Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Mecânica Clássica, Notas de estudo de Engenharia de Produção

Modelagens newtoniana, lagrangeana e hamiltoniana de sistemas mecânicos discretos

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 01/12/2009

tullio-souza-5
tullio-souza-5 🇧🇷

1 documento

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Mecânica Clássica e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia de Produção, somente na Docsity! Modelagens newtoniana, lagrangeana e hamiltoniana de sistemas mecânicos discretos Ricardo M. S. Rosa Departamento de Matemática Aplicada, Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Caixa Postal 68530 Ilha do Fundão, Rio de Janeiro RJ 21945-970, Brasil Introdução Vamos comparar as modelagens newtoniana, lagrangeana e hamiltoniana de sis- temas mecânicos discretos. Em geral teremos um sistema idealizado de N ∈ N part́ıculas pontuais de massa mi > 0 e posição xi ∈ R 3, i = 1, . . . , N . Vamos, ver, também, casos de corpos ŕıgidos, onde o momento angular também deve ser modelado. Mas sistemas cont́ınuous como gases, ĺıquidos e sólidos elásticos, assim como sistêmas mecânicos quânticos não serão vistos. Esses necessitam de uma teoria de campos “cont́ınua”, não mais discreta. Vamos nos preocupar em grande parte com a influência de restrições na geometria, como nos casos de um pêndulo que está restrito a um movimento circular e de uma bola se movendo sobre um dado relevo. Veremos que, nesses casos, a modelagem lagrangeano é bem mais apropriada que a newtoniana para nos revelar as equações de movimento do sistema. A teoria será ilustrada com diversos exemplos. O objetivo é introduzir esses conceitos para estudantes avançados de matemática que não tiveram um curso de mecânica e gostariam de entender as modelagens por detrás de diversas equações diferenciais que servem de exemplo na teoria de sistemas dinâmicos. 5 CAṔıTULO 1 Modelagem newtoniana 1. Prinćıpios da modelagem newtoniana Na modelagem newtoniana, o prinćıpio fundamental é o da segunda lei de Newton, que afirma, no caso de massa constante, que força é igual a massa vezes aceleração. Assim, buscamos analisar todas as forças que agem em cada part́ıcula e igualar a resultante Fi ao produto da massa mi com a aceleração d 2xi/dt 2. Um notação comum em mecânica para as derivadas temporais é um ou mais pontos acima da variável, como ẋi = dx/dt e ẍi = d 2x/dt2. A relação força igual a massa vezes aceleração para cada part́ıcula, nos dá um sistema de equações miẍi = Fi, i = 1, . . . , N. Observe que este é um sistema de 3N equações, visto que para cada part́ıcula temos três coordenadas para a posição e três para a força. Vale ressaltar, também, que a força Fi pode depender do tempo t, da posição das outras part́ıculas, Fi = Fi(t,x). Em certos casos, como em eletrodinâmica, a força pode, também, depender da ve- locidade, Fi = Fi(t,x, ẋ). Podemos reescrever esse sistema na forma vetorial completa M ẍ = F(t,x, ẋ) onde M é uma matriz de “massas” apropriada. Essa matriz é diagonal. No caso sistemas macroscópicos tratados pontualmente só que com massa variável, como no caso em que a queima de combust́ıvel é significativa para o lançamento de um foguete, devemos usar a lei de Newton na sua forma mais geral, que implica em que a variação de momento é igual à força. O momento de cada part́ıcula é mẋi, assim temos d dt (miẋi) = Fi(t,x, ẋ), i = 1, . . . , N. Em certos casos em que alguma simetria está presente, podemos reduzir o número de coordenadas necessárias para descrever as posições xi e a forças Fi. Por exemplo, o movimento de um corpo caindo verticalmente em queda livre pode ser descrito apenas pela altura do corpo em relação a ao solo; o movimento de uma massa presa a uma extremidade de uma mola, com a outra extremidade fixa, e apresentado apenas um movimento unidimensional, longitudinal à mola, pode ser representado apenas pelo comprimento da mola; um pêndulo com movimento planar pode ser descrito por apenas o ângulo que o pêndulo faz com o eixo vertical; um pêndulo não restrito a um 7 10 1. MODELAGEM NEWTONIANA O sinal de menos se deve ao fato de que no caso em que θ é positivo, sin θ é positivo e a força gravitacional age no sentido de decrescimento de θ, devendo a resultante ser negativa. Por outro lado, no caso em que θ é negativo, sin θ é negativo e a força gravitacional age no sentido de crescimento de θ. As simetrias impostas nesse modelo fazem com que as outras duas coordenadas espaciais do pêndulo sejam constantes. A resultante das forças nas outras coordenadas se anula e essas coordenadas não aparecem explicitamente na equação. CAṔıTULO 2 Modelagem lagrangeana 1. Prinćıpios da modelagem lagrangeana Na formulação lagrangeana, o prinćıpio fundamental é o prinćıpio da menor ação. A ação é definida como a integral no tempo de uma função chamada lagrangeano e definido como sendo a energia cinética menos a energia potencial do sistema. No caso de um sistema não-restrito de N part́ıculas, L(x, ẋ) = K(ẋ) − V (t,x, ẋ) = 1 2 N ∑ i=1 mi|xi| 2 − V (t,x, ẋ), onde | · | denota a norma Euclidiana e V (t,x, ẋ) a energia potencial. Caso alguma restrição da forma x = X(t,q) seja imposta, ou mais explicitamente xi = Xi(t,q1, . . . ,qd), i = 1, . . . , N, com X = (Xi)i : R N → Rd, 1 ≤ d ≤ N , o lagrangeano toma a forma Lr(t,q, q̇) = Kr(t,q, q̇) − Vr(t,q, q̇), onde o ind́ıce r significa termos nas novas variáveis restritas. Como ẋi = ∇qXi(q) · q̇i + ∂tXi(q), a nova energia cinética Kr(t,q, q̇) pode, de fato, depender tanto de q̇ como de q e t. A restrição x = X(t,q) é uma restrição expĺıcita. Restrições impĺıcitas, como G(t,x) = 0, requerem o uso de “multiplicadores de Lagrange” e serão vistas em seguida. Mesmo no caso de restrições expĺıcitas, o prinćıpio da menor ação é valido e, em cada intervalo de tempo [0, T ], o sistema percorre o caminho q = q(t), 0 ≤ t ≤ T , entre certos pontos q(0) = q0 e q(T ) = qT , que minimiza a ação, dada por A(q(·),q0,qT , T ) = ∫ T 0 Lr(t,q(t), q̇(t)) dt. Assim, o caminho correto é o de menor ação, o que pode ser escrito da forma A(q(·),q0,qT , T ) = min q̃∈Q A(q̃(·),q0,qT , T ) onde Q indica o conjunto de todos os caminhos q̃ posśıveis iniciados em q̃(0) = q0 e terminados em q̃(T ) = qT . Nessa minimização, as variáveis q0, qT e T são mantidas fixas e, por isso, vamos simplificar a notação, escrevendo apenas A(q(·)) = 11 12 2. MODELAGEM LAGRANGEANA A(q(·),q0,qT , T ) Podemos, também, “transladar” Q para estar centrado no mı́nimo q e escrever A(q(·)) = min q̃∈Q0 A(q(·) + q̃(·)), onde Q0 indica o conjunto de todos os caminhos q̃ posśıveis iniciados em q̃(0) = 0 e terminados em q̃(T ) = 0, de modo que q(0) + q̃(0) = q0 e q(0) + q̃(T ) = qT . Para acharmos os mı́nimos da ação, procuramos os seus pontos cŕıticos, ou seja, os pontos em que o “gradiente” se anula. Só que a ação não é uma função vetorial, ela é uma função de outra função, q(·) Isso torna as coisas um pouco mais complicada. Mas, essencialmente, vamos assumir que podemos formalmente derivar sob o sinal de integração e, ainda, escrever ∇A(q(·)) · q̃ = ∫ T 0 ( ∇qLr(t,q(t), q̇(t)) · q̃(t) + ∇q̇Lr(t,q(t), q̇(t)) · ˙̃q(t) ) dt. Observe que a ação depende de q(·) enquanto que o lagrangeano depende de q(t) e de q̇(t). Isso faz sentido, porque, de fato, q(t) e q̇(t) são funções de q(·), são valores instantâneos relativos a função q(·) definida no intervalo [0, T ]. Além disso, em relação à notação, ∇q̇Lr denota apenas o gradiente de Lr em relação à segunda variável, que é apenas “calculada” em q̇(t). Isso é, de fato, um abuso de notação, mas é a convenção. Para sermos mais precisos, deveŕıamos ter definido Lr = Lr(t,q,v), sem ter feito inicialmente uma relação direta entre v e q̇, de modo que ∇q̇Lr seria simplesmente ∇vLr. Integrando por partes o segundo termo da ação e usando as condições de contorno q̃(0) = 0 e q̃(T ) = 0, temos ∇A(q(·)) · q̃ = ∫ T 0 (∇qLr(t,q(t), q̇(t)) · q̃(t) − ∂t∇q̇Lr(t,q(t), q̇(t)) · q̃(t)) dt. Como isso vale para qualquer q ∈ Q0, necessariamente o integrando deve se anular e d dt ∇q̇Lr(t,q(t), q̇(t)) −∇qLr(t,q(t), q̇(t)) = 0. Essa é a equação de Euler-Lagrange para a ação. Esta equação coincide com a equação obtida pela lei de Newton, mas a sua formulação é totalmente diferente. Veremos al- guns exemplos em seguida. Antes, podemos fazer uma conexão direta com as equações de Newton introduzindo o momento generalizado p(t,q, q̇) = ∇q̇Lr(t,q(t), q̇(t)). e considerando o termo F(t,q, q̇) = ∇qLr(t,q(t), q̇(t)). como representando as forças agindo no sistema restrito, incluindo as (pseudo-)forças de restrição (forças