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Guias e Dicas
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form ped modulo 03, Notas de estudo de Enfermagem

enfermagem

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 27/07/2010

allan-shielldonathotm-oliveira-9
allan-shielldonathotm-oliveira-9 🇧🇷

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Baixe form ped modulo 03 e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! 3 F o r m a ç ã o P e d a g ó g i c a em Educação Profissional na Área de Saúde: E n f e r m a g e m Educação/ Conhecimento/Ação MINISTÉRIO DA SAÚDE 2a edição revista e ampliada Brasília – DF 2003 Catalogação na fonte – Editora MS © 2001. Ministério da Saúde. Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz. Série F. Comunicação e Educação em Saúde Tiragem: 2.ª edição revista e ampliada – 2003 – 4.000 exemplares Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Departamento de Gestão da Educação na Saúde Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem Esplanada dos Ministérios, bloco G, edifício sede, 7º andar, sala 733 CEP: 70058-900, Brasília – DF Tel.: (61) 315 2993 Fundação Oswaldo Cruz Presidente: Paulo Marchiori Buss Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública: Jorge Antonio Zepeda Bermudez Curso de Formação Pedagógica em educação Profissional na Área da Saúde: Enfermagem Coordenação – PROFAE: Valéria Morgana Penzin Goulart Coordenação – FIOCRUZ: Antonio Ivo de Carvalho Colaboradores: Milta Neide Freire Barron Torrez, Lilia Romero de Barros, Carmen Perrota, Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim, Elaci Barreto, Helena David, Gisele Luisa Apolinário, Zenilda Folly Capa e projeto gráfico: Carlota Rios e Letícia Magalhães Editoração eletrônica: Paulo Sérgio Carvalhal Santos Ilustrações: Flavio Almeida Revisores: Alda Lessa Bastos, Ângela Dias, Maria Leonor de Macedo Soares Leal, Mônica Caminiti Ron-Réin e Nina Ulup Impresso no Brasil/ Printed in Brazil Ficha Catalográfica Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. Fundação Oswaldo Cruz. Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: enfermagem: núcleo contextual: educação, conhecimento, ação 3 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem, Fundação Oswaldo Cruz; Francisco José da Silveira Lobo Neto (Coord.), Adonia Antunes Prado, Dalcy Angelo Fontanive, Percival Tavares da Silva. – 2. ed. rev. e ampliada. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 92 p.: il. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde) ISBN 85-334-0691-6 1. Educação Profissionalizante. 2. Auxiliares de Enfermagem. I. Brasil. Ministério da Saúde. II. Brasil. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. III. Fundação Oswaldo Cruz. IV. Lobo Neto, Francisco José da Silveira. V. Prado, Adonia Antunes. VI. Fontanive, Dalcy Angelo. VII. Silva, Percival Tavares da. VIII. Título. IX. Série. NLM WY 18.8 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Educação Módulo Módulo Módulo Módulo Educação/ Sociedade/ Cultura Educação/ Conhecimento/ Ação Educação/ Trabalho/ Profissão Módulo Módulo Módulo Módulo Proposta pedagógica: o campo da ação Proposta pedagógica: as bases da ação Proposta pedagógica: o plano da ação Proposta pedagógica: avaliando a ação Módulo Módulo Módulo Planejando uma prática pedagógica significativa em Enfermagem Imergindo na prática pedagógica em Enfermagem Vivenciando uma ação docente autônoma e significativa na educação profissional em Enfermagem Sumário Apresentação do Módulo 3 9 Tema 1 – Conhecimento: olhares epistemológicos 11 Tema 2 – Conhecimento e ação 37 Tema 3 – Sujeito social e aprendizagem 55 Textos complementares 74 Síntese 83 Atividade de Avaliação do Módulo 85 Bibliografia de referência 86 7 Conhecimento: olhares epistemológicos Apresentação do Módulo 3 – Educação/Conhecimento/Ação Depois de, no Módulo 1, percorrer situações diferenciadas de sua experiência de vida e de prática profissional, procurando identificar manifestações de processos educativos, você reavivou as bases históricas da educação brasileira, tendo desenvolvido, dessa forma, sua capacidade de refletir criticamente sobre a educação. Em seguida, no Módulo 2, pôde identificar as características da sociedade contemporânea e os desafios que ela apresenta à educação, e refletir criticamente sobre as Políticas Públicas de Educação e de Saúde, como responsabilidade de cidadania. Agora você vai iniciar seus estudos no terceiro módulo do Núcleo Contextual. Este módulo foi concebido para ajudá-lo(la) a compreender a produção do conhecimento como elemento fundamental no desenvolvimento de todo o fazer humano, em particular da prática pedagógica. No desenvolvimento dos estudos e das atividades deste módulo, você deverá construir as seguintes competências: ! Compreender a influência das correntes epistemológicas na concepção da educação e em suas práticas, identificando, sob a caracterização de diversos “olhares”, diferentes formas de conhecer e conceber a existência humana e a realidade social; ! Reconhecer a necessidade de fundamentar as práticas de saúde e de educação em “olhares” que, respeitando a diversidade, promovam a ação transformadora; ! Interessar-se por discutir coletivamente questões que desafiam o fazer pedagógico e o fazer em saúde no enfrentamento das condições de desigualdade social, a exemplo da pobreza e da violência, contribuindo para a definição de diretrizes de ação no âmbito das instituições em que atua; ! Diferenciar concepções de desenvolvimento humano e aprendizagem, identificando-as em práticas pedagógicas e da atenção à saúde; ! Refletir sobre a relação pedagógica solidária e cooperativa na produção do conhecimento, considerando o docente e o aluno como sujeitos sociais que interagem no processo educativo. Conheciment : olhar s epistemológicos 10 3 Educação/Conhecimento/Ação A professora de “Filosofia com Crianças”, numa turma de primeira série do ensino fundamental, trabalhava habilidades cognitivas com seus alunos. Dentre eles, Marina, uma criança de 10 anos de idade com síndrome de Down. E, à primeira pergunta da professora, “que objetos aqui sobre a mesa podemos deixar juntos, pois são da mesma família, são semelhantes, se combinam?”, uma criança articulando logicamente disse: “A caixa e o sapato. Caixa de sapato.” “Muito bem”, assentiu a professora. E continua o exercício. Mudando o enfoque, a professora pergunta “que objetos aqui sobre a mesa não podem ficar juntos pois são diferentes, não se combinam?” E após falas dos alunos, ela se dirige a Marina, perguntando “e aí, Marina, que objetos aqui sobre a mesa não podem ficar juntos, pois não se combinam?” Marina, pensando, murmura: “não, não, não c o m b i n a”. E a professora insiste, “o que é que não combina, Marina?” Responde a aluna: “a, a, a, caixa.” “Marina, a caixa não combina com quê?” pede a professora. E Marina diz: “caixa, sapato”. A turma, ansiosa, acompanha o diálogo, pensando: “Marina não conseguiu articular o pensamento”. Mas a professora insiste, “caixa e sapatos não se articulam por quê, Marina?” E, mais que de imediato, Marina responde: “Caixa pequena, sapato grande?” Marina, para espanto da turma, no exercício do seu pensar, conseguira desnaturalizar o olhar. A turma, como que naturalizando o corriqueiro, não conseguira perceber além do aparente. Marina tinha razão. De fato, a caixa era menor do que o sapato. Envolvidos na rotina do dia-a-dia, assim como os alunos de “Filosofia Com Crianças” mencionados no texto acima, tendemos a naturalizar nosso olhar sobre as coisas, a natureza, a cultura e a existência humana. Usando de uma metáfora, podemos dizer que, esquecidos do “pasmo essencial”, já não nos damos conta de que, embora possam estar, “sapato e caixa” não estão necessariamente associados. Da mesma forma, esquecidos do “pasmo essencial”, do “espanto” que problematiza tudo o que se nos apresenta, tendemos a cair no senso comum que vê como natural a associação entre “conhecimento e verdade”, “conhecimento e liberdade”, “ciência e bem-estar social, qualidade de vida”, etc. Ora, mais do que nunca, a história contemporânea tem negado a possível e desejável (tantas vezes proclamada!) relação existente entre conhecimento, ciência, verdade, bem-estar social, liberdade e qualidade de vida. Basta atentarmos ao nosso redor, para constatar que o conhecimento pode estar – e muitas vezes tem estado – associado à maior capacidade de dominação, de exploração, de destruição, seja da natureza, seja do próprio homem. Esta reflexão traz alguns questionamentos, que nos apresentam à temática deste módulo de estudo. Dentre outros, destacamos: ! por que tendemos a ver com naturalidade a relação entre conhecimento e verdade, liberdade, bem-estar social, qualidade de vida? Qual a origem desta tendência à naturalização? É natural ou fruto de condições socioeconômicas? 11 Conhecimento: olhares epistemológicos ! se fruto de condições históricas dadas, as costumeiras explicações filosóficas e científicas sobre os processos do conhecimento humano, o sentido das coisas, da natureza e da própria existência humana serão as mais adequadas? ! se não, quais as outras explicações e associações possíveis? Alguma dessas explicações consegue esgotar o sentido pleno da realidade natural e humana? ! finalmente, cabe a cada um de nós perguntar-se a si mesmo: qual explicação, que concepção de homem, de mundo, de ciência, está orientando nosso cotidiano e nossa prática profissional? Estas perguntas fundamentais para todos nós, especialmente os professores- educadores, nos colocam no campo da epistemologia, que trataremos a seguir. Desde que tomou consciência de si próprio, o ser humano sentiu-se desafiado a dar um sentido às coisas, a explicar a existência da natureza e da própria humanidade. Uma das primeiras formas (nem por isso inferior) de responder a esse desafio foi a criação do mito. O mito é a expressão de uma primeira tentativa da consciência humana de entender as coisas; representa para o homem uma explicação valiosa e satisfatória de dar sentido à própria existência; uma primeira construção humana, lógica e subjetiva, para pôr ordem na realidade, percebida em aparente desordem. Trata-se de uma explicação a partir da “lógica sensível” da qual o pensamento ocidental foi gradualmente se afastando. Numa extensão do mito, surge a forma religiosa de explicar a origem da natureza e da humanidade. A religião introduz maior nitidez, maior compreensibilidade às coisas e ao agir humano, ao atribuir a um Deus – ou vários deuses – pessoal e inteligente, a criação e o governo do universo. No entanto, essas explicações míticas e religiosas são consideradas pré-filosóficas, pois a consciência, para explicar as coisas, recorre a entidades sobrenaturais, a forças superiores e personalizadas. A filosofia surge na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C., quando o homem busca explicar, dar um sentido às coisas a partir de sua própria capacidade racional. É quando a consciência humana assume plenamente a razão lógica, identificando- a como logos (= discurso) e passa a entender que toda a realidade é possuída e ordenada por esse mesmo logos, que está no ser humano e o faz consciente. Cabe chamar a atenção para o fato de que Filosofia e Ciência nascem sem qualquer distinção entre si, como uma única e mesma coisa, pensamento que acompanhou o homem desde a Grécia Clássica até a Modernidade, por volta dos séculos XVI-XVII d.C. Platão (427-348 a.C.), filósofo grego clássico, por exemplo, na sua obra República, usa indistintamente o termo grego episteme para designar Ciência e Filosofia. Mesmo quando irrompe a Modernidade, significativamente, filósofos e cientistas são chamados indistintamente “sábios”. Epistemologia – formada de vocábulos gregos [epistéme = ciência e lógos = discurso], não é um termo antigo. Seu uso nos campos filosófico e científico se inicia no século XIX. O seu significado mais geral é o de teoria do conhecimento ou teoria da ciência. Mas não há acordo sobre seu significado mais específico. Os mais tradicionais assumem-na como uma disciplina especial no campo da filosofia, que estuda criticamente os princípios, as hipóteses e os resultados das diversas ciências, determinando a origem lógica das ciências, seu valor e seu alcance objetivo. Outros consideram a epistemologia como um discurso que encontra na filosofia seus princípios e na ciência o seu objeto. O importante é saber que, hoje em dia, uma teoria do conhecimento, lida mais com o conhecimento como processo do que com o conhecimento como fato já pronto e acabado (Japiassu, 1975, p.19-22). 12 3 Educação/Conhecimento/Ação Tanto a designação filósofo quanto sofista nos remetem ao termo grego sofía, que significa sabedoria. Os pensadores originários ou pré-socráticos são os primeiros filósofos a usar a especulação racional para tentar compreender a realidade que se apresenta aos homens. Inicialmente, refletem sobre a ordem natural, a physis (de grego phyein = emergir, nascer, crescer, fazer nascer, fazer crescer), que designa tudo o que brota, cresce, surge, vem a ser. Refletiam buscando o princípio enquanto fundamento, aquilo de que todas as coisas são derivadas, ele próprio não sendo derivado nem deduzido de nada; refletiam buscando a verdadeira natureza das coisas e do universo. Posteriormente, a partir do século V a.C., passam a pensar sobre a ordem humana (os gregos usavam a palavra nómos para designar a ordem humana, daí autonomia = ordem que se estabelece por decisão própria; heteronomia = ordem que é imposta por outros; anomia = ausência de ordem). Concluíram os sábios, chamados sofistas, que a ordem humana não é “natural”, mas produto das relações humanas. Passam, assim, a fundamentar a ordem humana no arbítrio dos homens. Dentre esses pensadores originários, destacamos Heráclito de Éfeso (544- 484 a.C.) e Parmênides de Eléia (540-470 a.C.), que se opunham quanto à explicação racional dada à realidade. Heráclito busca compreender o real e toma, como ponto de partida, o fenômeno da mudança, e ressalta nos seres existentes o seu vir-a-ser, a sua contradição e multiplicidade. Como aspectos fundamentais de sua doutrina podemos destacar: ! há uma unidade fundamental em todas as coisas; ! todas as coisas estão em movimento; ! o movimento se processa através de contrários; ! o fogo é gerador do processo cósmico; ! o logos é compreendido como inteligência divina que governa o real; ! a sabedoria humana liga-se ao logos; ! o conhecimento sensível é enganador e deve ser superado pela razão. Como se pode depreender, um dos aspectos mais destacados de seu pensamento é o fato das coisas não permanecerem sempre iguais e fixas (impermanência das coisas). Heráclito vê o mundo como um fluxo incessante, onde só permanece estável e inalterável o logos (que também significa, além de discurso, palavra e lei) que dirige a inevitável transformação de todas as coisas. Segundo ele, tudo muda sem cessar e o que temos diante de nós em dado momento é diferente do que foi há pouco e será depois: “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”, pois, na segunda vez, já não somos os mesmos, e também o rio terá mudado. Portanto, para ele não há ser estático. A dinamicidade da realidade pode ser representada na metáfora do fogo, forma visível da instabilidade, símbolo da eterna agitação do devir, “o fogo eterno e vivo, que ora se acende e ora se apaga”. 15 Conhecimento: olhares epistemológicos Continuando a exemplificar, temos as frases: “vivemos e morremos ao mesmo tempo”; “viver é caminhar para a morte”; “o ocaso do dia é o nascimento da noite”. Trata-se, na verdade, de outra maneira de olhar a realidade, de olhá-la na sua dinamicidade, em seu movimento. A conjunção “e” capta a realidade na sua contradição e inclui os termos. Assim, podemos dizer que, no Ocidente, há quatro modos fundamentais de pensar, quatro olhares, quatro abordagens filosóficas/científicas da realidade. A partir desses enfoques, afirmando-os ou negando-os, os pensadores ocidentais vão desenvolver perspectivas diferentes de aplicar sua atividade racional. São quatro ângulos sob os quais se busca apreender os sentidos das coisas, do ser: ! a perspectiva essencialista, ! a perspectiva racional-científica, ! a perspectiva dialética e ! a perspectiva incerta. No entanto, como um raio que na noite escura ilumina e esconde a paisagem, cada um desses modos de pensar mostra e esconde, desvela e vela o sentido das coisas, do ser. Como Aristóteles (Metafísica, IV), podemos dizer: “o ser se diz de muitos modos, mas nenhum modo diz o ser”. Isto é, nenhum desses modos, olhares, consegue esgotar, dizer o pleno sentido do ser. Assim, cada uma dessas perspectivas enquanto concepções de homem, de mundo e de conhecimento, vai, historicamente, exercer influências significativas sobre a existência humana, e, em particular, sobre a idéia e a prática de educação em nossa sociedade ocidental cristã. Passemos a detalhar cada um desses olhares. Mas, antes, vamos discutir um pouco a necessidade desse estudo. Por que precisamos estar trabalhando estas correntes de pensamento sobre o conhecimento humano, se algumas delas são antigas e foram superadas por outras que vieram depois? Para que nos serve isso? Analisamos, no Módulo 2, uma certa tendência a reduzir a educação à comunicação de informações e o quanto isto pode representar de “encobrimento” da realidade. Tudo indica que nosso objetivo neste Curso é construir um exercício profissional de enfermeiros-docentes. Para além, portanto, de qualquer reducionismo que nos faça instrutores de práticas operacionais no campo da enfermagem, queremos ser formadores de profissionais competentes, sujeitos sociais – como seus alunos – de um projeto de ação transformadora. 