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Guias e Dicas
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Tese - Jaildo, Teses (TCC) de Engenharia Sanitária

Texto sobre cobrança pelo uso da água da prática francesa a experiência brasileira.

Tipologia: Teses (TCC)

2010

Compartilhado em 27/08/2010

jaildo-santos-pereira-5
jaildo-santos-pereira-5 🇧🇷

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Baixe Tese - Jaildo e outras Teses (TCC) em PDF para Engenharia Sanitária, somente na Docsity! UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE PESQUISAS HIDRÁULICAS A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS: DA EXPERIÊNCIA FRANCESA À PRÁTICA BRASILEIRA JAILDO SANTOS PEREIRA Tese submetida ao programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Engenharia Orientador: Antônio Eduardo Leão Lanna Banca Examinadora Prof. Dr. André Silveira IPH/UFRGS Prof. Dr. Oscar Fernando Osório Balarine PUC/RS Prof. Dr. Oscar de Moraes Cordeiro Netto UnB Porto Alegre, 12 de Novembro de 2002 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS ii “De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.” (Fernando Sabino) A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS v RESUMO A implementação dos instrumentos previstos na política de recursos hídricos representa um grande avanço para a modernização do setor. Porém, especialmente em relação à cobrança pelo uso da água, persistem muitas dúvidas, receios e inquietações. Os objetivos, inclusive estabelecidos na própria legislação, poderão ser alcançados com o uso da cobrança pelo uso da água? Efetivamente, qual será a destinação dos recursos obtidos com a cobrança? Quais serão os impactos da cobrança pelo uso da água nas diversas atividades econômicas? O uso da cobrança, como instrumento de gestão, aumentará a exclusão social? São questões que suscitam debates, muitas vezes apaixonados, e que tem inspirado a realização de diversos estudos teóricos e até mesmo conduzido a formulação de leis no nível de cada Estado. O objetivo central desta pesquisa é proceder a uma análise do arcabouço teórico-conceitual da cobrança pelo uso da água como um instrumento de gestão, discutir os limites da abordagem econômica, analisar a experiência internacional e, devido à grande influência da 'escola francesa' na definição do modelo brasileiro, avaliar a evolução do sistema naquele país. Como no Brasil, a instalação do sistema de gerenciamento de recursos hídricos está em marcha, particularmente no que se refere à cobrança pelo uso da água, também é objetivo desta pesquisa analisar a situação atual do processo de implementação no nível Federal e nas diversas unidades da federação. Para conectar as discussões das partes precedentes com a realidade, simulam-se diferentes critérios de cobrança pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio dos Sinos, localizada no Rio Grande do Sul. O trabalho conclui que, apesar da cobrança pelo uso da água ter sua fundamentação conceitual assentada na economia, esse ramo da ciência deve, apenas de forma subsidiária, aportar informações para as definições do tipo quanto cobrar, de quem cobrar, etc. As definições que norteiam a cobrança são, antes de tudo, decisões políticas e por essa razão devem ser consideradas em um processo de negociação social, envolvendo os diversos atores da bacia hidrográfica. Além disso, apesar de ser um instrumento bastante poderoso, a cobrança pelo uso da água não deve ser vista como um instrumento de gestão isolado e capaz de resolver todas as questões relacionadas com o planejamento e gestão de recursos hídricos. Palavras-chaves: Gestão dos recursos hídricos, Cobrança pelo uso da água, Instrumento de gestão. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS vi CHARGING FOR WATER USE AS A MANAGEMENT INSTRUMENT: FROM THE FRENCH EXPERIENCE TO THE BRAZILIAN PRACTICE ABSTRACT The implementation of the instruments forseen in the water resources politics represents a great progress for the section’s modernization. However, especially concerning the charge for water use, many doubts, fears and restlessness persist. Can the objectives, including the ones established in the legislation, be achieved with water use charging? Effectively what shall be the destination of the resources obtained from the charging? What shall the impacts of charging for water use be to the various economic activities? Will the use of charging, as a management instrument, increase social exclusion? These are matters that bring about debates, often very passionate debates, and that have inspired various theoretical studies and have even led to law formulation at the level of each state. The central objective of this research is to bring an analysis on the theoretical-conceptual outline of water use charging as a management instrument, discuss the limits of the economic approach, analyze the international experience and, due to the great influence of the “French school” in the definition of the Brazilian model, evaluate the system’s evolution in that country. As in Brazil the installation of the water resources management system is in march, particularly referring to water use charging, it is also an objective of this research to analyze the present situation of the implementation process in the Federal level and in the various units of the Federation. In order to connect the precedent parts with reality, different water use charging criteria are simulated in the hydrographic basin of the Sinos River, situated in Rio Grande do Sul. This work concludes that, although water use charging has its conceptual fundamentation from economics, this science branch should, only in a subsidiary manner, contribute with information for definitions like how to charge, from whom to charge, etc. The definitions that guide charging are, above all, political decisions and, because of this, should be considered in a process of social negotiation, involving the various actors of the hydrographic basin. Besides this, although being very powerful, charging for water use should not be seen as an isolated management instrument and capable of resolving all of the matters related to planning and management of water resources. Key-words: Water resources management, Charging for water use, Management instrument A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS vii LE PAIEMENT SUR L'UTILISATION DE L'EAU COMME UN INSTRUMENT DE GESTION DE RESSOURCE EN EAU: DE L´EXPÉRIENCE FRANÇAISE À LA PRATIQUE BRÉSILIENNE RESUMÉ La mise en oeuvre des outils prévus dans la politique de ressources en eau représente un grand progrès pour la modernisation du secteur. Cependant, en ce qui concerne particulièrement le paiement pour l'utilisation de l´eau - la "redevance eau", il y en encore beaucoup de doutes, craintes et inquiétactions. Les objectifs, y compris ceux établis dans la législation, peuvent-ils être atteints avec l´utilisation de la "redevance eau"? Quel sera, en effet, la destination des ressources financiers obtenus avec la "redevance eau"? Quelles seront les impacts du paiement sur l'utilisation de l'eau aux diverses activités économiques? L'utilisation de la "redevance eau" comme un instrument de gestion augmentera-t-il l'exclusion sociale? Il s´agit des questions qui provoquent des discussions, souvent très passionnées, et qui ont inspiré de diverses études théoriques et ont même mené à la formulation des lois au niveau de chaque État de la fédération. L'objectif central de cette recherche est d'apporter une analyse sur le contour théorique-conceptuel la "redevance eau" comme instrument de gestion, discuter les limites de l'approche économique, analyser l'expérience internationale et, évaluer l´évolution de ce systéme en France, en raison de la grande influence de l'école française dans la définition du modèle brésilien. Au Brésil la mise en oeuvre du système de gestion de ressources en eau est en marche, particulierment le paiement sur l'utilisation de l'eau. Ainsi, c'est également un objectif de cette recherche d´analyser la situation actuelle de son process de mise en oeuvre au niveau fédéral et dans les diverses unités de la fédération. Différents critères pour le paiement sur l´utilisation de l´eau sont simulés dans le bassin hydrographique du fleuve dos Sinos, situé à Rio Grande do Sul, Brésil, ayant comme but la transposition des discussions theoriques précedentes à la réalité. Ce travail conclut que, bien que paiement sur l'utilisation de l'eau aie sa fundamentation conceptuel dans la science économique, cette branche de la science devrait, seulement d'une façon subsidiaire, contribuer a l'information pour les parametres suivantes: combien percevoir, de qui percevoir, etc... Les parametres qui guident le paiement sur l'utilisation de l'eau sont, surtout, pris par des décisions politiques et, pour cette raison, devraient être considérées dans un processus de négociation sociale, faisant participer les divers acteurs du bassin. D´outre part, le paiement sur l´utilisation de l´eau, qui est un outil très puissant, ne devrait pas être vu comme un instrument isolé et capable de résoudre tous les problemes liés à la planification et à la gestion des ressources en eau Mots-Clés: Gestion de l'Eau, Le Paiement sur l'utilisation de l'eau, Instrument de gestion A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS x 5.1 A REFORMA DAS AGÊNCIAS DE ÁGUA.................................................................................108 5.2 O DEBATE SOBRE A PROPOSTA DE REFORMA DA POLÍTICA DE ÁGUA FRANCESA ...........................113 PARTE III - A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NO BRASIL 1. INTRODUÇÃO................................................................................................119 2. ASPECTOS LEGAIS ..........................................................................................120 2.1 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA PROPOSTA NA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS ...122 2.2 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL................127 2.3 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NAS LEIS ESTADUAIS .........................................................129 2.3.1 A Cobrança Pelo Uso da Água no Estado de São Paulo ...................................130 2.3.2 A Cobrança Pelo Uso da Água no Estado do Paraná .......................................134 3. ESTUDOS DE COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NO BRASIL..............................137 3.1 BACIAS DE RIOS DE DOMÍNIO DA UNIÃO ............................................................................143 3.1.1 Bacia do Rio Paraíba do Sul...........................................................................143 3.2 BACIAS DE RIOS DE DOMÍNIO DOS ESTADOS .......................................................................146 3.2.1 Alguns Ensaios da Cobrança Pelo Uso da Água no Estado de São Paulo ...........146 PARTE IV - SIMULAÇÃO DE ALGUNS CRITÉRIOS DE COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DOS SINOS, RS 1. A BACIA DO RIO DOS SINOS..........................................................................151 1.1 INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS .............................................................................................155 1.1.1 Aspectos Quantitativos ..................................................................................155 1.1.2 Aspectos Qualitativos ....................................................................................156 1.1.3 Solução Técnica Preconizada .........................................................................157 1.2 CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS ..........................................................................................159 2. COBRANÇA PELA RETIRADA DE ÁGUA: METODOLOGIA, SIMULAÇÕES E RESULTADOS......................................................................................................160 2.1 USUÁRIOS SUJEITOS À COBRANÇA PELA RETIRADA DE ÁGUA....................................................162 2.2 COBRANÇA COM BASE EM RATEIO DE INVESTIMENTOS...........................................................163 2.3 COBRANÇA COM BASE EM VALOR DE REFERÊNCIA PONDERADO ..............................................163 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS xi 2.4 ANÁLISE DOS IMPACTOS DA COBRANÇA .............................................................................168 2.4.1 Abastecimento Doméstico..............................................................................168 2.4.2 Abastecimento Industrial ................................................................................170 2.4.3 Irrigação ......................................................................................................172 2.4.4 Criação de Animais.......................................................................................173 3. COBRANÇA PELO LANÇAMENTO DE EFLUENTES: METODOLOGIA, SIMULAÇÕES E RESULTADOS......................................................................................................173 3.1 USUÁRIOS SUJEITOS À COBRANÇA PELO LANÇAMENTO DE EFLUENTES ......................................174 3.2 COBRANÇA COM BASE EM RATEIO DE INVESTIMENTOS...........................................................174 3.3 COBRANÇA COM BASE NO CUSTO DE MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL ............................179 3.4 COBRANÇA COM BASE EM VALOR DE REFERÊNCIA PONDERADO ..............................................179 3.5 COBRANÇA COM BASE NO CUSTO DE ABATIMENTO MARGINAL DA DBO..................................181 3.6 ANÁLISE DOS IMPACTOS DA COBRANÇA .............................................................................184 3.6.1 Abastecimento Doméstico..............................................................................185 3.6.2 Abastecimento Industrial ................................................................................187 3.6.3 Criação de Animais.......................................................................................190 PARTE V - CONCLUSÃO GERAL 1. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ..............................................................191 2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................196 3. ANEXOS .........................................................................................................206 A.1 PROJETO DE LEI QUE REFORMA O SISTEMA FRANCÊS DE GESTÃO DE ÁGUA ...................................... A.2 SISTEMA DE APOIO À COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA - SACUA................................................... A.3 CUSTO DA LAVOURA DE ARROZ IRRIGADO DO RS ....................................................................... A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS xii LlSTA DE TABELAS PARTE I TABELA 3.1 - ESTIMATIVAS DA ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA RESIDENCIAL EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO................................................................................................................40 TABELA 3.2 - ESTIMATIVAS DE ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA INDUSTRIAL PAULISTA .......................42 TABELA 4.1 – COBRANÇA PELA CAPTAÇÃO DE ÁGUA BRUTA APLICADA NO SETOR INDUSTRIAL................47 TABELA 4.2 – QUADRO INSTITUCIONAL E NÍVEL DOS PREÇOS DA ÁGUA DE USO AGRÍCOLA EM ALGUNS PAÍSES DA OCDE ..................................................................................................................49 TABELA 4.3 – CARACTERÍSTICAS DE ALGUNS SISTEMAS DE COBRANÇA PELO LANÇAMENTO DE EFLUENTES ..53 PARTE II TABELA 3.1 - COMPOSIÇÃO DOS COMITÊS DE BACIA EM 01/01/1997 ...........................................75 TABELA 3.2 - A COBRANÇA PELA CAPTAÇÃO DE ÁGUA BRUTA PARA AS INDÚSTRIAS E COLETIVIDADES NA BACIA SEINE-NORMANDIE EM 2002 (EM CENTAVOS DE US$) .........................................................78 TABELA 3.3 - A COBRANÇA PELA CAPTAÇÃO DE ÁGUA BRUTA PARA IRRIGAÇÃO NA BACIA SEINE- NORMANDIE EM 2002............................................................................................................78 TABELA 3.4 - PREÇOS UNITÁRIOS DAS DIFERENTES AGÊNCIAS DE ÁGUA - FRANÇA (EM 1997)................79 TABELA 3.5 - CÁLCULO DA COBRANÇA PELA POLUIÇÃO DOMÉSTICA NA CIDADE DE PARIS – 2002 ..........80 TABELA 3.6 - CÁLCULO DA COBRANÇA PELA POLUIÇÃO GERADA POR UMA CERVEJARIA, LOCALIZADA NA ÎLE- DE-FRANCE - BACIA SEINE-NORMANDIE – 1997 ..........................................................................81 TABELA 3.7 - PREÇO MÉDIO DA ÁGUA NAS DIVERSAS BACIAS FRANCESAS – US$/M3 (2000) ..................83 TABELA 3.8 - EVOLUÇÃO DAS REDEVANCES DAS AGENCIAS DE ÁGUA – (MÉDIA NACIONAL) - US$/M3.....83 TABELA 3.9 - VII PROGRAMA DE INTERVENÇÃO (1997-2001) – EM BILHÕES DE FRANCOS ....................85 TABELA 3.10 - POLUIÇÃO PRODUZIDA E ABATIDA (EM MILHÕES DE EQUIVALENTES-HABITANTES) ..............88 TABELA 4.1 - RELAÇÃO ENTRE AS AJUDAS ATRIBUÍDAS E OS MONTANTES COLETADOS COM A COBRANÇA DURANTE O VII PROGRAMA DE INTERVENÇÃO ..............................................................................98 TABELA 4.2 - REPARTIÇÃO DAS AJUDAS DO VII PROGRAMA ENTRE CATEGORIAS DE BENEFICIÁRIOS .........105 TABELA 4.3 - REPARTIÇÃO DAS AJUDAS DESTINADAS AS INDÚSTRIAS NO VII PROGRAMA (AGENCIA SEINE- NORMANDIE) ......................................................................................................................105 TABELA 4.4 - RELAÇÃO ENTRE OS MONTANTES EFETIVAMENTE EMPENHADOS E OS PREVISTOS DO VI PROGRAMA DE INTERVENÇÃO (1992-1996) ............................................................................. 106 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS xv LlSTA DE FIGURAS PARTE I FIGURA 2.1 - A EXTERNALIDADE, AFASTAMENTO ENTRE CUSTO SOCIAL E CUSTO PRIVADO ..................... 7 FIGURA 2.2 – NÍVEL ÓTIMO DE POLUIÇÃO.................................................................................21 FIGURA 3.1 – PRINCÍPIOS GERAIS DO CUSTO DA ÁGUA..................................................................24 FIGURA 3.2 – COMPONENTES DO VALOR DA ÁGUA ......................................................................26 FIGURA 3.3 – OS PREÇOS DA ÁGUA .........................................................................................27 FIGURA 3.4 - CUSTOS E BENEFÍCIOS TOTAIS E MARGINAIS DE CONTROLE .........................................33 FIGURA 3.5 - ESQUEMA DE FUNCIONAMENTO DA COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NO CONTEXTO DA ANÁLISE CUSTO-EFETIVIDADE (SEGUNDA VERSÃO) ........................................................................37 PARTE II FIGURA 3.1 - AS SEIS GRANDES BACIAS HIDROGRÁFICAS FRANCESAS ...............................................73 FIGURA 3.2 - O PROCESSO DE DECISÃO NAS AGÊNCIAS DE ÁGUA NA ATRIBUIÇÃO DE AJUDAS ...............87 FIGURA 4.1 - ESQUEMA DE FINANCIAMENTO DAS AGÊNCIAS DE ÁGUA E OS TRÊS PILARES DO SISTEMA DE GESTÃO (REGULAMENTAÇÃO, INCITAÇÃO ECONÔMICA E AJUDAS) ...................................................91 PARTE IV FIGURA 1.1 - LOCALIZAÇÃO DA BACIA DO RIO DOS SINOS ..........................................................151 FIGURA 1.2 - USO DO SOLO NA BACIA....................................................................................152 FIGURA 1.3 - ESQUEMA DO SISTEMA DE APOIO À COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA, DESENVOLVIDO EM PLANILHAS ELETRÔNICAS EXCEL ...............................................................................................160 FIGURA 2.1 - ENQUADRAMENTO DO RIO DOS SINOS E SEUS AFLUENTES PRINCIPAIS EM CLASSES DE USOS PREPONDERANTES ................................................................................................................166 FIGURA 3.1 - CUSTO MARGINAL DE ABATIMENTO DA DBO5 NA BACIA DO RIO DOS SINOS ................182 A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS xvi LlSTA DE SIGLAS ABRH – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RECURSOS HÍDRICOS ACB – ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO ACE – ANÁLISE CUSTO-EFETIVIDADE AG – ADOUR-GARONNE ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS AOX – COMPOSTOS ORGANOHALOGÊNOS AP – ARTOIS-PICARDIE BMG – BENEFÍCIO MARGINAL BSL – BENEFÍCIO SOCIAL LÍQUIDO BT – BENEFÍCIO TOTAL CBC – CRESCENTES BLOCOS DE CONSUMO CEEE - COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA CEIVAP – COMITÊ PARA INTEGRAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL CEPAL – COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA CERH/PR – CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS - PARANÁ CMG – CUSTO MARGINAL CNEC – CONSÓRCIO NACIONAL DE ENGENHEIROS E CONSULTORES CNRH – CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS CORHI/ SP – COMITÊ COORDENADOR DO PLANO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS CORSAN – COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CRH/SP – CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS – SÃO PAULO CT – CUSTO TOTAL DBC – DECRESCENTES BLOCOS DE CONSUMO DBO5 – DEMANDA BIOQUÍMICA DE OXIGÊNIO DNAEE - DEPARTAMENTO NACIONAL DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA DQO – DEMANDA QUÍMICA DE OXIGÊNIO EDF – ÉLECTRICITÉ DE FRANCE EP – ELASTICIDADE-PREÇO CNA – CONSELHO NACIONAL DE ÁGUA - MÉXICO FEE – FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA FEHIDRO – FUNDO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS - SP FIPE – FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS FNDAE – FUNDO NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS REDES RURAIS FNRH – FUNDO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS FUNDAP – FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS xvii IRGA – INSTITUTO RIOGRANDENSE DO ARROZ LB – LOIRE-BRETAGNE MES - MATÉRIAS EM SUSPENSÃO METOX – METAIS E METALÓIDES MI - MATÉRIAS INIBIDORAS MN - MATÉRIAS NITROGENADAS MO - MATÉRIAS OXIDÁVEIS (MO = (DQO + 2.DBO5)/3) NRA – NATIONAL RIVERS AUTHORITIES OCDE – ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO OFWAT – OFFICE OF WATER SERVICES P – FÓSFORO TOTAL PMPOA – PROGRAMA DE CONTROLE DA POLUIÇÃO DE ORIGEM AGRÍCOLA (PROGRAMME DE MAÎTRISE DES POLLUTIONS D’ORIGINE AGRICOLE PPP – PRINCÍPIO POLUIDOR-PAGADOR PPS – PRINCÍPIO POLUIDOR-SOCIETÁRIO QEF – QUADRO DE ESTIMATIVA FIXA RM – RHIN-MEUSE RMC – RHONE-MEDITERRANEE-CORSE. SDAGE – PLANO DIRETOR DE GESTÃO DE ÁGUAS (SCHEMA DIRECTEUR D’AMENAGEMENT ET DE GESTION DES EAUX) SEMA – SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS SEMAE – SERVIÇO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO SN – SEINE NORMANDIE SNGRH – SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS SS - SAIS SOLÚVEIS. SUDERHSA – SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO AMBIENTAL TGAP – TAXA GERAL SOBRE ATIVIDADES POLUIDORAS TRH-SP – TAXA PELA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS DE DOMÍNIO DO ESTADO DE SÃO PAULO TVA – TAXA SOBRE VALOR AGREGADO UED – UNIDADE EXECUTIVA DESCENTRALIZADA UVC – UNIFORME POR VOLUMES DE CONSUMIDO CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO E OBJETIVOS 2 implicando numa mudança na forma de gerir o Estado, que deve passar de provedor de recursos para regulador de atividades. Essa mudança no paradigma da gestão pública cria condições propícias para a adoção do princípio poluidor-pagador (e sua extensão o princípio usuário-pagador), como princípio de base para a internalização dos custos decorrentes do uso dos recursos naturais: os instrumentos econômicos estão chegando. Em 1972, a OCDE, (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) adotou o princípio poluidor-pagador como base para o estabelecimento de políticas ambientais nos países membros. Esse princípio é a base para o enfoque econômico da política ambiental (Bursztyn e Oliveira, 1982). Muitos países desenvolvidos já utilizam instrumentos econômicos, de forma complementar, para a gestão de seus recursos hídricos e, dentre esses, a França, que muito tem influenciado na elaboração do arcabouço legal brasileiro. A gestão dos recursos hídricos no Brasil ganhou um grande impulso a partir do processo de redemocratização do País. A constituição federal de 1988 estabelece, como competência da União, instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso (Art. 21, XIX). Em cumprimento a esse dispositivo constitucional, em 8 de janeiro de 1997 o Presidente da República sancionou a Lei 9433 e, de forma complementar, 15 Estados e o Distrito Federal aprovaram leis que instituíram seus respectivos sistemas de gestão. Segundo essas leis (federal e estaduais), a água é um bem de domínio público; é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; sua gestão deve proporcionar o uso múltiplo das águas, deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades; a bacia hidrográfica é a unidade básica de planejamento (Lei 9433/97, art. 1o). Trata-se, portanto, de uma tendência de adoção de modelo de gestão de integração participativa caracterizado pela existência de planejamento estratégico por bacia hidrográfica, tomada de decisão por meio de deliberações multilaterais e descentralizadas, e estabelecimento de instrumentos legais e financeiros necessários à implementação de planos e programas de investimento. Os A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 3 instrumentos estabelecidos na legislação são (Lei 9433/94, art. 5o): I – os Planos de Recursos Hídricos; II – o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III – a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; IV – a cobrança pelo uso de recursos hídricos; V – a compensação a Municípios; VI – o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. A possibilidade real de implementação desses instrumentos tem provocado dúvidas e inquietações, sobretudo quando o instrumento em questão é a cobrança pelo uso da água. Considerando que o momento atual é de regulamentação dessas leis, durante o qual os critérios de implementação serão definidos, questões como quanto cobrar, de quem cobrar, quais impactos causará nas relações econômicas, sociais e políticas estão na ordem do dia. Devido aos graves problemas sociais, econômicos, políticos e institucionais que o Brasil enfrenta, essas inquietações são amplificadas. Existem muitas dúvidas tanto sobre os impactos que o uso da cobrança pelo uso da água poderá causar quanto sobre o verdadeiro alcance da utilização desse tipo de instrumento na gestão dos recursos hídricos. 1.2 Objetivos O objetivo deste trabalho de pesquisa é apresentar a cobrança pelo uso da água como um instrumento de gestão cujas definições básicas (quanto cobrar, de quem cobrar, etc.) devem ser consideradas em um processo de negociação social envolvendo os diversos atores da bacia hidrográfica e, de forma subsidiária, baseadas nos conhecimentos aportados pela ciência econômica. De forma complementar, a pesquisa visa clarear conceitos e apresentar alternativas para o aprimoramento dos Sistemas Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos. Os objetivos mais específicos deste trabalho são: proceder a uma análise do arcabouço teórico-conceitual da cobrança pelo uso da água como um instrumento de gestão, discutir os limites da abordagem econômica e analisar a experiência internacional sobre o tema; CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO E OBJETIVOS 4 devido à grande influência do modelo francês de gestão de recursos hídricos no similar nacional, avaliar as evoluções das Agências de Água daquele país; analisar a situação atual do processo de implementação da cobrança pelo uso da água no nível Federal e nas diversas unidades da federação; e para conectar as discussões das partes precedentes com a realidade, simular diferentes critérios de cobrança pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio dos Sinos, localizada no Rio Grande do Sul. 1.3 Estrutura do texto O texto está estruturado em cinco partes, além deste capítulo introdutório. A primeira parte apresenta a revisão da literatura onde são abordados os fundamentos econômicos, as bases conceituais e a experiência internacional em cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Na segunda parte, considerando as influências que a denominada escola francesa de gestão de águas tem exercido na experiência nacional, é apresentada a evolução das Agências de Água francesas, o coração do sistema de gestão, ao longo desses mais de 30 anos, mostrando as grandes dificuldades enfrentadas nos primeiros anos, como são administradas, os recursos de que dispõem, os resultados obtidos, as críticas que têm recebido e as propostas de reforma. Na terceira parte, é apresentada a situação atual do Brasil no que se refere ao processo de regulamentação das leis no nível Federal e das diversas unidades da federação e com relação aos estudos teóricos, desenvolvidos para as diversas bacias hidrográficas. Para conectar as discussões das partes precedentes com a realidade, a quarta parte apresenta as simulações de diferentes critérios de cobrança pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio dos Sinos, RS. Finalmente, a quinta parte apresenta as conclusões e recomendações finais. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 6 custos: perda do caráter estético de um curso de água (perda de amenidades), impossibilidade de praticar certos entretenimentos (banho), utilização da água tornada impossível ou mais onerosa (água potável, água destinada a processos industriais), perdas devidas à mortandade dos peixes, etc. Apesar de ter pouco interesse para o objetivo do presente trabalho, também pode existir uma situação definida como economia externa ou externalidade positiva, que ocorre quando uma atividade gera alguma vantagem sem receber uma respectiva remuneração. Pearce e Turner (1990) assinalam que duas condições devem ser satisfeitas para que exista externalidade negativa: 1. a atividade de um agente causa perda de bem-estar a outros; 2. essa perda de bem-estar não é compensada. A externalidade pode assumir diversas formas: − entre produtores, por exemplo quando a poluição do ar de uma usina destrói colheitas vizinhas ou corrói os materiais; − de produtor a consumidor, por exemplo quando a poluição de uma indústria torna impróprio o curso d’água, anteriormente usado para prática de atividades como natação; − de consumidor a produtor, como no caso do ruído provocado pela circulação de pessoas que pode afetar as condições de trabalho; − entre consumidores, notadamente pela interpretação do fenômeno de engarrafamento. Barde (1992) destaca que, em se tratando de externalidade, a linha que separa produtores de consumidores nem sempre é clara. Por exemplo, a poluição causada pelos automóveis pode ser considerada originada tanto pelos produtores quanto pelos consumidores. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 7 Seja, por hipótese, uma atividade de produção industrial de um bem qualquer. Na ausência de qualquer regulamentação antipoluição ou intervenção e, ainda, admitindo um mercado de concorrência perfeita para esse bem, o preço e a quantidade produzida serão respectivamente P e Q, como mostra a Figura 2.1. Figura 2.1 - A externalidade, afastamento entre custo social e custo privado Fonte: Faucheux e Nöel (1995) Admitindo-se que são infligidos a outros agentes custos não compensados por essa produção, ou seja, que existe, devido à poluição, uma externalidade, pode-se dizer que o preço de mercado P não reflete a totalidade dos custos gerados pela dita produção. O custo privado de produção deve na realidade ser aumentado aos elementos do custo social, até então não considerados, o que se traduz, na Figura 2.1, por um deslocamento da curva de oferta S para S’, quer dizer, pela passagem do custo marginal privado para o custo marginal social. A consideração do efeito externo, que corresponde à internalização da externalidade, provoca a determinação de um novo preço P’ mais elevado para o bem e de uma menor quantidade produzida, Q’. A partir da definição de externalidade apresentada por Pigou, o debate continuou. No entanto, são propostas tentativas de clarificação que terminam todas por situar as externalidades relativamente ao ótimo de Pareto. Ou seja, como a situação fora da qual ninguém pode aumentar o seu ganho sem diminuir o de um outro (Miller,1981). A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 8 Dito de outra forma, à medida que um certo consenso é alcançado no que se refere às externalidades, as opiniões começam a divergir no que se refere às medidas corretivas tomadas para suprimir ou internalizar essas externalidades. Ainda utilizando a ilustração apresentada na Figura 2.1, a questão é como induzir os poluidores a passarem do nível de produção Q para o nível Q’? As alternativas propostas são inúmeras e, entre outras coisas, variam em função do pensamento econômico, do mais intervencionista ao mais liberal. 2.2 Os Principais Instrumentos Uma proposta para a internalização dos custos externos, bastante intervencionista, bem adequada às concepções políticas da época, foi apresentada por Arthur Cecil Pigou, em 1920. Segundo essa proposta, deveria ser criada uma taxa igual ao valor monetário do custo externo. Graças a esse procedimento, o efeito externo, monetarizado e compatibilizado, seria integrado ao cálculo econômico. Segundo Pearce (1985), são numerosas as críticas à solução Pigouviana. A maioria delas se refere ao fato do imposto de Pigou ser aplicado numa situação que não atende o critério de Pareto, independentemente da externalidade. Isso acontece no contexto de concorrência imperfeita e destacam-se especialmente duas imperfeições: - a diferença do ótimo social causado pelo poder do monopólio; - a diferença do ótimo social causado pela externalidade. Outra situação de falha acontece quando o imposto de Pigou induz a empresa a substituir sua tecnologia de produção por uma menos poluente. Se a empresa maximiza seus benefícios, pode-se supor que sua tecnologia antes do imposto é a que tem menor custo privado. Consequentemente, a mudança para uma tecnologia mais limpa deve deslocar a curva de custo marginal privado para cima, sendo que, a tecnologia mais limpa deverá deslocar a curva de custo marginal externo para baixo. Estes deslocamentos implicam numa movimentação na direção errada, quando se compara o ótimo social sem imposto e com imposto. Finalmente, uma vez estabelecidas as condições em que as PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 11 legais que não constituem a forma mais barata de assegurar sua observação (Pearce, 1985). O imposto fixado sobre a poluição é, na realidade, um instrumento para fazer cumprir uma norma particular, idealmente a norma que maximiza os benefícios sociais. Em relação ao confronto regulamentação e tributação, Pearce (1985) assinala que o estabelecimento de normas acontece inevitavelmente em função do conhecimento limitado dos dados pertinentes para a implantação de impostos “pigouvianos” completos e das dúvidas expressas sobre a eficiência de tais impostos. 2.3 Os Limites da Abordagem Econômica As teorias econômicas, além de oferecerem instrumentos corretivos, aportam contribuições importantes para a compreensão da problemática ambiental. No entanto, a passagem da construção teórica dos instrumentos para sua aplicação deve ser acompanhada de uma conscientização dos limites dessas teorias econômicas e, de outra parte, de uma reflexão mais global sobre a problemática, pois a análise econômica é uma dentre várias formas de perceber a realidade social. Nesse item, serão enumeradas algumas limitações das teorias das externalidades e da abordagem econômica aplicada ao meio ambiente. A abordagem econômica, de correção do mercado, não considera as componentes dinâmicas inerentes aos problemas ambientais. Um aspecto que reduz consideravelmente o campo de aplicação dessa teoria é o fato de que uma poluição pode ter repercussão a médio e a longo prazo. Também contribui para a redução do campo de aplicação dessa teoria as componentes de incerteza, inerentes aos problemas ambientais. A abordagem das externalidades ignora os efeitos combinados. Por exemplo, alguns poluentes se combinam em processos químicos complexos, resultando em efeitos bem superiores àqueles provocados pelos poluentes emitidos inicialmente em separado. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 12 Outra dificuldade enfrentada pelas teorias econômicas aplicadas aos recursos naturais refere-se ao fato dessas teorias se apoiarem no conhecimento dos estoques dos recursos. Ela integra a dimensão temporal na análise por meio da utilização de uma taxa de desconto, cuja definição do valor revela-se um problema bastante complexo: não se sabe, a priori, se essa taxa deveria ser elevada ou pequena. Quanto mais a taxa é elevada, menos importância se atribui ao futuro, o que é um problema para o bem-estar a longo prazo. A questão da taxa de desconto sobre o meio ambiente e os recursos naturais foi longamente debatida na literatura, por exemplo Pearce et al. (1990) apresentam uma excelente discussão. Em relação à teoria das externalidades, Baumol e Oates (1988), retomando os trabalhos de diversos autores, assinalam que os problemas teóricos da não-convexidade (uma das condições necessárias para existência e unicidade de solução ótima) podem aparecer no modelo. As externalidades são a causa da não-convexidade. Se existem diversos setores de produção e dentre eles um que causa uma externalidade suficientemente importante para afetar de maneira negativa a produção de um outro, então o conjunto das possibilidades de produção que seria alcançável sem externalidades não é a maior, e esse conjunto torna-se não convexo, o que impede que um ótimo único seja alcançado. Nesse caso, a quantidade de soluções ‘ótimas’ pode alcançar um número muito grande. Essa observação conduz à conclusão de que não se pode confiar no preço para sinalizar corretamente, pois não se sabe qual a direção que deve ocorrer o deslocamento para se aproximar do ótimo paretiano. Burgenmeier et al. (1997) destacam ainda a dimensão geográfica. Supondo que todas as hipóteses da teoria sejam verificadas e que se dispõe de todos os dados necessários, resta, ainda, o problema da delimitação do território a considerar: local, regional ou planetário. As decisões fundadas sobre essa teoria podem divergir. Independente das dificuldades de ordem teórica, a abordagem de internalização das externalidades coloca importantes problemas de aplicação, sendo o mais importante o da informação. A fim de atingir uma situação ótima, é necessário conhecer: as funções de custo marginal privado das empresas; as funções de dano marginal devido à PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 13 poluição; e as funções de demanda. Em outros termos, é necessário saber quem polui, o que e quanto. O meio ambiente é considerado como uma coleção de bens e serviços possuidora de um valor ‘instrumental’ para os homens. Isso significa que os bens e serviços ambientais apenas possuem valor em função de sua utilização, direta ou indireta, pelo homem. É por isso que a abordagem econômica convencional dos recursos naturais e do meio ambiente é simultaneamente utilitarista e antropocêntrica (Faucheux e Noël, 1995). De uma maneira geral, as teorias que consideram o mercado como o ponto de partida para sugerir medidas de políticas são, historicamente, derivadas do utilitarismo. Na literatura filosófica, muitos autores atacam a hegemonia do utilitarismo: forte preferência pelo presente, ausência de preocupação de eqüidade intergeracional, etc. Segundo Pearce (1991), certos filósofos utilitaristas sublinharam que as gerações futuras poderiam nem sequer existir, o que lhes permite concluir que a geração presente não tem nenhuma obrigação em relação à geração seguinte. Apesar dessas limitações, como a organização do conhecimento é compartimentada, poucos filósofos seguem os desenvolvimentos da teoria econômica e, normalmente, os economistas não estão a par das críticas dirigidas ao utilitarismo. Burgenmeier et al. (1997) destacam que numerosos estudantes, mesmo os mais atentos, podem chegar até o final de sua formação com a convicção de que a economia do bem-estar, com sua teoria das externalidades, é simplesmente o ‘estado natural das coisas’. Diversos autores têm questionado os paradigmas neoclássicos aplicados aos problemas ambientais. Beckerman apud Barde (1992) não hesita em defender que o problema da poluição ambiental é mais do que uma simples questão de correção de um ligeiro defeito de alocação de recursos, por meio de uma taxa de poluição. Uma crítica mais radical sustenta que o cálculo econômico não está apto a integrar os fenômenos do ambiente. Krapp, entre outros, apud Faucheux e Noël (1995), sustentam que a tradução em termos monetários desses fenômenos, notadamente sobre a base do consentimento a pagar e a teoria do excedente do consumidor é bastante reducionista. Passet apud Faucheux e Noël (1995) afirma a existência de uma incompatibilidade radical entre a A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 16 O PPP foi adotado em 1972, como um princípio econômico visando à imputação dos custos associados à luta contra a poluição. Esse é um dos princípios essenciais que fundamentam as políticas ambientais nos países desenvolvidos. Na sua recomendação inicial de 1972 e 1974, a OCDE anunciou que o PPP significa “que o poluidor deve, suportar o custo das medidas de prevenção e de luta contra a poluição, medidas essas que são definidas pelos poderes públicos para que o ambiente seja mantido em um estado aceitável”. Salvo exceções já definidas nas recomendações da OCDE, o poluidor não deve receber subvenções de nenhuma forma (Husseini e Brodhag, 2000). Se o PPP constitui um slogan político cômodo, ele é também, antes de tudo, um princípio econômico de base para a definição e implementação das políticas ambientais. Entretanto, enquanto slogan, ele é carregado de emoções, de subentendidos ou