centŕıfuga, de Coriolis, etc.) Assim, as equações de Euler-Lagrange 3. MODELAGEM LAGRANGEANA COM RESTRIÇÕES IMPLÍCITAS 15 Figura 1. Curvas de ńıvel (linhas finas) e a restrição (linha grossa), com os vetores gradientes ilustrados em dois pontos, um em que eles são transversais e o ponto não é ponto cŕıtico e o outro em que eles são colineares e o ponto é o ponto cŕıtico procurado. e, em seguida, com a restrição impĺıcita G(x, z) = x = 0. Com isso, o lagrangeano é Lλ(x, z) = 1 2 m(ẋ2 + ż2) −mgz − λx. Observe que dessa maneira, d = 2 e q = (x, z). Assim, os gradientes ∇qLλ e ∇q̇Lλ são de fato vetores, dados por ∇qLλ = (∂xLλ, ∂zLλ) = (−λ,−mg), e ∇q̇Lλ = (∂ẋLλ, ∂żLλ) = (mẋ,mż) As equações de Euler-Lagrange em conjunto com a restrição levam a um sistema de equações      mẍ = −λ, mz̈ = −mg, x = 0, que se reduz a mz̈ = −mg. Este foi um caso simples. Veremos, posteriormente, casos mais interessantes. Veremos, também, a seguir, como essa idéia de multiplicadores de Lagrange pode ser usada para relacionar a formulação lagrangeana com a hamiltoniana. CAṔıTULO 3 Formulação Hamiltoniana Uma formulação mais expĺıcita das equações de movimento é a hamiltoniana, mais ela não é obtida tão diretamente. Na verdade essa formulação depende fortemente das formulações anteriores. Mas uma vez obtida a formulação hamiltoniana, ela nos permite um tratamento melhor. Há certas estruturas matemáticas que estão diretamente ligadas à essa formulação. 1. Formulação hamiltoniana a partir das equações de Newton Dada uma equação newtoniana na forma M ẍ = F(x), podemos passar isso para a forma de um sistema ampliado de primeira ordem, { ẋ = y, ẏ = M−1F(x). No caso em que −M−1F(x) seja uma função potencial, isto é M−1F(x) = −∇V (x), para alguma função potencial V = V (x), então esse sistema se torna equivalente a { ẋ = ∇yH(x,y), ẏ = −∇xH(x,y), onde H(t,x,y) = 1 2 |y|2 + V (x) Essa função H(x,y) é chamada hamiltoniano do sistema. Ela é uma quantidade conservada do sistema, pois, ao longo de cada solução (x,y) = (x(t),y(t)), d dt H(x(t),y(t)) = Hx · ẋ +Hy · y = Hx ·Hy −Hy ·Hx = 0. Observe ainda que, nesse caso, (1/2)|y|2 é essencialmente a energia cinética do sistema (só estão faltando as massas), V (x) é essencialmente a energia potencial e, portanto, H(x,y) é essencialmente a energia total do sistema. Mas quando há restrições, a história não é mais tão simples. 17 20 3. FORMULAÇÃO HAMILTONIANA Observe, ainda, que a minimização, agora, é em relação a q e v e não apenas a q. Assim, a variável estendida (q,v) faz o papel da antiga variável q, assim como (q̇, v̇) faz o papel de q̇. Temos, portanto, as derivadas parciais ∇(q,v)Lp = (∇qLp,∇vLp) = (∇qL,∇vL− p) e ∇(q̇,v̇)Lp = (∇q̇Lp,∇v̇Lp) = (∇q̇L, 0). Assim, as equações de Euler-Lagrange d dt ∇(q̇,v̇)Lp + ∇(q,v)Lp = 0, com a restrição v = q̇, se tornam      d dt ∇q̇L−∇qL = 0 −∇vL+ p = 0, q̇ = v. Vamos olhar com mais cuidado para a segunda equação, que é uma equação “estacionária”, pois não inclui derivada temporal explicitamente. Incluindo todas as variáveis, temos p = ∇vL(t,q,v). Podemos esperar que haja uma solução da forma v = V(t,q,p), com p = ∇vL(t,q,V(t,q,p)), para todo t, p, q. Veremos, nos exemplos, que isso é bem natural. De fato, observe que, em certos casos, ∇V é apenas mv e estaremos apenas trocando mv por p. Isso justifica a definição de p como um momento generalizado, ou momentos, pois estamos tratando de um sistema de várias part́ıculas. Podemos, também, obter, do teorema da função impĺıcita, uma condição para a existência da função V(q,p), a saber, que a diferencial de ∇vL(t,q,v) seja inverśıvel ao longo da solução q = q(t), com v(t) = q̇(t). Essa diferencial é a matriz segunda derivada D2vL(t,q,v) = ( ∂2 ∂vi∂vj L(t,q,v) )d i,j=1 . Há apenas um pequeno abuso de notação acima, pois cada vi ainda pode ser um vetor. Assim, assumindo a existência de uma função V = V(t,q,p) satisfazendo p = ∇vL(t,q,V(t,q,p)), podemos definir o hamiltoniano H(t,q,p) = p · V(t,q,p) − L(t,q,V(q,p)). 3. EXEMPLOS DE MODELAGEM HAMILTONIANA A PARTIR DA LAGRANGEANA 21 As suas derivadas parciais satisfazem ∇qH(t,q,p) = p ·DqV(t,q,p) −∇qL(t,q,V(q,p)) −∇vL(t,q,V(q,p)) ·DqV(t,q,p) = (p −∇vL(t,q,V(q,p))) ·DqV(t,q,p) −∇qL(t,q,V(t,q,p)) = −∇qL(t,q,V(t,q,p)), ∇pH(t,q,p) = V(t,q,p) + p ·DpV(t,q,p)) −∇vL(t,q,V(t,q,p)) ·DpV(t,q,p) = V(t,q,p) + (p −∇vL(t,q,V(t,q,p))) ·DpV(t,q,p) = V(t,q,p). Como V(t,q,p) = v = q̇, temos ∇pH(t,q,p) = q̇. E como p = ∇vL, d dt ∇q̇L−∇qL = 0, v = q, temos ṗ = d dt ∇q̇L = ∇qL = −∇qH. Assim, chegamos a um sistema em q e p: { q̇ = ∇pH(t,q,p) ṗ = −∇qH(t,q,p). Essas equações levam o nome de equações de Hamilton. Conforme mencionado acima, as coordenadas q e p são chamadas de posições e momentos generalizados, respecti- vamente. 3. Exemplos de modelagem hamiltoniana a partir da lagrangeana 3.1. Corpo em queda livre. Nesse caso, o lagrangeano é L(h, v) = 1 2 mv2 −mgh. Observe que h faz o papel de q e v, o de v. A equação para a definição do momento generalizado p = p é p = Lv(h, v) = mv que é, na verdade, o próprio momento. Resolvendo essa equação para v, temos v = V (h, p) = V (p) = p m . Assim, o Hamiltoniano toma a forma H(h, p) = pV (p) − L(h, V (p)) = 1 m p2 − 1 2m p2 −mgh = 1 2m p2 +mgh 22 3. FORMULAÇÃO HAMILTONIANA e as equações de Hamilton são { ḣ = p m ṗ = −mgh Como p = mv, observe que esse sistema coincide com { ḣ = v, v̇ = −gh, obtido via equação de Newton. 3.2. Pêndulo planar. Nesse caso, o lagrangeano é L(θ, ψ) = 1 2 ml2ψ2 +mgl cos θ. A equação para a definição do momento generalizado, que agora denotaremos por π, é π = ∇ψL(θ, ψ) = ml 2ψ. Resolvendo essa equação para ψ, temos ψ = V (π) = 1 ml2 π. Assim, o Hamiltoniano é H(θ, π) = πV (π)− L(θ, V (π)) = 1 ml2 π2 − 1 2ml2 π2 −mgl cos θ = 1 2ml2 π2 −mgl cos θ, com as equações de Hamilton { θ̇ = π ml2 , π̇ = −mgl cos θ. Como π = ml2ψ, esse sistema coincide com { θ̇ = ψ ψ̇ = g l cos θ obtido via modelagem Newtoniana. 4. Transformada de Legendre A transformação do lagrangeano no hamiltoniano pode ser pensado em termos de uma função chamada de transformada de Legendre. Vamos começar com uma função convexa g que seja de continuamente diferenciável e cuja derivada g ′ seja bijetiva em R. A transformada de Legendre (ou dual) g∗ de g é definida por g∗(s) = sr(s) − g(r(s)), onde r = r(s) é a inversa de g ′(s), dada por s = g′(r(s)). 6. VARIÁVEIS AÇÃO-ÂNGULO 25 para toda F,G e F̃ , G̃ relacionadas por F̃ (q̃, q̃) = F (q,p), G̃(q̃, p̃) = G(q,p). Além disso, para o hamiltoniano transformado H̃(t, q̃, p̃) = H(t,q,p), temos o sistema { ˙̃qi = {q̃i, H̃} ˜, ˙̃pi = {p̃i, H̃} ˜. Mudanças de variáveis com essas propriedades são ditas simpléticas. O colchete de Poisson é uma estrutura simplética no espaço euclidiana. Outras variedades difer- enciáveis também possuem estruturas simpléticas. Sistemas de equações diferenciais como acima são ditos sistemas simpléticos. As transformações simpléticas preservam essas estruturas e sistemas. 6. Variáveis ação-ângulo Buscamos transformações que sejam simpléticas e que simplifiquem o hamiltoni- ano e, com isso, facilitem o entendimento do sistema. Idealmente, buscamos trans- formações simpléticas que transformem o hamiltonino em um novo hamiltoniano que independa de uma ou mais das novas variáveis transformadas. Mais especificamente, buscamos uma transformação simplética q̃ = q̃(q,p), p̃ = p̃(q,p) para a qual o novo hamiltoniano H̃(t, q̃, p̃) = H(t, p, q) seja independente de, digamos, q̃d, onde d é a dimensão de q̃. Nesse caso, a equação para p̃d é ˙̃pd = {p̃d, H̃} ˜ = − ∂H̃ ∂qd = 0. Com isso, p̃d é uma constante de movimento, digamos p̃d(t) ≡ Id. Além disso, a equação para q̃d é ˙̃qd = {q̃d, H̃} ˜ = ∂H̃ ∂p̃d ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ p̃d=Id . Com isso, o lado direito da equação para ˙̃qd depende apenas de q̃i, p̃i, para i = 1, . . . , d−1. Isso tem como conseqüência a redução do sistema para 2(d−1) variáveis. A existência de transformações para as quais o novo hamiltoniano seja indepen- dente de uma das variáveis é fundamentada na existência de quantidades conservadas do sistema. Caso hajam mais quantidades conservadas do sistema, podemos achar transformações para as quais o novo hamiltoniano independa de mais variáveis. Idealmente, buscamos um hamiltoniano H̃ que seja independe de todas as posições generalizadas q̃. Assim, ˙̃p = −∇q̃H̃ = 0 e cada p̃i é constante, digamos p̃i(t) ≡ Ii, i = 1, . . . , d. Para cada i, ˙̃qi = ∂H̃ ∂p̃i ∣ ∣ ∣ ∣ ∣ ˜̃p1=I1,...,p̃d=Id = ωi(I1, . . . , Id), 26 3. FORMULAÇÃO HAMILTONIANA para funções ωi dependentes apenas de I1, . . . , Id. Como ωi independe de t, temos q̃i = q̃i(0) + ωit, p̃i ≡ Ii. Assim, o sistema é completamente integrável nas novas variáveis I, θ, dadas por I = (I1, . . . , In) e θ = θ0 + (ω1t, . . . , ωdt). Essas variáveis são chamadas de coor- denadas ação-ângulo. Em aplicações, I corresponde a variáveis radiais enquanto que θ corresponde a variáveis ćıclicas (“periódicas”), justificando a nomenclatura. A existênca das coordenadas ação-ângulo (ou seja, das transformações simpléticas apropriadas que tornam o novo hamiltoniano independente de novas coordenadas generalizadas) para sistemas com um número suficiente de quantidades conservadas é baseada na resolução de uma certa equação a derivadas parciais, chamada de Hamilton-Jacobi, que veremos adiante. A obtenção das variáveis ação-ângulo na prática não é nada expĺıcita. Mas vamos desenvolver um dos casos mais simples posśıveis para ilustrar a idéia. 