16 3 Educação/Conhecimento/Ação Ora, para uma atuação assim, não basta informar-se sobre o conhecido. O projeto pedagógico é um projeto de busca de conhecimento. Logo, preocupar-se com a teoria do conhecimento e suas manifestações diferentes no pensamento humano, por mais difícil e complexo que seja, não é um enfeite ou erudição. É uma necessidade na conquista de autonomia pensante; logo, docente. Portanto, é também uma necessidade na busca de uma autêntica atitude de respeito à autonomia discente. Somos professores e educadores na medida em que – mesmo quando repetimos lições de outros – estamos trazendo nossa própria leitura e oferecendo-a para a leitura crítica e autônoma de nossos alunos. Por isso não podemos cair na armadilha de dispensar a reflexão fundamentada sobre o conhecimento, fundamento da ação (o que será assunto do próximo tema deste módulo). O olhar essencialista O modo essencialista de pensar, também chamado metafísico, nasce com a filosofia, por volta do século VI a.C., e mantém-se hegemônico até o século XVI d.C., quando irrompe o modo moderno de pensar, o científico. É, historicamente, o primeiro a se constituir. A preocupação fundamental dos filósofos (sábios) nesse período é conhecer, através da especulação racional, a essência das coisas (ser – seres), chegar à verdade em si, assumindo-se que a razão humana é capaz de atingir, conhecer, o núcleo imutável de todas as coisas, de todos os seres, de saber o que de fato são em si mesmos. São representantes clássicos desse modo de pensar os filósofos gregos Parmênides, Sócrates, Platão e Aristóteles, dentre outros. Na era cristã e Idade Média, temos Santo Agostinho (354-430 d.C.), cristianizando o pensamento de Platão, e Santo Tomás de Aquino (1227-1274 d.C.), cristianizando o pensamento de Aristóteles. A metafísica usa do método formal, do princípio da identidade, que ignora ou desconhece a realidade do movimento e da transformação. Privilegia o repouso e o idêntico, em prejuízo do movimento e da transformação. Para o metafísico, o homem é essencialmente imutável. Fundamentalmente: ! desconsidera sistematicamente os contrários e a transformação; ! define as coisas “em definitivo”; ! separa o homem de seu meio, a sociedade; ! separa a matéria bruta da matéria viva e do pensamento; ! isola os fenômenos sociais uns dos outros; ! vê a natureza, essencialmente, como um estado de repouso e imobilidade, de estagnação e imutabilidade; ! acredita que a sociedade, por ser o que ela é (ou, até mesmo, por refletir um plano divino eterno), não muda e não pode mudar em profundidade; Em sua formação acadêmica, você teve oportunidade de estudar a história do pensamento humano? Quando isso aconteceu? Que impressões você guarda desse estudo? E agora? Como você está percebendo a utilidade da filosofia neste Curso? É preciso desde logo esclarecer que não se espera de você a erudição do conhecimento das correntes filosóficas, a citação dos pensadores e de suas teorias... Importa que você, ao estudar este tema, livre de qualquer exigência nesse sentido, possa dedicar-se a refletir sobre as diferentes possibilidades de compreender a realidade e de nela agir. Metafísica – é a parte da filosofia que estuda o “ser enquanto ser”, isto é, o ser independentemente de suas determinações particulares; estudo do ser absoluto e dos princípios primeiros. Método – conjunto de procedimentos rac ionais , baseados em regras, que visam a at ing i r um obje t i vo determinado. Por exemplo, na ciência, o estabelecimento e a demonstração de uma verdade científica. Pode ser entendido como o caminho pelo qual se chegou a determinado resul- tado, um programa que regula antecipadamente uma seqüência de operações a executar e que assinala certos erros a evitar, com vistas a atingir um resultado determinado ou, ainda, como processo técnico de cálculo ou de experimentação. 17 Conhecimento: olhares epistemológicos ! quando admite a mudança, ela é reduzida à repetição: as coisas percorrem sempre a mesma trajetória; ! menospreza o poder inovador da contradição. O conhecimento acontece, segundo esse modo de pensar, porque a razão humana é capaz de apreender a realidade naturalmente, chegar à essência das coisas. Estas são apreendidas, seja por um processo de pura intuição intelectual, designado de Idéia por Platão, seja por iluminação divina, como acreditava Agostinho, seja ainda por um processo de abstração a partir da experiência sensível, como defendiam Aristóteles e Tomás de Aquino. Com essa doutrina metafísica, alicerce da própria civilização ocidental, os filósofos imaginaram ter encontrado a presença constante por detrás das mudanças, a estabilidade eterna por detrás do fluxo do devir, a permanência inteligível por detrás da inconstância inquietante dos dados sensíveis. Assim, no jogo do homem com o mundo, esqueceram-se do “estranhamento”. A abertura ao ser, que caracterizava o mundo grego e que possibilitou a emergência da própria metafísica, foi substituída pelo fundamento seguro da idéia e da substância. O sonho metafísico é, assim, o sonho da permanência, da estabilidade, do eter no pr esente . Busca-se nas coisas apenas o que tem a consistência – ilusória – do inteligível, o que pode ser representado, controlado, dominado pela razão; deixam-se de lado as qualidades sensíveis (cor, som, sabor, odor, etc.), as experiências cor póreas, as relações sociais, as determinações sociais, os eventos contingentes da história. Tudo isto é visto como secundário, acidental e, de certo modo, indigno de ser pensado, na medida em que não tem a fixidez, a limpidez e a solidez da idéia e da substância. O homem de qualquer época e lugar é um animal racional – esta é a sua essência imutável e universal – capaz de apreender a ordem cósmica pelo intelecto e de adaptar-se a ela pelo agir. Os princípios metafísicos são sempre os mesmos; o que muda é a aplicação deles às situações contingentes da história. A metafísica representa, assim, o anseio de ultrapassar (meta) a natureza (physis), em sua fragilidade e inconstância, na busca do que está além do tempo, do que repousa em si mesmo e não precisa de nada mais para existir, cujos protótipos são a Idéia (sobretudo a Idéia de Bem) e o Deus aristotélico (ato puro, motor imóvel, pensamento eterno de si mesmo) (Andrade,1994, p.30-57). Do mesmo modo, a ação humana perfeita é aquela que se desenvolve de acordo com essa essência. Assim, o critério de educação, justiça, bondade de nossas ações está na sua conformação à essência de nossa própria natureza. Essência – é aquilo que faz com que uma coisa seja o que é e não outra coisa; é o conjunto de determinações que definem um objeto de pensamento, conjunto dos constitutivos básicos. Por exemplo, a essência de mesa é o que faz com que algo seja uma mesa e não outra coisa, deixando de lado as características secundárias e acidentais como cor, tamanho, estilo etc. 20 3 Educação/Conhecimento/Ação formadas a partir das impressões sensíveis. O empirismo pretende dar uma explicação do conhecimento a partir da experiência, eliminando assim a noção de idéia inata, considerada obscura e problemática. Para os empiristas, todo o nosso conhecimento provém da percepção do mundo externo ou do exame da atividade de nossa própria mente, que é uma “folha em branco” ou uma “tábula rasa”. Os principais representantes do empirismo são Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776). O empirismo desenvolveu-se, inicialmente, na Inglaterra, podendo ser considerado o pensamento representativo da burguesia inglesa, que, a partir do século XVII, passou a deter não só o poder econômico, mas também político, através da monarquia parlamentar, fato que marca o nascimento do liberalismo. Esse movimento vai desenvolver o método científico, o novo saber. Segundo ele, embora seja impossível à razão alcançar a essência das coisas, pode atingir os fenômenos das mesmas, ou seja, sua manifestação empírica. Para tanto, físicos como Nicolau Copérnico (1473-1593), Galileo Galilei (1564-1642), Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1642-1707) adotam um método simultaneamente matemático e experimental. A construção do método científico na Modernidade faz-se a partir do princípio do determinismo, segundo o qual tudo que existe está sujeito à rígida relação mecânica de causa e efeito. E a ciência só é, só se torna possível, porque o conhecimento da relação necessária entre causa e efeito – isto é, dos determinismos naturais – permite a descoberta das leis da natureza, a partir das quais são feitas previsões e desenvolvidas as técnicas. Nesse sentido, conhecer é relacionar. Relacionar é estabelecer um nexo causal. Estabelecer um nexo causal é determinar as identidades e diferenças entre os seres. Conhecer é conhecer a mecânica de funcionamento dos seres para poder intervir na realidade, na natureza. A formulação de Francis Bacon de que “saber é poder” expressa muito bem a passagem da ciência especulativa, própria do olhar essencialista, para a ativa moderna. Diz Bacon: Ciência e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo a causa ignorada, frusta-se o efeito. Pois a natureza não se vence, senão quando se lhe obedece. E o que à contemplação apresenta-se como causa é a regra na prática (Bacon, III aforismo, In Novum Organum). Esse olhar racionalista moderno é sobretudo mecânico. O corpo humano, por exemplo, é visto como uma máquina composta de muitas peças. Conhecê-lo é conhecer sua mecânica, seu funcionamento. Descartes formula com clareza essa maneira de pensar o corpo na idéia-máquina: O corpo de um homem vivo é como um relógio ou um outro autômato (por exemplo, uma máquina que se move sozinha), que contém em si mesmo o princípio corpóreo dos movimentos para os quais foi projetado, juntamente com todos os requisitos para agir (Descartes, Passions de l’âme). Assim, tanto para os idealistas cartesianos como para os empiristas, não há garantias de que estejamos conhecendo de fato a realidade em si mesma, como pretendiam os metafísicos. O que conhecemos são idéias, representações dessa realidade que recebemos em nossa consciência. 21 Conhecimento: olhares epistemológicos A própria ciência, que se apóia nos pontos de partida do empirismo, não deixa de ser um conhecimento “construído” pelo sujeito. Ela se propõe a conhecer apenas os fenômenos, nunca as essências das coisas. Mas o que é o fenômeno? É a coisa tal qual se dá à percepção do sujeito. Só que a abordagem do cientista se utiliza de instrumentos que aperfeiçoam e sofisticam os órgãos dos sentidos dos homens, ampliando significativamente seu alcance. Ademais, a razão constrói estruturas formais, sobretudo matemáticas, que servem de esquemas lógicos para construir essa representação da realidade. É por isso que o método científico é um conjunto de procedimentos experimentais e matemáticos. Dessa forma, as duas perspectivas epistemológicas da era moderna – a idealista e a empirista –, apesar de suas diferenças, têm em comum o fato de só se apoiarem nas “luzes” naturais da razão, que, na realidade, só podem “iluminar” o objeto na medida em que ele é montado no âmbito da consciência. A partir do “penso, logo existo” de Descartes, o indivíduo passa a ser a base do novo quadro teórico, do novo sistema de pensamento. Nele, a subjetividade é o termo dominante na relação sujeito–objeto, enquanto conhecimento. O criticismo kantiano Mantendo-se fiel ao pensar subjetivista moderno, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), por meio de seu criticismo, tenta unificar esses dois caminhos. A atitude crítica é um fenômeno dessa época do Esclarecimento (Iluminismo), que, para se manter, precisa reconhecer os limites da razão. Pessoa crítica é a que tem posições independentes e refletidas, é capaz de pensar por si própria e não aceita como verdadeiro o simplesmente estabelecido por outros como tal, mas só após o exame livre e fundamentado. O programa iluminista funda-se na idéia de que à razão é atribuída a função de iluminar o homem, para libertá-lo das trevas, das superstições opressoras, dos mitos enganosos, etc. Kant, buscando superar a oposição, a dicotomia entre os racionalismos idealista e empirista, desenvolve uma teoria de conhecimento que integra aspectos de ambos. Para ele, o conhecimento pressupõe a existência de formas lógicas anteriores à experiência sensível, mas que só exercem alguma função se aplicadas sobre conteúdos empíricos fornecidos pela última. Isto é, as visões unilaterais – seja do idealismo para o qual a razão só pode conhecer com certeza as idéias de que já dispõe, as idéias inatas, seja do empirismo, que vê na experiência sensível a única fonte de conhecimento – são insuficientes para explicar o conhecimento segundo Kant. 22 3 Educação/Conhecimento/Ação Mas a síntese kantiana também se desdobra, deixando uma dupla herança: ! uma delas, por intermédio do pensamento de J. G. Fichte (1762-1814), F. C. Schelling (1775-1854) e G. W. F. Hegel (1770-1831), volta à metafísica idealista, pois prioriza novamente o sujeito e a intuição intelectual; ! a outra, priorizando o objeto e a experiência sensível, desenvolve-se como uma justificativa epistemológica da ciência, sobretudo com o positivismo de Augusto Comte (1789-1854). No século XIX, o ideal de cientificidade moderna e positiva, da Nova Ciência da Natureza, fundada por Descartes, Newton, Bacon e especialmente Galileu, é estendido também aos assuntos referentes ao homem. O objetivo é analisar e compreender também os fenômenos do mundo social, psicológico, econômico, etc. Por um lado, esse empréstimo originou o positivismo do século XIX e, especialmente, no século XX, o empirismo lógico do Círculo de Viena. Por outro, associado às reflexões filosóficas do Idealismo Alemão, tal empréstimo originou o pensamento crítico-dialético: tendência humanista que busca o método específico das ciências humanas (veja adiante, O olhar dialético). Isto é, a razão das ciências humanas desenvolveu-se a partir das ciências naturais e ramificou-se em variadas epistemologias que têm em comum a crença numa realidade exterior, à qual se poderia ter acesso racionalmente, ou seja, pelo uso correto da razão. A primeira regra para esse uso correto é “não se deixar levar pelas primeiras aparências”. Uma questão de fortes disputas no meio acadêmico tem sido justamente em torno do caminho mais adequado para se ter acesso à realidade em ciências humanas: consegue-se fazê-lo graças aos rigores do quantitativismo e da observação neutra e repetitiva, como defende a tradição positivista? Ou através do adequado emprego da dialética, como defende a tradição crítica? Essas duas epistemologias, embora competindo entre si, possuem pontos em comum: 1. opõem-se ao senso comum e desconfiam dos olhares menos atentos sobre o mundo; 2. cada uma delas quer para si o privilégio de ser a mais verdadeira, tanto no que concerne às respectivas lógicas internas, quanto às suas correspondências e proximidades às verdades externas que possam existir; 3. aceitam tacitamente a existência de um sujeito transcendental, cuja racionalidade é algo como um reflexo de uma Razão transcendental e totalizante; 4. vêem o progresso como resultado necessário de um desenvolvimento mais ou menos teleológico da História; 5. entendem a consciência como um estado a que se pode chegar pelo uso correto da razão; 6. concebem a linguagem como instrumento capaz de descrever o mundo e, de certa forma, representá-lo. Empirismo lógico – também chamado de fisicalismo, positivismo lógico ou neoposi- tivismo. A idéia central é a de que a linguagem da física constitui um paradigma para todas as ciências, naturais e humanas (dentre estas últimas, sobre tudo a psicologia), estabelecendo a possibilidade de se chegar a uma ciência unificada. Teleológico – caracteriza-se por sua relação com a finalidade, que deriva seu sentido dos fins que o definem. 