em 2003, e cujo relatório final compôs o primeiro volume da série CONASS documenta50, foi uma iniciativa pioneira ao efetuar diagnóstico desta área estratégica para o SUS. A pesquisa fez parte do Programa de Informação e Apoio Técnico às Novas Equipes Gestoras Estaduais do SUS de 2003 (Progestores), por meio de acordo de cooperação técnica entre o CONASS, a Opas-Brasil e o Ministério da Saúde. O documento tomou como base o quadro de recursos humanos em todas as Secretarias Estaduais de Saúde (SES), no ano de 2003. Os números revelaram a importância da área para o SUS e para os estados: 54% dos recursos financeiros das Secretarias Estaduais de Saúde, em 2003, foram gastos com recursos humanos, totalizando aproximadamente R$ 5,5 bilhões/ano. No período estudado, havia 457 mil servidores nas Secretarias Estaduais, entre os quais 398 mil ativos. Esses dados, provavelmente, sofreram incremento nos últimos anos. Em suas reuniões periódicas, a Câmara Técnica de Recursos Humanos do CONASS relatou a ocorrência de novos concursos estaduais, principalmente nos anos de 2005 e 2006 que, embora ainda não contabilizados até o momento, apontam para o aumento do trabalho formal nas Secretarias de Estado de Saúde, no que se refere ao incremento da força de trabalho. A estrutura da Secretaria Executiva do CONASS vem implantando, ao longo dos anos, Câmaras Técnicas nas diferentes áreas de ação das SES, num total de nove: Recursos Humanos; Informação e Informática; Assistência Farmacêutica; Gestão e Financiamento do SUS; Vigilância Sanitária; Atenção à Saúde; Epidemiologia; Atenção Básica e Comunicação Social. Uma das mais antigas, a Câmara de Recursos Humanos foi instalada, em 1996, e tem tido uma atuação estratégica na discussão, no acompanhamento e na implantação de políticas estaduais e nacionais para a área no SUS. Composta por dirigentes estaduais de Recursos Humanos, essa câmara 50 Publicada em abril de 2004. livro5_corrigido.indd 81 2/21/aaaa 10:14:05 82 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs se constitui como um fórum dinâmico, com reuniões nacionais periódicas ricas no estabelecimento de consensos estaduais para a área, bem como na troca de experiências de gestão. Em abril de 2004, os Secretários de Estado de Saúde dos 26 estados e do Distrito Federal reuniram-se em seminário realizado no Rio de Janeiro, sob o título Recursos humanos: um desafio do tamanho do SUS. Esse evento, que se inseriu no calendário oficial de construção de consensos do CONASS, gerou o CONASS documenta n. 4, disponível no site da entidade (www.conass.org.br). O documento representa a posição dos Secretários de Estados frente aos principais temas de política de recursos humanos a desafiar o processo de gestão e consolidação do SUS. Naquela ocasião, o então presidente do CONASS, Dr. Gilson Cantarino O’Dwyer, apontou em sua apresentação que “o desenvolvimento de políticas e prioridades para a área de recursos humanos é um dos maiores desafios a ser enfrentado para a construção de um sistema de saúde solidário e justo. Construir uma política cidadã como o SUS implica que seus construtores/operadores, os trabalhadores de saúde, sejam incorporados como sujeitos e criadores de transformações, e não como meros agentes cumpridores de tarefas ou objeto de políticas desumanizadas”. Foram três os principais eixos de trabalho priorizados para serem trabalhados no Seminário: • desprecarização do trabalho em ambiente de incerteza; • processo de desenvolvimento e formação de recursos humanos na saúde, com ênfase no debate dos Pólos de Educação Permanente; • estrutura e organização da área de Recursos Humanos nas Secretarias Estaduais de Saúde. livro5_corrigido.indd 82 2/21/aaaa 10:14:05 85Gestão do trabalho na saúde das disponibilidades das categorias com o perfil desejado no mercado, inclusive considerando as diversas regiões contempladas pelos concursos; e, por fim, das prioridades para incorporação de novos servidores ao quadro funcional. Informações desta ordem são indispensáveis para dotar o gestor de maior autonomia e capacidade de negociação e controle junto às instituições executoras do concurso e para obtenção de melhores resultados no processo seletivo. A evasão presente em processos seletivos pós-convocação e a lotação dos aprovados, em especial para algumas especialidades médicas, muitas vezes se dá de forma acentuada e precoce, por não ter havido um efetivo processo de planejamento contemplando alguns cuidados, como, por exemplo, o mercado de trabalho local e de regiões próximas. Os Secretários Estaduais manifestaram, nesse seminário, o entendimento de que o concurso público não é uma solução isolada e deve dar acesso a um plano de carreiras que garanta a qualificação e a educação permanente, como estratégia de fixação dos profissionais, principalmente nos municípios pequenos e distantes, e que a remuneração deveria considerar, também, o desempenho. Foi consenso, também, no Seminário que as SES deveriam dar apoio para a regularização da situação das Equipes de Saúde da Família pelas Secretarias Municipais de Saúde. 