6.1. Coordenadas ação-ângulo para o sistema massa-mola hârmônico. Vamos considerar um sistema massa-mola cuja equação de Newton tem a forma mẍ = −κx, onde x é o deslocamento da mola a partir do comprimento de equiĺıbrio, m é a massa do objeto preso a uma das extremidades da mola e κ é o coeficiente de elasticidade da mola, que tem a sua extremidade fixa. A forma hamiltoniana da equação é { ẋ = y, ẏ = −γx, onde γ = κ/m, com o hamiltoniano H(x, y) = 1 2 y2 + γ 2 x2. Pensando na forma das soluções, que (pelo fato do hamiltoniano ser uma quantidade conservada) sabemos serem elipes da forma x2 + (y/γ1/2)2 = c, para constantes c, podemos tentar uma mudança de variáveis para (r, θ) dados por { x = r cos θ, y = −γ1/2r sin θ. O sinal negativo em y foi escolhido apenas para alterar a orientação das soluções, que originalmente não estão no sentido trigonométrico. Segundo essa transformação, o novo hamiltoniano tem a forma H ′(r, θ) = 1 2 (−γ1/2r sin θ)2 + γ 2 (r cos θ)2 = γ 2 r2. 6. VARIÁVEIS AÇÃO-ÂNGULO 27 Esse hamiltoniano é, de fato, independente da variável ângulo θ. Porém, esse não é o hamiltoniano das equações transformadas. De fato, derivando a definição da transformação: { ẋ = ṙ cos θ − rθ̇ sin θ, ẏ = −γ1/2ṙ sin θ − γ1/2rθ̇ cos θ. Usando o sistema de equações diferenciais, chegamos a { ṙ cos θ − rθ̇ sin θ = −γ1/2r sin θ, −γ1/2ṙ sin θ − γ1/2rθ̇ cos θ = −γr cos θ. Resolvendo esse sistema para ṙ e θ̇, obtemos { ṙ = 0, θ̇ = γ1/2. cujo hamiltoniano não é H ′, mas sim, −γ1/2r. Para obtermos uma transformação simplética, e motivados pelo fato do novo hamiltoniano ter de ser linear em r, vamos considerar a transformação { x = αr1/2 cos θ, y = βr1/2 sin θ. Para verificar que a transformação é simplética, devemos ter {r, r} = 0, {θ, θ} = 0, {r, θ} = 1. Para evitar invertermos a transformação, podemos verificar a relação inversa {x, x}˜ = 0, {y, y}˜= 0, {x, y}˜ = 1. onde as derivadas são em relação a r e θ. Temos {x, x} = {αr1/2 cos θ, αr1/2 cos θ} = 0, {y, y} = {βr1/2 sin θ, βr1/2 sin θ} = 0, {x, y} = {αr1/2 cos θ, βr1/2 sin θ} = αβ 2 . Portanto, essa transformação é simplética se αβ = 2. Quanto ao hamiltoniano, temos H̃(r, θ) = H(αr1/2 cos θ, βr1/2 sin θ) = β2r 2 sin2 θ + γα2r 2 cos2 θ. Para que esse hamiltoniano seja independente de θ, devemos ter β2 = γα2. Resolvendo o sistema { αβ = 2, β2 = γα2, 30 3. FORMULAÇÃO HAMILTONIANA Isso ilustra a forma que equação de Hamilton-Jacobi toma no problema. Para achar- mos a variável ângulo, devemos considerar θ = ∂S(I, x) ∂I = h′(I). Finalmente, h′(I) pode ser encontrado forçando que (I, θ) sejam as coordenadas ação- ângulo. CAṔıTULO 4 Conservação de energia, simetrias e o teorema de Nöther 1. Conservação de energia A minimização da ação está diretamente ligada à conservação de energia total através de simetrias de invariância por translação no tempo. Para vermos isso, va- mos precisar da estrutura da energia cinética do sistema livre. Assim, assumimos que a energia cinética é da forma Kr(p, q̇) = K(DX(q)q̇), onde x = X(q) é uma restrição expĺıcita e K(y) = (1/2)M |y|2 é a energia cinética livre do sistema com ve- locidade y = ẋ. A restrição pode ser da forma x = X(q) e a energia potencial, Vr(q). Dependências no tempo não são permitidas, pois significariam uma inclusão ou ex- clusão de energia por forças externas. Além disso, para fins dessa análise, restrições impĺıcitas podem, em geral, ser localmente transformadas em restrições expĺıcitas, pelo teorema da função impĺıcita, e resolvidas conforme faremos abaixo. Assim, o lagrangeano tem a forma Lr(q, q̇) = Kr(q, q̇) − Vr(q) = K(DX(q)q̇) − Vr(q) e a energia total é Er(q, q̇) = Kr(q, q̇) + Vr(q) = K(DX(q)q̇) + Vr(q). Com as restrições acima, vamos ver que podemos escrever Kr(q, q̇) = 1 2 p · q̇, onde p é o momento generalizado p = ∇q̇L(q, q̇). De fato, observe, primeiro, que, como K(y) = (1/2)M |y|2, ∇K(y) = My. Com isso p · q̇ = ∇q̇L(q, q̇) · q = ∇q̇K(DX(q)q)q̇ = MDX(q)q̇ ·DX(q)q̇ = 2K(X(q)q̇) = 2Kr(q, q̇). Portanto, podemos reescrever a energia total na forma Er(q, q̇) = p · q̇ − Lr(q, q̇) = ∇q̇L(q, q̇)q̇ − Lr(q, q̇). 31 32 4. CONSERVAÇÃO DE ENERGIA, SIMETRIAS E O TEOREMA DE NÖTHER Podemos, agora, derivar em relação ao tempo e mostrar que o resultado é zero. De fato, d dt Er(q, q̇) = d dt (∇q̇L · q̇ − L) = ( d dt ∇q̇L ) · q̇ + ∇q̇L · q̈ −∇qL · q̇ −∇q̇L · q̈ = ( d dt ∇q̇L ) · q̇ −∇qL · q̇. onde na última passagem reconhecemos as equações de Euler-Lagrange, nos dando d dt Er(q, q̇) = ( d dt ∇q̇Lr(q, q̇) −∇qLr(q, q̇) ) · q̇ = 0. 2. Simetrias Quantidades conservadas estão diretamente ligadas a simetrias no sistema. Isso está relacionado ao teorema de Nöther, que veremos a seguir. Antes, vamos solidificar a idéia de simetria. Simetrias agem modificando as variáveis (t,q, q̇). Isso pode ser representado por uma transformação (t,q, q̇) 7→ G̃(t,q, q̇) = (t̃, q̃, ˙̃q). Onde ˙̃q é a derivada de q̃ em relação a t̃. Por exemplo, podemos ter uma translação no tempo por um instante τ : (t,q, q̇) 7→ (t+ τ,q, q̇); uma translação no espaço por um vetor q0: (t,q, q̇) 7→ (t,q + q0, q̇); e um movimento uniforme com velocidade v: (t,q, q̇) 7→ (t,q + vt, q̇ + v). Podemos, também, ter um rotação no espaço, que pode ser representada por um vetor θ cujo módulo indica o ângulo de rotação, a direção indica o eixo de rotação e o sentido indica o sentido de rotação, dado pela regra da mão direita. Essa transformação pode ser indicada por (t,q, q̇) 7→ (t, R(θ)q, R(θ)q̇). As transformações ditas galilelianas são dadas por combinações das transformações mencionadas acima. Elas são caracterizadas por preservar as distâncias no espaço (t,q), segundo a norma euclidiana. Um sistema mecânico representado por um lagrangeano L(t,q, q̇) tem um certa simetria quando ele é invariante por uma transformação de simetria. Mais precisa- mente, quando L(G̃(t,q, q̇)) = L(t,q, q̇). 2. SIMETRIAS 35 Podemos reescrever essa translação com a ajuda do operador Gq0(q) = q + q0. Temos, também, d(Gq0(q))/dt = q̇. No caso do lagrangeano ser independente ex- plicitamente de t, podemos simplificar, introduzindo um operador translação apenas em (q, q̇) e dado por G̃q0(Gq0(q), d(Gq0(q))/dt)) = (q + q0, q̇). No caso do corpo em queda livre, temos uma simetria do problem em relação a translações apenas no plano xy. De fato, para q = (x, y, z), o potencial é V (x, y, z) = mgz e o lagrangeano tem a forma L(x, y, z, ẋ, ẏ, ż) = K(ẋ, ẏ, ż) −mgz. Tomando q0 = (x0, y0, 0), vemos que L(x + x0, y + y0, z) = L(t, x, y, z). Em termos do operador translação, temos L(G̃q0(q, q̇)) = L(q, q̇), expressando a invariância do lagrangeano por translações no plano xy. A quebra de simetria em relação ao eixo z vem do fato de que estamos considerando a Terra fixa e movendo apenas o objeto, afastando-o da superf́ıcie da Terra e alterando a força de atração. Caso considerássemos a Terra como parte do sistema, como é feito em sistemas planetários, translações em qualquer direção moveriam todos os objetos, sem alterar a distância entre eles e, com isso, sem alterar as forças de atração. Dessa forma, translações em todas as direções seriam permitidas sem quebrar a simetria. No caso do lagrangeano também depender explicitamente de t, podemos considerar o operador G̃q0(t, bq, q̇) = (t,q + q0, q̇). Caso o sistema possua uma simetria em relação a translações no espaço, isso será expresso pela relação L(Gq0(t,q, q̇)) = L(t,q, q̇), 2.5. Simetrias associadas a rotações. Finalmente, vamos considerar rotações em torno de um eixo. Digamos, rotações em torno do eixo z por um ângulo θ no sentido trigonométrico. Podemos escrever isso através da matriz de rotação R(θ) =   cos θ − sin θ 0 sin θ cos θ 0 0 0 1   Assim, a rotação no espaço de fase é a transformação (t,q, q̇) 7→ (t, R(θ)q, q̇). Isso pode ser escrito com a ajuda do