25 Conhecimento: olhares epistemológicos ! procurando unir a dialética hegeliana com o naturalismo, a sociologia e a economia, surge o marxismo (Feuerbach, Marx e Engels); ! buscando explorar a psicologia e o naturalismo, surge a psicanálise (Freud, Jung). Nesse novo contexto, o olhar metafísico (essencialista) e o naturalista exclusivamente científico, nos moldes positivistas e de raiz iluminista (luz da razão a iluminar a realidade e a humanidade), revelaram-se insuficientes para explicar e dar sentido à realidade. Por isso, desde o século XIX até o momento presente, há um esforço para instaurar um novo modo de pensar. Este se traduz como um pensar que busca integrar os aspectos válidos dos olhares anteriores, numa síntese que avance e enriqueça ainda mais a compreensão da realidade. Esse novo modo de pensar, que se caracteriza pela retomada, negação e superação do olhar metafísico e científico, é o olhar dialético. Seu elemento fundamental está no princípio básico de que a compreensão do real e o conhecimento que dele temos são radicalmente históricos. Isto é, entende que a realidade não está dada, mas vai-se constituindo. Três grandes descobertas científicas, a partir do século XVIII, contribuem para essa passagem da concepção estática do mundo – que podia ser explicado apenas pelo movimento local, circular, e cujo modelo por excelência é o relógio – para a concepção dinâmica: ! a descoberta da célula, que evidencia a complexa unidade estrutural de todos os órgãos animais e vegetais; ! a descoberta da lei da conservação e transformação da energia: nada se perde, tudo se transforma; ! a descoberta da evolução das espécies por Charles Darwin. Essas descobertas mostram que o mundo é transformação, que não há qualquer coisa acabada, mas um complexo de processos no qual tudo só é estável na aparência. Por isso, era urgente formular um modo de pensar que desse conta do novo e do irracional. Coube ao filósofo alemão G. W. F. Hegel (1770-1831) essa tarefa de redimensionar todo o pensamento ocidental, que até então estivera refém da lógica formalista da não-contradição. Para tanto, ele recupera idealisticamente a lógica contraditória de Heráclito. Karl Marx, colocando esse método sobre bases reais, vai aplicá-lo à realidade concreta das relações sócio-político-econômicas: a práxis. A seguir veremos como se formula esse novo olhar epistemológico. Naturalismo – concepção filosófica que não admite a existência de nada que seja exterior à natureza, reduzindo a realidade ao mundo natural e a nossa experiência dele. 26 3 Educação/Conhecimento/Ação A dialética idealista de Hegel Criticando as tradições racionalistas e iluministas de olhar a realidade sem bases históricas, como foi feito pelo subjetivismo kantiano, Hegel vai formular o modo dialético de pensar a realidade. Para ele, a consciência se constitui historicamente por meio de um tríplice e contínuo processo contraditório de interação. A partir dessa perspectiva lógica da contradição, Hegel concebe sua filosofia que valoriza a história, a evolução, a transformação. O real, no seu conjunto, e todas as coisas, em particular, só existem, segundo ele, num processo de contínua mudança e, o que é mais importante, trata-se de uma evolução por contradição: o processo dialético. As coisas vão evoluindo, vão mudando, porque contêm no seu interior a própria negação; cada uma é, portanto, ao mesmo tempo, igual a si mesma e ao seu contrário. São atravessadas por um conflito interno, a luta dos contrários, que as faz mudar, num processo de contínua afirmação, negação e superação. Para Hegel, a contradição é o motor de evolução do real: toda afirmação (tese) aparece como momento provisório, pois se confronta necessariamente com sua negação (antítese), que o impele a se transformar no seu contrário. Por sua vez, a síntese constitui-se em nova afirmação (tese), que vai ser negada (antítese) e superada numa nova síntese. E assim, indefinidamente. A partir dessa concepção dialética da realidade, Hegel repensa, reenquadra toda a história da humanidade, que não seria nada mais do que o processo de manifestação do espírito, da consciência, rumo ao Espírito Absoluto: desde a certeza sensível até o Saber Absoluto, o Espírito Absoluto. Aliás, o título de sua principal obra, Fenomenologia do Espírito, traduz muito bem seu pensamento: a palavra fenomenologia quer dizer descrição daquilo que aparece, ou a ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição, uma vez que fenômeno é manifestação de uma realidade (Abbagnano, 1970, p.415-417). Segundo Hegel, ser e pensar são uma única e mesma realidade, pois há uma identidade radical entre realidade e racionalidade. A razão, a idéia, é a própria realidade, é o mundo em evolução. Diz ele: o racional é real e o real é racional. Tudo o que existe é uma manifestação da idéia que está evoluindo rumo ao Espírito. A natureza física, assim como a sociedade humana, são apenas figuras do Espírito. A totalidade do real, num primeiro momento, é a Idéia (tese); num segundo momento, é a Natureza (antítese), negação da Idéia; num terceiro momento, é o Espírito (síntese), negação/retomada/superação da Idéia e da Natureza. Nesse sentido, a filosofia hegeliana é caracterizada como idealista, pois, segundo ele, é o ideal que explica o real; a mudança no mundo das idéias é a própria mudança na história e no mundo. A consciência finita se afirma como certeza sensível (tese), que por sua vez é negada pela percepção (antítese) e é superada/retomada enquanto entendimento (síntese). E assim ao infinito, rumo ao Absoluto. O mesmo caminho pode ser aplicado à história da humanidade. Tomemos, a título de exemplo, qualquer grande civilização ou império como Etimologicamente, dialética vem do grego dia, que expressa a idéia de “dualidade”, “troca”, e lektikós, “apto à palavra”, “capaz de falar”. É a mesma raiz de logos (“palavra”, “razão”) e, portanto, assemelha-se ao conceito de diálogo. No diálogo há mais de uma opinião, há dualidade de razões. Dialética é também um método e uma filosofia. 27 Conhecimento: olhares epistemológicos afirmação: a Grécia clássica que se afirma em seu apogeu (tese), é negada pelo declínio (antítese) e superada/mantida no domínio macedônico (síntese). O domínio macedônico (tese) que, por sua vez, decresce (antítese) e é superado/ mantido como Império Romano (síntese), e assim,sucessivamente, chegamos aos dias atuais e apontamos para o futuro rumo ao Absoluto. Além da noção de contradição como dinamizadora do real, outra categoria fundamental para entender a dialética é a de totalidade, pela qual o todo predomina sobre as partes que o constituem. Isto significa que as coisas estão em constante relação recíproca e nenhum fenômeno da natureza ou do homem pode ser compreendido isoladamente. A dialética materialista – a Filosofia da Práxis Com Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), a dialética adquire um status filosófico (o materialismo dialético) e científico (o materialismo histórico). A base do pensamento marxista é o modo de pensar histórico inaugurado por Hegel. Embora discordando do seu olhar metafísico, idealista, Marx aproveita sua lógica dialética. Mas vai aplicá-la tão-somente ao mundo da realidade histórica concreta, ou seja, à natureza e, sobretudo, à sociedade. De acordo com Marx, a dialética (hegeliana) apóia-se sobre a cabeça; basta repô- la sobre seus pés para lhe dar uma fisionomia racional. Isto é, trata-se de colocá-la sobre seus pés, pois o determinante fundamental da realidade é o mundo material e não o pensamento: O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (Marx, 1983 p.14). Assim, enquanto Hegel localiza, de forma idealista, o movimento contraditório na lógica, Marx o localiza no seio da própria coisa, fenômeno, matéria ou pensamento. Nesse sentido, a dialética em Marx não é apenas um método para se chegar à verdade; é sobretudo uma concepção do homem, da sociedade e da relação homem-mundo. Surge, pois, entre homens reais, em condições históricas e sociais reais. E, historicamente, as mudanças ocorrem em função das contradições surgidas a partir dos antagonismos das classes no processo da produção social. Para Marx, a dialética é inerente à realidade natural e social, realidade que evolui por contradição. Isto é, são os conflitos internos dos objetos e das situações que provocam dialeticamente mudanças na realidade histórica concreta, tanto ao nível da ordem natural quanto da ordem social. 30 3 Educação/Conhecimento/Ação Vimos pois, até aqui, que o olhar dialético se constitui numa síntese superadora dos olhares metafísico e científico positivista. Trata-se de uma concepção do real e do pensamento que avança em relação àqueles, não só por negação mas também por recuperação de seus aspectos criativos e superação dos aspectos regressivos. Ao colocar em pauta o caráter contraditório do pensamento e do real, a abordagem dialética supera os impasses e as parcialidades (unilateralidades) dos olhares metafísico e científico. Torna possíveis a evolução, a criação do novo, a historicidade, a prática subjetivada dos homens. Assim, problemas até então intransponíveis como, por exemplo, a oposição sujeito/objeto no conhecimento são superados na perspectiva dialética. Nesta, ambos se constituem e dependem da realidade histórica: Assim, o sujeito (o homem como ser subjetivo, consciente, capaz de reflexão) dá-se conta de que, embora condicione a posição do objeto (parte de verdade das filosofias subjetivistas), não se constitui integralmente (parte de verdade das filosofias positivista e realista); o objetivo, por sua vez, por mais autônomo que seja, não mais se impõe dogmaticamente ao sujeito como pura positividade empírica ou como entidade metafísica (erro das filosofias positivista e realista). O sujeito se reconhece no fluxo da contingência do existir natural e social, reino do objeto (verdade do naturalismo e do positivismo) que, de seu lado, só tem sentido para um sujeito (verdade da filosofia subjetivista) que é, na realidade, um sujeito coletivo. (...) Por outro lado, o real se constitui da totalidade do universo, totalidade esta que vai se realizando num processo histórico, do qual cada momento é resultante de múltiplas determinações (naturais, sociais, culturais). O processo histórico de constituição do real segue “leis” que não se situam nem no plano da determinação metafísica nem no plano da necessidade científica e nem se formaliza mais na linearidade da lógica formal regida pelo princípio da identidade. (...) Do mesmo modo, o homem também é uma entidade natural histórica, determinado pelas condições objetivas de sua existência, mas, ao mesmo tempo, cria a sua história ao atuar sobre as condições objetivas, transformando-as por meio de sua práxis. (...) Igualmente, dada essa sua condição, o seu agir não pode mais guiar-se apenas por valores essencialistas puramente metafísicos nem por valores puramente técnico-funcionais. O fundamento ético de sua prática é necessariamente político, uma vez que toda ação humana está envolvida com as relações de poder que atravessam o contexto social da existência humana (Severino, 1994, p.138ss). Cabe ainda chamar a atenção para os avanços que a concepção filosófica da práxis alcança com Antonio Gramsci (1891-1931), pensador marxista italiano. Gramsci, fixando-se primordialmente na reflexão da superestrutura social, traz uma grande contribuição para o entendimento da ordem social e política, em particular da educação. Você vai conhecer mais sobre as propostas de Gramsci na educação nos Módulos 4 e 5. Superestrutura – conjunto das instituições e processos políticos, jurídicos e sociais (arte, religião, filosofia) que, segundo Marx, corresponde a determinada estrutura econômica ou infra- estrutura. Relendo o que se apresentou sobre o pensamento dialético nos enfoques de Hegel e de Marx, identifique os pontos principais que distinguem a dialética de Marx daquela de Hegel. Como recurso de estudo, use, se julgar interessante, iluminadores de texto, de cores diferentes (duas), para assinalar essa distinção. Em que esse exercício lhe desafiou na compreensão da atividade humana e da realidade social? 31 Conhecimento: olhares epistemológicos O olhar incerto O pensar contemporâneo tem-se caracterizado por uma multiplicidade de correntes científicas e filosóficas. Esta característica, expressão do esgotamento do modelo iluminista de pensar, torna difícil, senão impossível, enquadrar o pensamento contemporâneo em um modelo de conhecimento. Num primeiro momento, o ocaso da racionalidade iluminista manifesta-se como crise dos paradigmas. Paradigmas competitivos, como o positivista e o marxista, estariam se revelando insuficientes para a abordagem científica e filosófica da realidade. Essa crise, que ainda tem como referência a noção de modelo, manifesta-se na pergunta: qual é o modelo, o paradigma científico, mais adequado para se conhecer a realidade? Num segundo momento, no entanto, é a própria noção de modelo de conhecimento que entra em crise. Frente aos avanços e descaminhos da ciência, torna-se geral a desconfiança sobre o valor do conhecimento: é a crise de paradigmas, manifesta na pergunta: existirá modelo, paradigma de conhecimento? (Plastino, 1995, p.30-47). Nosso tempo, nesse sentido, tem sido fecundo para a ciência. Novos desafios são colocados à competência explicativa das teorias, hipóteses, premissas e leis fundadoras do pensamento científico moderno. A relatividade de Einstein, a microfísica, a termodinâmica, a microbiologia têm ampliado o universo das indagações dos cientistas. Cada vez mais eles se vêem confrontados com novas verdades e com incertezas sobre verdades há muito estabelecidas. Assim, se a era moderna nasce de uma revolução intelectual que desafia os pressupostos da filosofia e da ciência medievais, o desenvolvimento da perspectiva contemporânea começa com uma revolução semelhante que desafia o poder explicativo das categorias modernas, do projeto iluminista. Podemos destacar, dentre as novas teorias que têm despertado o interesse dos educadores, os chamados paradigmas holonômicos, também chamado o pensar pós-moderno. Nessa perspectiva podemos incluir as reflexões de Edgar Morin, pensador francês contemporâneo. Ele critica o paradigma científico clássico, que não consegue dar conta da complexidade da partícula subatômica, da realidade cósmica e dos progressos da microbiologia. Para ele, enfrentar a complexidade do real significa: confrontar-se com os paradoxos da ordem/desordem, da parte/todo, do singular/geral; incorporar o acaso e o particular como componentes da análise científica e colocar-se diante do tempo e do fenômeno, integrando a natureza singular e evolutiva do mundo à sua natureza acidental e factual. (Castro, 1998). Na obra 32 3 Educação/Conhecimento/Ação Le paradigme perdu: la nature humaine (O paradigma perdido: a natureza humana), criticando a razão produtivista e a racionalização modernas, Morin propõe uma lógica do vivente. Os paradigmas holonômicos, ainda mal definidos, sustentam um princípio unificador do saber, do conhecimento em torno do homem, valorizando o seu cotidiano, o seu vivido, o pessoal, a singularidade, o entorno, o acaso e outras categorias como: decisão, projeto, ruído, ambigüidade, finitude, escolha, síntese, vínculo e totalidade (cf. Gadotti, 1995, p.305). Para os defensores desses novos paradigmas, os modelos clássicos, positivista e marxista, lidariam com categorias redutoras da realidade. Ao contrário, os paradigmas holonômicos pretendem restaurar a totalidade do sujeito individual, valorizando a sua iniciativa, a sua criatividade, valorizando o micro, a complementaridade, a convergência (Gadotti, 1995, p.305). Estes – os holistas – sustentam que só o imaginário, a utopia e a imaginação são fatores instituintes da sociedade. Recusam uma ordem que aniquile o desejo, a paixão, o olhar, a escuta. Ressaltam que estas categorias não são novas, mas que hoje têm mais aceitação que no passado recente. A denominação olhar incerto – que não constitui um sistema – refere-se mais a uma atitude ou, até mesmo, movimento pós-moderno (cuja análise foi feita no Módulo 2). Chamando nossa atenção para a complexidade da realidade, para as múltiplas perspectivas de abordagem do real, questiona nossa prepotência racional de chegar a um único conhecimento possível, questiona a concepção “ingênua” de que o conhecimento e a ciência são sinais de evolução natural da humanidade. Entre os elementos reveladores da pós-modernidade está a invasão da tecnologia eletrônica, da automação, e da informação, que causa certa perda de identidade nos indivíduos. A pós-modernidade se caracteriza também pela crise de paradigmas. Faltam referenciais... O pós-moderno surge exatamente como uma crítica à modernidade, diante da desilusão causada por uma racionalização que levou o homem moderno à tragédia das guerras e da desumanização (Gadotti, 1995, p.309). O que distingue a nossa época (é) a incerteza em que nos encontramos quanto à possibilidade de pensar nossos objetivos. O mal-estar dos docentes provém, em parte daí: eles já não sabem qual é a finalidade da sua atividade. (F. Lyotard, in Kechikian, 1993, p.50). Desse olhar incerto, a grande lição é que devemos aprender a viver na incerteza e na insegurança, pois nosso conhecimento nasce da dúvida e alimenta-se de incertezas. Depois desse estudo, você deve estar perguntando-se: “por que todo esse trabalho até agora? Não seria mais fácil e objetivo ir direto ao assunto, ao melhor olhar epistemológico?” “Em termos!” Responderíamos. Como já vimos, esses olhares não são mais do que perspectivas que, ao mesmo tempo, nos aproximam e nos distanciam da realidade, abordagens de conhecimentos filosóficos e científicos que nos desvelam e escondem a verdade do ser. Paradigmas holonômicos – etimologicamente, holos, em grego, significa todo e os novos paradigmas procuram centrar-se na totalidade. 35 Conhecimento e ação TEMA 2 Conhecimento e ação Tostão, ex-jogador de futebol e hoje médico, comentava em sua crônica esportiva: Independentemente da posição que o jogador ocupa em campo, para ser um craque é necessário, antes de tudo, ter uma boa visão do conjunto e, principalmente, antevisão da jogada. Um grande goleiro ou um excepcional atacante precisa saber, antes dos outros, onde a bola vai chegar. É evidente que não basta ter essas qualidades para ser um excepcional jogador. É preciso executar bem os fundamentos de sua posição: passe, desarme, drible, finalização e outros. Para ser um bom bandeirinha e marcar corretamente o impedimento, é necessário enxergar ao mesmo tempo o jogador que vai dar e o que vai receber o passe. Essa capacidade não é apenas técnica, mas também biológica. O olho dos homens e dos outros animais não funciona como uma câmara que recebe e transmite as imagens, como se pensava. Ele também calcula e é capaz de prever a trajetória e a posição futura de um objeto em movimento. A visão periférica é diferente em cada pessoa. Ela pode ser avaliada por meio de testes e aprimorada com treinamentos especiais. Não é somente pelo olhar, mas também pelo olho que se conhece o craque (Folha de São Paulo, 19/12/99). 