3.1.2.2 plano de cargos, carreiras e salários Em 2003, apenas 10 SES diziam ter Planos de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) próprios, como já foi mencionado anteriormente, no primeiro capítulo. Em 2006, em reunião da Câmara Técnica de Recursos Humanos do CONASS, registrou- se que mais oito Secretarias de Estado haviam elaborado, aprovado ou implantado seus novos planos. A inexistência ou a inadequação/desatualização dos PCCS das SES foi apontada pelos dirigentes de RH das Secretarias Estaduais, durante o estudo, como o mais sério problema para a gestão de RH nos estados, além de contribuir para o surgimento de insatisfação entre os servidores públicos estaduais. Nas discussões realizadas por ocasião do Seminário para construção de consensos, todos os gestores concordavam com planos de carreiras que valorizassem o serviço público e os trabalhadores de saúde. Foi consenso entre os secretários a livro5_corrigido.indd 85 2/21/aaaa 10:14:05 86 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs necessidade de um Plano de Carreiras, Cargos e Salários que valorizasse a carreira e não se limitasse a ser apenas um plano de cargos e/ou um plano de salários, e que tivesse as seguintes características: serem atualizados; terem garantia de mobilidade; terem as remunerações compostas de uma parte fixa e outra variável, e esta privilegiando o esforço de formação, qualificação e a avaliação de desempenho. Deveriam, ainda, conter estímulos para tempo integral e dedicação exclusiva. O PCCS deveria incorporar incentivos que variariam de estado para estado, como, por exemplo, incentivo à interiorização, à municipalização e ao trabalho na ponta do sistema. Esses incentivos não deveriam ser incorporados ao salário. Os Secretários não concordaram com um PCCS nacional, mas sim com diretrizes nacionais para a construção dos PCCS. Os Secretários destacaram, ainda no Seminário, a necessidade de definir as carreiras de saúde como carreiras típicas do estado e, dentro do setor saúde, definir quais seriam essas carreiras e quais poderiam ser consideradas como emprego público. Grande parte do que foi consenso entre os Secretários de Estado com relação à proposta de PCCS figura hoje nas “Diretrizes Nacionais para a Instituição de Planos de Carreiras, Cargos e Salários no Âmbito do Sistema Único de Saúde”, elaboradas por comissão especial instituída pela Portaria GM/MS n. 626, de 8 de abril de 2004. A Mesa Nacional de Negociação Permanente do Sistema Único de Saúde (MNNP-SUS) aprovou, em reunião ordinária de 5 de outubro de 2006, o texto final do documento que foi submetido à Comissão Tripartite, no dia 09 de novembro de 2006, e entregue ao Conselho Nacional de Saúde. O documento de diretrizes tem por objetivo orientar a criação ou reforma de planos de carreiras, cargos e salários no âmbito do SUS. Não pode ser confundido, portanto, com PCCS único do SUS, pois se trata de um documento orientador de propostas de elaboração de PCCS nas instituições do Sistema. O documento con- templa todos os aspectos que em 2004 os Secretários apontavam como necessários 55. 55 CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE. CONASS documenta n. 4 – Recursos humanos: um desafio do tamanho do SUS / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS, 2004. 