operador rotação Gθ que leva q em Gθ(q) = R(θ)q. Em termos da derivada temporal, temos dGθ(q) dt = dR(θ)q dt = R(θ)q̇. No espaço (t,q, q̇), isso pode ser representado pelo operador que leva (t,q, q̇) em G̃θ(t,q, q̇) = (t, R(θ)q, R(θ)q̇) O problema do corpo em queda livre, por exemplo, satisfaz essa simetria, já que a rotação não altera a coordenada z, que é a única coordenada que aparece após 36 4. CONSERVAÇÃO DE ENERGIA, SIMETRIAS E O TEOREMA DE NÖTHER simetria quantidade conservada translação no tempo energia total translação no espaço momento linear rotações no espaço momento angular Tabela 1. Simetrias e quantidades conservadas associadas. as restrições. Da mesma forma, o problema do pêndulo em rotação, que será visto posteriormente, também possui essa simetria, pois a energia cinética (m/2)(ẋ2 + ẏ2 + ż2) não é alterada sob rotações em nenhum dos eixos, enquanto que a energia potencial não é alterada sob rotações em torno do eixo z. Para ambos os lagrangeanos, podemos escrever L(G̃θ(t,q, q̇)) = L(t,q, q̇), para todo θ. Mas se a simetria fosse em relação a outro eixo diferente de z, a coorde- nada z seria alterada e, com isso, a energia potencial e o lagrangeano seriam modi- ficados. Nesse caso, o lagrangeano não seria invariante. Já em sistemas planetários, levando todos os planetas relevantes em consideração, rotações em relação a qualquer um dos eixos são permitidas, sem alterar as distâncias relativas entre os planetas e, com isso, sem alterar o lagrangeano. Caso o lagrangeano seja independente explicitamente de t, podemos considerar simplesmente G̃θ(q, q̇) = (R(θ)q, q̇) e a simetria será expressa por L(G̃θ(q, q̇)) = L(q, q̇), para todo θ. 3. Quantidades conservadas e o teorema de Nöther Conforme mencionado acima, o teorema de Nöther está por trás de um prinćıpio que relaciona simetrias a quantidades conservadas e vice-versa. Exemplos dessa relação aparecem na tabela 1. Nos exemplo acima, vimos como escrever a invariância por simetria na forma L(Gs(t,q, q̇)) = L(t,q, q̇), em relação a alguma variável s, para algum operador Gs agindo no espaço de fase formado pelas coordenadas (t,q, q̇). A idéia é que podemos obter certas quantidades conservadas a partir de uma simetria desse tipo. Mas essas quantidades conservadas não são novas informações sobre o sistema. As informações posśıveis estão todas impĺıcitas nas equações de Euler-Lagrange. Mas as simetrias tornam expĺıcitas certas informações. Por exem- plo, no caso do lagrangeano independer explicitamente de t, as soluções das equações de Euler-Lagrange satisfazem o prinćıpio da conservação de energia, como vimos an- teriormente. Mas esse resultado não era óbvio. Da mesma forma, outras propriedades 3. QUANTIDADES CONSERVADAS E O TEOREMA DE NÖTHER 37 como conservação de momento linear e de momento angular podem estar impĺıcitas nas equações de Euler-Lagrange e podem ser trazidas à tona com o prinćıpio mais geral do teorema de Nöther. O teorema de Nöther revela quantidades conservadas a partir das simetrias. Lembremos que as equações de Euler-Lagrange aparecem a partir da minimização da ação em relação a todos os caminhos posśıveis ligando dois pontos q(0) = q0 e q(T ) = qT em instantes diferentes. Representamos isso da forma A(q(·)) = min q̃∈Q0 A(q(·) + q̃(·)), onde Q0 indica o conjunto de todos os caminhos q̃ posśıveis iniciados em q̃(0) = 0 e terminados em q̃(T ) = 0, de modo que q(0) + q̃(0) = q0 e q(0) + q̃(T ) = qT . A idéia por trás do prinćıpio de Nöther é minimizar apenas em relação a certos ca- minhos posśıveis. Isso nos dará menos informações que as equações de Euler-Lagrange nos dão, mas isso revelará informações que não estavam expĺıcitas nessas equações. Os posśıveis caminhos a serem tomados são os caminhos associados ao operador de simetria. 3.1. Quantidades conservadas por simetrias espaciais. Vimos simetrias que envolvem ou não o tempo. Vamos considerar esses dois tipos separadamente. No caso de não envolver o tempo, temos um Lagrangeano da forma L(q, q̇) e uma simetria que leva q em Gs(q). As equações de Euler-Lagrange aparecem da minimização da ação, o que passa por achar os seus pontos cŕıticos, dados por ∇A(q(·)) · q̃ = ∫ T 0 ( ∇qLr(q(t), q̇(t)) · q̃(t) + ∇q̇Lr(q(t), q̇(t)) · ˙̃q(t) ) dt. Substituindo ∇qLr a partir das equações de Euler-Lagrange e usando que o mińımo é ponto cŕıtico da ação, temos ∫ T 0 (( d dt ∇q̇Lr(q(t), q̇(t)) ) · q̃(t) + ∇q̇Lr(q(t), q̇(t)) · ˙̃q(t) ) dt = 0. Agora, vamos considerar apenas caminhos na direção das simetrias, ou seja, q̃ = d(Gs(q)) ds , com ˙̃q = d ˙(Gs(q)) ds . Com isso, ∫ T 0 (( d dt ∇q̇Lr(q(t), q̇(t)) ) · d(Gs(q))(t) ds +∇q̇Lr(q(t), q̇(t)) · d ˙(Gs(q))(t) ds ) dt = 0. CAṔıTULO 5 Potenciais de Forças 1. Sistemas microscópicos e macroscópicos Nas formulações acima, assumimos invariavelmente que as forças eram do tipo potencial. Vamos discutir um pouco isso. Primeiro, observe que podemos dividir o sistemas em microscópicos e macroscópicos. No primeiro caso, temos sistemas formados por particulas elementares (bósons e férmions), que sofrem a ação das forças fundamentais, que são, pelo que conhecemos até agora, de quatro tipos: forte, fraca, eletromagnética e gravitacional. No segundo caso, temos sistemas macroscópicos, formados por aglomerados enor- mes de moléculas. Em certos casos, esses sistemas podem ser tratados como pontuais ou como interações de um número moderado de subsistemas macroscópicos tomados como pontuais. Por exemplo, uma articulação de dois pêndulos pode ser tratada como um sistema de duas massas pontuais. Em outros casos, porém, o sistema macroscópico deve ser tratado como uma coleção de sistemas microscópicos e onde o movimento de cada parte microscópica interage com as outras partes. Isso vale para ĺıquidos, gases, sólidos deformáveis e conjuntos de part́ıculas elementares interagindo através de forças eletromagnéticas, fracas e, ou, fortes. Esses casos, porém, requerem um tratamento de teoria de campos, o sistema não é mais discreto nem finito. Não entraremos nesses casos. Neste texto, vamos considerar apenas sistemas microscópicos ou macroscópicos discretos que podem interagir entre si ou com outros campos possivelmente cont́ınuous mas conhecidos e dados a priori. Por exemplo, vamos estudar a formulação das equações de movimento de uma part́ıcula em um campo eletromagnético, mas não vamos estudar a formulação das equações que regem o próprio campo eletromagnético, que, no caso, são as equações de Maxwell. Um terceiro caso macroscópico que está entre esses dois é o de corpos ŕıgidos. Sendo ŕıgidos, a interação entre as diversas partes microscópicas do sistema é irrel- evante. Porém, a distribuição de massa entre essas partes pode ser relevante para o movimento do corpo todo. Não interessa apenas o movimento do centro de massa do corpo, mas também rotações em torno do seu eixo e a direção do eixo. Para in- terações a distância, como o movimento planetário, essas rotações podem não ser tão importantes e o corpo pode ser tratado pontualmente. Mas em outros casos, como no movimento de um pião, rotações são fundamentais. Ainda assim, o movimento de corpos ŕıgidos é dado por sistemas discretos finitos, pois não precisamos escrever equações individuais para cada elemento microscópico que compõe o corpo. 41 42 5. POTENCIAIS DE FORÇAS Um outro caso a ser destacado é o de moléculas e macro-moléculas, que podem tanto ser tratadas quanto como conjuntos de part́ıculas pontuais, ou como aglom- erados delas formando uma unidade e interagindo com outras moléculas. Moléculas de água, que formam pontes de hidrogênio (interações eletrostáticas com cargas po- larizadas fracionárias, ou parciais) entre si, podem ser modeladas como uma única part́ıcula ou, mais comumente, como formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. E macro-moléculas imersas em fluidos podem ser modeladas em con- junto com as diversas moléculas do fluido, ou sem levar em consideração as moléculas individuais do fluido, considerando apenas os seus efeitos na redução das forças de ligação entre os átomos das macro-moléculas devida à interação delas com o meio aquoso polarizado. Em sistemas macroscópicos, além das forças elementares que agem diretamente entre os corpos considerados, há também, a ação de forças não-fundamentais, reflexos da aglomeração de certas forças fundamentais das partes microscópicas, como a força de restituição de uma mola, forças de atrito entre superf́ıcies sólidas, forças de arrasto da interação fluido-sólido e tensões com outras partes ŕıgidas. 