36 3 Educação/Conhecimento/Ação Orientados por um olhar epistemológico (científico-filosófico), nosso desempenho, em qualquer área de ação, dependerá em muito da nossa “acuidade visual”. Precisamos aprimorar nosso olho para sermos capazes de calcular, prever o caminhar e a trajetória futura da nossa realidade pessoal e social, para nela intervir adequadamente. Estamos assim, a partir de agora, envolvendo-nos com a ação. A partir de agora? Como? Até este momento o que vem acontecendo aqui? Desde o primeiro instante deste Curso estamos tratando de ações, relações, interações, participações. Cada um de vocês leu, releu, estudou, escreveu, respondeu, registrou, abriu e fechou o Diário de Estudo, foi ao encontro do tutor... Podemos dizer que sabemos o que é ação: nós a entendemos – porque estamos sempre vivenciando alguma – como uma atividade ou seu resultado. Mas a rigor não conseguimos defini-la. Tudo o que se pense em usar para definir ação ou atividade ou ato traz em si o sentido de ação / atividade / ato; inclusive a tentativa de definir ação é já, em si mesma, uma ação, uma atividade, um ato. Ora, a definição é a indicação completa e ordenada do conteúdo de um conceito, do significado de uma palavra. Essa indicação, portanto, deve ser precisa (seu enunciado só serve para o que está sendo definido), clara (seus termos e conceitos são conhecidos), simples (não apresenta termos que não sejam os necessários) e, sobretudo, não pode conter o termo ou conceito que está sendo definido. A ação concretiza-se através de atividades, que reúnem um conjunto de ações, e o que podemos fazer para entender melhor a ação é descrevê-la procurando distinguir tipos de atividades. ! Uma primeira distinção importante é saber que há ações autônomas e ações impostas. As autônomas são as que se caracterizam pela consciência e pela vontade; são atos ou estados ativos do eu, autodeterminações do eu, dotado de vontade que, entre outras coisas, tem consciência de si mesmo e do objeto (Brandenstein, 1977, p.51). ! Uma segunda distinção – feita por Aristóteles – aponta três tipos de atividades fundamentais, tendo presentes seus objetivos: ! a atividade teorética tem como finalidade conhecer algum fato acontecido previamente, assim como a percepção externa dos sentidos (mundo exterior), a percepção interna (mundo interior) e o pensamento dirigido ao conhecimento; ! a atividade poiética tem como finalidade formar, fazer, confeccionar uma obra; incluem-se aqui tanto as atividades de artesanato como as atividades técnicas (no sentido de técne, que envolve sempre um processo criativo, como o do artista na confecção de sua obra); ! a atividade prática tem finalidade em si mesma, no “fazer bem feito”, na eupraxía; as atividades práticas podem ser físicas ou espirituais e tendem a um estado de “conquista de capacidade de...”, portanto de poder. 37 Conhecimento e ação Assim como são uma constante de nosso viver, as ações constituem-se em objeto de julgamento. Principalmente as ações postas nas atividades práticas. Usualmente entendemos como boa uma ação que tenha um valor intrínseco, por si mesma, um valor definitivo e final. E, portanto, independente do valor utilitário. Nenhuma das ações que se manifestam nas atividades que conduzem a um crime perfeito é uma boa ação, mesmo que o resultado tenha sido um êxito total. Ao trazer essas reflexões, o que se quer é mostrar as bases em que a intenção, o querer, o exercício da liberdade consciente estão presentes em nosso agir, em nosso fazer. Essa consciência intencionada e livre é que faz a dignidade humana da ação. E porque esta se torna humana, está aberta à interação com o outro – também consciente e livre. As atividades e ações coletivas, então, não se definem pela mecânica da justaposição, mas pela dinâmica da integração solidária ou, até mesmo, do conflito de contrários. Sempre conscientes, em busca de mais conscientização. Sempre livres, em busca de mais liberdade. E, justamente porque as atividades são teoréticas, poiéticas e práticas, é importante que, no agir cotidiano, a eupraxía, o “fazer bem feito”, não seja uma simples e vaga intenção, mas um valor “ontológico”, isto é, próprio do ser da ação prática. Assim, certas ações são, em um sentido mais profundo, dotadas de êxito em si mesmas, isto é: estão bem feitas e, por isso, são úteis e têm êxito; esse ser proporcionado à ação é um valor ontológico interno da mesma no terreno moral prático, e não apenas uma conduta superficial de um mero “quero fazer algo bem feito”. Pensar assim conduz a um entendimento mais profundo da ação e de seu significado total para a vida (Brandenstein, 1977, p.51). É no agir que o ser humano produz a própria existência. Um agir que dá seqüência a atividades que não estão completamente sob seu domínio, como todo o dinamismo das atividades funcionais. Mas também um agir que potencializa essas atividades, exercitando-as na conquista de seu desenvolvimento pleno ou bloqueando-as na renúncia da plenitude de suas manifestações vitais. Um agir voltado para as alianças da integração de ações, no qual o sentido da interação é a conquista de objetivos e interesses comuns, em plano micro ou macrossocial. Realizada por pessoa ou grupo humano (classe social, comunidade ou grupo social), a ação implica alteração das coisas e do ambiente, num fazer de construção, transformação ou invenção, sempre em busca de situações favoráveis de existência. Um agir que, desde sempre, adquire as características de um trabalho, palavra quase tão presente quanto ação. Termo, também, de múltiplas e diferenciadas significações. Eupraxía – indica o comportar-se bem, isto é, adequada e ordena- damente ou segundo as leis. Xenofonte (séc. V a.C.), historiador e ensaísta grego, discípulo de Sócrates, designa com essa palavra o ideal moral de seu mestre. 40 3 Educação/Conhecimento/Ação medicina, que desconhece a causa de várias doenças e ainda não descobriu a cura para uma grande quantidade de problemas de saúde que causam consideráveis danos sociais, culturais, econômicos e emocionais. Na construção compartilhada do saber, o que se busca é um conhecimento que supere tanto o conhecimento oficial quanto o senso comum, e isso só acontece na prática, como explica Eduardo Stotz: – Quando a gente fala de compartilhamento, a gente se refere a situações concretas, nas quais isto esteja em pauta. Diante de um quadro de doenças crônicas na área de saúde mental, por exemplo, não se pode considerar somente o saber psiquiátrico ou o psicanalítico. Nós sabemos que existe ainda, entre outras coisas, o saber popular e a religião. Uma coisa bastante comum é o papel que certas entidades religiosas desempenham no acolhimento de pessoas com problemas mentais. Caberia à rede de serviços incorporar esses centros como uma espécie de referência, reconhecer a existência dessas entidades e assumir que elas podem funcionar como ‘instâncias sentinelas’ para esse tipo de problema, e aceitar que a religião influencia até mesmo no tratamento dessas enfermidades. Uma outra razão que, segundo José Wellington de Araújo, também pesquisador do Elos, torna a construção compartilhada do conhecimento tão necessária é a controvertida formação acadêmica dos médicos e de outros profissionais da área da saúde. – Hoje em dia, fala-se muito em atenção integral ao paciente, em se ver o paciente como um complexo único, uno. O problema é que o médico passa seis anos sendo doutrinado para entender o contrário. Isso não é culpa dele, mas do sistema de formação. O resultado é que, de certa forma, o médico, mesmo bem formado, acaba sendo a pessoa menos indicada para entender uma doença. “Quem calça um sapato é que sabe onde lhe aperta”. Isso quer dizer que há certos aspectos da doença que só quem entende é o próprio doente. É o que chamamos de “experiência de enfermidade” e que pode ser entendida tanto no nível individual quanto no nível coletivo, quando se trata dos problemas de saúde de uma comunidade. Não se pode desprezar esse conhecimento se queremos, de fato, chegar a algum lugar – afirma Wellington. No meio do caminho tem uma pedra... Perfeita na teoria, a construção compartilhada do saber encontra, na prática, diversas dificuldades, diversas pedras no meio do caminho. Uma delas é o limite em que essa relação se estabelece. Para Stotz, se espontaneamente as coisas caminham nessa direção, se hoje os serviços já admitem a inclusão da homeopatia e já se fala até em cura espiritual, a tendência é que mais cedo ou mais tarde haja uma nova divisão e cada um volte a afirmar a sua competência, a sua autoridade sobre os outros. – Do ponto de vista dos sistemas médicos e profissionais, existe uma tensão constante, uma disputa permanente. Se a gente pudesse entender a saúde como um campo, a gente diria que é um campo de práticas e saberes atravessado pelos pacientes e suas famílias. Eles é que costuram, que unem essas práticas e saberes através de seus itinerários, que tanto consultam um pai de santo ou uma Igreja Universal do Reino de Deus quanto um psiquiatra, e aprendem pegando pedaços de um e de outro. Os médicos e profissionais tendem a ficar encapsulados nos seus próprios sistemas porque é o que lhes dá referência para a prática profissional. Na perspectiva da educação popular, seria como dizer: “Vamos acompanhar a história do paciente com a sua família e vamos ver no que isso ilumina a área da saúde” – diz Stotz. 41 Conhecimento e ação Para Wellington, a apropriação do discurso da construção compartilhada do conhecimento para a reprodução de relações de saber autoritárias é outro ponto a ser combatido. Muitas vezes, em sua opinião, a Educação e Saúde utilizam um discurso muito parecido com o dialógico, mas o que as pessoas buscam no diálogo com o outro – de maneira consciente ou não – é apenas descobrir a matriz comunicacional de seu interlocutor para adequar a mensagem que quer transmitir aos códigos daquela matriz de comunicação. – Isso não tem nada a ver com compartilhamento de saberes. Isso é só mais um instrumento de dominação. Nós sabemos que somos portadores de um conhecimento determinado, mas que há lacunas no nosso saber. Também sabemos que existe um saber popular, mas não acreditamos, como algumas correntes antigas e românticas, que o saber popular é tudo. Achamos que o diálogo deve ser aberto e problematizador. E se nós entendemos assim, não é porque somos bonzinhos, mas é porque acreditamos que as coisas só funcionam dessa forma – conclui o pesquisador. A ação no campo da Educação Também o profissional da educação depara-se continuamente com questões que devem ser problematizadas para que sua atuação profissional tenha sentido e, sobretudo, para que seus alunos se beneficiem da ação educativa. Estamos falando de questões que, vinculadas ao fazer educativo, estão sempre exigindo que o docente se coloque à escuta: o que é educar? quem educa quem? onde se situa a centralidade do ato educativo? qual o sentido da educação? educar para quê? como? quais os fins da educação? por que educar? quais os meios para atingir os fins? quais os seus limites? qual o seu papel social? a prática pedagógica e os conteúdos educativos são aplicáveis a todo e qualquer tempo, lugar, contexto e ser humano? Tudo o que vimos abordando nestes três primeiros módulos evidencia que a educação se realiza como prática social e, portanto, está fortemente marcada pela inserção no contexto cultural. Este, por sua vez, está em movimento, em mudança, em permanente interação com outras situações de diferentes culturas, com distintos modos de produção da existência, com variadas formas de gerenciar a vida social. Nessa teia de ações e concepções inter-relacionadas, em encontros, convergências, desencontros e divergências, a educação apresenta-se como uma atividade de interpretação dessa complexidade. Ao mesmo tempo, dela faz parte. Os sujeitos do processo educativo – sejam eles educadores ou educandos –, justamente porque interagem como pessoas historicamente situadas, trazem essa complexidade como “matéria-prima” da construção da própria prática educativa. Leia e discuta esse texto com o seu grupo de estudo ou de trabalho. Que afinidades e/ou divergências vocês encontram com o agir em saúde apresentado no texto? Como vocês entendem as práticas e os saberes nas ações de atenção à saúde? Registre as conclusões do grupo no Diário de Estudo. 42 3 Educação/Conhecimento/Ação Ajuda-nos a análise da experiência acumulada, mas é necessário problematizar sempre as atividades, as ações da prática pedagógica. Nesse sentido, a educação é uma questão em busca de respostas. Aqui também usaremos, como momento de reflexão, um artigo de revista. Trata-se de texto publicado na Nuevamérica: a revista da Pátria Grande, no 84, de dezembro de 1999, do qual destacamos este fragmento: Construir ecossistemas educativos. Reinventar a escola Vera Maria Candau Neste final de século e de milênio, a educação vive, no continente latino-americano, um momento especialmente paradoxal e contraditório. Não se pode negar a enorme expansão do sistema educacional nas últimas décadas, pelo menos no que diz respeito à educação básica. O discurso oficial hoje apresenta a educação como a grande responsável pela modernização de nossas cidades, por suas maiores ou menores possibilidades de integrar-se no mundo globalizado e na sociedade do conhecimento, que exigem altos níveis de competência e de domínio de habilidades de caráter cognitivo, científico e tecnológico, assim como o desenvolvimento da capacidade de interação grupal, iniciativa, criatividade e uma elevada auto-estima. A educação é encarada como esperança de futuro. No entanto, persistem no continente altos índices de analfabetismo, evasão, repetência e desigualdades de oportunidades educacionais entre diferentes países, assim como entre regiões geográficas de cada um deles. Em muitas sociedades, é grave a crise da escola pública e a crescente fragmentação do sistema de ensino – em geral os grupos sociais mais pobres só têm acesso a determinadas escolas públicas e outras faixas da população, de maior poder aquisitivo, freqüentam as melhores instituições públicas e particulares, muitas delas consideradas de excelência. Essa crescente diferenciação do sistema traduz também uma equação de menor a maior qualidade e evidencia a tendência à inserção da educação na lógica do mercado, como um produto de consumo, que se compra, segundo as possibilidades econômicas de cada um. Esta é a tendência dominante. No entanto, não se pode ignorar que no continente existem inúmeras experiências e buscas situadas em outras perspectivas. A realidade educacional é muito mais heterogênea e plural do que a descrição que, muitas vezes, nos é feita de sua problemática, desafios e alternativas. É importante que, também nesse âmbito, não caiamos na armadilha do pensamento único. Um dos desafios do momento é ampliar, reconhecer e favorecer distintos locus, ecossistemas educacionais, diferentes espaços de produção da informação e do conhecimento, de criação e reconhecimento de identidades, práticas culturais e sociais. De caráter presencial e/ou virtual. De educação sistemática e assistemática. Onde diversas linguagens são trabalhadas e pluralidade de sujeitos interagem, seja de modo planejado ou com caráter mais livre e espontâneo. A escola está chamada a ser, nos próximos anos, mais que um locus de apropriação do conhecimento socialmente relevante – o científico –, um espaço de diálogo entre diferentes saberes – científico, social, escolar, etc. – e linguagens. De análise crítica, estímulo ao exercício da capacidade reflexiva Ecossistema – sistema em que há interdependência e interação entre organismos vivos e seu ambiente físico, químico e biológico. 