28 p., (CONASS Documenta; v. 4). livro5_corrigido.indd 86 2/21/aaaa 10:14:05 87Gestão do trabalho na saúde 3.1.2.3 negociação do trabalho no sus O Documento de Consenso, de 2004, também expõe a visão da entidade sobre este tema, sendo favorável ao incentivo à criação de mesas estaduais como facilitadoras para a superação dos conflitos, ressaltando que ainda há a necessidade de todo um aprendizado das partes envolvidas no estabelecimento de papéis e limites de atuação. Alguns estados já instalaram suas Mesas Estaduais de Negociação Permanente. No âmbito do Ministério da Saúde, a Mesa Nacional de Negociação do SUS (MNNP- SUS) foi instituída mediante Resolução n. 52, em 6 de maio de 1993, homologada pelo então Ministro da Saúde, Jamil Haddad, com o objetivo de estabelecer um fórum permanente de negociação entre gestores públicos e privados e trabalhadores do SUS, sobre todos os pontos pertinentes à força de trabalho em saúde. A instituição da Mesa representou a criação de um espaço democrático, a partir do qual se esperava concretizar o atendimento de reivindicações dos trabalhadores, manifestadas em inúmeras conferências nacionais, estaduais e municipais, em que colocaram as relações e as condições de trabalho no centro das discussões. A esses temas estão naturalmente vinculadas outras matérias de grande relevância, que têm mobilizado tanto os trabalhadores quanto os gestores do SUS, como planos de carreira, cargos e salários, jornada de trabalho, saúde do trabalhador, formação e qualificação dos profissionais de saúde, recrutamento e seleção, entre outras. Apesar de a Mesa Nacional ter sido criada em 1993, foram realizadas apenas algumas reuniões, em intervalos não regulares. Em 1997, a Mesa Nacional de Negociação foi reinstalada a partir da Resolução n. 229, do Conselho Nacional de Saúde, e novamente não teve continuidade. As interrupções do funcionamento da Mesa Nacional de Negociação no âmbito do SUS podem ter dificultado a resolução de conflitos de relações de trabalho. Em 2003, a Mesa foi instalada pela terceira vez e vem se reunindo regularmente. Com a denominação de Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS, recebe todo apoio de infra-estrutura para seu funcionamento, por parte do Ministério da Saúde/Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação, e traz um elenco de questões muito semelhantes àquelas existentes no passado. livro5_corrigido.indd 87 2/21/aaaa 10:14:05 90 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs 3.1.3.1 atribuições da crts • Apreciar ações de regulação profissional para as profissões e ocupações da área de saúde. • Sugerir mecanismos de regulação profissional da área de saúde. • Sugerir iniciativas legislativas visando ao exercício de novas profissões e ocupações. 3.1.3.2 agenda da crts • Discutir questões ligadas ao reconhecimento de profissões e ocupações na área da saúde, os limites e as competências de cada categoria. • Subsidiar a atuação do Ministério da Saúde sobre questões ligadas à regulação do trabalho em saúde. • Realizar audiências públicas como meio de disseminar o debate com as representações profissionais, os técnicos e especialistas sobre os temas de sua pauta de trabalho. • Formular políticas de regulação do trabalho em articulação com as demais instâncias governamentais participantes que detêm prerrogativas nesta área. • Articular políticas de regulação profissional junto ao Fórum Permanente Mercosul para o Trabalho em Saúde, subsidiando a Subcomissão de Desenvolvimento e Exercício Profissional (Sub-Grupo de Trabalho 11), visando à integração profissional no âmbito do Mercosul. 3.1.3.3 instâncias participantes • Ministério da Saúde. • Ministério da Educação. • Ministério do Trabalho e Emprego. • Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). • Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). • Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). • Conselhos integrantes do Fórum Nacional dos Conselhos Federais da Área da Saúde. • Entidades Científicas das Profissões da Área de Saúde. • Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS (MNNP-SUS). livro5_corrigido.indd 90 2/21/aaaa 10:14:06 91Gestão do trabalho na saúde 3.2 Estrutura e organização da área de recursos humanos nas Secretarias Estaduais de Saúde A gestão dos recursos humanos nas SES é uma área com inúmeros problemas: insuficiência de recursos financeiros e humanos, pessoal pouco qualificado para atuação na área, inexistência de programas permanentes de qualificação, estruturas precárias e condições de trabalho deficientes, entre outros. No momento da realização do estudo do CONASS, em 2003, apenas 1.249 servidores das SES eram responsáveis pela gestão dos 450 mil servidores das Secretarias de Estado de Saúde, dos quais apenas 470 possuíam curso superior. Um dos problemas mais ressaltados foi a precariedade de instrumentos e processos de trabalho, sobretudo a ausência de um sistema de informação adequado ou a insuficiência dos sistemas existentes. A falta de informações confiáveis, atualizadas e acessadas com agilidade é a conseqüência mais evidente dessa situação, o que corrobora a discussão feita no capítulo 1, sobre a importância estratégica de se criar e manter atualizados sistemas de informações gerenciais para a área de recursos humanos. Outra característica destacada foi que, na maioria das SES, a área de RH estava situada no terceiro escalão da estrutura organizacional, subordinando-se à área administrativa e financeira. Inexiste, na maioria das SES, um locus institucional para a formulação das políticas de RH, assim como um processo de planejamento e programação da área. A gestão era separada da área de desenvolvimento/ formação, assim como as duas eram pouco articuladas com as áreas programáticas e finalísticas. Os gestores estaduais, naquela oportunidade, relacionaram as seguintes medidas a serem adotadas internamente para a reorganização da área de Recursos Humanos das SES, por ordem de prioridade: • realizar reforma administrativa para colocar a área de RH compondo a equipe de condução estratégica das SES; • integrar a área de gestão de RH com a de desenvolvimento e formação; livro5_corrigido.indd 91 2/21/aaaa 10:14:06 92 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs • modernizar a administração do setor de RH, incluindo a completa informatização; • formular plano anual de RH articulado ao Plano Estadual de Saúde, incluindo o diagnóstico de necessidades; • aumentar o orçamento próprio para a área de gestão e desenvolvimento/formação de RH; • aumentar o número de servidores da área e implantar um processo de qualificação permanente para os servidores do setor. 3.2.1 O advento do ProgeSUS O Ministério da Saúde tomou o estudo do CONASS57 como referência para o diagnóstico da situação nos estados e incorporou análise e recomendações da pesquisa realizada posteriormente pelo Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da Uerj (Cepesc-IMS/UERJ) para os municípios de mais de 100 mil habitantes, e traçou políticas para o fortalecimento e a modernização das estruturas de gestão de recursos humanos nos estados e municípios. Tais iniciativas foram sistematizadas no “Programa de Qualificação e Estruturação da Gestão do Trabalho e da Educação no SUS (ProgeSUS)”, que está sendo implementado pelo MS, em parceria com o CONASS e o Conasems, considerando o porte e as necessidades dos estados e municípios. Entre as propostas de intervenção, nesse campo, estão as ações que objetivam sensibilizar e conscientizar os gestores sobre: • a necessidade de elaboração e implantação de uma nova política de recursos humanos; • o desenvolvimento de um Sistema Nacional de Informações que permita a comunicação entre o Ministério da Saúde, os estados e os municípios, oferecendo suporte às ações voltadas à gestão do trabalho e da educação na saúde; 57 CONASS documenta n.1. Estruturação da área de Recursos Humanos nas Secretarias de Saúde dos Estados e no Distrito Federal, 2004. livro5_corrigido.indd 92 2/21/aaaa 10:14:06 95Gestão do trabalho na saúde No ano dedicado aos trabalhadores de saúde, que inaugura a década dos recursos humanos, segundo a OMS, decorridos vinte anos da Primeira Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde, treze anos da segunda e, após a realização da Terceira Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, em março de 2006, há um amadurecimento dos diferentes atores envolvidos no processo e a busca da construção de agendas propositivas e estratégicas para o enfrentamento das questões de gestão do trabalho no Sistema Único de Saúde. 3.4 Uma nova forma de gerir o trabalho no interior do SUS Para além da agenda que compõe os principais marcos da política de gestão do trabalho, comentada anteriormente, a gestão dessa área, no âmbito estadual e municipal, se depara com questões candentes e especializadas, que constituem a base qualificadora dessas políticas e que precisam ser enfrentadas. Por seu caráter especializado, tais questões demandam a convergência de esforços especiais das equipes dos setores responsáveis e dos gestores como um todo, na construção de alternativas que avancem em propostas e atualizem as estruturas. Esse processo compreenderia: • a profissionalização das equipes que atuam na área da gestão do trabalho; • a análise e redesenho dos seus processos de trabalho; • os sistemas gerenciais de pessoal informatizados, favorecendo a gestão compartilha- da; • a articulação, em rede, entre os órgãos centrais e as diferentes unidades que compõem a estrutura de serviços estaduais; • uma nova forma de acolhimento, interação e comunicação entre as áreas responsáveis pela gestão do trabalho e seus trabalhadores. livro5_corrigido.indd 95 2/21/aaaa 10:14:06 96 Coleção proGestores | para entender a Gestão do sUs Refletir sobre esses temas parece necessário para avançar nas recomendações efetuadas pelo CONASS em todos os seus documentos relativos à gestão do trabalho, antecipando pontos críticos que poderiam alimentar as pautas dos novos gestores públicos, que serão renovadas no próximo ciclo de governo. No contexto de implantação do ProgeSUS, programa recém-lançado pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria n. 1.404, de 20 de junho de 2006, e publicado no Diário Oficial de 30 de junho de 2006, parece fundamental lançar esse olhar à pauta mais específica, iluminando aspectos que devem perder definitivamente a “rubrica de burocráticos”, para se tornarem verdadeiras ferramentas estratégicas de profissionalização do setor, merecendo apoio à sua problematização rumo à construção de uma nova gestão do trabalho no SUS. Com essa perspectiva, cinco pontos parecem exemplares e fundamentais. 3.4.1 Os benefícios e seu papel na composição da remuneração do trabalhador Considerando o atual cenário de restrições nas despesas com remuneração, os benefícios passam a ter significativa importância para a composição da remuneração do trabalhador. Nos dias atuais, os servidores públicos contam com alguns benefícios, como, por exemplo, auxílio alimentação e vale transporte. Mas esse tipo de política de benefícios já vem sendo discutida no mundo do trabalho sob a forma de sistema de benefícios e incentivos aos trabalhadores, resgatando temas como o auxílio à formação profissional/pessoal dos trabalhadores e seus dependentes, auxílio pré-escolar ou creche etc. É um tema a ser aprofundado pelos órgãos que coordenam a gestão do trabalho nas instituições, inclusive para subsidiar os gestores nos debates entre governo e trabalhadores, com dados e matérias atualizadas. livro5_corrigido.indd 96 2/21/aaaa 10:14:06 97Gestão do trabalho na saúde 3.4.2 A Previdência Social num contexto de reformas Com as seguidas revisões efetuadas nas regras trabalhistas no setor público, notadamente aquelas relacionadas à aposentadoria, é importante realizar balanços e estudos específicos referentes aos impactos e mesmo às aplicações que essa revisão tem trazido para os sistemas de previdência dos trabalhadores de cada ente federado e dos próprios órgãos gestores do trabalho. É importante, também, investir na formação dos trabalhadores desses órgãos para acompanhar as mudanças que têm sido aprovadas pelo Legislativo, incorporando, com agilidade, procedimentos coerentes com as legislações reformadas e acompanhando os debates que têm sido candentes no âmbito da sociedade brasileira. 3.4.3 A saúde do trabalhador: atenção integral e qualidade de vida A saúde dos trabalhadores do setor é um tema sempre presente nas pautas de negociação. Nesse campo, processa-se um amadurecimento das políticas voltadas à saúde dos trabalhadores nas instituições de saúde, tendo a área, em 2006, realizado uma conferência específica sobre o tema. Suas ações estão relacionadas à ampliação da qualidade de vida e à atenção integral à saúde do trabalhador, com garantia de realização de exames periódicos anuais para todos, em cumprimento à legislação. Entre eles, destacam-se a vacinação de trabalhadores que exercem atividades que requeiram proteção específica e, numa outra dimensão, as ações de gestão ambiental por meio de análise das condições ambientais em que ocorrem os diferentes processos de trabalho realizados no SUS. Nesse campo estão, ainda, os seguros contra acidentes de trabalho para todos os estudantes, bolsistas, residentes e trabalhadores terceirizados que exercem suas atividades no interior das instituições de saúde. A área de saúde do trabalhador tem um vastíssimo campo a ser explorado no interior das políticas e práticas da área de gestão do trabalho, sugerindo a necessidade de aproximação efetiva entre todos os órgãos que tratam do assunto livro5_corrigido.indd 97 2/21/aaaa 10:14:06
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