2. Forças potenciais Forças potenciais F(x) clássicas são do tipo gradiente, F(x) = −∇V (x), para algum potencial V (x). Nem todas as forças são potenciais. Um exemplo t́ıpico é o de forças de atrito. Lembre-se que forças potenciais levam a sistemas com conservação de energia total, enquanto que a experiência nos diz que o atrito causa uma perda de energia. Em ńıvel molecular, há apenas uma transferência de energia, mas em ńıvel macroscópico, há perda de energia. Campos eletromagnéticos não são potenciais nesse sentido clássico, mas um campo potencial vetorial apropriado para a formulação lagrangeana pode ser obtido. 3. Força gravitacional A força gravitacional é potencial tanto para sistemas microscópicos quanto para macroscópicos. Essa força é inversamente proporcional ao quadrado da distância, com potencial V (x) = G 2 ∑ i6=j mimj |xj − xi| = ∑ i<j mimj |xj − xi| , onde mi é a massa da part́ıcula de coordenada (do centro de massa) xi, que pode ser microscópico ou macroscópico, e G é a constante universal gravitacional. A força exercida na i-ésima part́ıcula é Fi(x) = −∇xiV (x) = G ∑ j 6=i mimj |xj − xi| (xj − xi). Próximo à superf́ıcie da Terra, podemos considerar a força gravitacional como sendo simplesmente da forma −mg. O potencial, no caso, é V (h) = mgh, onde h é a 6. CAMPOS ELETROMAGNÉTICOS 45 magnéticas +m e −m e se alinha às linhas do campo, com o seu centro de massa sofrendo uma força dada por F(x) = mB(x + r) −mB(x − r). O vetor r é um vetor tangente ao campo B e que liga o centro de massa a um dos pólos, sendo esse pólo determinado pela natureza do material. Se paramagnético, r apontará para o pólo sul, se diamagnético, para o pólo norte. A força agindo em uma carga elétrica em um campo magnético tem uma forma diferente, como veremos a seguir. Além disso, a inclusão de correntes elétricas altera significativamente o campo magnético. 6. Campos eletromagnéticos Campos elétricos estáticos são sempre potenciais. Mas caso o campo elétrico não seja estático, ele não será mais potencial no sentido clássico e teremos, também, a presença de um campo magnético, logo um campo eletromagnético. Do ponto de vista newtoniano, um campo eletromagnético (E,B), exerce uma força em uma particula de carga q é chamada de força de Lorentz e que tem a forma F(q̇) = q(E + ẋ × B). Campos elétromagnéticos são regidos pelas leis de Maxwell:              ε ∂E ∂t + j = µ∇× B, ∂B ∂t = −∇× E, ∇ · B = 0, ε∇ · E = ρ, onde ρ é a densidade de carga elétrica, j é a densidade de corrente e ε e µ são parâmetros que podem depender do meio, se no vácuo ou em meio eletromagnéticos isotrópicos. As formas integrais dessas equações são conhecidas, respectivamente, como lei de Ampère, lei de Faraday, ausência de monopólos magnéticos e lei de Gauss. Campos eletromagnéticos estáticos satisfazem as equações estacionárias:          µ∇× B = j, ∇× E = 0, ∇ · B = 0, ε∇ · E = ρ. Observe que mesmo um campo magnético uniforme e estático, como em um acele- rador de part́ıculas do tipo ćıclotron, não é potencial no sentido clássico, pois o seu rotacional não se anula. 46 5. POTENCIAIS DE FORÇAS Contudo, a ação de forças eletromagnéticas pode ser modelada via lagrangeano com a ajuda do potencial vetorial magnético A = A(t,x), que é um campo vetorial dado, em cada instante de tempo, por B = ∇×A, que é conseqüência de ∇·B = 0. O potencial A pode ser diretamente relacionado à corrente j por uma integral de volume. Além disso, A está determinado a menos de uma adição com um campo gradiente. O campo magnético é invariante por transformações da forma A 7→ A −∇φ, chamada de transformação de calibre (gauge, em inglês). O campo elétrico E = −∇V também é invariante pela transformação de calibre V 7→ V + c. Observe, ainda que, pela segunda equação do sistema de Maxwell não-estático (lei de Faraday), ∇× ( E + ∂A ∂t ) = ∇× E + ∂∇× A ∂t = ∇× E + ∂B ∂t = 0. Portanto, o campo E + ∂tA é potencial, digamos E(t,x) + ∂A(t,x) ∂t = −∇V (t,x). onde V é chamado campo eletrostático. Considerando, então, uma part́ıcula de carga q neste campo eletromagnético, to- mamos como potencial eletromagnético o campo Ṽ (t,x, ẋ) = q(V (t,x) − ẋ · A(t,x)), Considerando m como a massa da part́ıcula e considerando um movimento não- relativ́ıstico, temos o lagrangeano L(t,x, ẋ) = 1 2 m|ẋ|2 − q(V (t,x) − ẋ ·A(t,x))), As equações de Euler-Lagrange são d dt (mẋ + qA(t,x)) + q∇V (t,x) + q∇(ẋ ·A(t,x)) = 0 Devemos levar em consideração que a derivada temporal de A é ao longo do caminho x = x(t), portanto d dt A(t,x(t)) = ∂A(t,x(t)) ∂t + (ẋ · ∇)A(t,x(t)). Logo, mẍ = qE(t,x) + q(∇(ẋ ·A(t, x)) − (ẋ · ∇)A(t,x)). Para concluir, observe a identidade vetorial ẋ × B = ẋ × (∇× A) = ∇(ẋ · A) − (ẋ · ∇)A. Assim, as equações de Euler-Lagrange tomam, finalmente, a forma mẍ = q(E + ẋ × B), coincidindo com as equações de Newton para o problema. 8. MODELAGEM MOLECULAR 47 7. Forças elásticas Sistemas elásticos também podem tratados com campos de força. Em certos sistemas elásticos, a força de restituição é proporcional ao deslocamento em relação ao equiĺıbrio. Assim, a força é da forma F (d) = −κd, onde d é o deslocamento, e o potencial é V (d) = 1 2 κd2. Este é chamado de potencial harmônico. Em muitos casos, porém, a força F (d) não é harmônica e depende do deslocamento de forma não linear. De qualquer maneira, sendo unidimensional, o potencial é uma primitiva V (d) de F (d). Por exemplo, a chamada mola macia tem F (d) = −κ1d + κ2d 3, enquanto que a mola dura tem F (d) = −κ1d− κ2d 3, com, respectivamente, V (d) = 1 2 κ1d 2 − 1 4 κ2d 4 e V (d) = 1 2 κ1d 2 + 1 4 κ2d 4. 8. Modelagem molecular Alguns dos efeitos quânticos em modelagem molecular também podem ser aproxi- mados por forças clássicas. Um exemplo importante é o do potencial 6/12 de Lennard- Jones: V (x) = − γ r6 + λ r12 , onde r é a distância entre dois átomos considerados na modelagem. O primeiro termo, de atração, corresponde ao potencial de van der Waals. O segundo termo é inclúıdo com o objetivo de modelar uma força de repulsão entre as nuvens de elétrons causada pelo prinćıpio de exclusão de Pauli, assim como forças de repulsão entre os núcleos; a potência 12 é uma aproximação. Uma aproximação melhor é dada pelo potencial de Buckingham: V (x) = − γ r6 + λ1e λ2r. A força de van der Waals está associada a flutuações na densidade de distribuição de elétrons em torno do núcleo, gerando dipolos elétricos transientes. Esta é uma força mais fraca que a eletrostática e que as pontes de hidrogênio, mas é importante entre moléculas em equiĺıbrio eletrostático. Por exemplo, a eficiência de uma enzima pode depender de uma grande quantidade de ligações do tipo van der Waals entre átomos da enzima e átomos do substrato (a macromolécula em que a enzima deve agir). Ligações qúımicas iônicas e covalentes também costumam ser tratadas com forças elásticas, como molas vibrando em torno de uma posição de equilibrio. Essas ligações podem gerar estruturas unidimensionais (uma ligação iônica ou covalente entre dois átomos) ou multidimensionais, com formação de ângulos (duas ligações covalentes consecutivas), e efeitos de torsão (três ligações covalentes consecutivas), por exem- plo. As vibrações dos ângulos e das torsões também são modeladas como molas. A 50 5. POTENCIAIS DE FORÇAS Podemos reconhecer a quantidade P(x0, θ, ẋ0, θ̇) = ∑ i mi(ẋ0 + θ̇ × R(θ)ri) = ∑ i miẋi como o momento linear do sistema de part́ıculas e a primeira equação pode ser escrita na forma d dt P(x0, θ, ẋ0, θ̇) = ∑ i Fi((xj(x0, θ)j), que é a equação para a evolução do momento linear. Podemos reconhecer, também, a quantidade A(x0, θ, ẋ0, θ̇) = ∑ i mi ( R(θ)ri × (ẋ0 + θ̇ ×R(θ)ri) ) = ∑ i mi (R(θ)ri × ẋi(x0, θ)) como o momento angular do corpo ŕıgido em relação a x0 e a segunda equação acima é a da variação de momento angular, que pode ser escrita na forma d dt A(x0, θ, ẋ0, θ̇) = ∑ i R(θ)ri × (miẋ0 + Fi((x0 +R(θ)rj)j)) . O termo à direita representa a torção em relação ao ponto de referência x0. 9.1. Equações de movimento de um corpo ŕıgido em relação ao centro de massa. Podemos simplificar ainda mais as equações escolhendo x0 como o centro de massa do corpo. Fazendo isso, temos x0 dado por x0 = ∑ imixi ∑ imi . Lembremos que xi = x0 +R(θ)ri. Assim, ∑ i miR(θ)ri = ∑ i mi(xi − x0) = 0. Além disso, o momento linear se escreve apenas em relação ao centro de massa: P(ẋ0) = ∑ i mi(ẋ0 + θ̇ ×R(θ)ri) = ∑ i miẋ0 = M ẋ0, onde M = ∑ imi é a massa total. Quanto ao momento angular, observe que o primeiro termo se anula: ∑ i miR(θ)ri × ẋ0 = 0. 