45 Conhecimento e ação Alguns autores, como Baudelot e Establet (1976), acreditavam que a escola existe para segregar as pessoas, confirmando uma separação já existente fora de seu perímetro, fundamentada na divisão da sociedade em classes. Assim sendo, seria ilusório imaginar a existência de uma escola única, voltada para a transmissão equânime do saber social. Ela seria, então, a instituição mais eficiente para segregar as pessoas, por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo de reproduzir a sociedade de classes (Meksenas, 1988). Esses autores, vinculados ao pensamento marxista, afirmam que apenas transformações mais profundas na sociedade poderão levar à democratização da educação. Numa sociedade de classes, as instituições reproduzem a estrutura social e os interesses da classe dominante, dizem eles. De acordo com essa lógica, pois, o fracasso escolar não se constituiria em expressão do mal funcionamento da escola, mas, ao contrário, teria o objetivo de confirmar a segregação social fundada no campo da produção econômica, da produção e da reprodução da vida material, representando, assim, o bom funcionamento da escola, do ponto de vista dos interesses dominantes. Como imaginar a existência de uma escola única e democrática, preocupada com a inclusão de seus alunos na sociedade moderna e no mundo dos direitos cidadãos, se, a começar pela linguagem, ela discrimina? Na escola, a linguagem se apresenta de vários meios: no discurso do professor ou nos seus gestos, no conteúdo dos livros adotados, nos programas de ensino, nas regras de convivência ou em normas disciplinares. Tudo são meios para expressar idéias, sentimentos e modelos de comportamento; tudo isso se constitui na linguagem da escola (Meksenas, 1988, p.66). O autor afirma que tratar com a mesma linguagem crianças oriundas de classes sociais diferentes (Bourdieu diria de classes ou grupos sociais diferentes) faz com que se reproduza a desigualdade e não a igualdade. A criança da classe dominante conhece, utiliza essa linguagem, ao contrário daquela da classe dominada, conforme apontam Baudelot e Establet. Isto não quer dizer que seja impossível aos filhos das classes populares ter sucesso na escola e, sim, que, para eles, as dificuldades serão muito maiores. Pierre Bourdieu (1974), discutindo esse tema, afirma que a educação se constitui em um dos processos por meio dos quais se dá a reprodução cultural. Esta tem por finalidade reproduzir as condições em que se dá a reprodução social na sociedade, contribuindo, em última análise, para reproduzir as estruturas de dominação simbólica e material. Assim, quando uma criança da classe popular entra na escola, já tem seu destino traçado, uma vez que vem de um mundo distante daquele da cultura dominante operada pela escola. Esse “mundo” não contém apenas conteúdos explícitos, como os conhecimentos disciplinares (matemática, o idioma pátrio, etc.), mas sobretudo formas de agir, sentir, pensar e perceber, componentes de dada cultura que funcionam como uma “chave” de acesso A reprodução, obra de Pierre Bourdieu que trata do sistema de ensino, trouxe ao debate a função da escola capitalista. 46 3 Educação/Conhecimento/Ação aos saberes das classes e grupos sociais dominantes. Estes são, também, socialmente legitimados e positivamente valorizados, inclusive pelos grupos cujas culturas são desqualificadas e, mesmo, ignoradas nesse processo. Certamente a escola tem uma tendência a reproduzir os padrões dominantes. Ela está imersa na sociedade, de onde vêm os sujeitos que nela instituem a prática social educativa. Ela é constituída pelas relações de interação – aberta, portanto, à pluralidade e diversidade dos sujeitos. Estes, cada vez mais, vêm se determinando por múltiplas influências. Assim é que a escola se apresenta também como um espaço de possibilidades transformadoras do convívio social. Da mesma forma que a escola tende a reproduzir, a escola também tende a questionar criticamente a sociedade. É nesse encontro e desencontro que se tece o processo educativo. Da educação, espera-se um compromisso, não só com a transmissão dos conhecimentos socialmente produzidos, mas também com a formação de pessoas autônomas, que possam “cuidar de sua vida”, de maneira consciente e responsável, de modo a manter-se e à família com dignidade e independência. Assim é que o respeito à diversidade como condição para o sucesso da aprendizagem deve ter um sentido não restrito aos resultados de rendimento escolar, mas ao fornecimento de ferramentas conceituais necessárias para interpretar a realidade e tomar decisões a partir daí. Uma das ferramentas será a capacidade de analisar o mundo em que se vive, dialogar com suas diferenças e inserir-se em um processo de emancipação, que possa acolher diferenças percebidas... (Tura,1999, p.111). A diversidade trazida à cena social contemporânea pela existência – atualmente bastante combativa – das chamadas minorias não pode deixar de ser lembrada quando se discutem as condições sociais de produção do conhecimento sistematizado e do trabalho docente-discente na escola. A literatura mostra que, apenas nas últimas décadas, esses “novos atores” passaram à cena social e política, embora sua existência e seus problemas – que só recentemente vêm sendo debatidos – venham desde a constituição da sociedade moderna, na aurora do capitalismo e das formações sociais burguesas, no contexto dos novos padrões de sociabilidade por elas inaugurados. É recente a constatação e a legitimação do direito do diverso à expressão. Costa (1987, p.228) afirma que em termos teóricos, estatísticos, ideológicos e políticos, as minorias têm sido pouco consideradas ao longo da história moderna e contemporânea. Hoje, essas minorias se organizam para expressar a importância de seus anseios, valores e objetivos. A autora declara ainda que o tratamento “minoria” ou “maioria”, dado aos movimentos sociais atuais, depende de sua força política. Pode-se considerar que a capacidade de se legitimarem por meio do poder de sua organização e por suas reivindicações – por sua força política, portanto – os caracteriza, hoje, como os “novos atores que entraram em cena”, parafraseando o falecido sociólogo Éder Sader. Esses novos sujeitos, na verdade, atingiram essa condição por meio das lutas que empreenderam, uma vez que há muitas décadas, há mais de um século, seus problemas persistem. A diferença é que, anteriormente, não eram reconhecidos, suas vozes não eram ouvidas, seu sofrimento havia sido naturalizado por uma visão de mundo hegemônica, introjetada e reproduzida inclusive no seio mesmo desses grupos dominados. Qual o seu posicionamento a respeito dessa discussão? A escola só reproduz o existente ou ela pode contribuir para questionar a necessidade de transformação? Argumente em favor da educação e da escola em que você acredita. Registre seu pensamento no Diário de Estudo. 47 Conhecimento e ação Em todo o mundo, as ciências sociais vêm tematizando questões relativas à velhice, às mulheres, aos homossexuais, às prostitutas, aos negros, às populações nativas, aos povos de origem africana, aos mestiços, aos imigrantes, aos portadores de imunodeficiência adquirida por HIV, em suma, a todos os grupos de alguma forma discriminados e oprimidos. Incluíram-se na pauta dos temas relevantes para as ciências sociais sujeitos trazidos por critérios que não apenas o de classe social. Por exemplo, incluíram-se as questões culturais, as relativas a gênero, a orientação sexual, dentre outras. É claro que há resistências à legitimação de tais critérios. No campo da educação, no entanto, não há como desprezá- los. Há muitos estudos sobre a presença e a importância da multiculturalidade na escola que precisam ser conhecidos e compreendidos para que os processos escolares realmente cheguem a bom termo, para a construção de pessoas conscientes, competentes, autônomas e capazes de dialogar com as diferenças. É nesse quadro de diversidade – em uma sociedade profundamente desigual – que as condições da vida contemporânea se impõem aos processos educativos, trazendo para a escola questões, que, se não cabe à educação resolver, cabe, sim, ajudar a compreender, para poder transformar. Pobreza e violência são apenas exemplos. Pobreza Em seu livro Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea, Celso Furtado nos diz que podemos abordar o problema da pobreza de ângulos diferentes. Três são as dimensões que têm preocupado os estudiosos da matéria: 1) a questão da fome endêmica, que está presente, em graus diversos, em todo o mundo; 2) a questão da habitação popular, que em alguns países já encontrou solução; e 3) a questão da insuficiência da escolaridade, que contribui para perpetuar a pobreza. Vou me limitar a tratar a questão do ponto de vista econômico, portanto mais limitado. O que me interessa é responder à questão: por que o Brasil se singulariza pela concentração de renda e da riqueza? (...) ... o problema da pobreza no Brasil não reflete uma escassez de recursos. E sim uma forte propensão ao consumo por parte dos grupos de alta renda. (...) O Brasil é um dos poucos países que dispõem de nível de renda per capita e de grau de urbanização suficientes para, em prazo relativamente curto, erradicar a fome e a miséria. Nosso problema maior – o da pobreza – tem solução se adotamos uma política adequada. Vontade e ação política: é disso que necessitamos. (...) Celso Furtado nasceu em 1920 na Paraíba, é Doutor em Economia pela Universidade da Sorbonne e fez pós-doutoramento na Universidade de Cambridge. Foi Ministro do Planejamento de governo de João Goulart e, voltando do exílio, foi Ministro da Cultura. Sua obra mais importante é Formação econômica do Brasil. 50 3 Educação/Conhecimento/Ação Uma vasta literatura nos informa que a violência surgiu com a civilização. Na natureza, as agressões sempre se dão por razões de sobrevivência – da espécie, no caso da luta entre machos pela conquista da fêmea; do animal isolado, quando faminto e com necessidade de saciar a fome. Mesmo nessas circunstâncias, são mantidos alguns rituais e condições, impostos como limites à violência. Ela é o oposto da natureza. É a imposição de uma vontade a outra vontade, pela força. É a desconsideração, a negação da condição humana do outro, portanto, da condição de sujeito ao outro. Como não há sujeito sozinho, isolado, alheio a algum tipo de sociabilidade, a violência tanto desumaniza o violentado, como o faz ao sujeito que pratica o ato violento. Portanto, é também um ato que nega a cultura como produção de um grupo de sujeitos, de seres humanos. Tratada, no âmbito das relações escolares, como sintoma a ser reprimido, para combater a violência chega-se mesmo a propor a realização de ações policiais dentro das escolas. A problemática da violência tem sido tratada, muitas vezes, como um mal em si, isolada de todo o tecido social que a constitui e sob uma mira de urgência de encontrar soluções eficazes no seu controle e extermínio, acabando por se produzir o que se teme; sua potencialização (Linhares, 1999, p.25). Como afirma Linhares, é preciso não compactuar com as tentativas de analisar essa questão desfocadamente de seus núcleos geradores, buscando tratar os sintomas, quando a doença social que lhe dá origem continua intacta. Prossegue a autora: Como não acredito que possamos exterminar qualquer dimensão da vida, para melhor usufruirmos de seus benefícios, preocupo-me em compreender e intervir nesta exacerbação de violências dentro da escola – como fruto e intercâmbio entre medos, agressividades, ausências de projetos coletivos e individuais, faltas de perspectivas habitadas pela esperança e preenchidas por reproduções e práticas banalizadoras da morte e da vida, mas também como expressões de buscas desesperadamente extraviadas de reconhecimento e afirmação da própria vida, produzidas fora e dentro das escolas (Linhares, 1999, p.25). Linhares contrapõe-se àqueles que consideram que todos os problemas do Brasil decorrem de aspectos educacionais. Essas pessoas estariam equivocadas ao propor, como solução para tais problemas, a implantação de ... processos escolares marcados por procedimentos empacotados para maquiar estatísticas, com que propagandeamos nossa imagem para consumo nacional e internacional. Pelo contrário, estou convencida de que uma Educação, uma Educação escolar que precisamos ir inventando e entrelaçando-a com uma rede – a mais ampla possível – de interdependências históricas, sociais, incluindo dimensões culturais e econômicas, saberes populares e teórico-tecnológicos, que vá, simultaneamente nos reinventando como sujeitos coletivos e individuais, pouco nos aproximaremos de uma sociedade abrangente, com tempo lugares, não só para todos, mas também para tudo que alimente a beleza e a solidariedade requeridas pela vida (Linhares, 1999, p.25). 51 Conhecimento e ação O compromisso social de quem atua com a formação humana supõe estar atento às múltiplas faces da questão. Se a violência nas relações educativas tem sido discutida de maneira veemente, como produção de uma sociedade que deixou de se respeitar, cabe também não esquecer a massacrante incidência da violência familiar (doméstica) que é tanto mais grave quanto mais “invisível” e, ao mesmo tempo, aceita (legitimada) socialmente, a tal ponto que certos atos violentos não são considerados como tais, tanto pelos sujeitos, quanto pelas vítimas. A violência simbólica discutida por Bourdieu (1975), como produto da imposição de uma cultura arbitrária, por meio de atores, práticas e instituições também arbitrariamente selecionados e destinados a tal função, tampouco pode ser esquecida, uma vez que perpassa todo o tecido social, forma consciências, condiciona práticas sociais, é naturalizada e cumpre, sempre, a missão de reproduzir a ordem social dominante, de maneira dissimulada e socialmente aceita. Outras leituras Se você quiser aprofundar a reflexão sobre as questões sociais da desigualdade, recomendamos a leitura de: ! ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995. ! ARRIGUI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. ! FURTADO, Celso. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. Violência simbólica – forma de poder exercida de modo sutil sobre os corpos, diretamente, e como por magia, sem qualquer coação física. A cultura desempenha, nesse caso, importante papel ao apresentar, difundir e incutir os interesses das classes dominantes como naturais e necessários à ordem social. De que forma as questões relacionadas à pobreza e à violência se apresentam no seu ambiente de trabalho escolar e dos serviços em saúde? Como essas questões são discutidas e tratadas em cada um desses espaços? Tendo em vista a sua realidade de atuação profissional, que tópicos você acrescentaria a esse texto que trata das dimensões socioculturais no processo educativo? Registre-os em seu Diário de Estudos e, se desejar, envie-os aos autores do módulo e ao seu tutor. 52 3 Educação/Conhecimento/Ação TEMA 3 Sujeito social e aprendizagem ... é necessário que [a psicologia do desenvolvimento] construa uma nova identidade em direção a uma outra forma de produzir conhecimento que devolva ao homem sua condição de sujeito e de, portanto, ser capaz de questionar e transformar as estruturas de “saber-poder” que o oprimem. (...) ... podemos afirmar a necessidade de assumirmos a tarefa de adotar um enfoque que caminhe simultaneamente em duas direções. A primeira direção seria redefinir a questão da temporalidade humana. A racionalidade capitalista despreza completamente o tempo dos homens; tempo total, integral, simultâneo; passado, presente e futuro fundidos em instantes de plenitude. A fragmentação dos homens em tempos estanques (infância – maturidade – velhice) trata o tempo humano como se este não fosse uma coisa total, unitária, simultânea. (...) A segunda direção é, pois, resgatar no homem contemporâneo o seu caráter de sujeito social, histórico e cultural. Ser sujeito é se colocar como autor das transformações sociais. Uma vez que a linguagem é o que caracteriza e marca o homem, trata-se de restaurar no interior da psicologia do desenvolvimento o lugar social dessa linguagem na constituição do sujeito e das próprias teorias que falam a respeito deste sujeito que fala. A linguagem é o local de produção de sentidos e o ponto para o qual ... a criatividade e pensamento crítico convergem. Portanto, o sentido plural da palavra é o caminho para o resgate daquilo que no homem é sujeito, no qual ele não se anula e nem se desfaz. Solange Jobim e Souza 55 Sujeito social e aprendizagem um forte componente físico-corporal apontado como de toda e qualquer adolescente, elas não são naturais ou decorrentes unicamente de um processo evolutivo orgânico. A vida adolescente e as necessidades em saúde relacionadas são, antes de mais nada, processos produzidos no âmbito das sociedades, definindo-se e modificando-se na interação com seus diversos componentes – econômicos, institucionais, político-éticos, culturais e físico- ambientais – em meio a dinâmicas de reprodução e criação. É no concreto da vida, na construção/reconstrução e apropriação ou não de seus bens e valores materiais e culturais, e na interação destes com processos somáticos, genéticos e físico-ambientais, que se definem os diversos modos de vida adolescente. As transformações que se realizam no período de vida convencionado adolescência abarcam distintos e integrados processos de desenvolvimento social, familiar, físico-pubertário, psico-emocional e intelectivo. Questões de saúde-doença relativas a esses componentes só podem ser adequadamente dimensionadas se forem situadas em contextos específicos e traduzidas com a participação de quem as vive. De modo geral, porém, certos problemas têm sido uma constante na vida de parte significativa de segmentos adolescentes brasileiros, como: ! pobreza; violências; trabalho precoce; afastamento escolar; ! conflitos familiares; sofrimentos psico-emocionais; uso de substâncias psicoativas; ! atrasos no desenvolvimento psico-intelectual; ! distúrbios ortopédicos, fonoaudiológicos, odontológicos, oftalmológicos; transtornos nutricionais e metabólicos; ! doenças crônicas como tuberculose, hanseníase, diabetes, câncer; ! violências corporais e sofrimentos no campo da sexualidade; exposição a doenças sexualmente transmissíveis e aids; maternidade/paternidade indesejada. Na estruturação dos cuidados em saúde e enfermagem, esses problemas – e outros – devem ser considerados. Ao mesmo tempo, as definições e encaminhamentos devem se pautar no reconhecimento dos processos sociais, institucionais, subjetivos e biológicos que se encontram na base da qualidade de vida dos vários segmentos adolescentes e que os tornam mais ou menos vulneráveis a agravos diversos em saúde. De que depende o desenvolvimento humano? As respostas a essa pergunta também têm sido polemizadas. Diferentes teorias tentaram e tentam responder à questão. Cada uma delas se apóia em diferentes concepções do homem e do mundo e sua presença no cenário científico depende de sua capacidade de explicar a realidade. Duas teorias mais tradicionais – a inatista e a ambientalista – perderam espaço para uma terceira, relativamente mais recente, a teoria interacionista. A concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos ocorridos após o nascimento do indivíduo não são essenciais ou importantes para o seu desenvolvimento. As qualidades e características básicas de cada ser humano – sua personalidade, suas capacidades, suas reações emocionais e mesmo sua forma de conduta social – já se encontrariam prontas e definidas por ocasião do nascimento, sofrendo pouca mudança qualitativa e quase nenhuma transformação ao longo da vida. O papel do ambiente no Você conhece o Projeto Acolher? Busque saber sobre ele, acessando o site do Ministério da Saúde: www.saude.gov.br. Interesse-se por conseguir a publicação que o descreve e fundamenta – Projeto Acolher. Adolescer: compreender, atuar, acolher – da Associação Brasileira de Enfermagem em co-edição com o Ministério da Saúde, em 2001. Como profissional da área de saúde, como você entende o desenvolvimento humano? Você concorda com os referencias que subsidiaram a descrição da enfermeira Edir? Justifique sua resposta. Se possível, faça suas anotações no Diário de Estudo. 56 3 Educação/Conhecimento/Ação desenvolvimento humano é mínimo. A posição inatista busca seus fundamentos sobretudo em duas fontes: a Teologia, que afirma ser o homem criado por Deus, por meio de um só ato, e de forma definitiva. O destino individual de cada pessoa já estaria determinado pela “graça divina”. A outra fonte é de caráter biológico, baseada sobretudo em pretensos achados e estudos da Embriologia. Segundo esta ciência, afirmam os inatistas, o desenvolvimento se processaria em seqüências invariáveis, reguladas por fatores endógenos, isto é, de origem interna. Supunha-se que o desenvolvimento intra-uterino do bebê ocorria em um ambiente relativamente estável, constante e isolado de estímulos e influências externas. Estas idéias da Embriologia, no entanto, não têm confirmação nos dados das pesquisas mais recentes: estas indicam que, assim como o ambiente interno tem um papel relevante no desenvolvimento do embrião, o ambiente externo é fundamental para o desenvolvimento pós-natal. A teoria inatista produziu uma visão rígida, discriminatória e autoritária do homem, além de pessimista, sobretudo para a educação de crianças e jovens. Leva à conclusão de que, se o homem “já nasce pronto,” pouco ou nada pode ser aprimorado ou alterado naquilo que inevitavelmente virá a ser. Além do mais, esta concepção conduz a preconceitos e posições radicais contra minorias e pessoas pouco dotadas, as quais, na impossibilidade de serem recuperadas, só lhes resta serem excluídas ou eliminadas. A concepção ambientalista atribui um imenso poder ao ambiente no desenvolvimento humano. Concebe o homem como um ser extremamente plástico, que desenvolve suas características de acordo com as condições presentes no meio em que se encontra. O ambientalismo deriva da corrente filosófica denominada empirismo, que adota a experiência sensorial como fonte do conhecimento. Segundo o empirismo, alguns fatores humanos estão associados a outros, de modo que, ao se identificar tais associações, é possível promover modificações e manipulações. Em Psicologia, a corrente ambientalista se corporificou no Behaviorismo (do inglês behavior = comportamento) e o seu grande representante é B. J. Skiner. A concepção ambientalista teve o mérito de chamar a atenção para a importância das condições externas no processo de desenvolvimento, educação e aprendizagem do ser humano, sobretudo da criança. Para o processo de ensino-aprendizagem, valorizou o papel do professor, chamou a atenção para a importância do planejamento do ensino e dos vários recursos que favorecem um bom resultado, como elogios, incentivos, além de motivação positiva. Os efeitos negativos da concepção ambientalista se verificaram sobretudo na educação, ao entendê-la apenas como tecnológica e programada. Mas a principal crítica ao ambientalismo é feita a partir da sua própria visão de homem, entendido como totalmente passivo, face ao meio e passível de ser manipulado e controlado pela simples alteração das condições em que se encontra. “Pau que nasce torto morre torto.” Analise esse ditado popular, que expressa tipicamente a concepção inatista de desenvolvimento humano, considerando os reflexos desse modo de pensar na prática escolar. 57 Sujeito social e aprendizagem O interacionismo afirma que o desenvolvimento resulta da ação recíproca entre o organismo e o meio. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças recíprocas, isto é, o indivíduo muda com o meio, mudando-o. Dessa interação entre fatores internos e externos vão resultando as características do indivíduo. No processo de aquisição do conhecimento, o interacionismo sustenta que o conhecimento é construído pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando pronto ao nascer (conforme defende o inatismo) nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio (conforme sustenta o ambientalismo). Atribui especial importância ao fator humano presente no meio social. É por meio da interação com outras pessoas, adultos ou crianças, que o indivíduo vai construindo suas características (maneira de agir, pensar e sentir). Duas correntes interacionistas se destacam atualmente no meio científico, sobretudo educacional: a epistemologia genética de Piaget e a teoria sócio-histórica de Vygotsky. Estas duas teorias apresentam muitos pontos de contato e algumas diferenças. Têm como ponto de concordância, entre outros, o fato de ambas sustentarem que o desenvolvimento e a aprendizagem resultam da ação simultânea e necessária dos fatores individuais e dos fatores sociais. Têm como ponto de diferença, entre outros, a questão da prevalência destes dois fatores: enquanto Piaget privilegia os fatores internos, individuais e genéticos, Vygotsky prioriza os fatores externos, sociais e adquiridos. A concepção interacionista está hoje recebendo cada vez mais atenção e destaque, por apresentar explicações mais seguras e contribuições mais fecundas e promissoras, sobretudo no campo específico da educação, do processo de ensino-aprendizagem e das relações que se estabelecem na sala de aula. O desenvolvimento do indivíduo se dá, portanto, na interação entre a bagagem biológico-hereditária e a bagagem cultural, própria do grupo que acolhe o ser humano. Esse desenvolvimento é mediado, em primeira instância, pelos grupos sociais mais próximos do indivíduo e, em uma dimensão maior, pelas instituições que neles coexistem. Duas instituições, por sua antigüidade e universalidade na história da humanidade, ocupam lugar destacado. São elas, em primeiro lugar, a família e, depois, a escola. Como instituições produzidas pela humanidade em seu percurso histórico, tanto uma quanto a outra sofreram mudanças. Atualmente, considera- se que ambas vivem uma profunda situação de crise, tanto na sua organização estrutural, quanto no exercício de suas funções, que lhes chegam em razão das transformações no contexto social mais amplo. Analisar alguns aspectos das funções de ambas pode ajudar a questionar o que nelas está se modificando. Funções da família Admite-se que a família tem um papel central no desenvolvimento das pessoas, especialmente da criança e do jovem, mas também na idade adulta. Em geral cabe a ela proteger os seus membros e favorecer a inserção deles na cultura do grupo social de convívio. Tradicionalmente, constituíram-se funções ou responsabilidades da família: ! o oferecimento de cuidados e proteção, garantindo subsistência em condições dignas. Quando, por qualquer razão, esta responsabilidade não Se você quiser saber um pouco mais sobre o pensamento de Piaget e Vygotsky a respeito da relação entre desenvolvimento humano e aquisição de conhe- cimento, recorra à leitura do texto complementar no 1, que se encontra logo após o Tema 3. 60 3 Educação/Conhecimento/Ação ! resolução – capacidade para aplicar os elementos anteriores, compartilhando o tempo e recursos especiais e materiais de cada membro da família. As famílias representam um sistema dinâmico e, por isso, em constante transformação. Ao abordá-la, enquanto alvo da atenção de saúde, os profissionais devem considerar esse movimento e a diversidade de modelos que se apresentam, já que cada um pode estar caracterizado por situações e necessidades bastante peculiares. Nas últimas décadas houve um crescimento significativo de famílias chefiadas por mulheres. O processo de pauperização em nossa sociedade tem agravado a situação de falta de moradia, experienciada por um grande número de pessoas nos diversos pontos do país. Estas são consideradas famílias em situação de vulnerabilidade e exclusão social, as quais sobrevivem apesar das condições adversas e sem o suporte do Estado. Não conseguem mais se sustentar enquanto grupo e seus membros são, muitas vezes, obrigados a se separarem em busca de alternativas de vida. Não se pode responsabilizá-las ou culpabilizá-las unicamente por não dispor das condições de que precisam para o cuidar de suas crianças e adolescentes, pois também são vítimas da injustiça social. É imprescidível que se entenda que o sistema de desigualdades que vem se construindo destrói não apenas as pessoas, as famílias, mas toda a sociedade. Fragmentos extraídos do texto A família brasileira, do Projeto Acolher, publicação do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Enfermagem (2001). O homem como um ser capaz Todas as pessoas possuem capacidade para realizar atos e produzir fatos. No entanto, essa capacidade difere de uma para outra pessoa. E a própria pessoa tem diferentes capacidades. Portanto, existem diferenças tanto no campo interindividual quanto intra-individual. Ninguém tem elevado grau de desempenho em todas as habilidades. Geralmente se destaca em algumas, enquanto em outras, não. As diferentes capacidades humanas podem se modificar ao longo da vida. O exercício e o empenho podem aumentá-las. O desinteresse e o desuso tendem a reduzi-las ou, até mesmo, embotá-las. Em psicologia, o estudo dessas características foi tradicionalmente denominado de teoria das aptidões específicas. A partir das contribuições de Piaget, que definiu inteligência como a capacidade do indivíduo em solucionar problemas e situações concretas, as capacidades específicas passaram a ser denominadas de inteligências múltiplas. Reúna-se com seu grupo de estudo e de trabalho e discutam a respeito de como a família vem sendo considerada nas medidas/ ações assistenciais em saúde no país. Procurem resgatar os princípios que orientam tais medidas/ações. Como o grupo se posiciona em relação a eles? Pensem em como essa temática tem sido desenvolvida na formação dos técnicos de enfermagem. Como ela deveria acontecer em termos de saberes e práticas? 61 Sujeito social e aprendizagem Atualmente, baseados em pesquisas e estudos a respeito, alguns autores propõem os seguintes tipos de inteligência: ! lingüística ou verbal (facilidade com palavras e mensagens lingüísticas); ! espacial (facilidade de perceber formas e objetos no espaço); ! lógico-matemática (facilidade para o cálculo, números, raciocínio exato e pensamento lógico); ! musical (facilidade de identificar diferentes sons e suas nuances); ! cinestésica corporal (capacidade de usar de maneira hábil o próprio corpo); ! pictórica (capacidade de expressão por meio do traço, do desenho, das cores); ! inteligência naturalista (sensibilidade e atração pelo mundo da natureza, admiração por paisagens e cenas naturais); ! inteligência interpessoal e intrapessoal (capacidade de perceber os próprios estados interiores e os dos outros, e de interagir). As capacidades específicas têm muita relação com o exercício profissional. Quando o trabalho tem afinidade com as capacidades próprias de cada um, há maiores chances de realização prazerosa e motivação pessoal. A importância de considerar as capacidades humanas, sob o olhar da psicologia, não nos dispensa de que o façamos tendo presente os aspectos culturais, sociais, políticos. Essas capacidades não se isolam do contexto social em que são desenvolvidas. E isso vem sendo problematizado desde o início do tema. O ser humano, além de possuir, adquirir e aperfeiçoar capacidades, apresenta e constrói diferenças em relação aos outros. Um dos aspectos responsáveis por essa permanente diferenciação individual é o processo de aprendizagem. Ao aprender, o homem muda. Sempre que o homem aprende, algo se produz nele. Aprender é transformar-se. O homem como um ser que aprende Embora aprender seja um dos fatos mais triviais do comportamento humano – talvez, justamente por isso –, é difícil de ser definido e explicado. Existem inúmeros conceitos e teorias da aprendizagem. Geralmente diferem entre si por partirem de pressupostos e concepções filosóficas diferenciadas do homem e do mundo. O que se observa em uma criança é que para que ela aprenda, precisa interagir com outros seres humanos, especialmente com adultos e/ou crianças mais experientes. Esta observação também vale para o jovem e o adulto. Nas diversas interações em que se envolvem desde o nascimento, meninos e meninas, moças e rapazes, mulheres e homens vão gradativamente ampliando suas formas de lidar com o mundo e compreendendo os significados que coisas e ações possuem. Levando em conta essa permanente interação, pode-se admitir que a aprendizagem é o processo por meio do qual o ser humano (criança, jovem ou adulto) se apropria ativamente do conteúdo da experiência humana, daquilo que seu grupo social conhece, sente e faz. Pense sobre capacidades específicas necessárias ao enfermeiro(a). Que tipos de habilidades são importantes nessa profissão? Como elas podem ser desenvolvidas? Registre sobre isso no seu Diário de Estudo, pois mais adiante, neste Curso, será importante rever essas anotações em função do debate sobre competências na educação profissional. 62 3 Educação/Conhecimento/Ação O ser humano, enquanto realidade existente, é capaz de estabelecer relações com outras realidades, existentes fora dele. Para apropriar-se delas, precisa identificar suas características, propriedades e finalidades. Essa apropriação é, portanto, um processo de gradativa interiorização, resultante de participação ativa do sujeito. Geralmente, esse processo passa pela ajuda direta de outra pessoa que, por ter antes dele se apropriado daquela realidade, tem condições para apoiar e orientá-lo sobre o modo de proceder perante novos objetos ou situações. É verdade também que, ao apropriar-se da realidade, são construídos conceitos, idéias e significados sobre os objetos. Assim, na interação com a realidade e com o outro – que já tem a experiência de sua apropriação –, precisa-se ter presente que já há, sobre o objeto, conceitos, idéias e significados de outros. No entanto, o processo interior de participação ativa de quem aprende é indispensável para que ocorra a apropriação do conteúdo e, conseqüentemente, a transformação do sujeito da aprendizagem. Que condições, então, viabilizam a aprendizagem? Jean Piaget, por exemplo, que estudou essa questão em crianças (o que não nos impede de, a partir daí, observar e analisá-la em relação a jovens e adultos), aponta quatro condições para que a aprendizagem ocorrra: 1– A maturação ou o crescimento fisiológico das estruturas orgânicas. Embora biólogo por formação, Piaget é interacionista. Ele não é um maturacionista que considere ser a aprendizagem decorrência ou simples reflexo da maturação biológica. A maturação fornece apenas uma “condição de possibilidades” de aprender. Por exemplo: uma criança muito pequena não é capaz de aprender a caminhar porque não dispõe das estruturas orgânicas suficientemente amadurecidas para suportar seu próprio peso corporal ou para conseguir o equilíbrio vertical. Entretanto, à medida que cresce e se dá a maturação, torna-se competente e capaz de aprender essa e outras novas atividades. 2– A experiência física ou empírica. Esta resulta do contato com os objetos. Por exemplo: ao brincar com barquinhos na água, contar objetos, soltar pipas, levantar pesos, rolar bolas, etc., a criança constrói dois tipos de conhecimentos: ! o conhecimento físico, apreendendo as qualidades e características dos objetos, o que lhes acontece e como se movimentam. Por exemplo: a bola é redonda, é lisa, é macia, é leve e também rola ou quica no chão. Ou, então, o gelo é frio, duro, pesado e derrete. Ou, então, o açúcar é doce, derrete-se na boca e a areia, não. ! em segundo lugar, a criança constrói o que Piaget denomina de conhecimento lógico-matemático: à medida que age sobre os objetos, estabelece relações lógicas entre eles. Por exemplo, mais alto, mais baixo, 65 Sujeito social e aprendizagem que a estrutura cognitiva passe a operar. E mais, influencia a velocidade com que se constrói o conhecimento, pois quando a pessoa se sente emocionalmente segura e tranqüila, aprende com mais facilidade e mais rapidamente. Piaget ilustra a relação da inteligência com a emoção utilizando uma interessante analogia extraída do funcionamento de um automóvel. Diz que há motor e combustível. Para funcionar, o carro necessita, além de um bom motor, de combustível adequado. O ser humano, para aprender, precisa, além do motor da inteligência, da energia proveniente de um combustível apropriado, isto é, a emoção. Esta funcionaria dando impulso e potência à inteligência. Etimologicamente a palavra vem do latim, do verbo movere, o que move ou provoca movimento. A emoção é, portanto, fundamental componente nas ações humanas. Influencia a escolha de objetivos a serem perseguidos, bem como a avaliação e valorização de certos dados, eventos ou situações vividas. Assim, em função do amor, ódio, medo, alegria, tristeza, o indivíduo é levado a procurar – ou evitar – objetos, pessoas ou circunstâncias. A emoção tem um forte poder de expressividade e comunicação. Isto significa que, ao mesmo tempo que é difícil esconder estados emocionais, é fácil perceber o que se passa com uma pessoa, por suas reações, aparência ou expressões emocionais. Na atividade escolar, especialmente no processo de aprendizagem, constata-se, de forma muito evidente, a relação entre inteligência e emoção. Os conteúdos são mais facilmente compreendidos e assimilados quando o aluno está emocionalmente tranqüilo, equilibrado e ajustado ao clima do processo de aprender. Quando os níveis emocionais, especialmente os carregados de sentimentos negativos, se elevam sobremaneira, a situação de aprendizagem tende a ser prejudicada, pois esses sentimentos absorvem a energia que o aprendiz poderia canalizar para a aquisição do conhecimento, desviando-a para o controle do estado emocional. A emoção também define a relação que o aluno estabelece com as disciplinas e áreas de estudo. Quando é positiva, o rendimento tende a ser melhor, mesmo com menor empenho. Quando é negativa, a situação tende a se inverter: não gera empenho e, conseqüentemente, não há rendimento. Na interação professor–aluno, os fatores cognitivos e emocionais exercem influência recíproca. Especialmente os fatores emocionais de caráter afetivo. Através dessa interação, tanto os alunos como o professor vão construindo percepções, imagens, sentimentos em relação ao interlocutor, conferindo-lhes determinadas características, intenções e significados. Esses resultados irão determinar o tipo de relação entre os atores da ação pedagógica e, no caso específico do aluno, a influência vai estender-se aos próprios conteúdos ensinados pelo professor. Cria-se, assim, uma espécie de vínculo e um conjunto de expectativas recíprocas, que podem ser facilitadoras ou inibidoras do processo de ensino-aprendizagem. Para que a interação professor–aluno possa levar à construção de conhecimentos, a interpretação que o professor faz do comportamento dos alunos é fundamental. Ele precisa estar muito atento ao fato de que existem 66 3 Educação/Conhecimento/Ação muitas significações possíveis para os comportamentos assumidos por eles, buscando verificar quais delas traduzem as intenções originais e verdadeiras. Relacionada a este aspecto está a questão da motivação. É comum deparar-se com a queixa de muitos professores de que seus alunos não têm o menor interesse em aprender. “É um jovem inteligente, mas não quer nada com o estudo”, ou “ tentei de tudo com esse aluno, mas não quer nada com o estudo”, ou ainda “não sei o que fazer para que esse aluno se interesse.” Tudo isso é dito e escutado freqüentemente. Em decorrência, comumente surge a pergunta: “o que posso fazer para esse aluno estudar?” Para responder a essa questão é fundamental saber o que existe no contexto imediato ou remoto, que define o significado da atividade escolar para o aluno, que se torne motivante para alguns alunos, ou para um aluno em determinados momentos, e desmotivante para outros e por quê (Tapia, In Salvador, 1996). Em outras palavras e de maneira mais explícita, por que os conteúdos e o modo como são apresentados, as tarefas e o modo como são propostas, a maneira de organizar a atividade, o tipo e forma de interação, os recursos, as mensagens do professor, a avaliação – quem a faz, de que forma e em que contexto é feita – algumas vezes motivam os alunos e outras não? Todos os aspectos acima mencionadas informam o aluno, de um modo ou de outro, a respeito de muitas coisas: o que se pretende conseguir (metas); o que de atrativo ou de aversivo possui isso para ele; que possibilidades se apresentam para conseguir o objetivo proposto; qual o custo, a vantagem ou desvantagem, o proveito ou desgaste para ele; enfim, idéias que vão gerar motivação, ou seja, aceitação ou rejeição da tarefa, persistência na sua realização ou desistência. Nas atividades de aprendizagem, é importante identificar quais os motivos de desenvolvê-las e como devem ser realizadas. No que se refere aos motivos, pesquisas têm indicado como mais relevantes o incremento da própria competência do aluno e a ênfase na responsabilidade pessoal, juntamente com o desenvolvimento da consciência de interdependência e de trabalho participativo. Em relação à forma de desenvolvimento, parece mais válido o professor: ! estimular mais o processo de realização da atividade do que o resultado; ! fazer o aluno comparar as próprias conquistas com as suas anteriores, mais do que com as dos colegas; ! despertar no aluno a consciência do valor da cooperação com os outros e de compartilhar os resultados conquistados. 67 Sujeito social e aprendizagem A relação professor–aluno Certamente, a sala de aula não é um lugar qualquer, igual aos demais, onde se fala de qualquer coisa e se desenvolvem atividades comuns e triviais; é um lugar especial e a relação entre professor e aluno é algo peculiar. A relação professor–aluno é uma via de mão dupla: inclui a ação e influência do professor sobre o aluno, e também deste sobre o professor. A ação do professor desperta a reação dos alunos que, por sua vez, influem no professor e desencadeiam nele determinado estilo de conduta para com a turma ou em relação a cada aluno em particular. Os profissionais do magistério vivem essa realidade a cada período letivo e em cada turma. Nenhuma turma é igual a outra, nenhum período é igual a outro. Por outro lado, cada turma sente os seus professores de maneira diferente. Embora a turma seja a mesma, suas reações são diferenciadas, segundo os modos de agir dos professores, que, por sua vez, desencadeiam por parte dos alunos diferentes graus de interesse, colaboração, respeito e até de rendimento escolar. Como em toda relação interpessoal – e, principalmente, quando ela ocorre em contexto coletivo –, a dinâmica interativa não obedece a padrões rígidos de causa e efeito. Mesmo quando conseguimos mapear ações e reações típicas, é necessário considerar as diferentes histórias de construção de conceitos, idéias e significados. Neste sentido, se é verdade que a investigação sobre a relação pedagógica tem se tornado freqüente e qualificada, é também verdade que ela ainda não deu conta de apresentar argumentos suficientes para explicar esta fundamental interação entre docente e discente, entre educador e educando. Se analisarmos a questão a partir do educador ou docente, encontraremos autores que atribuem maior peso aos traços de personalidade ou de “caráter” do professor, enquanto outros às suas atitudes ou atos praticados. Os primeiros sustentam que o fator determinante da relação do professor com o aluno são os traços de caráter do docente, entendendo como traços de caráter certas maneiras, constantes e espontâneas, de agir e reagir da pessoa, frente a situações ou circunstâncias da vida. Basicamente, essas reações são marcas pessoais, mantendo, de modo geral, as mesmas características no decurso da vida do indivíduo. No caso do professor, certamente estes fatores influenciam de forma subjacente o seu comportamento. Já os outros sustentam que, mais do que os traços de personalidade, são os atos e as reações do educador que influem na relação com o aluno. Assim, o que vale são as atitudes e os atos que o professor pratica no desempenho de seu papel de professor. E argumentam a partir de duas constatações: em primeiro lugar, os alunos, especialmente as crianças e os jovens, têm uma percepção concreta e objetiva das pessoas, pensando e julgando mais a partir de fatos e atos, do que a partir de idéias, abstrações e concepções. Em segundo lugar, argumentam que, na prática profissional, importa mais o que se faz (controlamos isso melhor) do que a maneira de ser (é mais difícil de mudar e, além disso, 70 3 Educação/Conhecimento/Ação As autoras apresentam no capítulo Concepções de desenvolvimento as principais teorias do desenvolvimento humano – inatismo, ambientalismo e interacionismo –, apontando as implicações que cada uma delas tem no campo educativo e manifestando nítida opção pela posição interacionista. ! COLL, Cesar et alii. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1999. O professor Cesar Coll, da Universidade de Barcelona, apresenta, no capítulo 8 desse livro, Nível de desenvolvimento e as relações com o ambiente físico e social: o ponto de vista de Piaget, um estudo detalhado da psicologia genética de Piaget, chamando a atenção do leitor para a prioridade e a ênfase que esta posição teórica dá aos fatores genéticos, em detrimento dos fatores educativos, no processo de desenvolvimento humano. No capítulo 9, O desenvolvimento das funções psicológicas superiores: o ponto de vista de Vygotsky, é feita uma apresentação detalhada dos fatores que, no entender dos adeptos de Vygotsky, são responsáveis pelo desenvolvimento humano, enfatizando a importância atribuída aos fatores sociais, em especial, à educação. ! COLL, Cesar (org.). Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1996. No capítulo 17, A interação professor–aluno no processo de ensino/ aprendizagem, Cesar Cool e Isabel Solé, professores da Universidade de Barcelona, apresentam, inicialmente, uma perspectiva histórica da relação professor-aluno, para, a partir do enfoque evolutivo, elaborarem uma nova conceituação dessa relação, bem como os desafios que a nova proposta enfrenta. Em síntese, a nova conceituação da relação professor–aluno propõe, em substituição à posição que privilegiava a figura e a eficácia do professor, a ênfase no processo de interação entre os dois protagonistas do processo de ensino e aprendizagem, a saber, o aluno e o professor. ! ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos. Campinas, SP: Ed. Papirus, 1998. Celso Antunes é professor da PUC/SP e da Universidade São Judas, SP. Autor de mais de 170 livros e de inúmeros ensaios e crônicas sobre geografia, ensino e educação. Há mais de dez anos pesquisa as inteligências múltiplas. Nos capítulos 4 e 5, respectivamente intitulados O que significa “janelas das oportunidades”? e O que são inteligências múltiplas?, apresenta o conceito hoje atribuído à inteligência, sobretudo por Gardner, e os vários tipos de inteligência, com suas características, adotados por essa corrente psicológica. ! GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas; a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1996. 71 Textos Complementares Texto complementar no 1 Conhecimento e desenvolvimento humano: as contribuições de Piaget e Vygotsky Poderá ser bastante útil conhecer o pensamento – ao menos os aspectos mais importantes – de dois eminentes pensadores do século XX, que direcionaram seus estudos sobre dois temas: o processo de desenvolvimento humano e o processo de aquisição do conhecimento, chegando a conclusões diferentes, mas não opostas. São eles: Jean Piaget (1896-1980) e Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934). Piaget e Vygotsky: desenvolvimento pessoal e educação Com o decorrer dos anos, as pessoas mudam. Essas mudanças, em todo o ciclo vital, são uma evidência. A explicação dessa evidência – em que, como e por que se produzem essas mudanças –, no entanto, não é, de nenhuma maneira, simples, nem unânime. Uma das questões que reiteradamente se coloca nesta tentativa de explicar os processos de mudança do homem é a que se refere às relações entre o desenvolvimento humano e a educação. Existe algum tipo de relação entre o desenvolvimento do homem – sobretudo no seu aspecto psicológico – e as práticas educativas? As mudanças que se produzem nas pessoas podem prescindir da participação dos processos educativos? Na realidade, a discussão sobre as relações entre o desenvolvimento humano – sobretudo psicológico – e a educação não deixa de ser o reflexo e a continuação do antigo problema das relações entre o biológico e o social , entre natureza e cultura, profundamente ligado às correntes e reflexões filosóficas que tentam explicar o comportamento humano. Somos o resultado daquilo que a natureza e a biologia fizeram de nós ou somos um produto do nosso meio social e cultural? As diferenças entre as pessoas são produto de sua herança genética ou têm sua origem na diversidade social e cultural dentro da qual vivem? A resposta a essas questões têm inúmeros desdobramentos e levam às mais diferentes conseqüências, gerando perguntas como: a nossa inteligência pode ser modificada em determinadas condições ambientais? A fantástica influência da tecnologia e dos meios atuais de comunicação, bem como as mudanças nas estruturas sociais de hoje, especialmente na família, podem afetar o desenvolvimento das crianças e dos jovens? Os programas educativos podem ajudar a compensar as diferenças entre as pessoas? Pode-se esperar que as pessoas que apresentam condutas socialmente anômalas possam modificá-las para viver integradas na sociedade? Como foi dito acima, essas questões são antigas e já foram exaustivamente abordadas e discutidas pelos mais diversos ramos do conhecimento, da pesquisa e da reflexão humana. Mais recentemente, no decurso do século XX, surgiram duas correntes de pensamento, que, por sua consistência e coerência, se consolidaram como marcos teóricos, propondo-se a elucidar os aspectos relacionados às questões acima mencionadas. 72 3 Educação/Conhecimento/Ação Posição de Piaget Como interacionista, Piaget admite a presença simultânea e decisiva dos fatores internos e externos no processo de desenvolvimento pessoal do ser humano. Mas, sua posição se tipifica e assume um caráter peculiar a partir do momento em que decide atribuir peso decisório a estes dois fatores. Resumidamente, Piaget sustenta que o desenvolvimento é um processo necessário, isto é, implica mudanças globais das pessoas; essas mudanças geralmente tornam-se duradouras e irreversíveis. As mudanças decorrentes do desenvolvimento são universais, isto é, são comuns a todos os membros da espécie humana, guardando certa independência dos contextos físicos e sociais concretos em que os indivíduos se desenvolvem. Desenvolvimento é um processo natural e espontâneo, fora da consciência e controle da pessoa, paralela e fundamentalmente dirigido por fatores de natureza endógena e individual, apoiados sobre princípios de base biológica. Dessas premissas piagetianas, pode-se de imediato perceber que o eminente investigador suíço atribui papel secundário à relação e à interação com outras pessoas como fator explicativo do desenvolvimento. Uma simples leitura dos escritos de Piaget permite obter uma primeira conseqüência imediata sobre a sua posição em relação ao papel da educação nos processos de mudança evolutiva do homem: as práticas educativas, embora tenham um certo papel ou uma certa influência, não se constituem em base do desenvolvimento humano. Sobre a influência do ambiente social e da educação, o próprio Piaget assim se pronuncia: Pode-se comprovar em seguida a sua importância, se levarmos em conta que estágios (...) são acelerados ou atrasados na metade das suas idades cronológicas, segundo o ambiente cultural e educativo. Porém, pelo simples fato que os estágios seguem a mesma ordem seqüencial em qualquer ambiente, é o bastante para demonstrar que o ambiente social não pode explicá-las totalmente (1981). Assim sendo, pode-se afirmar que Piaget considera a educação como um fator do processo de desenvolvimento, enquanto, de fato, tem poder de facilitar ou dificultar as mudanças evolutivas, influenciando no sentido de que essas mudanças surjam mais cedo ou mais tarde no tempo. Pode-se dizer que o ponto central da teoria de Piaget, no que se refere à questão da relação do desenvolvimento pessoal com a educação, é que as mudanças verificadas nesse processo ocorrem de forma relativamente independente das práticas educativas nas quais a pessoa esteja envolvida. 75 ! enquanto Piaget atribui um papel relativamente secundário às práticas educativas em relação ao processo de desenvolvimento humano, é impressionante o interesse que sua obra despertou na área da educação, bem como o enorme volume e a grande diversidade de tentativas de aplicação da sua teoria às práticas educativas. Esta influência verificou-se nas mais diversas áreas da atuação educativa e pedagógica, chegando a despertar propostas concretas de trabalho na sala de aula. Esse paradoxo parece evidenciar a complexa integração dos fatores internos e externos responsáveis pelo desenvolvimento humano, os quais, embora atuando de forma diversa, no entanto, sempre estão presentes. Texto complementar no 2 Constituindo o conhecimento na história e na cultura Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu na Bielorússia em 5 de novembro de 1896. Graduou-se em Direito, pela Universidade de Moscou, dedicando-se, posteriormente, à pesquisa literária. Entre 1917 e 1923 atuou como professor e pesquisador no campo das Artes, Literatura e Psicologia. A partir de 1924, em Moscou, aprofundou sua investigação junto à Psicologia, enveredando também no campo da Educação de deficientes. No período de 1925 a 1934, desenvolveu, com outros cientistas, estudos nas áreas de Psicologia e anormalidades físicas e mentais. Ao concluir outra formação, em Medicina, foi convidado para dirigir o Departamento de Psicologia do Instituto Soviético de Medicina Experimental. Faleceu em 11 de junho de 1934. A circulação de suas obras foi proibida durante muito tempo na União Soviética, porque, embora fosse um militante do Partido Comunista, ele ressaltou o aspecto individual de formação da consciência. A concepção histórico-cultural O contexto social vivido por Vygotsky e seus colaboradores, especialmente Luria e Leontiev, influenciou decisivamente os seus estudos. Participando de um momento conturbado da História, a Revolução Comunista, na Rússia, o foco de suas preocupações foi o desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, como resultado de um processo sócio-histórico. É interessante destacar que este grupo utilizou, em suas pesquisas, uma abordagem interdisciplinar – considerando-se as diferentes formações do próprio Vygotsky – o que para nós, educadores, se reveste de grande importância, porque traz para o campo educacional uma visão integrada de conhecimentos. Para Vygotsky, as origens da vida consciente e do pensamento abstrato deveriam ser procuradas fora do organismo, nas condições de vida social, nas formas histórico-sociais da vida humana e não, como muitos acreditavam, no mundo espiritual e sensorial do homem. Deste modo, deve- se procurar analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior dos indivíduos, a partir da interação destes sujeitos com a realidade. A origem das mudanças que ocorrem no homem, ao longo do seu desenvolvimento, está, segundo seus princípios, na Sociedade, na Cultura e na sua História. Este é um fragmento de um conjunto de textos da proposta Multieducação, desenvolvida pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Integra o volume 2, publicado em 1994. O processo de desenvolvimento O referencial histórico-cultural apresenta, portanto, uma nova maneira de entender a relação entre sujeito e objeto, no processo de construção do conhecimento. Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), para Vygotsky, esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimentos e se constitui a partir de relações interpessoais. É na troca com outros sujeitos que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social – relações interpessoais – para o plano individual – elaboração interna. Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky, não é apenas passivo, regulado por forças externas que o vão moldando; não é somente ativo, regulado por forças internas; ele é interativo. Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura. A história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa construção se fazem presentes: os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar. Estão presentes nessa construção, a história e a cultura de outros indivíduos com quem a criança se relaciona, em outras instituições, como, por exemplo, na escola. Mas, não devemos entender este processo como um determinismo histórico e cultural em que, passivamente, a criança absorve determinados comportamentos para reproduzi-los, posteriormente. Ela participa ativamente da construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e imprimindo modificações nos demais sujeitos que com ela interagem. A relação entre desenvolvimento e aprendizagem Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky, é a aprendizagem que favorece o desenvolvimento das funções mentais: O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer (Vygotsky, 1987, p.101). Esse aprendizado se inicia muito antes da criança entrar na escola, pois desde que nasce e durante seus primeiros anos de vida, encontra-se em interação com diferentes sujeitos – adultos e crianças – o que vai lhe permitindo atribuir significados a diferentes ações, diálogos e vivências. Vamos citar um exemplo: uma criança de três anos de idade convive numa família, onde a escrita e a leitura são práticas cotidianas e valorizadas. Tanto quanto os outros membros da família, ela tem acesso a lápis, canetas e papel. O que acontece então? Ela “escreve”, e muito. Rabisca, desenha e submete esta “escrita”, orgulhosamente, à aprovação de todos. Ela “lê” o que “escreve” e os outros também “lêem” as suas “escritas”. É nesta atividade espontânea e prazerosa que esta criança começa a descobrir o significado da linguagem escrita. Podemos dizer que esta forma de escrever, constitui uma aprendizagem facilitadora à apropriação da escrita convencional. Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criança à escola seja importante para o seu desenvolvimento, Vygotsky atribui um valor significativo à aprendizagem escolar que, no seu dizer, produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança (1987, p.95). Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, em Vygotsky, torna-se necessária a compreensão do conceito de zona de desenvolvimento proximal. Segundo este autor, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectar o nível de desenvolvimento real do indivíduo, ou seja, aquele que revela a possibilidade de uma atuação independente do sujeito. Um exemplo desta preocupação pode ser encontrada entre os psicólogos que utilizam testagens, ou que se apóiam em escalas, visando detectar o nível de desenvolvimento do sujeito. Que atitudes esses profissionais adotam? Durante as testagens ou observações que fazem, assumem uma posição neutra, distante, sem oferecer qualquer tipo de ajuda. Medem o desempenho observado ao final do processo, procurando compatibilizar erros e acertos, mas não consideram o processo vivenciado pelo indivíduo na resolução de problemas. Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o nível de desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos momentos de avaliação. Não é difícil encontrar professores que, ao fazerem uma análise da turma, argumentam: – Fulano é ótimo aluno, nunca pede ajuda para realizar suas tarefas! Muitos professores, ao aplicarem suas provas, exigem que os alunos as realizem sozinhos, sem discutirem as questões com ele, professor, ou com os colegas. Esse tipo de avaliação leva em conta apenas o produto, ou seja, o que os alunos conseguem responder e não como conseguiram chegar às respostas. Perde- se, assim, a oportunidade de observar que muitas questões não respondidas, ou que apresentam respostas “erradas”, se realizadas com a mediação do professor, ou a de colegas mais experientes, teriam tido respostas positivas. Daí porque Vygotsky aponta a existência de um outro nível de desenvolvimento – o proximal ou potencial – que, tanto quanto o nível real, deve ser considerado na prática pedagógica. Quando alguém não consegue realizar sozinho determinada tarefa, mas o faz com a ajuda de outros parceiros mais experientes, está nos revelando o seu nível de desenvolvimento proximal. (...) O nível de desenvolvimento mental de um aluno não pode ser determinado apenas pelo que consegue produzir de forma independente; é necessário conhecer o que consegue realizar, muito embora ainda necessite do auxílio de outras pessoas para fazê-lo. (...) 80 3 Educação/Conhecimento/Ação 80 Questionando para Aprender a Conhecer Síntese No desenvolvimento deste módulo, cujo objetivo é o de caracterizar a produção do conhecimento como elemento fundamental no desenvolvimento de todo o fazer humano, em particular da prática pedagógica, trouxemos aspectos filosóficos, sociológicos e psicológicos para fundamentar nosso entendimento. 1 – Ao desenvolver o primeiro tema, abordamos a questão do conhecimento, a partir de um enfoque filosófico-epistemológico, caracterizando, através da figura dos diversos “olhares”, as maneiras diferenciadas com que a humanidade vem entendendo e se apropriando do processo de conhecer. O olhar essencialista ou metafísico considera que o conhecimento ocorre porque a razão humana é capaz de apropriar-se da essência das coisas, seja por um processo de pura intuição intelectual, designada de Idéia por Platão, seja por iluminação divina, como acreditava Agostinho, seja por um processo de abstração a partir da experiência sensível, como defendiam Aristóteles e Tomás de Aquino. Com esta doutrina metafísica, os filósofos imaginaram ter encontrado a permanência inteligível por detrás da inconstância inquietante dos dados sensíveis. O olhar moderno é um olhar racionalista, na medida em que a razão do sujeito que conhece é o único caminho para o conhecimento, embora possa assumir duas diferentes vertentes: ! racionalismo idealista, que busca na existência de idéias dentro do sujeito que conhece a razão mesma de seu conhecer (“eu penso, logo existo”); ! racionalismo empirista, que concebe a possibilidade humana de conhecer como a formação de idéias, unicamente a partir de impressões sensíveis (= empíricas). O criticismo foi a tentativa de Kant em superar ambos os racionalismos, integrando seus elementos, isto é: o conhecimento pressupõe a existência de formas lógicas anteriores à experiência sensível, mas estas só exercem alguma função se aplicadas sobre conteúdos empíricos fornecidos pela experiência. O olhar dialético caracteriza-se pela retomada, negação e superação dos olhares metafísico e científico-racionalista, numa perspectiva de que a realidade não é algo que aí está, pronta e acabada, para ser conhecida, mas vai-se constituindo em processo; também ele vai manifestar-se em duas correntes: ! a dialética idealista de Hegel, que identifica na contradição o motor da evolução do real, entende que toda afirmação (tese) aparece como momento provisório, pois se confronta necessariamente com sua negação (antítese), que o impele a se transformar no seu contrário; a totalidade do real, num primeiro momento, é a Idéia (tese); num segundo momento, é a Natureza (antítese), negação da Idéia; num terceiro momento, é o Espírito (síntese), negação/retomada/superação da Idéia e da Natureza; a história da humanidade não é nada mais do que o processo da manifestação do espírito, da consciência, rumo ao Espírito Absoluto: desde a certeza sensível até o saber absoluto, o Espírito Absoluto; neste sentido, a dialética hegeliana é caracterizada como idealista, pois é o ideal que explica o real; a mudança no mundo das idéias é a própria mudança na história e no mundo; ! a dialética materialista de Marx e Engels, fundamentada na dialética de Hegel, rejeita o componente idealista, aplicando-a somente ao mundo da realidade histórica concreta, à natureza e, sobretudo, à sociedade; seus princípios são os seguintes: totalidade, movimento, mudança qualitativa, contradição. 8181 3 Educação/Conhecimento/ Ação O olhar incerto é aquele que vem caracterizando a atualíssima crise dos modelos (paradigmas) do conhecimento, já que mesmo os avanços da ciência não conseguem encobrir seus descaminhos, provocando uma generalizada desconfiança em relação ao conhecer, abrindo espaço para os paradigmas holonômicos (holos = todo), que procuram centrar-se na totalidade para dar conta da complexidade do real; menos que um sistema – como os olhares anteriores – o olhar incerto refere-se mais a uma atitude, a atitude pós-moderna. 2 – O segundo tema, dedicado ao agir humano, foi trabalhado predominantemente através dos enfoques filosófico e sociológico, procurando, também aqui, revelar a história da ação e da consciência que o ser humano tem de sua ação. Primeiramente, distinguem-se ações autônomas (as que se caracterizam pela consciência e a vontade) das ações impostas. Uma segunda distinção – feita por Aristóteles – aponta três tipos de atividades fundamentais, tendo presentes seus objetivos: ! a atividade teorética tem como finalidade conhecer algum fato previamente acontecido; ! a atividade “poiética” tem como finalidade formar, fazer, confeccionar uma obra; ! a atividade prática tem finalidade em si mesma, no “fazer bem feito” (eupraxía); as atividades práticas podem ser físicas ou espirituais e tendem a um estado de “conquista de capacidade de...”, portanto de poder. Como exemplos de pensar o “fazer humano” enquanto prática comprometida com a criação e recriação das condições da existência humana, apresentam-se: no campo da atuação em saúde, a reflexão de um grupo que defende a construção compartilhada do conhecimento nos serviços desenvolvidos junto à população; no campo da educação, remete-se à necessidade de considerar as dimensões socioculturais no atendimento escolar. Aqui aborda-se a ação do educador diante de uma realidade diversa e, sobretudo, excludente, tomando-se as questões da pobreza e da violência como manifestações a serem analisadas em suas causas. Se não cabe à escola responder pelas mudanças sociais significativas, cabe a ela questionar para que essas mudanças ocorram, mediante a natureza da educação oferecida a todos, como direito de cidadania. 3 – Assim, chega-se ao tema Sujeito sociail e aprendizagem. Trazendo discussões desenvolvidas em pesquisas na área da psicologia, integradas à dimensão sociocultural, apresenta-se o ser humano como um sujeito que se desenvolve e aprende. Nesse sentido, são mostradas contribuições de Piaget e VygotsKy na relação entre desenvolvimento humano e aprendizagem. Outros aspectos da aprendizagem são mencionados pela sua relação direta com o cotidiano do agir do professor: as diferenças individuais, as múltiplas inteligências, a emoção com o tema correlato da motivação e, finalmente, a relação professor–aluno. 82 3 Educação/Conhecimento/Ação 82 Questionando para Aprender a Conhecer Atividade de Avaliação do Módulo Para que seu tutor possa ir acompanhando sua formação/transformação ao longo deste Curso (educação só acontece quando aquele que se educa realiza sua própria transformação), ao término do estudo de cada módulo, você deve realizar a atividade de avaliação. Aqui estão apresentadas quatro proposições. Conheça as quatro, mas escolha apenas uma para desenvolver como atividade avaliativa. Poderá ser aquela em que você se sente mais confiante para demonstrar seus avanços neste momento. Realize a atividade, envie-a ao seu tutor e receba dele os comentários. 1 – Fundamentado no estudo desenvolvido neste módulo, em um pequeno texto (de duas a quatro páginas), desenvolva suas reflexões sobre o tema tratado por Cipriano Luckesi no seguinte trecho: Tomando por base as características fundamentais do educador e do educando, como seres humanos e como sujeitos da práxis pedagógica, verificamos que o papel do educador está em criar condições para que o educando aprenda e se desenvolva, de forma ativa, inteligível e sistemática (Luckesi, 1990, p.119). 2 – Pesquisa pode significar condição de consciência crítica e cabe como componente necessário de toda proposta emancipatória. Para não ser mero objeto de pressões alheias, é mister encarar a realidade com espírito crítico, tornando-a palco de possível construção social alternativa. Aí, já não se trata de copiar a realidade, mas de reconstruí-la conforme os nossos interesses e esperanças. É preciso construir a necessidade de construir caminhos, não receitas que tendem a destruir o desafio da construção (Demo, 1991, p.11). Comente esse pensamento de Pedro Demo, descrevendo em um pequeno texto (de duas a quatro páginas) uma situação educativa em que você vivenciou a necessidade de construir caminhos. 3 – Uma das competências que você deve ter desenvolvido no estudo deste módulo diz respeito a: Reconhecer a necessidade de fundamentar as práticas de saúde e de educação em “olhares” que, respeitando a diversidade, promovam a ação transformadora. Imagine que você foi convidado a realizar uma palestra para auxiliares e técnicos de enfermagem de um hospital público da região em que você mora. O tema solicitado foi A saúde da mulher e da criança (em vez deste, aqui você poderá indicar outro tema de seu domínio). Explique, num pequeno texto (de duas a quatro páginas), como você pensa encaminhar o conteúdo de sua fala. Nele, o seu tutor deverá avaliar a competência acima descrita. 4– Considerando o estudo deste módulo, desenvolva um pequeno texto (de duas a quatro páginas), apontando em que ele contribuiu para (re)pensar a sua prática pedagógica. Observe os seguintes aspectos, entre outros que julgar pertinentes: a) os sujeitos sociais envolvidos nessa prática – você e seus alunos; b) o conhecimento como construção de sujeitos em interação; c) a realidade social e a atenção à saúde como objeto da produção de conhecimento; d) a relação pedagógica solidária como ambiente favorável ao processo educativo. Observação importante: Para a realização da atividade que você escolher entre as quatro propostas, não deixe de recorrer, como fonte de consulta, ao seu Diário de Estudo, resgatando as idéias e reflexões anotadas no transcurso do seu estudo. 82 85 86 87
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