mal- entendidos. Isso é devido, entre outras razões, pelo fato do PPP além de ser um princípio econômico comportar numerosos desdobramentos de ordem política e jurídica. O PPP é um produto da economia do bem-estar (Economics of Welfare), já discutida no item anterior, segundo a qual os preços dos bens e dos serviços colocados no mercado deveriam refletir plenamente todos os custos envolvidos, inclusive os ambientais. O PPP é uma forma de fazer com que os poluidores considerem (internalizem) os custos de utilização ou da deterioração dos recursos ambientais. Trata-se de restabelecer a ‘verdade dos preços’: se uma atividade econômica gera alguma poluição, o custo decorrente deve ser assumido pelo poluidor. Sendo um princípio de internalização dos custos, o PPP pode ser considerado como um princípio de eficiência econômica. No entanto, o PPP não é somente um princípio de internalização dos custos ambientais: o pagamento pelas próprias ‘vítimas’ dos custos da poluição constitui uma forma de internalização dos custos, conforme a proposta de Coase, também já discutida em item anterior. De outra parte, poder-se-ia pensar que com o PPP é o poluidor que paga, ou deva pagar, os custos dos danos que sua atividade provoca. Por essa análise, pode-se concluir que o PPP constitui igualmente um princípio jurídico de eqüidade. Entretanto, não é o caso. Pode-se considerar como equitável que o poluidor pague os custos das medidas PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 17 contra sua poluição. Porém, não é necessariamente dessa forma: internalização não significa pagar, mas considerar. Dito de outra forma, o poluidor poderá, a depender das condições do mercado, repercutir nos seus preços os custos das medidas contra a poluição, dessa forma transferir a despesa para os consumidores. Apesar dessas ressalvas, as relações entre o PPP e a responsabilidade jurídica são cada vez mais estabelecidas. Também, foi necessário ir além das declarações de intenções e de posições fixadas para compreender a essência do PPP que é, antes de tudo, uma norma largamente referenciada quando da definição das políticas ambientais. Godard (1998) retrata cinco diferentes inspirações. A primeira inspiração é aquela da busca da eficácia econômica. O PPP é freqüentemente apresentado nos manuais de economia ambiental como um princípio de internalização dos efeitos externos da poluição. Na prática, a essa referência falta clareza. Na medida em que os efeitos externos são raramente mensuráveis de forma segura, a formulação inicial do PPP apresentado pela OCDE faz menção a um estado aceitável do ambiente, fixados pelas autoridades públicas. O PPP não se detém na noção de poluição ótima descrita habitualmente como resultado de um comportamento otimizador dos agentes econômicos. Desse ponto de vista, o PPP não seria um princípio de internalização ótima dos efeitos externos, mas um princípio de imputação financeira dos custos da despoluição. A segunda inspiração é sobre a proteção da organização concorrencial do comércio internacional. Ela é diretamente expressa na recomendação inicial da OCDE “... de forma geral, tais medidas não deveriam ser acompanhadas de subvenções suscetíveis de provocar distorções importantes no comércio e nos investimentos internacionais”. Na prática, trata de evitar um risco da utilização estratégica das políticas ambientais (subvenções disfarçadas no comércio exterior). Segundo Godard (1995), essa motivação de proteção da organização concorrencial do comércio internacional é essencial para compreender o sucesso da difusão do PPP. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 18 A terceira inspiração está implícita e é concernente às finanças públicas. A definição do PPP permite considerar as ações no domínio do ambiente sem, no entanto, criar mais encargos para os cofres do Estado. Com o tempo, essa preocupação se afirmou. A quarta inspiração vem complementar a segunda. Mesmo se o PPP condena, a priori, o uso de subvenções para implementação de políticas ambientais, ele admite, no entanto, um regime de exceção cujo objetivo é preservar a ordem da produção. Desde 1974, a OCDE determina efetivamente que as ajudas podem ser atribuídas aos setores em real dificuldade, de maneira provisória, e quando elas não provoquem distorções no comércio internacional. Os critérios de atribuição das subvenções parecem restritos, mas são largamente convencionais pois não se sabe mensurar precisamente a realidade das dificuldades de um setor e as distorções induzidas por uma política de ajudas. Finalmente, a quinta inspiração remete às origens do PPP e corresponde a uma exigência de eqüidade. Essa exigência de eqüidade não é clara e se afasta, em todo caso, da interpretação que podem fazer os economistas. Ela facilitou o deslocamento progressivo do PPP para um princípio de responsabilidade no sentido jurídico do termo. Esse deslocamento tornou possível por uma extensão das recomendações da OCDE as poluições acidentais (1989) e pela distinção operada no tratado de Maastricht entre as ações preventivas e corretivas implementadas para atingir os objetivos ambientais. O PPP, tal qual definido em 1972, foi progressivamente expandido e tende a se aproximar de um princípio de internalização total. Essa expansão ocorre em quatro direções (Husseini e Brodhag, 2000): − Extensão aos custos das medidas administrativas – a primeira extensão consistiu em cobrar dos poluidores os custos das medidas administrativas adotadas pelos poderes públicos: o custo das análises, dos sistemas de monitoramento, dos sistemas de controle, na medida em que esses custos são diretamente alocáveis às atividades poluidoras específicas; PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 21 Figura 2.2 – Nível Ótimo de Poluição Fonte: adaptado de Barde (1991) Pode-se exigir que o poluidor assuma os custos de abatimento representados pela superfície P*AB. Porém, se se estima que, apesar de tudo, os danos continuam a atingir a sociedade (dano residual), pode-se exigir que o poluidor pague uma indenização igual ao dano causado, que pode ser representado pela superfície OAP*. Diz-se então que ocorreu a internalização total do custo da poluição (custo da luta contra a poluição + custo dos danos). Nota-se que se se exige do poluidor que compense (indenize) os danos causados pela poluição, obtém-se o mesmo resultado: o poluidor terá interesse de reduzir suas emissões até o nível P* e indenizar os danos residuais, abaixo deste nível, pois é menos custoso indenizar que reduzir as emissões. O princípio da indenização das vítimas é controverso na literatura econômica: a aplicação desse princípio pode causar efeitos perversos no caso de, diante da possibilidade de serem indenizadas, pessoas sejam atraídas para se instalarem em zonas poluídas. É preferível adotar medidas de prevenção. A interpretação do PPP se faz mais freqüentemente em termos de eqüidade e de objetivos distributivos: ele define quem deve pagar por um dano. O PPP é considerado mais como uma regra de ordem moral do que de alocação ótima dos recursos. Se se considera que o PPP é um princípio de eqüidade, ele se aplica aos poluidores na sua interpretação restritiva e àqueles que sofrem os efeitos da poluição, sua interpretação ampliada. Outros vêm no PPP mais uma regra de alocação ótima dos recursos. Para esses, o fato de os poluidores pagarem corresponde ao princípio da taxa A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 22 pigouviana ótima. Essa interpretação é criticável, na medida que o PPP estabelece que as medidas devem corresponder a um ambiente no padrão ‘aceitável’, não fazendo menção no nível ótimo (Pearce et al., 1989). Ou seja, o poder público é quem decide qual é esse nível aceitável. Se ele é inferior ao nível ótimo, então o PPP implica que os poluidores só deverão arcar com as despesas para que seja alcançado o padrão estabelecido, e não o nível ótimo. Nesse caso, o PPP não é uma regra de alocação ótima dos recursos, mas uma regra de eqüidade. Por outro lado, se esse nível corresponde a um ótimo do ‘second best’, o objetivo de alocação ótima dos recursos é alcançado. Segundo o plano prático, numerosos países utilizam os princípios jurídicos, em particular o princípio da responsabilidade objetiva, e os dispositivos financeiros (seguros, fundos de indenização) destinados a assegurar uma indenização equânime das vítimas da poluição. A necessidade de sistemas eficazes de indenização das poluições acidentais conduziu a OCDE editar posteriormente – 1989-, recomendações sobre aplicação do PPP às poluições acidentais (OCDE, 1989). Entretanto, essas abordagens não fazem referências às poluições residuais. Além disso, a poluição residual levanta alguns problemas espinhosos pois corresponde a uma forma de ‘poluição legal’, autorizada em virtude de normas pelos poderes públicos, correspondendo ao ‘estado aceitável’ do ambiente. Como admitir que esse ‘estado aceitável’ possa assim mesmo fazer vítimas e, por isso, criar a possibilidade de indenização? 3. BASES CONCEITUAIS As recentes legislações brasileiras que tratam dos recursos hídricos, em harmonia com o disposto na Agenda 21 e com os princípios de Dublin, situaram a água como um bem econômico e social. Entretanto, existe uma confusão substancial sobre o significado exato de alguns dos princípios envolvidos nessa definição, em particular o que significa a água como ‘bem econômico”. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 23 3.1 Custo, Valor e Preço da Água A definição de bem econômico está baseado nos princípios de escassez de um recurso, que ocorre quando esse recurso não tem quantidade suficiente para satisfazer a totalidade da procura. Nesse contexto, a disponibilidade de água para satisfação das necessidades de um utilizador implica custos. Por sua vez, a água, como bem econômico, tem um valor para esse utilizador, que corresponde ao valor que este está disposto a pagar por esse bem. Nesse sentido, a análise econômica do recurso ‘água’ deverá ser realizada por meio da iteração desses dois fatores, que servirão de base ao estabelecimento do preço da água. A avaliação dos custos da água constitui uma tarefa complexa, mas factível, dado seu cálculo ser baseado em variáveis quantificáveis em termos econômico-financeiros. Já o cálculo do valor da água é uma tarefa mais complexa, para a qual é necessário recorrer a metodologias da economia do ambiente e dos recursos naturais. Nesse caso, os resultados da avaliação estão sujeitos a um maior grau de subjetividade, pois ao contrário dos bens de mercado (no sentido micro-econômico da oferta e procura), o cálculo baseia-se no estabelecimento de um mercado hipotético utilizando variáveis acessórias (como predisposição a pagar pelo benefício, a despesa realizada para poder usufruir do benefício, etc.). Os custos a estimar no setor de água podem dividir-se em custos econômico- financeiros (ou custo econômico total) e custos ambientais. Os custos financeiros incluem, num primeiro nível, os custos de investimentos ou de capital (recuperação do investimento), bem como os custos de exploração, manutenção e administrativos. No segundo nível, os custos econômicos incluem os custos de oportunidade e as externalidades econômicas (custos de escassez ou de recurso). Os custos ambientais (ou externalidades ambientais) representam os impactos no ambiente A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 26 Figura 3.2 – Componentes do valor da água Fonte: Baseado em Rogers et. al. (1998) Com relação ao preço da água, é importante identificar os quatro usos passíveis de precificação: 1. Uso da água disponível no ambiente (água bruta) como fator de produção ou bem de consumo final; 2. Uso de serviços de captação, regularização, transporte, tratamento e distribuição de água (serviços de abastecimento); 3. Uso de serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final de esgotos (serviços de esgotamento); e 4. Uso da água disponível no ambiente como receptor de resíduos. Os usos (2) e (3) são comumente cobrados pelas companhias de saneamento sob a denominação de “tarifas”; o (2), pelas entidades que gerenciam projetos públicos de irrigação. A retirada de água bruta (Uso 1), assim como o lançamento de efluentes no PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 27 ambiente (Uso 4), são usos historicamente livres de cobrança na maioria das sociedades. A Figura 3.3 ilustra os usos da água e os respectivos preços. Figura 3.3 – Os preços da água Na teoria econômica clássica, para os bens correntes num mercado livre, os custos são crescentes com a quantidade produzida e os benefícios são decrescentes, podendo ser medidos por meio dos custos e dos benefícios marginais. Os preços mais adequados são os obtidos pela interseção da função da oferta e da procura. No entanto, para o produto “água”, a situação é bem diferente, principalmente devido às características específicas do recurso “água”, como decorre de: − ser um bem insubstituível e imprescindível para a maioria dos usos; − não poder ser apropriada em regime de exclusividade por um determinado utilizador; − a natureza, como produtor exclusivo de água na origem, não se comporta como um agente; − em alguns casos, os serviços de água serem prestados no regime que se assemelha ao de monopólio. Dessa forma, os mecanismos correntes de mercado livre não são apropriados para fixar os preços da água a níveis corretos, implicando a necessidade de intervenção do A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 28 Estado, normalmente por meio de entidades reguladoras, que procuram compatibilizar os interesses da sociedade com os interesses privados. 3.2 Motivações para a Cobrança Segundo Lanna (1995a), existem quatro motivações para a cobrança: 1. Financeira: (a) Recuperação de investimentos e pagamento de custos operacionais e de manutenção; (b) Geração de recursos para a expansão dos serviços. 2. Econômica: estímulo ao uso produtivo do recurso. 3. Distribuição de renda: transferência de renda de camadas mais privilegiadas econo- micamente para as menos privilegiadas. 4. Eqüidade social: contribuição pela utilização de recurso ambiental para fins econômicos. Nesse ponto, Garrido (1996) chama a atenção para o que se convencionou denominar cobrança e rateio de custos das obras. A cobrança funciona tanto mais como elemento indutor do desenvolvimento, e tem cunho acentuadamente educativo, pois também se presta a sinalizar o usuário na direção do uso racional dos recursos hídricos ficando portanto clara sua ligação com a motivação 2 (econômica). Quanto ao rateio dos custos decorrentes das obras que se vão realizar, mediante programa aprovado para uma bacia, trata-se de um acordo a ser feito pelos interessados na execução e manutenção dessas obras, em base negociadas por eles mesmos, e portanto, relacionada com a motivação 1 (financeira) e usos 2 e 3. Finalmente, sob o ponto de vista social, a cobrança pode cumprir duplo papel de agente de distribuição de renda, de acordo com uma sistemática de onerar mais alguns segmentos da sociedade que outros. E como um instrumento pelo qual o usuário de um recurso ambiental de uso comum de todos contribui financeiramente em função do uso econômico desse recurso, gerando fundos de investimento a serem idealmente empregados em projetos de interesse social. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 31 6. Custo Incremental Médio (Average Incremental Cost) - nesse caso, seria estimado o custo necessário para a próxima expansão do sistema, de acordo com um plano de investimentos adotado. Por exemplo, resultantes da implantação de um reservatório em um sistema de suprimento de água ou de uma estação de tratamento de esgotos em um sistema de controle ambiental. Da infra-estrutura hidráulica seria obtido o incremento da oferta em m3/mês de oferta de água ou de capacidade de tratamento. O custo de implantação seria diluído em um período de “recuperação” de capital, a dada taxa de desconto, e somados aos custos globais de operação, manutenção e reposição correntes ou futuros, importando em um montante mensal em unidades monetárias. A divisão desse montante pelos m3 de incremento mensal da oferta de água ou de tratamento resultaria no custo incremental médio do m3 . O termo “recuperação” acha-se entre aspas pois o que se busca não é a recuperação do capital mas a sua captação para promover a expansão definida. O período de recuperação de capital e a taxa de desconto podem estar associados a empréstimos a serem usados para financiar os investimentos ou serem arbitrados. Essa referência de cobrança, ao contrário da do custo marginal, não estimularia o uso de capacidade ociosa. Ela parece ser a mais adequada já que geraria os recursos necessários para financiar a expansão do sistema de oferta de água e de controle de poluição. 3.4 A Determinação do Valor a ser Cobrado Adotada a cobrança pelo uso da água como instrumento de gestão, a questão seguinte é como definir os valores a serem cobrados. Trata-se, portanto, de monetarizar o recurso “água bruta”, incluindo o seu uso para a diluição de efluentes. As dificuldades envolvidas nesse processo se relacionam com as características singulares que tem a água. Ela é, por exemplo, usada para diversas finalidades e sua quantidade e qualidade são variáveis no tempo e no espaço. Além disso, muitas vezes, as informações de oferta e de demanda são incompletas e as interações com os ecossistemas e com as atividades econômicas não são totalmente conhecidas. A definição do valor a ser cobrado pelo uso da água pode ser analisada segundo duas grandes abordagens, Análise Custo Benefício (ACB) ou a Análise Custo Efetividade (ACE), que serão discutidas a seguir. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 32 3.4.1 Abordagem Análise Custo-Benefício Para que a autoridade gestora dos recursos hídricos possa fazer uso dessa abordagem, é necessário conhecer as curvas dos Custos Totais (CT) e dos Benefícios Totais (BT). A curva dos Custos Totais (CT) é uma curva que registra o custo anual equivalente do valor dos investimentos mais o valor atual dos custos de operação e manutenção de cada nível de abatimento (ou nível de armazenamento, no caso de regularização de vazões). Essa curva tem, por razões tecnológicas, uma inclinação (declividade) crescente, de caráter exponencial, correspondendo ao custo marginal de longo prazo. A determinação dessa curva, evidentemente, é relativamente trabalhosa, mas, ao menos conceitualmente, não apresenta grandes problemas. A curva dos Benefícios Totais (BT), bem mais complexa, expressa a "disposição de pagar" do conjunto das pessoas afetadas (ou beneficiadas). Primeiro, nos níveis iniciais de abatimento (ou ampliação das disponibilidades hídrica), leva em consideração as despesas que podem ser evitadas (em saúde, higiene, conservação e reposição de materiais, etc.) - a chamada "variação compensatória" dos consumidores. Depois, à medida que se encaminha para níveis mais elevados, leva em conta as despesas que os indivíduos estão dispostos a fazer diante das amenidades ambientais que resultam de um curso d'água mais purificado (balneabilidade, pesca, turismo, etc.) - e que resultam de outros tipos de avaliação, tais como "variação equivalente", "valor de opção", "valor de existência", etc. Essa curva, para ser comparável com a de custos totais, registra o valor anual equivalente do fluxo de benefícios futuros, dentro do mesmo horizonte de tempo dos custos. A forma dessa curva - crescente, mas com declividade decrescente - resulta de um dado comportamental: incrementos constantes nos níveis de abatimento (ou ampliação das disponibilidades) ocasionam benefícios incrementais cada vez menores. Para ilustrar a utilização dessa abordagem, a seguir, será comentado o exemplo apresentado por Cánepa et al. (1999). PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 33 Seja o caso de uma bacia hidrográfica hipotética e um poluente hídrico qualquer - como referência será considerado a DBO5, por exemplo - cujo montante de emissões totaliza uma certa quantidade de toneladas/ano. Considere-se, agora, a possibilidade de cotejar os custos e os benefícios de vários níveis possíveis de abatimento das emissões, variando entre 0% e 100% do total. Quanto mais níveis (pontos) puderem ser estimados, tanto melhor será a aproximação das curvas contínuas da Figura 3.4. Figura 3.4 - Custos e Benefícios Totais e Marginais de Controle Fonte: Cánepa et al. (1999). De posse dessas informações (CT e BT), a autoridade gestora dos recursos hídricos tem então uma orientação global sobre a política de otimização. Ou seja, estabelecidas as duas funções a autoridade gestora pode tentar maximizar o Benefício Social Líquido (BT-CT). Esse ponto corresponde ao nível de abatimento associado à distância máxima entre as curvas. Supondo curvas contínuas e bem comportadas matematicamente, o cálculo elementar diz que esse ponto está associado à igualdade entre as declividades A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 36 induzir os agentes poluidores a internalizar os custos de controle até se atingir um ponto ótimo com BMg=CMg). Novamente, para ilustrar a utilização da abordagem ACE será comentado o exemplo apresentado por Cánepa et al. (1999). Suponha-se que, num determinado trecho de um rio, localizem-se vários agentes poluidores (cidades vertendo esgotos cloacais, indústrias despejando efluentes, etc..), de tal modo que o total de lançamentos, por exemplo em relação a DBO5, supera a capacidade assimilativa do rio, degradando-se a sua qualidade e comprometendo atividades tais como pesca, recreação, etc.. Tendo sido determinado um nível de qualidade para esse trecho do rio (mediante o chamado "enquadramento") e que possibilite novamente todos os usos do passado, um modelo de dispersão foi aplicado sobre as cargas poluidoras atuais e chegou-se à conclusão de que, para se atingir o objetivo de qualidade colimado, será necessário abater 65% da carga poluidora atual. Explorando novos caminhos em matéria de política ambiental, o órgão gestor decide usar a tarifação (PPP) como meio de se atingir esse resultado. Para tanto, constrói- se uma curva de custo marginal de abatimento, ordenando os setores e agentes conforme a ordem crescente e se obtém, se o número de agentes for muito grande, uma curva como a AEC da Figura 3.4. Deslocando-se sobre a curva de custo marginal até o ponto correspondente a 65% de abatimento, o órgão ambiental fixa a tarifa, $ por ton. de poluente, em t1. Se os agentes quiserem continuar despejando todo efluente produzido, terão que pagar a quantia correspondente à área OBKL. Entretanto, se os agentes de menor custo marginal se empenharem em tratamento, para evitar o gasto em tarifa, OJ (65%) de efluente será tratado, lançando-se o remanescente, JB (35%), minimizando-se os gastos totais (área AJI+JBKI). O padrão de qualidade desejado é alcançado. Dos comentários anteriores, pode-se observar que não são necessárias informações sobre a curva de benefícios pois o que se busca é um nível que minimize o custo total para se atingir um certo objetivo de qualidade e não um nível ótimo de lançamento (meta ambiental socialmente acordada). PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 37 Depois de comentados os contrastes entre as duas abordagens ACB e ACE, convém fazer alguns comentários sobre os pontos em comum. Inicialmente, destaca-se que a cobrança pelo uso da água, tanto num contexto como noutro, mantém a vantagem de economicidade e de estímulo à inovação tecnológica. Outra observação importante é que, nos dois contextos, a cobrança pelo uso da água presta-se a uma interpretação como imposto, cobrado pelo poder público e que vai ao seu caixa geral, tendo portanto, apenas função alocativa (provisão de bem público). Outra possibilidade de utilização da abordagem ACE é para o caso em que os fundos arrecadados pela cobrança retornam ao sistema para o financiamento das intervenções na bacia em que foram gerados. A figura 3.5 ilustra o esquema de funcionamento. Figura 3.5 - Esquema de funcionamento da Cobrança pelo uso da água no Contexto da Análise Custo-Efetividade (segunda versão – os recursos obtidos com a cobrança financiam intervenções na bacia) A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 38 Apesar da falta de regulamentação das leis que tratam da cobrança pelo uso da água, existem fortes indicativos de que essa ocorrerá segundo a abordagem Análise Custo-Efetividade em sua segunda versão, conforme explicado anteriormente. Para corroborar com esse ponto de vista, o Artigo 22 da Lei 9.433/97 define que: Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados: I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos; II - no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Nesse sentido, a Lei Gaúcha foi mais incisiva e definiu que: Os valores arrecadados na cobrança pelo uso da água serão destinados a aplicações exclusivas e não transferíveis na gestão dos recursos hídricos da bacia hidrográfica de origem (Art. 32 da Lei 10.350/94). 3.5 Os Impactos Decorrentes da Cobrança Pelo Uso da Água A escolha de um sistema de tarifação ou, mais especificamente, dos valores que serão cobrados dos usuários de água deve ser precedida de minuciosos estudos para avaliar os impactos que tal política poderá acarretar. Entre essas, deve ser estudado o comportamento que o usuário deverá adotar a partir da nova política de preços. A não consideração dessa mudança de comportamento poderá induzir a erros de avaliação do alcance da política de gestão. Por exemplo, caso o objetivo da cobrança seja recuperar custos, pode-se ter uma idéia superestimada dos montantes que efetivamente serão arrecadados. Uma forma de tentar antever o comportamento do usuário frente a uma política de preço é utilizar a 'elasticidade-preço da demanda'. O conceito de elasticidade da demanda é utilizada para descrever uma propriedade pertencente à curva de demanda. Em termos gerais, expressa o grau de PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 41 3.5.2 Agricultura Foram encontrados poucos estudos sobre elasticidade-preço para o setor agrícola. Entretanto, com base nas características desse setor, pode-se afirmar que a sua elasticidade é superior aos valores encontrados para o uso residencial. Assim como a indústria, a água é bem de consumo intermediário na agricultura, havendo a alternativa de ser usada em culturas mais eficientes. As estimativas encontradas foram de elasticidade de 1,5 (para culturas com preço de mercado mais baixos) e de 0,46 (para culturas com preços de mercados mais altos). A demanda é inelástica, portanto, para o caso dos preços mais altos. No Brasil, a elasticidade da demanda de água na agricultura irrigada pode ser considerada grandemente elástica nos cultivos tradicionais, com baixo valor agregado, irrigados com técnicas pouco eficientes quanto ao consumo de água. O arroz irrigado no Rio Grande do Sul pode entrar nessa classe em face ao grande consumo de água. Isso significa que mesmo baixos valores de cobrança pelo uso de água poderão significar a inviabilização da atividade. A tendência é que culturas com alto valor agregado submetidas a técnicas de irrigação eficientes, como o caso de frutas para exportação irrigadas por gotejamento, possam apresentar elasticidades menores, viabilizando a cobrança. Em qualquer caso, porém, cabe analisar a vulnerabilidade econômica da agricultura no Brasil que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Comunidade Européia, não recebe subsídios significativos. Dentre os usuários da água, esse é o grupo que apresenta maiores problemas em relação à capacidade de pagamento. Estudos realizados pelo World Bank (1995a) mostram que, normalmente, os valores cobrados desse grupo não chegam a cobrir os custos. Segundo o World Bank (1995b), o custo de abastecimento para irrigação fica entre US$ 8 e US$ 50 por 1000 m3, dependendo se o projeto é público ou privado e o abastecimento da água é por gravidade ou bombeamento, isso sem considerar a parcela referente à cobrança pelo uso da água. Por outro lado, o benefício econômico derivado por 1000 m3 de água é, em média, US$ 20 para cultivos de baixo valor (feijão, arroz, milho, etc.) e entre US$ 50 e US$ 400 para cultivos de alto valor, tipo frutas para A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 42 exportação. Estudos realizados por Lanna (1995b) para diversas regiões do Brasil apontaram diversas restrições em relação à cobrança de custos reais para a irrigação. 3.5.3 Indústria Os valores de elasticidade encontrados para o setor industrial, de forma geral, são superiores aos encontrados para o usuário residencial. Sabe-se que quanto mais substitutos houver para o bem em questão, maior será a elasticidade-preço da sua demanda. Para o setor industrial, a água é bem de consumo intermediário. Como o setor industrial pode adotar diversas medidas de conservação, reciclagem, reuso de efluentes, assim como aprimorar o seu processo produtivo, ele é menos inelástico que o setor residencial (onde a água é bem de consumo final). A Tabela 3.2 apresenta as estimativas de elasticidade da demanda para vários setores da indústria paulista. Tabela 3.2 - Estimativas de Elasticidade-Preço da Demanda Industrial Paulista Setor Industrial Elasticidade Manufatureira c/ auto-abastecimento 0,31 Manufatureira, rede pública 0,76 Metalúrgica c/ auto-abastecimento 1,14 Alimentícia, rede pública 2,17 Fonte: Ribeiro et al. (1999) Os dados apresentados na Tabela 3.2 indicam que as indústrias metalúrgicas e alimentícias apresentam demandas elásticas e a indústria manufatureira apresenta demanda inelástica. Observa-se que quando a indústria depende do serviço de abastecimento público ela é mais elástica do que quando dispõe de abastecimento próprio. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 43 4. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL EM COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA Para a descrição desse item serão utilizadas as experiências dos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – OCDE. Duas razões motivaram essa escolha. A primeira, a heterogeneidade dos países membros da OCDE, englobando países fortemente industrializados, todos os do chamado G7, passando por países que estão no nível intermediário de desenvolvimento. A segunda motivação, fatalmente a mais forte, foi a existência de fartos estudos. Para permitir uma avaliação do conjunto das experiências desses países, optou-se por apresentar, inicialmente, como a cobrança pela captação de água bruta é praticada nos diferentes setores usuários e, em seguida, a cobrança pelo lançamento de efluentes. 4.1 A Cobrança pela Captação de Água Bruta Esse item foi baseado em OCDE, (1999a) e OCDE, (1999b), OCDE, (1999c), OCDE, (1999d). A maioria dos países da OCDE aplica alguma forma de cobrança ou de restrição para as captações de água bruta, mesmo que essas práticas variem de um país para outro e de um setor para outro. A maioria opera uma distinção formal entre os diferentes grupos de usuários (industrial, abastecimento doméstico e agricultura) e, conseqüentemente, aplicam diferentes valores de cobrança pela captação de água bruta. Essa cobrança pode assumir uma forma de taxa nominal praticada pelo sistema de permissão ou em função de critérios quantitativos. 4.1.1 Setor Industrial A cobrança pela captação (e/ou consumo) de água é aplicada em torno da metade dos países da OCDE, como Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Espanha, França, Hungria, Itália, Japão, México, Holanda, Polônia, República Tcheca, Turquia e Reino Unido. Estudos desenvolvidos pela OCDE (OCDE, 1987), indicam que existe A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 46 o Meio Ambiente recolhe a cobrança pela captação de água subterrânea, bem mais elevada. Alguns países autorizam as trocas de permissão entre os usuários (mercado de água), para melhor organizar a gestão dos recursos hídricos. Essas experiências são, entretanto, relativamente localizadas (na Califórnia nos EUA, certas zonas irrigadas da Espanha e alguns Estados da Austrália) e nenhum país da OCDE está dotado de um programa nacional completo nesse domínio. A Tabela 4.1 apresenta, de forma resumida, informações gerais sobre a cobrança pela captação de água bruta aplicada no setor industrial, nos diversos países da OCDE. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 47 Tabela 4.1 – Cobrança pela Captação de Água Bruta aplicada no Setor Industrial Manancial Cobrança Cobrança Diferencia Permitida País Subt. Sup. Captação Uso dos Receitas Baseada Tipo de Uso Outra Diferenciação Transferência * 1 Alemanha n. d. n. d. Sim Custos administrativos n. d. Sim Manancial, local Não 2 Austrália n. d. n. d. Sim n. d. CAP e REAL n. d. n. d. Sim 3 Áustria n. d. n. d. Não n. a. n. a. n. a. n. a. Não 4 Bélgica 22% 78% Sim Ambiente REAL Não Não Não 5 Canadá 8% 92% Sim Custos administrativos CAP n. d. n. d. Não 6 Coréia do Sul 7% 93% Sim Ambiente e Custos Administrativos REAL Sim Manancial Não 7 Dinamarca 99% 1% n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. Não 8 Espanha 20% 80% Sim Agências de Bacia, Custos Administrativos e Ambiente CAP Sim Hierarquia dos direitos sobre a água e local Sim 9 Estados Unidos 18% 82% n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. Sim 10 Finlândia 2% 98% Não n. a. n. a. n. a. n. a. Não 11 França 67% 33% Sim Agências de Bacia, Ambiente CAP e REAL Sim Manancial, local Não 12 Grécia 15% 85% Não n. a. n. a. n. a. n. a. Não 13 Hungria 2% 98% Sim Fundos para Água, Ambiente REAL Sim n. d. Não 14 Irlanda 22% 78% Não n. a. n. a. n. a. n. a. Não 15 Islândia n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. Não 16 Itália 88% 12% Sim Agências de Bacia CAP Sim Desconto se são utilizadas tecnologias mais eficientes Sim 17 Japão 53% 47% Sim n. d. n. d. n. d. n. d. Não 18 Luxemburgo 60% 40% n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. Não 19 México 60% 40% Sim n. d. REAL Sim Local Não 20 Noruega n. d. n. d. n. d. n. d. Condições da permissão Não 21 Nova Zelândia n. d. n. d. não n. a. n. a. n. a. n. a. Sim 22 Holanda 62% 38% Sim Ambiente (Províncias) e Orçamento Geral (Estado) REAL Sim Desconto para infiltração prévia Não 23 Polônia 8% 92% Sim Ambiente n. d. Sim Manancial, local Não 24 Portugal 70% 30% Não n. a. n. a. n. a. n. a. Não 25 República Tcheca 5% 95% Sim Ambiente n. d. Sim Manancial, local Não 26 Reino Unido 24% 76% Sim Ambiente e Custos Administrativos CAP Sim Manancial, fator de perda, estação Não 27 Suécia 5% 95% Não n. a. n. a. n. a. n. a. Não 28 Suíça n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. n. d. Não 29 Turquia 14% 86% Sim Orçamento Geral (Estado/Município) CAP e REAL Sim Hierarquia dos direitos sobre a água e local Não n.d. – informação não disponível; n. a. – não se aplica; CAP - a cobrança é baseada na capacidade autorizada; Real - a cobrança é baseada no consumo real. * - É permitido a transferência dos direitos de usar a água? Fonte: Baseado em OCDE (1999a e 1999b) e diversos endereços na Internet, como da Environment Agency – Austrália (www.ea.gov.br); A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 48 4.1.2 Setor Agrícola A grosso modo, os países da OCDE podem ser divididos em três grandes grupos, em função da produtividade obtida com a agricultura irrigada. O primeiro engloba os países ou regiões onde, devido ao clima, a agricultura irrigada apresenta produtividade bem mais elevada do que a agricultura de sequeiro : Austrália, Grécia, Espanha, oeste dos EUA, México, Portugal, Turquia, Japão e sul da Itália. No segundo grupo, estão os países ou regiões onde a irrigação é utilizada como suporte, sobretudo para limitar os riscos : norte da França, norte da Itália, Nova Zelândia, Canadá e Reino Unido (Inglaterra e País de Gales). No terceiro grupo, estão aqueles países onde a agricultura irrigada é, geralmente, limitada à produção de hortigranjeiros no verão : Noruega, Áustria, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Polônia, República Tcheca, Alemanha e Suíça. Evidentemente, o primeiro grupo é o mais complexo e o mais heterogêneo. As características comuns nesses países do primeiro grupo são, notadamente: − uma forte concorrência intersetorial pelos recursos hídricos; − grande diferença de produtividade entre as explorações com e sem uso de irrigação; − uma participação forte e antiga de instituições públicas na construção de obras hidráulicas e/ou instalação de irrigação; − dificuldades crescentes na preservação da qualidade ecológica dos mananciais sem redução da quantidade de água disponível para os usuários; − aumento dos custos devido à utilização de novas fontes de abastecimento (mais distantes, demandando infra-estruturas mais complexas, etc.). A comparação dos preços de água praticados no setor agrícola dos diferentes países e regiões pode induzir a erros, conseqüência de não se encontrarem situados no mesmo contexto. A Tabela 4.2 sintetiza algumas informações sobre alguns aspectos institucionais e preços praticados nos países da OCDE onde a irrigação é mais importante. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 51 dos países da OCDE. Nas três décadas que antecederam os anos 90, os preços da água cresceram menos que a taxa de inflação e os custos reais de irrigação não eram cobertos por essa cobrança. Globalmente, a Grécia adota a mesma abordagem que Portugal e Turquia, estimular a agricultura e o desenvolvimento rural por meio da tarifação subsidiada de água. Entretanto, a situação da Grécia é um pouco mais complexa, notadamente devido às questões hidrológicas. Por outro lado, apesar de a cobrança pelo uso da água ser mais elevada na Grécia do que em Portugal e Turquia, os agricultores gregos que utilizam a rede de irrigação do Estado não pagam a totalidade dos custos de operação e manutenção. Nos EUA, os preços da água são tão complexos e diversificados quanto na Espanha. Os agricultores titulares de direitos históricos pagam, quando muito, custos específicos referentes à distribuição de água. Os irrigantes que utilizam as redes criadas pelo Poder Público dos Estados do oeste pagam preços reduzidos que não chegam a cobrir os custos de operação e manutenção dessas redes. A situação do setor de água na Califórnia é sem equivalente no mundo, e remete a alguns casos extremamente diversos, desde a irrigação de Luzerne pelos agricultores do Vale Imperial, zona árida próxima à fronteira mexicana, até os sistemas eletrônicos de comercialização de água no Vale São Joaquim. A agência de água da Califórnia ofereceu ao mundo uma das experiências de banco de água mais comentadas. Esse sistema simples de incitação pelos preços foi suficiente para provocar trocas de mais de 700 milhões de metros cúbicos em alguns meses. No entanto, as políticas públicas de tarifação só começaram a ser utilizadas após a adoção da lei de 1992, sobre a valorização do Vale Central. É, em virtude desse texto, que foi implementada com certo sucesso uma tarifação diferenciada nos diversos distritos de irrigação organizados pelos Poderes Públicos. Entretanto, os preços praticados são freqüentemente baixos em comparação aos dos demais países da OCDE. Finalmente, apesar de algumas experiências significativas, a cobrança pelo uso da água para o setor agrícola não tem a mesma importância nos EUA e na Austrália, por exemplo. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 52 4.1.3 Abastecimento Doméstico Onze países da OCDE (Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Hungria, Itália, Japão, México, Polônia, e Reino Unido – Inglaterra e País de Gales), cobram pela retirada de água utilizada pelos serviços de abastecimento e saneamento. Uma cobrança similar está prevista em Portugal e Suécia. Essas cobranças variam em função da categoria do usuário e, freqüentemente, em função da localização geográfica, refletindo a escassez da água. Em numerosos casos, essa cobrança tem por objetivo predominantemente a proteção do ambiente, e suas receitas são, muitas vezes, destinadas para agências ambientais ou fundos de proteção do meio ambiente. Os custos econômicos diretos associados aos trabalhos para garantir as captações podem ser recuperados por meio das tarifas clássicas, como é o caso da Inglaterra e País de Gales, ou podem ter um objetivo ambiental explícito, como na Holanda. Nesse último caso, por conseqüência, a elevação da cobrança permite reduzir os custos para a distribuição de água (fruto da redução dos volumes consumidos) e de melhorar a recuperação dos custos. 4.2 A Cobrança pelo Lançamento de Efluentes Freqüentemente, as medidas que regulamentam os lançamentos de efluentes tomam forma de permissão: para poder restituir a água usada diretamente no rio ou aqüífero, os usuários devem obter uma autorização. Na maior parte dos Países, existem normas que determinam os padrões mínimos de qualidade para o efluente e que estabelecem o padrão de qualidade com que o corpo receptor deve ser mantido. A desobediência a essas normas aciona, em regra geral, penalidades que constituem, de alguma forma, uma variante dos sistemas formais de cobrança pelo lançamento de efluentes. Esse é o caso da Irlanda em que o processo de autorização é objeto de uma cobrança e onde aqueles que desobedecem às regras ou que lançam seus efluentes de maneira ilícita podem sofrer punições e/ou serem obrigados a reembolsar às autoridades locais os custos da despoluição. Na Áustria, os estabelecimentos industriais devem PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 53 respeitar os padrões de lançamentos, que foram estabelecidos de forma distinta para cerca de 70 diferentes setores. Apesar disso, essas abordagens têm características fragmentadas e não podem sempre ser aplicadas de forma exaustiva. Essa é uma das razões pela quais alguns países da OCDE instalaram uma cobrança formal pelo lançamento de efluentes. A cobrança pelo lançamento de efluentes já é aplicada em oito países da OCDE (Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Polônia, República Tcheca e Reino Unido – Inglaterra e País de Gales) e prevista em outros países (Portugal, por exemplo). A Tabela 4.3 apresenta algumas características dos sistemas de cobrança utilizados em alguns países da OCDE. Tabela 4.3 – Características de alguns sistemas de cobrança pelo lançamento de efluentes País Quem recebe? Base de Cálculo Alemanha Länder/Municipalidade Definição de unidade de poluição para cada poluente Bélgica Fundos Ambientais do Estado Sobre volumes > 500 m3/ano Espanha Agência de Bacia Em função do nível de poluição, calculado em equivalente-habitante França Agência de Água Por poluente, variando segundo tipo de uso e diferenças regionais Holanda Estado Poluição em equivalente-habitante, modelo Input/Output e, para grandes poluidores, medição de qualidade e quantidade Polônia Fundos para o Meio Ambiente Variável segundo o poluente, o setor industrial e o corpo receptor México Sem informação Corpo receptor, local, volume e grau dos poluentes Fonte: Adaptado de OCDE (1999a) A cobrança pelo uso da água recebe a denominação de Redevance na França, Charges na Inglaterra, das wasserpfennig, na Alemanha. Na França e Holanda, já é aplicada desde a década de 60. No início dos anos 80, foi adotada na Alemanha e no início dos anos 90, na Inglaterra e no México. A seguir, será apresentado um breve panorama sobre a cobrança pelo uso da água em alguns países. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 56 consumo de água e de matéria-prima) e grande (cobrança variável em função da medição da quantidade e da concentração das emissões). O valor da cobrança na Holanda é tido como alto quando comparado com os dos demais países europeus e tem induzido mudanças no comportamento do poluidor. 4.2.4 Inglaterra e País de Gales Por meio do "Water Act de 1989", a NRA (National Rivers Authorities - incorporada em 1996 a então criada Environment Agency) assumiu as funções regulatórias e ambientais antes realizadas pelas “Water Authorities”. A partir de 1991, ela elaborou um sistema de cobrança com o objetivo de cobrir os custos administrativos e de monitoramento do sistema de permissões de lançamentos (Hills, 1995). A cobrança é anual e baseada na seguinte fórmula: $/ano = CV . CE . CR . ACFF (4.1) Onde CV é um coeficiente em função do volume máximo diário admissível de efluente (especificado no sistema de permissões); CE é um coeficiente em função do tipo de efluente; CR é um coeficiente dependente do corpo hídrico receptor (superficial, subterrâneo, estuário) e ACFF, a cobrança anual (em libras/ano). O coeficiente CV varia de um valor de 0,3 (para volumes entre 0 a 5 m3) até um valor de 14 (para volumes superiores a 150.000 m3). O coeficiente em função do tipo de efluente tem faixas de variações entre 0,3 e 14. O coeficiente corpo hídrico receptor assume o valor de 0,5 para o caso das águas subterrâneas, 1 para águas superficiais e 1,5 para o caso dos estuários. A cobrança anual (ACFF - Annual Charge Financial Factor), uniforme para todas as regiões do país, foi no período 1995/96 de 401 libras (US$ 661). Há indicativos de que o sistema inglês arrecada entre metade e um quarto do arrecadado pelo sistema alemão. PARTE I - FUNDAMENTOS ECONÔMICO, BASES CONCEITUAIS E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 57 4.2.5 México Segundo Seroa da Mota (1998), a cobrança pelo lançamento de efluentes foi iniciada em 1998. A Comissão Nacional da Água (CNA), por lei, pode aplicar o princípio poluidor-pagador. O sistema de cobrança visa a atender dois objetivos: induzir os poluidores ao alcance de determinados padrões ambientais e gerar receitas. Os corpos hídricos são classificados em três tipos em função do nível de tratamento necessário para alcançar seu padrão ambiental. Os valores unitários da cobrança variam de acordo com o tipo do corpo hídrico e com o nível de emissão medida em concentração (miligrama por litro). Descargas inferiores a 3.000 m3 são cobradas com base em uma taxa fixa e municípios com população inferior a 2.500 habitantes são isentos. Problemas associados ao monitoramento e a oposição dos poluidores têm feito com que o valor gerado pela cobrança seja, apenas, uma fração do seu potencial. Como forma de melhorar a aplicação da cobrança, uma recente revisão da respectiva legislação tenta enfatizar a participação pública e privada nas questões, a necessidade de informações confiáveis e a capacidade institucional. É necessário reduzir o fosso existente entre o olhar deslumbrado, mas freqüentemente mal informado, dos estrangeiros sobre nossa experiência em gestão de água, e o olhar severo e radical, mas também mal informado, que nos lançam de tempos em tempos nossos administradores e nos os homens políticos nacionais (BARRAQUE, 1998). s PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA 60 envergadura não seria possível sem unificar os regimes jurídicos das águas superficiais e subterrâneas, atribuindo responsabilidade da gestão ao Estado. Esta idéia foi rejeitada, pois na época não pareceu nem necessário, nem útil privar os proprietários rurais de toda França de seus direitos, ainda mais considerando que em muitos locais os problemas relacionados com os recursos hídricos ainda eram irrelevantes; O segundo debate trata das estruturas - os senadores ficaram chocados com o fato de o projeto de lei não conter estruturas eficazes no nível de bacia hidrográfica. Eles se chocaram, igualmente, pelo fato de o projeto de lei não prever nenhum instrumento financeiro algum, mesmo sabendo-se que as necessidades de investimentos eram consideráveis; Um debate essencial tratou da conveniência de continuar usando simplesmente instrumentos regulamentares ou introduzir instrumentos econômicos. Os estudos desenvolvidos mostraram que as necessidades de água para obter um produto industrial, para assegurar a higiene nos domicílios ou para irrigação não seriam de qualquer sorte um dado intangível, mas dependeriam das técnicas utilizadas, isto é, das despesas efetuadas. Os economistas propuseram considerar a água como outros bens econômicos: um produtor de eletricidade, por exemplo, vende seu produto a seu custo e o cliente adapta suas técnicas de produção a esse preço. Em outros termos, seria necessário criar um organismo em cada bacia que fizesse o usuário pagar por cada metro cúbico de água captado ou carga de poluição lançada. A transposição para a água da idéia geral de tarifação ao custo marginal, cuja aplicação pura e simples parecia impossível sem um período de adaptação suficientemente longo, estava bem longe das práticas da época. Por conta dessas dificuldades, essas idéias foram organizadas sobre vários pontos: A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 61 As receitas seriam utilizadas para conceder empréstimos e subvenções aos usuários que executassem, eles mesmos, obras úteis para a conservação e/ou recuperação dos recursos hídricos; As receitas e despesas deveriam imperativamente se equilibrar no programa de cinco anos; Os usuários agrícolas, grandes consumidores de água, seriam submetidos a uma “redevance” reduzida, porém sua contribuição seria ‘representada’ pelas subvenções do Ministério da Agricultura; Enfim, os consumidores abaixo de um certo nível de consumo estariam isentos de pagamento. Dessa forma, após longos meses de preparação e de negociação, foi introduzido o artigo criando as Agências Financeiras de Bacia. 2. O INÍCIO DO FUNCIONAMENTO DAS AGÊNCIAS E DOS COMITÊS Este capítulo foi baseado em Hubert (1990), Valiron (1990), Valiron (1998) e Barraqué (2000). 2.1 A Etapa de pré-implementação: algumas questões cruciais No período que antecedeu os Decretos de implementação da Lei de Águas francesa de 1964, aconteceram importantes debates alimentados por diversas questões que se mostraram muito importantes para o aprimoramento do sistema de gestão de águas. Dentre essas, algumas merecem destaque porque iriam influenciar não somente o modo francês de gerir suas águas como também influenciariam diversos países, o Brasil dentre eles. Como os comitês de bacia poderiam funcionar com sua composição agrupando representantes do governo, dos usuários e da sociedade civil? Os antagonismos encontrados na prática entre os defensores da natureza (pescadores, ecologistas, etc.) e PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA 62 os poluidores (industriais, agricultores e comunidade) não seriam levados por controvérsias e a tomada de decisões por uma maioria frágil ou de consensos limitados ou mesmo decidindo por “redevances” simbólicas sobre uns e outros? Em relação à poluição, mesmo dentre aqueles que geravam (industria, agricultura, usuários domésticos), cada um dentre eles, reconhecia a presença de uma poluição, e rejeitava a nocividade desta sobre os outros. Questões como quais parâmetros deveriam servir de base para o cálculo das “redevances” eram freqüentes. Deveria ser utilizada a Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO – com um peso importante para a poluição orgânica, que faria pagar mais os usuários domésticos e as indústrias agro-alimentares? Ou a Demanda Química de Oxigênio – DQO – privilegiando os aspectos químicos em detrimento das outras indústrias? Deveria ser feita referência aos rejeitos tóxicos, apesar de que alguns dentre eles tinham sido interditados ou ainda em relação aos materiais em suspensão, mais fáceis de serem eliminados? E finalmente, qual o peso recíproco a ser atribuído a cada um desses parâmetros? Como deveria ser a administração das Agências? Também seria compartilhada, como os Comitês de Bacia? Cada um dos três ministérios – indústria, agricultura e Infra- estrutura – competente em seu domínio e gestionário em parceria da política de água, desejava uma divisão eqüitativa para não perder suas prerrogativas. 2.2 Algumas lições da etapa pré-implementação A Secretaria permanente, vinculada ao Ministério do Interior, responsável pela condução desse trabalho, fez algumas escolhas com muita habilidade, de forma a não criar maiores insatisfações nos poluidores. Os grupos de trabalho eram formados por especialistas e baseavam-se em dados concretos e conhecimentos científicos os mais seguros possíveis. Enfim, analisaram a possibilidade de considerar as substâncias tóxicas e chegaram a uma unidade de medida aceitável, “EQUITOX”. Finalmente, decidiram dividir o território francês em seis bacias, A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 65 Antecipando um pouco o que mais adiante será debatido neste trabalho, na situação atual o sistema francês conta com diversos detentores de cargos eletivos (prefeitos, deputados, senadores, etc.) ocupando cargos de direção em algum dos organismos de bacia (Comitê ou Agência). A pergunta que se faz é: estes já detinham cargo eletivo e ocuparam cargo nos organismos de bacia ou, ao contrário, primeiro ocuparam cargo nos organismos de bacia para depois obterem cargos eletivos? Como ocorreu nos primeiros anos do sistema francês? Um outro resultado positivo deste método, que associou todos os membros do comitê em torno de problemas reais identificados através de relatórios técnicos bem atualizados, foi à divulgação desses conhecimentos técnicos para todos os atores e o desenvolvimento de um espírito de equipe e de solidariedade entre eles. É necessário notar que esta política tinha se apoiado sobre um certo número de personalidades do primeiro plano, escolhidos na origem pelo poder público para presidir os Conselhos de Administração das Agências de Bacia. Os presidentes, apesar de terem suas agendas já ocupadas com suas funções normais, aceitaram consagrar muito de seu tempo a essa tarefa suplementar. Eles tinham compreendido bem as complexidades dos problemas envolvidos e, no momento futuro, poderiam utilizar suas experiências para fazer funcionar essas estruturas dinâmicas e eficazes. Paralelamente, os Comitês de Bacias elegeram os melhores nomes para ocupar os postos mais elevados e, rapidamente, a presidência de diversas comissões foi ocupada por personalidades competentes. Assim, o senador Maurice Lalloy, que tinha sido encarregado de apresentar a Lei de água de 1964 no senado, presidiu durante mais de cinco anos o Comitê da Bacia Seine-Normandie; André Bettencourt, diversas vezes ministro; Pierre Messmer, futuro Primeiro Ministro da República, entre outros ocuparam o posto de presidente de algum dos Comitês de Bacias. Enfim, prefeitos como Paul Delouvrier e Maurice Doublet foram PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA 66 designados para ocuparem a presidência dos Conselhos de Administração das Agências de Bacia. Todos esses dirigentes conseguiram criar um excelente ambiente de trabalho e obtiveram êxito em superar rapidamente os antagonismos ou interesses divergentes, insistindo sobre a missão de interesse público que seria confiada a essas novas instâncias e responsabilizando cada um de seus membros. Apesar disso, o bom clima criado nos Comitês de Bacia e a excelente compreensão existente entre todos seus membros não pode impedir que um certo número de prefeituras contestasse a legalidade das “redevances”, fixadas por uma assembléia que não era composta por representantes eleitos por voto universal. Concordando com estes prefeitos, o presidente da Associação das Prefeituras da França argumentou que, além da questão legal, os municípios sujeitos as “redevances” não eram poluidores, mas somente transferidores de uma poluição. 2.5 Alguns dos debates que marcaram o desenvolvimento das Agências de Água Muitos debates marcaram o desenvolvimento das Agências de Água. Serão comentados três bastante significativos: o conflito com a Associação das Prefeituras da França, articulação entre regulamentação (polícia de águas) e intervenção das Agências de Água e, enfim integração progressiva dos agricultores ao sistema das Agências. 2.5.1 O Conflito com a Associação das Prefeituras da França Desde o início, essa organização entrou em conflito com o sistema das Agências. Seu presidente nacional, Lionel de Tinguy du Pouet, Conselheiro de Estado, Prefeito de um pequeno município, achou inconcebível que um organismo como os Comitês de Bacia, composto por funcionários, de representantes profissionais e de apenas um terço de representantes eleitos, pudesse votar “redevances”. Ele achava ainda mais incongruente que essas “redevances” pudessem ser cobradas de municípios dirigidos por representantes do povo. Ele questionava, nem tanto o princípio das “redevances”, mas a A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 67 composição do comitê que a decidia. Segundo ele, o Comitê de Bacia não deveria ser composto senão por representantes diretamente eleitos pela maioria da população. A Associação das Prefeituras recomendou a seus associados que não pagassem as “redevances”. Essa recomendação foi compreendida diferentemente, segundo orientação política das associações dos municípios e dos próprios prefeitos. Assim mesmo, ela foi um incômodo muito grande neste período inicial, pois qualquer bloqueio poderia servir de exemplo para outros atores. O apoio individual da maioria dos municípios seria adquirido com o mecanismo das “redevances” e das ajudas correlatas; mas coletivamente, eles não poderiam ir contra a orientação nacional de boicote. De sua parte, as Agências e suas administrações evitavam o debate, se contentando suspender os pagamentos das subvenções aos municípios que não pagavam as “redevances”. Dois anos depois, para tentar avançar, o Conselho de Estado Francês – o equivalente ao Supremo Tribunal Federal - foi consultado sobre qual seria a natureza das “redevances”. Seria um imposto, como pretendia o presidente da Associação dos Municípios? Nesse caso, elas deveriam ser decididas somente pelos eleitos por voto universal (Deputados e Senadores). Seria outra coisa, tais como uma taxa parafiscal ou uma tarifa por serviço disponibilizado? O Conselho de Estado reconheceu que as “redevances” têm uma característica “sui generis”. Não seriam impostos, pois, contrariando os impostos sem destinação, elas têm uma destinação direta, o financiamento dos programas de intervenção; elas não são tarifas por serviços disponibilizados pois não existe ligação entre a edevance paga por um contribuinte e o serviço que ele receberá da Agência em contrapartida. Assim, as “redevances” constituem uma categoria “sui generis”, não prevista na constituição e as leis que tratavam dos impostos e taxas. r Qualquer que seja a figura das “redevances”, a Associação dos Prefeitos questionaria igualmente a possibilidade dos municípios serem cobrados pelas agências. A PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA 70 As orientações das Agências e as responsabilidades dos demais organismos do Estado procedem de filosofias diferentes: os organismos do Estado tinham por objetivo aplicar uma regulamentação restritiva, funcionando por “sim ou não”, enquanto que as agências deveriam buscar uma espécie de restrição modular, onde o usuário tivesse a possibilidade de escolher dentre algumas alternativas, segundo o interesse coletivo. Dessa forma, um poluente, em teoria, poderia ser interditado por um dos organismos do Estado e, ao mesmo tempo, ser objeto de redevance ao título da Agência que ainda poderia subvencionar a obra de despoluição concernente. Por exemplo as “redevances” sobre substâncias tóxicas, introduzidas a partir de 1976 em diferentes bacias, no início se chocavam com uma incompreensão do caráter exclusivo dos organismos do Estado, encarregados da fiscalização: como a Agência poderia receber “redevances” sobre o lançamento de substâncias tóxicas, cujo lançamento estava interditado? Conviver com essas posições sem risco de bloqueios era impossível. Assim, representantes dos organismos do Estado e das Agências foram conduzindo pouco a pouco suas posições, permitindo que elas se adaptassem. Do lado das Agências, não subvencionariam nenhuma obra de despoluição que não estivessem de acordo com os demais organismos do Estado. Do lado dos serviços do Estado, aplicariam a regulamentação progressivamente e em coerência com o programa das Agências, de forma a evitar impor que todas as obras fossem realizadas ao mesmo tempo, o que poderia inviabilizar o financiamento. Pode-se afirmar que na prática este mecanismo funcionou bem. De qualquer forma, colocar o sistema em funcionamento seria do interesse das duas partes, pois quanto mais benéfico se revelassem as intervenções das Agencias, mais eficaz seria o serviço dos demais organismos do Estado. Por outro lado, os organismos do Estado foram conduzidos a trabalharem em coerência com eles próprios, graças a coordenação instituída pela Missão Delegada de A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 71 Bacia, organismos de articulação para aplicação dos regulamentos sobre captações, lançamento de efluentes, etc. Até 1979, o diretor da Agência de Água era ao mesmo tempo o secretário geral da Missão Delegada de Bacia. Dessa forma, funcionava muito bem, tanto pela coordenação entre administrações, quanto pela troca de informações com a agência. A partir de 1979 o diretor da Agencia de Água não é mais o secretário geral da Missão Delegada. No entanto, qualquer que seja o secretário, o sistema continuou funcionando bem. 2.5.3 A integração dos agricultores ao sistema das Agências A agricultura na França é um mundo à parte. Ela não obedece às leis de mercado, pois sua economia é fortemente governada por um sistema de preços controlados e subsidiados. É mais a mão do Ministro da Agricultura e de seus representantes, sustentada pela mão da comissão da União Européia, que governa, do que a mão invisível de Adam Smith (Cheret et al., 1998). O mundo da agricultura é igualmente a parte que paralisa regularmente algumas vias de comunicação ou alguns prédios públicos para mostrar sua força e demonstrar sua insatisfação em relação às medidas de orientação do mercado. Ao agir assim, eles se beneficiam da simpatia que inspiram os pequenos, primeiras vítimas da evolução dos mercados. Os organismos do Estado que fiscalizavam o uso das águas na agricultura eram pouco desenvolvidos: captações nos cursos de água ou nos aqüíferos, rejeitos de instalação agrícola de criação de animais, excesso de fertilizantes e pesticidas, etc., eram ignorados ou tolerados. A intervenção das agências deveria ser traduzida rapidamente por meio de restrições sobre as captações de água nos mananciais superficiais ou subterrâneos, destinados a irrigação. As captações excessivas provocavam esgotamento dos mananciais PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA 72 no período de estiagem. Essas situações aconteciam, especialmente, nas regiões sul e oeste da França - bacia Adour-Garonne, por exemplo -, onde as culturas irrigadas são numerosas. As Agências tinham de estimar as vazões de estiagens nas barragens que elas mesmas financiavam por meio da cobrança pela captação de água. Nessas barragens, largamente subvencionadas pelo Estado, os preços da água para os agricultores eram fixados em níveis muito baixos. Assim mesmo, a implementação dessas cobranças foi objeto de conflitos, às vezes violentos. Em contrapartida, a poluição de origem agrícola, diante da ameaça dos conflitos políticos inadministráveis, não foi objeto de cobrança. Somente a partir de 1992 o problema da poluição de origem agrícola foi retomado. Era um verdadeiro escândalo: aqüíferos e rios poluídos por pesticidas, dejetos de animais ameaçando a salubridade e a segurança do abastecimento de água. A opinião pública estava pronta para o debate. Decidiu-se pela introdução do uso ‘criação de animais’, principal fonte concentrada de poluição, no sistema das Agências. Porém de forma gradativa, ao longo de vários anos e começando pelos grandes usuários . Simultaneamente, deveria ser estabelecido um programa de saneamento, destinado a tratar os efluentes da atividade criação de animais. Nesse caso, as “redevances” deveriam ser cobradas em função dos rejeitos, porém uma subvenção pública (Estado e Departamentos) reduziria seus valores, de forma a não desestabilizar economicamente a atividade criação de animais. Essa subvenção deveria ser decrescente ao longo do tempo. No final do programa, as instalações de tratamento dos efluentes construídas com ajuda financeira das Agências e da coletividade abateriam a poluição e a redevance, cobrada em função da carga residual, bastante reduzida, deverá ser suportável, sem grandes problemas. Essa abordagem, análoga àquela utilizada com as grandes indústrias poluidoras em 1968, deveria permitir resolver os problemas da poluição agrícola relacionadas com ANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 75 Tabela 3.1 – Composição dos Comitês de Bacia em 01/01/1997 Bacia AG AP LB RM RMC SN Total Superfície (1.000 km2) 115 21% 21 4% 155 28% 31 6% 130 24% 100 18% 552 100% População (milhões de habitantes) 6 11% 5 9% 12 21% 4 7% 13 13% 17 30% 57 100% Categoria Quant. % Total Quant. % Total Quant. % Total Quant. % Total Quant. % Total Quant. % Total Quant. % Total Regiões 6 7% 3 5% 8 7% 3 5% 6 6% 7 7% 33 6% Departamentos 18 21% 17 26% 28 25% 14 23% 28 26% 25 24% 130 24% Comunas 6 7% 5 8% 6 5% 5 8% 6 6% 6 6% 34 6% Coletividades Territoriais 30 36% 25 38% 42 37% 22 36% 40 37% 38 37% 197 37% Indústria 12 14% 11 17% 17 15% 11 18% 18 17% 15 15% 84 16% Agricultura 5 6% 3 5% 7 6% 1 2% 5 5% 4 4% 25 5% Pesca 3 4% 3 5% 5 4% 3 5% 5 5% 5 5% 24 4% Distribuidores de Água 2 2% 1 2% 1 1% 1 2% 1 1% 2 2% 8 1% Associações Ambientalistas 2 2% 2 3% 3 3% 2 3% 3 3% 3 3% 15 3% Sociedades de Gestão 1 1% 0 0% 3 3% 0 0% 2 2% 0 0% 6 1% Consumidores de Água 1 1% 2 3% 2 2% 1 2% 1 1% 2 2% 9 2% Outras atividades (náuticas, turismo) 2 2% 1 2% 2 2% 1 2% 3 3% 2 2% 11 2% Pessoas Competentes 2 2% 2 3% 2 2% 2 3% 2 2% 5 5% 15 3% Usuários e pessoas competentes 30 36% 25 38% 42 37% 22 36% 40 37% 38 37% 197 37% Prefeitos 6 7% 2 3% 10 9% 3 5% 8 7% 8 8% 37 7% Outros representantes do Estado 12 14% 12 18% 12 11% 11 18% 13 12% 12 12% 72 13% Estado 18 21% 14 21% 22 19% 14 23% 21 20% 20 19% 109 20% Meio Sócio-Profissional 6 7% 2 3% 8 7% 3 5% 6 6% 7 7% 32 6% Total 84 100% 66 100% 114 100% 61 100% 107 100% 103 100% 535 100% Nota: AG - Adour-Garonne ; AP - Artois-Picardie ; LB - Loire-Bretagne ; RM - Rhin-Meuse ; RMC - Rhône-Méditerranée-Corse e SN - Seine-Normandie Fonte: Adaptado de Commissariat Général du Plan, (1997) e Gibey, (1999) A COBR PARTE II - AS AGÊNCIAS DE ÁGUA E A REFORMA DA POLÍTICA FRANCESA 76 Como a França dispõe tradicionalmente de três grandes corpos de engenheiros que dominam a área de águas, o número total de bacias deveria permitir uma repartição equilibrada entre eles, dessa forma o território francês foi dividido em seis agências: - Loire-Bretagne e Adour-Garonne - bacias com grande vocação agrícola - para o corpo de engenheiros da École Nationale des Eaux et Fôrets (Escola Nacional de Águas e Florestas); - Rhin-Meuse e Artois-Picardie - as bacias mais industrializadas e minerárias - para o corpo de engenheiros de minas, da École des Minas; e - Rhône-Méditerranée-Corse e Seine-Normandie - bacias com uso intenso de navegação e grandes aglomerações urbanas - para o corpo de engenheiros da École Nationale des Ponts et Chaussées (Escola Nacional de Pontes e Estradas). Mas parecem existir evoluções também nesse setor pois já houve nomeações de engenheiros não oriundos dos grandes corpos técnicos do Estado para administrar as Agências de Bacia Seine-Normandie, Loire-Bretagne e Artois-Picardie (Hubert, 1990). A autonomia financeira das agências é assegurada pelos recursos obtidos com as “redevances”. O produto dessas “redevances” é redistribuído sob a forma de ajudas financeiras (empréstimos e/ou subvenções) às Coletividades Territoriais, às indústrias e aos agricultores para a realização de atividades na luta contra a poluição, proteção do meio aquático, melhorias no acesso aos recursos hídricos. Dada a importância das “redevances” para o funcionamento das Agências e do próprio sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, esse tema será tratado com mais detalhes, a seguir. 3.1 As “Redevances” Recebidas pelas Agências de Água A Agência de Água recebe as “redevances” de toda pessoa pública ou privada em função das perturbações que suas atividades provocam no meio aquático. É a aplicação do princípio poluidor-pagador. Proporcionalmente às quantidades de poluição lançadas no meio natural, ou aos volumes captados, as “redevances” são instrumentos para estimular o usuário a melhor gerir os recursos hídricos. O valor a ser cobrado é A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS 77 estabelecido pelo Conselho de Administração da Agência de Bacia, considerando as despesas plurianuais previstas nos programas de despoluição, aprovado pela autoridade de tutela e após a concordância do Comitê de Bacia. Este valor é revisto a cada ano a fim de ser atualizado conforme o programa de investimentos. Ele é, portanto, diferente de uma bacia para outra em função dos objetivos de qualidade estabelecidos. Conforme descritas, a seguir, são duas as modalidades de cobrança: pela captação de água bruta e pelo lançamento de efluentes. a) Cobrança pela captação de água bruta A base de cálculo dessa cobrança é constituída de duas parcelas, a quantidade de água captada e a quantidade de água não-restituída (consumida). O volume captado é medido e o volume consumido é estimado em função da atividade, por meio da utilização de coeficientes. Para cada uma dessas parcelas, é aplicada uma taxa, diferenciada em função da natureza do manancial (superficial ou subterrâneo). A equação 3.1 ilustra o cálculo da cobrança pela captação de água bruta. Cobrança = Vol. Captação x Preço Captação + Vol. Consumido x Preço Consumo (Eq. 3.1) Essa cobrança, também denominada ‘redevance de base’, segundo a zona geográfica, pode ganhar duas outras parcelas: - redevance de regulação sobre as captações efetuadas nos mananciais superficiais no período de 01 de junho a 31 de outubro; - redevance para ação reforçada em algumas zonas que exigem trabalhos particulares. A Tabela 3.2, a título de ilustração, apresenta os valores praticados na Bacia Seine-Normandie, para as indústrias e coletividades.
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