9. CORPOS RÍGIDOS 51 Em relação ao segundo termo, usando a identidade a × b × c = (a · c)b − (a · b)c, para vetores quaisquer a, c, escrevemos A(θ, θ̇) = ∑ i mi ( R(θ)ri × (θ̇ × R(θ)ri) ) = ∑ i mi ( |R(θ)ri| 2 θ̇ − (θ̇ ·R(θ)ri)R(θ)ri ) . Portanto, escolhendo x0 como o centro de massa do sistema, as equações de Euler- Lagrange se reduzem ao sistema      d dt P(ẋ0) = F(x0, θ), d dt A(θ, θ̇) = T(x0, θ), onde P e A são os momentos linear e angular do sistema, F(x0, θ) = ∑ i Fi((xj(x0, θ))j) é a resultante das forças aplicadas em cada part́ıcula do sistema e T(x0, θ) = ∑ i R(θ)ri × Fi((xj(x0, θ))j) é o torque total aplicado ao sistema em relação ao centro de massa, resultante dos torques correspondentes em cada part́ıcula. 9.2. Momentos de inércia. Vimos, acima, como escrever o momento angular na forma A(θ, θ̇) = ∑ i mi ( R(θ)ri × (θ̇ × R(θ)ri) ) = ∑ i mi ( |R(θ)ri| 2 θ̇ − (θ̇ ·R(θ)ri)R(θ)ri ) . Podemos evidenciar θ̇ escrevendo A(θ, θ̇) = I(θ)θ̇, onde I(θ) = (Ij,k(θ))j,k é a matriz de coeficientes Ij,k(θ) = (I(θ)ek) · ej = ∑ i mi ( |R(θ)ri| 2ek · ej − (ek ·R(θ)ri)(R(θ)ri · ej) ) . A matriz I(θ) é uma matrix simétrica, portanto, diagonalizável. Os seus autoespaços são chamados de eixos principais do corpo ŕıgido e os seus autovalores, os momentos principais de inércia. Podemos ver que os autovalores são independentes de θ e os 52 5. POTENCIAIS DE FORÇAS autovetores “rodam” com θ. Mais precisamente, observe que para vetores u e w em R 3 I(θ)R(θ)u ·R(θ)w = ∑ i mi ( |R(θ)ri| 2R(θ)u ·R(θ)w − (R(θ)u ·R(θ)ri)(R(θ)ri ·R(θ)w) ) = ∑ i mi ( |ri| 2u · w − (u · ri)(ri · w) ) = I(θ(0))u ·w. Portanto, se temos um autovetor u de I(θ(0)) associado a um autovalor λ, então λR(θ(t))u ·R(θ(t))w = λu ·w = I(θ(0))u · w = I(θ(t))R(θ(t))u ·R(θ(t))w. Como isso vale para todo w, temos que I(θ(t))R(θ(t))u = λR(θ(t))u. Portanto, os autovalores de I(θ(t)) são preservados ao longo do movimento e os autovetores são rodados por θ(t). Essa decomposição pode ser escrita na forma I(θ) = I1R(θ)E1 + I2R(θ)E2 + I3R(θ)E3, onde E1, E2, E3 são as projeções ortogonais nos autoespaços de I(θ(0)) associados aos autovalores I1, I2, I3, respectivamente. No caso de uma esfera, temos todos os autovalores iguais, I1 = I2 = I3 = I0, e qualquer direção forma um autoespaço. Nesse caso, A(θ, θ̇) = I(θ)θ̇ = I0θ̇. No caso em que dois autovalores coincidem, digamos I1 6= I2 = I3 = I0, e além disso, o eixo de rotação do sistema coincide com o eixo principal associado a I1, temos E1 perpendicular a θ̇ e, assim, A(θ, θ̇) = I(θ)θ̇ = I0θ̇. Esse é o caso de um ciĺındro girando em torno de seu eixo longitudinal. ou de um pião comum sem precessão (ou seja, também girando em torno de seu eixo longitudinal). Em geral, porém, a relação entre A, θ e θ̇ é complicada. Mas dependendo das simetrias do problema, é posśıvel determinar essa relação e obter um sistema explici- tamente em termos apenas de x0, θ e suas derivadas. Veja mais adiante, por exemplo, o sistema de um cilindro se movendo dentro de outro. 9.3. Equações de movimento de um corpo ŕıgido em relação ao centro de massa e sob a ação de forças gravitacionais e/ou eletrostáticas. Essas equações ainda podem ser simplificado caso as forças entre as part́ıculas do próprio corpo sejam do tipo gravitacional ou eletrostático. Nesses casos, a atração ou repulsão entre duas part́ıculas quaisquer do próprio corpo se anulam quando somadas. Mais 10. MOVIMENTOS RELATIVÍSTICOS 55 Observe, então, que a energia cinética deve ser da forma K(v) = m0c 2 ( 1 − |v|2 c2 )1/2 + C0. onde C0 é uma constante de integração. Em repouso, a energia cinética deve ser nula, logo, a constante de integração acima deve ser C0 = −m0c 2. Assim, temos K(v) = c2      m0 ( 1 − |v|2 c2 )1/2 −m0      = c2(m(v) −m0). A expressão E = m(v)c2 é a energia total do sistema na ausência de forças externas. Porém, o lagrangeano não é obtido da energia cinética. Vamos supor uma part́ıcula relativ́ıstica livre, sem a ação de nenhuma força. Vamos denotar o lagrangeano por L(ẋ). Esse termo deve satisfazer ∇ẋL(ẋ) = p. A razão disso é para que as equações de Euler-Lagrange d dt ∇ẋL(ẋ). coincidam com ṗ = 0. Para que ∇ẋL(ẋ) = p = m0ẋ √ 1 − |ẋ|2 c2 , devemos ter L(ẋ) = −m0c 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 . Uma razão mais fundamentada para essa derivação está ligada à invariância por transformações de Lorentz e a sua conseqüência para a relação entre um intervalo de tempo próprio t′2 − t ′ 1 de uma part́ıcula em movimento e o intervalo de tempo t2 − t1 decorrido em um referencial ao qual o movimento se dá relativamente, que é, exatamente, t′1 − t ′ 0 = ∫ t1 t0 √ 1 − |v|2 c2 dt ou dt′ = √ 1 − |v|2 c2 dt. 56 5. POTENCIAIS DE FORÇAS No referencial próprio, é como se a energia cinética fosse zero e a energia potencial, m0c 2, de modo que o lagrangeano seria −m0c 2. A ação nesse referencial seria ∫ t′ 1 t′ 0 −m0c 2 dt′ = ∫ t1 t0 −m0c 2 √ 1 − |v|2 c2 dt, o que equivale a tomar o lagrangeano L(ẋ) = −m0c 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 no referencial externo. Desse ponto de vista, temos, da mesma forma, a energia total E = mc2, com m = m(v). Sob a ação de um campo eletromagnético (E,B), o movimento de uma part́ıcula relativ́ıstica com massa de repouso m0 e carga q é dada pelas equações de Euler- Lagrange associadas ao lagrangeano L(t,x, ẋ) = −m0c 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 − q(V (t,x) − ẋ · A(t,x))), onde V é o potencial eletrostático e A o potencial vetorial magnético. As equações de movimento nesse caso são, novamente, dp dt = q(E + ẋ × B). Para a conservação de energia, vamos agora considerar o caso de forças potenciais estáticas, ou seja, L(x, ẋ) = −m0c 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 − V (x). A conservação de energia que segue da simetria de invariância por translação no tempo desse lagrangeano é para a função energia E = ∇ẋL · ẋ − L = m0|ẋ| 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 +m0c 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 + V (x) = m0c 2 √ 1 − |ẋ|2 c2 + V (x) = m(|ẋ|)c2 + V (x). que é exatamente o esperado, conforme deduzido acima. CAṔıTULO 6 Outros exemplos de modelagem 1. Pêndulo em rotação PSfrag replacements (a) (b) ϕ ω Figura 1. Dois exemplos de pêndulo em rotação. Nesse exemplo, uma massa está presa a uma haste ŕıgida e tal que a outra ex- tremidade da haste está presa a uma barra que gira transversalmente com velocidade angular dada ω (figura 1). Esse é um caso em que o Lagrangeano nos dá a equação de modo muito mais fácil do que através da lei de Newton. A simetria nos leva à representação por coordenadas esféricas (x, y, z) = (l sinϕ cos θ, l sinϕ sin θ,−l cosϕ), com θ̇ = ω dado, de modo que (x, y, z) = (l sinϕ cos(θ0 + ωt), l sinϕ sin(θ0 + ωt),−l cosϕ), onde θ0 pode ser tomado como um parâmetro definido a priori. 57 60 6. OUTROS EXEMPLOS DE MODELAGEM O gradiente em relação a (ṙ, θ̇, ϕ̇) é ∇(ṙ,θ̇,ϕ̇)L = (mṙ,mr 2θ̇ sin2 ϕ,mr2ϕ̇). As equações de Euler-Lagrange são dadas por d dt ∇(ṙ,θ̇,ϕ̇)L−∇(r,θ,ϕ)L = 0 e, portanto, tomam a forma      mr̈ = mrϕ̇2 +mrθ̇2 sin2 ϕ+mg cosϕ+ κ(r − r0), mr2θ̈ sin2 ϕ+ 2mrṙθ̇ sin2 ϕ = 0, mr2ϕ̈+ 2mrṙϕ̇ = mr2θ̇2 sinϕ cosϕ−mgr sinϕ. Observe que no caso em que r é constante igual a r0 e θ é constante igual a zero, o sistema se reduz ao do pêndulo planar, enquanto que no caso em que θ e ϕ são constantes iguais a zero, o sistema se reduz ao de massa-mola vertical (com a ação da gravidade). O sistema massa-mola-pêndulo planar pode ser obtido fazendo θ constante. Nesse caso, o sistema fica reduzido a { mr̈ = mrϕ̇2 +mg cosϕ+ κ(r − r0), mr2ϕ̈+ 2mrṙϕ̇ = −mgr sinϕ. Vamos obter o hamiltoniano apenas no caso planar. Para isso, podemos escrever p = (s, ψ) e v = (ṙ, ϕ̇) e resolver a equação vetorial (s, ψ) = ∇vL(q,v) = (mṙ,mr 2ϕ̇) para ṙ e ϕ̇. Isso nos dá imediatamente v = (ṙ, ϕ̇) = ( s m , ψ mr2 ) . Podemos assumir r > 0 pois não faz sentido uma mola ser comprimida a esse ponto. O hamiltoniano tem a forma H(r, ϕ, s, ψ) = (s, ψ) · ( s m , ψ mr2 ) − L ( r, ϕ, s m , ψ mr2 ) e, com isso, H(r, ϕ, s, ψ) = s2 2m + ψ2 2mr2 +mgr cosϕ + κ2(r − r0). As equações de Hamilton podem, então, ser facilmente obtidas. O potencial elástico harmônico serve muito bem para pequenas oscilações. Mas para grandes oscilações, ele não evita que o comprimento r se torne nulo, ou até negativo, o que não é natural. Para grandes oscilações, correções devem ser feitas no potencial elástico. Um potencial que se aproxime do infinito quando r vai para zero evita isso. Também não é natural que possamos esticar a mola indefinidamente. Ela 3. OSCILADORES ACOPLADOS E VIBRAÇÕES DE POLÍMEROS 61 deve ter um comprimento a partir do qual ou a mola perde elasticidade ou se quebra. E antes disso, dependendo do material, ela pode ser ser extremamente resistente a grandes deformações. Essas situações podem ser modeladas modificando a forma do potencial para r grande. Deixamos para o leitor pensar nas modificações necessárias. Finalmente, caso usemos um elástico de borracha ao invés de uma mola helicoidal t́ıpica, a situação fica bem mais complicada. A estrutura cont́ınua do elástico deve ser levada em consideração e nos levará a uma equação a derivadas parciais. Pode- mos, também, aproximar a estrutura cont́ınua por conjuntos consecutivos de molas, gerando um sistema de várias equações do tipo massa-mola-pêndulo tridimensional. Em ńıvel molecular, essa é uma aproximação até mais fiel da realidade, só o que grau de liberdade do sistema se torna absurdamente grande devido à enorme quantidade de moléculas que devem ser consideradas. 3. Osciladores acoplados e vibrações de poĺımeros Em várias situações podemos ter osciladores acoplados, como no caso de um elástico visto como uma cadeia de moléculas ou de outros poĺımeros como uma cadeia de DNA. Polietileno, por exemplo, representado pela fórmula CH3-(CH2)n-CH3, é composto por m moléculas de CH2, alinhadas e acopladas a uma molécula de CH3, em cada extremo (figura 3). Para simplificar, porém, vamos considerar apenas uma cadeia X-Yn-X de n átomos iguais de massa M , acopladas a átomos de massa m em cada extremo, assumindo que eles assumam uma conformação linear (a dificuldade, na prática, é que, nos extremos, haverá uma tendência a uma formação de um ângulo diferente de 180o entre as duas ligações).                                                                                                                              Figura 3. Acima, um poĺımero como CH3-(CH2)5-CH3 e, abaixo, um como X-Y5-X. Para representar o sistema, vamos denotar por xi a distância do (i+1)-ésimo átomo do poĺımero à um ponto qualquer colinear à cadeia, com x0 e xn+1 representando os extremos de massa m. O vetor posição é, simplesmente, x = (x0, x1, . . . , xn+1). A ma- triz de massa é diagonal, com o primeiro e último elementos da diagonal iguais am e os outro elementos da diagonal iguais a M . O vetor velocidade é ẋ = (ẋ0, ẋ1, . . . , ẋn+1). 62 6. OUTROS EXEMPLOS DE MODELAGEM A energia cinética é, simplesmente, K(ẋ) = 1 2 (M ẋ) · ẋ = mẋ20 2 + M 2 n ∑ i=1 ẋ2i + mẋ2n+1 2 . A energia potencial é a energia elástica de cada ligação, que pode ser harmônica ou não e que pode diferir da ligação X−Y para a ligação Y −Y . Assim, vamos assumir dois potenciais Vxy(r) e Vyy(r), respectivamente, onde r é a distância entre os átomos em questão. No caso de potencial harmônico, temos Vxy(r) = κxy 2 (r − rxy) 2, Vyy(r) = κyy 2 (r − ryy) 2, mas não necessariamente precisamos assumir isso. A energia potencial pode ser escrita na forma V (x) = Vxy(x1 − x0) + n ∑ i=2 Vyy(xi − xi−1) + Vxy(xn+1 − xn). Assim, o lagrangeano tem a forma L(x, ẋ) = 1 2 (M ẋ) · ẋ − Vxy(x1 − x0) − n ∑ i=2 Vyy(xi − xi−1) − Vxy(xn+1 − xn). As equações de Euler-Lagrange nos dão                        mẍ0 = V ′ xy(x1 − x0), Mẍ1 = −V ′ xy(x1 − x0) + Vyy(x2 − x1), ... ... ... Mẍi = V ′ yy(xi − xi−1) + Vyy(xi+1 − xi), ... ... ... Mẍn = −V ′ yy(xn − xn−1) + Vyx(xn+1 − xn), mẍn+1 = −V ′ xy(xn+1 − xn). 4. Movimento de uma bola sobre um relevo Nese caso, temos uma bola sob a ação gravitacional mas que está restrita a um relevo dado por z = h(x) e sem variação na terceira coordenada y, digamos y = 0 (figura 4). Esse é um caso em que a modelagem newtoniana pode nos levar a uma equação errada se não for feita com cuidado. Mas a modelagem lagrangeana é trivial. Vejamos. Como z = h(x), temos ż = h′(x)ẋ, e o lagrangeano tem a forma L(x, ẋ) = 1 2 m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) −mgz = 1 2 mẋ2(1 + h′(x)2) −mgh(x) 7. FORÇA DE CORIOLIS 65 O lagrangeano toma a forma L(r, ṙ) = 1 2 m(ṙ2 + r2ω2) − 1 2 κ(r − r0) 2. Temos Lr = mrω 2 − κ(r − r0), Lṙ = mṙ e as equações de Euler-Lagrange mr̈ = mrω2 − κ(r − r0). Para a mola se manter com um comprimento r∗ constante, é necessário tomar um velocidade angular ω∗ = κ(r∗−r0)/mr ∗. Por outro lado, dada uma velocidade angular ω∗, o comprimento de equiĺıbrio é dado por r∗ = κr0/(κ−mω ∗2) O primeiro termo do lado direito da equação de movimento é a chamada força centŕıfuga, que só aparece no referencial girante. De fato, se tivéssemos considerado coordenadas (x, y), teŕıamos o lagrangeano L(x, y, ẋ, ẏ) = 1 2 m(ẋ2 + ẏ2) − 1 2 κ( √ x2 + y2 − r0) 2. Com isso, ∇(x,y)L = −κ( √ x2 + y2 − r0) 2 (x, y) √ x2 + y2 , ∇ẋ,ẏL = m(ẋ, ẏ). Assim, as equações de Euler-Lagrange se escreveriam        mẍ = −κ( √ x2 + y2 − r0) 2 x √ x2 + y2 , mÿ = −κ( √ x2 + y2 − r0) 2 y √ x2 + y2 , onde apenas a força elástica aparece. 7. Força de Coriolis PSfrag replacements ω Figura 6. Movimento de um inseto sobre um prato em rotação. Suponha que um inseto de massa m esteja sob um prato que gira em torno do seu centro de massa com velocidade angular ω (figura 6). O prato está paralelo à superf́ıcie da Terra, de modo que a força potencial acaba sendo balanceada pela 66 6. OUTROS EXEMPLOS DE MODELAGEM força normal ao prato. A restrição, impondo um referencial não inercial girante com velocidade angular ω, é x = (x, y, z) = X(t, r, θ) = (r cos(ωt+ θ), r sin(ωt+ θ), 0) O Lagrangeano é L(r, θ̇) = 1 2 m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) −mgz = 1 2 m(ṙ2 + r2(ω + θ̇)2). Temos ∇(r,θ)L(r, θ) = (mr(ω + θ ′)2, 0), ∇(ṙ,θ̇)L(r, θ) = (mṙ,mr 2(ω + θ̇)). As equações de Euler-Lagrange são (mr̈, 2mrṙ(ω + θ̇) +mr2θ̈) − (mr(ω + θ̇)2, 0) = (0, 0), o que dá o sistema { mr̈ = mr(ω + θ̇)2 = mrω2 + 2m(ω + θ̇)rθ̇, mr2θ̈ = −2mrṙ(ω + θ̇). Os diversos termos representam as seguintes forças fict́ıcias mrω2 = força centŕıfuga da rotação do prato; 2m(ω + θ̇)rθ̇ = força de Coriolis na direção radial; − 2m(ω + θ̇)rṙ = força de Coriolis na direção rotacional. Observe que do jeito que o problema foi formulado devemos pensar, na verdade, no movimento de uma bola rolando sobre o prato. O movimento de um inseto deveria levar em consideração a força de contato com o prato, que é uma força de atrito, para manter o inseto na posição, se ele assim o desejar. No sistema acima, funções constantes r(t) ≡ r0 e θ(t) ≡ θ0 não são admitidas como soluções. 8. Movimento de um haltere girante Considere um haltere formado por uma haste de massa despreźıvel de compri- mento 2l e duas bolas nas pontas de massas iguais m. O haltere é um corpo ŕıgido com centro de massa no meio da haste, mas vamos tratá-lo como um sistema de duas part́ıculas com restrição. Suponho que esse centro de massa esteja preso a um eixo que gira com velocidade angular ω. Seja θ o ângulo que a haste faz com o eixo vertical. Podemos representar a posição das duas part́ıculas como (figura 7) x1 = (l sin θ cosωt, l cos θ cosωt, l sin θ), x2 = (−l sin θ cosωt,−l cos θ cosωt,−l sin θ). 9. MOVIMENTO DE UM CILINDRO DENTRO DE OUTRO 67 PSfrag replacements x y z θ ω ωt Figura 7. Movimento de um haltere. Nesse caso, θ e θ̇ são a posição e a velocidade generalizadas do sistema. Temos ẋ1 = (lθ̇ cos θ cosωt− lω sin θ sinωt,−lθ̇ sin θ cosωt− lω cos θ sinωt, lθ̇ cos θ), ẋ2 = −ẋ1. Assim, a energia cinética do sistema pode ser calculada como sendo K(θ, θ̇) = m(l2θ̇2 cos2 ωt+ l2ω2 sin2 ωt+ l2θ̇2 cos2 θ). Os potenciais gravitacionais das duas part́ıculas se cancelam: V (θ) = mgl sin θ −mgl sin θ = 0. Portanto, o lagrangeano é L(θ, θ̇) = m(l2θ̇2 cos2 ωt+ l2ω2 sin2 ωt+ l2θ̇2 cos2 θ). Temos, ∂θL = −2ml 2θ̇2 cos θ sin θ, ∂θ̇L = 2ml 2θ̇(cosωt+ cos θ). Com isso, chegamos à equação de Euler-Lagrange 2ml2θ̈(cosωt+ cos θ) − 2ml2θ̇(ω sinωt+ θ̇ sin θ) + 2ml2θ̇2 cos θ sin θ. Nesse sistema, o termo ∂θ̇L representa o momento angular generalizado, enquanto que ∂θL representa o torque generalizado do sistema. 9. Movimento de um cilindro dentro de outro Considere um cilindro de massa m e raio r dentro de outro cilindro de massa M e raio 2r que, por sua vez, está apoiado em uma região plana horizontal. Escolhemos um sistema de coordendas cartesianas tais que o centro do cilindro maior está restrito a uma reta (d, 0, 2r). O deslocamento do cilindro maior será determinado pelo deslo- camento em d e pelo seu rolamento indicado por um ângulo ϕ a partir da posição 70 6. OUTROS EXEMPLOS DE MODELAGEM A energia potencial de cada parte dos cilindros é V ei = Mig(1 − cos(ϕ+ αi)); V ii = mig(2 − cos(ϕ− θ/2) − cos(θ + αi). Somando as partes, achamos a energia total V (ϕ, θ) = 2rMg +mgr(2 − cos(ϕ− θ/2)). Como era de se esperar pela restrição que mantém a posição vertical do primeiro cilindro fixa, o primeiro termo não contribui para as equações de movimento, pois é constante. Apenas a energia potencial do segundo cilindro, que pode variar de altura, é relevante. Assim, o lagrangeano do sistema pode ser escrito na forma L(ϕ, θ, ϕ̇, θ̇) = 4Mr2ϕ̇2 + 2mr2ϕ̇2 + 1 2 mr2(ϕ̇− θ̇/2)2 + 1 2 mr2θ̇2 + 2mr2ϕ̇(ϕ̇− θ̇/2)2 cos(ϕ− θ/2) − 2rMg −mgr(2 − cos(ϕ− θ/2)). A partir desse lagrangeano, as equações de movimento podem ser obtidas com um pouco de cálculo diferencial. 10. Pêndulo magnético Vamos considerar um pêndulo magnético de comprimento l, com uma bola de ferro de massa m na ponta inferior, próximo a dois ı́mãs alinhados em um mesmo plano perpendicular à posição de equiĺıbrio do pêndulo, conforme ilustrado na figura 9. Os pólos dos ı́mãs estão situados a uma distância 2r entre si e equidistantes da posição de equiĺıbrio do pêndulo. Os dois ı́mas têm a mesma massa magnética M . l PSfrag replacements θ 2r BB P Figura 9. Pêndulo em um campo magnético. A energia cinética do sistema é como no caso do pêndulo planar: Kr(θ̇) = 1 2 ml2θ̇2. A força potencial inclui o potencial gravitacional Vg = mgz = −mgl cos θ e o potencial magnético. O potencial magnético não tem uma forma muito simples, 11. PARTÍCULA CARREGADA ELETRICAMENTE EM UM CAMPO MAGNÉTICO UNIFORME71 mas podemos considerar algumas aproximações. Vamos condiderar que na região de interesse para o movimento do pêndulo o campo magnético é horizontal e com os pólos opostos dos ı́mãs bem longe, de tal forma que a componente horizontal do campo magnético é B = − hM r2e + hM r2d , onde re é a distância entre o pêndulo e o ı́mã esquerdo, rd, entre o pêndulo e o ı́mã direito e h é um parâmetro dependente do meio. Denotando por µ > 0 a massa magnética do pêndulo, chegamos ao potencial magnético do sistema: Vm(θ) = − hµM r + l sin θ − hµM r − l sin θ . Com isso, o lagrangeano toma a forma L(θ, θ̇) = 1 2 ml2θ̇2 +mgl cos θ + hµM r + l sin θ + hµM r − l sin θ . Temos Lθ̇ = ml 2θ̇, Lθ = −mgl sin θ − hµMl cos θ (r + l sin θ)2 + hµMl cos θ (r − l sin θ)2 . Logo, as equações de Euler-Lagrange são ml2θ̈ = −mgl sin θ − hµMl cos θ (r + l sin θ)2 + hµMl cos θ (r − l sin θ)2 . 11. Part́ıcula carregada eletricamente em um campo magnético uniforme Vamos supor um campo magnético uniforme da forma B = (0, 0, B). O potencial magnético vetorial A que dá B = ∇ × A é A = (−By, 0, 0). Assim, o lagrangeano para uma part́ıcula de carga q em movimento não-relativ́ıstico é L(x, y, z, ẋ, ẏ, ż) = m 2 (ẋ2 + ẏ2 + ż2) − qByẋ. Temos ∇(x,y,z)L = (0,−qBẋ, 0), ∇(ẋ,ẏ,ż)L = (mẋ− qBy,mẏ,mż). Portanto, as equações de movimento são      mẍ− qBẏ = 0, mÿ + qBẋ = 0, mz̈ = 0. A partir dessas equações, é posśıvel ver que a part́ıcula se move em ćırculos no plano xy. O peŕıodo é qB/m, que é independente do raio. Portanto, quanto maior a amplitude da oscilação, maior deve ser a velocidade da part́ıcula, para manter o mesmo peŕıodo. Esse prinćıpio é usado no acelerador circular de part́ıculas, que é 72 6. OUTROS EXEMPLOS DE MODELAGEM Figura 10. Ilustração de um ćıclotron, onde as setas verticais indicam o campo magnético e a linha tracejada, o caminho percorrido pela part́ıcula. chamado de ćıclotron, por causa dessa propriedade. Na verdade, em um acelerador do tipo ćıclotron, o campo só age em duas estruturas semi-circulares separadas por uma certa distância. Entre as estruturas, não há campo magnético e a part́ıcula não sofre deslocamento angular na trajetório. Com isso, a cada volta, ao passar de uma estrutura para outra, a part́ıcula aumenta a amplitude de rotação e, dessa maneria, aumenta a sua energia cinética. À medida em que a part́ıcula se aproxima da velocidade da luz, as equações relativ́ısticas devem ser consideradas, mas o prinćıpio é o mesmo. 12. Pêndulo relativ́ıstico O pêndulo relativ́ıstico pode ser obtido para um elétron se movendo próximo à velocidade da luz em um acelerador de part́ıculas linear. Temos um campo elétrico modulado, periódico e viajante da forma E(t, x) = (A(εt) sin(ω(x/v0−t)), 0, 0), onde ε é relativamente pequeno, indicando um aumento lento na amplitude, ω é a freqüência espacial de oscilação, v0 é a velocidade de propagação da onda e x é a coordenada longitudinal no acelerador linear. Colocando um sistema de coordenadas viajantes ao longo da onda, podemos escrever o campo elétrico como E(t, x) = ( A(εt) sin ( ω ( x v0 )) , 0, 0 ) cujo potencial é V (t, x) = v0 ω A(εt) cos ( ω (x v )) , Como o campo elétrico é da forma E(t,x) = (E(t, x), 0, 0), temos ∇ × E = 0 e podemos ver como solução das equações de Maxwell um campo magnético nulo com a corrente longitudinal ao acelerador. Assim, o lagrangeano do sistema tem a forma L(t, x, ẋ) = −m0c 2 √ 1 − ẋ2 c2 − ev0 ω A(εt) cos ( ω (x v )) , onde c é a velocidade da luz, m0, a massa de repouso do elétron e e, a carga do elétron. 15. MOVIMENTO RESTRITO DE TRÊS CORPOS 75 e, ainda, para que os movimentos dos corpos sejam extremamente complicados. Este sistema está, de fato, na origem da teoria que hoje chamamos de sistemas dinâmicos e considerada como tendo nascido justamente a partir dos trabalhos de Poincaré sobre esse sistema. Uma série convergente para as soluções desse problema foi finalmente estabelecida no final do século XX, mas isso não resolveu o problema no sentido de explicitar as soluções do sistema. O sistema apresenta comportamentos caóticos, com soluções complicadas, senśıveis às condições iniciais e impreviśıveis a longo prazo. 15. Movimento restrito de três corpos Para simplificar o estudo do problema de três corpos, foi considerado um problema intermediário, chamado de problema restrito de três corpos. Nesse problema, dois planetas massivos interagem entre si, enquanto que um terceiro planeta ou satélite, de massa pequena, sofre a ação gravitacional dos outro dois mas não influencia no movimento deles. Dessa maneira, o movimento dos outros dois corpos são cônicas e entram como forças externas na equação de movimento do satélite. Como essas forças externas são dependentes do tempo, a equação do satélite se torna, de fato, bastante complicada, apresentando, também, regimes caóticos.                                         PSfrag replacements r R θ P1 P2 S ω Figura 11. Ilustração do movimento de um satélite S sob a ação gravitacional de planetas P1 e P2, onde P2 circula em torno de P1 com distância R. O sistema de coordenadas (r, θ) para a posição do satélite gira junto com P2. Para simplificar ainda mais o problema, vamos considerar coordenadas com a origem em um dos planetas, digamos P1, e assumir que o movimento do outro planeta, P2, é uma circunferência de raio R e com peŕıodo T . Esse é o sistema restrito circular de três corpos. Vamos considerar que o plano gerado pelo movimento de P2 em 76 6. OUTROS EXEMPLOS DE MODELAGEM relativo a P1 seja o plano xy, de modo que as coordenadas de P2 ao longo do tempo são (x, y, z) = (R cos(ωt), R sin(ωt), 0), onde ω = 2π/T . Podemos usar um sistema de coordenadas generalizadas polares q = (r, θ) que rode junto com P2, de modo que as coordenadas de P2 nesse sistema sejam sempre (R, 0). As coordenadas cartesianas do satélite podem ser representadas por (x, y, z) = x = X(q) = X(r, θ) = (r cos(θ + ωt), r sin(θ + ωt), 0). Temos ẋ = ṙ cos(θ + ωt) + r(θ̇ + ω) cos(θ + ωt), ẏ = −ṙ sin(θ + ωt) + r(θ̇ + ω) sin(θ + ωt), ż = 0. Vamos denotar por M1 e M2 as massas dos dois planetas e por m a massa do satélite. A energia cinética do satélite é K(r, ṙ, θ̇) = m 2 (ṙ2 + r2(θ̇ + ω)2). Observe, agora, que a distância entre o planeta P2 e o satélite é d(r, θ) = r2 +R2 − 2rR cos θ Com isso, a energia potencial gravitacional exercida pelos dois planetas pode ser escrita como V (t, r, θ) = − GmM1 r − GmM2 r2 +R2 − 2rR cos θ . O lagrangeano é L(t, r, θ, ṙ, θ̇) = K(r, ṙ, θ̇) − V (t, r, θ) = m 2 (ṙ2 + r2(θ̇ + ω)2) + GmM1 r + GmM2 r2 +R2 − 2rR cos θ . Temos ∇(r,θ)L = ( mr(θ̇ + ω)2 − GmM1 r2 − 2GmM2(r −R cos θ) (r2 +R2 − 2rR cos θ)2 ,− 2GmM2R sin θ (r2 +R2 − 2rR cos θ)2 ) e ∇(ṙ,θ̇)L = (mṙ,mr 2(θ̇ + ω)). 15. MOVIMENTO RESTRITO DE TRÊS CORPOS 77 Com isso, as equações de Euler-Lagrange tomam a forma        mr̈ = mr(θ̇ + ω)2 − GmM1 r2 − 2GmM2(r − R cos θ) (r2 +R2 − 2rR cos θ)2 mr2θ̈ + 2mrṙ(θ̇ + ω) = − 2GmM2R sin θ (r2 +R2 − 2rR cos θ)2 . A única quantidade conservada desse sistema é a energia total, E(t, r, θ, ṙ, θ̇) = K(r, ṙ, θ̇) + V (t, r, θ) = m 2 (ṙ2 + r2(θ̇ + ω)2) − GmM1 r − GmM2 r2 +R2 − 2rR cos θ . Como é um sistema de duas equações de segunda ordem, suas soluções vivem natu- ralmente em um espaço de quatro dimensões. Com a conservação de energia, cada solução está restrita a uma “superf́ıcie” de três dimensões. As várias soluções em cada superf́ıcie tem liberdade suficiente para apresentar comportamentos complica- dos, caóticos.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved