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Filosofia inter-relacional da psicopedagogia, Notas de estudo de Psicologia

FILOSOFIA INTER-RELACIONAL DA PSICOPEDAGOGIA

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 27/04/2010

cristiane-dactes-4
cristiane-dactes-4 🇧🇷

4.8

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Baixe Filosofia inter-relacional da psicopedagogia e outras Notas de estudo em PDF para Psicologia, somente na Docsity! Filosofia: Inter-relação com a Psicopedagogia Américo Garcia Freire Magalhães Deise Raposo Márcia de Araújo Ferreira Maura Barbosa Nogueira de Oliveira Richelle Vilarino Medrado Partindo de uma perspectiva voltada para investigação, prevenção e tratamento dos problemas de ensino-aprendizagem, em meio a realidade, com toda a eficácia da tecnologia e os vários campos da ciência, a Psicopedagogia em inter-relação com a Filosofia, começa a “indagar, questionar e problematizar” (ANDRADE, p.5) tudo aquilo que o senso comum considera moderno e em sua ingenuidade deixa passar por despercebido. Segundo Andrade Filho, através da Filosofia “Apelamos à uma reflexão crítica. E produzimos um tipo de saber, indo racionalmente às raízes das realidades”. Sendo assim a Filosofia assume a característica de uma ferramenta importante para a Psicopedagogia, pela sua natureza de colocar tudo em destaque e direcionar, através da “lógica” (ARISTÓTELES), o caminho a ser percorrido objetivando a solução e prevenção de problemas no meio acadêmico. O novo mundo globalizado entra em choque com o passado, o que dificulta a formação do cidadão. O homem em meio as mudanças sofre com a modernidade, mas a filosofia através do seu “olhar” questiona o problema Psicopedagógico, “esse não do sentir e simbolizar , para tornar-se produto comercial de circulação”(ANDRADE, p.7). Pode-se observar que os avanços e problemas na nova sociedade são originados pela ciência e tecnologia, seguindo um raciocínio lógico, não existiria a globalização sem o avanço científico e tecnológico. A epistemologia em uma atitude filosófica, vai a fundo no estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas e suas técnicas, levando em conta o benéfico que pode trazer para o homem e seus riscos quando mal utilizada; evitando que a ciência imponha seu poder nas sociedades industrializadas sem nenhum exame crítico-epistemológico. Pode-se considerar utópico o ideal da “ciência pura e neutra”(ANDRADE, p.35) ao observar suas causas e efeitos em meio a um mundo tecnoglobalizado. Em se tratando de conhecimento científico, pode-se afirmar que esse saber é construído por meio da experiência adquirida pelo homem, ser histórico, na transformação do meio visando uma melhor adaptação, sendo que “hoje em dia, é considerado um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos adquiridos, sistematicamente organizados e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino”(ANDRADE, p.38), mediado através de recursos pedagógicos, servindo de base para o surgimento de novos conhecimentos. Observa-se portanto a importância do Psicopedagogo na função preventiva dos problemas relacionados a educação. A Psicopedagogia na tentativa de explicar os problemas educacionais da realidade, usa da lógica filosófica, para poder construir o conhecimento através da dialética como guia para a investigação, organizado pelos “clássicos da filosofia”(ANDRADE, p.41), pensando o homem, a natureza e o próprio conhecimento. Atualmente “o mercado de trabalho se amplia para o pedagogo, que poderá exercer suas funções não só no contexto escolar, mas também no setor de Recursos Humanos das empresas”(ANDRADE, p.86). A pedagogia por ser a “Ciência da Educação”(ANDRADE, p.86), embasada em conhecimentos da filosofia de vida, é atraída pelo empresarial que objetiva o êxito, no atual mercado de trabalho, pela necessidade de melhor gestão dos Recursos Humanos. Segundo Andrade Filho, “a sociedade atual é caracterizada pela era do conhecimento e do processo de globalização das novas tecnologias de comunicação”. O enfoque filosófico de uma prática pedagógica, permite mostrar os “desafios da pedagogia nos dias de hoje é ter acesso à concepção de globalização como prática”(ANDRADE, p.101), “a produção biopolítica”(ANDRADE, p.101) em meio a sociedade tecnoglobalizada e como questão central, a formação do “educador para o novo mercado de trabalho”. (ANDRADE, p.101) “O trabalho constitui-se um fenômeno básico para se compreender a educação”(ANDRADE, p.110). É através do trabalho que o homem vem desde o princípio transformando a natureza para sua adaptação. Este somatório de experiências que são acumuladas a medida em que o homem produz sua existência, resulta no conhecimento. A nova sociedade estando exposta constantemente em um processo de mudança, surgem ideologias que “é sempre uma tentativa de racionalização, ou seja, de organização coerente em termos de razão social, dos fatos e dos valores”(ANDRADE, p.113). A escola, como função social, reproduz e oficializa nas vidas dos estudantes a ideologia proposta pela sociedade. Ideologia esta que “afirma e nega; expressa verdade das realidades numa imagem invertida. Ela as oculta, oferecendo aos homens uma representação mistificada do sistema social, para mantê-los em seu “lugar” no sistema de exploração de uns pelos outros”(ANDRADE, p.114). Percebe-se atualmente que várias pessoas contribuem que nada evolua pela simples ideologia “de não ter problemas”. Portanto, no ambiente educacional, tenta-se fazer com que o estudante seja acima de tudo cidadão atuante e modificador do meio, interagindo e protestando contra o sistema “repressor” que alega ser “democrático. Conclui-se segundo Bortolanza que a Psicopedagogia em inter-relação com a Filosofia, tem como início para a investigação dos problemas psicopedagógicos do insucesso acadêmico, o “confronto entre o mundo teórico e a práxis universitária”(2002, p.29). Observa-se com esse contraponto que “é possível compreender e projetar o mundo que se quer”(2002, p.29). Para que isso ocorra é necessário buscar “um entendimento do ser humano como ser histórico, o que significa questionar-se sobre suas intencionalidades e não apenas problematizar, discutir, saber.”(2002, p.29) Ainda de acordo com Bortolanza, “Na dialética entre aprendizagem e avaliação, coloca-se a aprendizagem sob o ponto de vista do desenvolvimento do ser que possam resolver os graves problemas educacionais de nosso País. Dessa forma, muitas vezes, novas teorias, linhas e parâmetros acabam por se articular com essa esperança, mesmo porque, na maioria das vezes, tais formulações não promovem uma discussão de suas possibilidades e limites. Geglio (2003:26) reitera que há uma tendência entre nós, educadores, de, ao entrarmos em contato com novas idéias no campo educacional, darmos hegemonia a elas desconsiderando as anteriores. Mostra que uma análise da produção discente dos programas de pós-graduação evidencia esses fenômenos, pois se pode constatar que o referencial adotado nessas produções varia segundo “as tendências da moda”. Justifica esse movimento com o que Gouvêa, 1971,1974,1976, Gatti, 1983,1992 e Warde, 1990,1993, denominaram de ‘modismo no campo da educação’. Sendo assim, muitas vezes, professores aderem sem crítica à teoria da moda ou, de forma inversa, esperam dos formadores teorias que expliquem os impasses e dificuldades que encontram em sala de aula e métodos para resolvê-los. Por outro lado, formadores sugerem que a resolução dos problemas pode se dar a partir de novas teorias que circulam no campo educacional, veiculando-as de forma hegemônica, negando as contribuições anteriores e desconsiderando todos os saberes produzidos anteriormente, inclusive os construídos pelos professores em sua prática docente. Essas considerações, nossa experiência e o discurso educacional produzido por educadores1 revelam que a dicotomia entre teoria e prática é um ponto recorrente e central nos desencontros e desentendimentos entre formadores e professores, que acabam por gerar angústias e apreensões em todos os envolvidos. Precisamos nos debruçar mais sobre esse fenômeno para compreender melhor como e por que, apesar de várias pesquisas e produções teóricas, a dicotomia teoria e prática se mantêm não só no discurso, mas no cotidiano da escola e dos processos de formação continuada. Sem a pretensão de trazer soluções, nossa intenção é contribuir para esse debate, enfocando alguns pontos que – consideramos podem ampliar a reflexão dos formadores sobre sua prática. Treinamento, reciclagem, capacitação ou formação continuada? Questão semântica ou de concepção? Inicialmente, consideramos importante refletir sobre os termos que são muitas vezes indistintamente usados para se referir à formação do educador que terminou a etapa inicial e já exerce a profissão. Aperfeiçoamento, formação em serviço, formação contínua, reciclagem, desenvolvimento profissional, treinamento ou capacitação podem ser termos equivalentes, porém, não são sinônimos e diferenciá-los não é uma questão semântica, muito pelo contrário, pois a escolha dos termos muitas vezes revela as posturas e concepções que orientam as ações de formação. Nessa direção, Marin (1995) alerta para a necessidade de rever tais termos, repensando-os criticamente, uma vez que decisões são tomadas e ações propostas com base nos conceitos subjacentes aos termos usados. Assim, reciclagem, que é uma palavra usada no cotidiano para se referir a processos de modificação de objetos e materiais, não deve ser usada no contexto educacional, pois pode se referir a cursos rápidos, descontextualizados e superficiais, que não consideram a complexidade do processo de ensino. Treinamento também pode ser inadequado, se a educação continuada for pensada como um processo mecânico que meramente modela comportamentos. Aperfeiçoamento, entendido como um conjunto de ações capaz de completar alguém, de torná-lo perfeito, de concluí-lo, leva à negação da própria educação, ou seja, a idéia da educabilidade do ser humano. Capacitação, termo atualmente muito usado, pode ser congruente com a idéia de formação continuada, se considerarmos a ação de capacitar no sentido de tornar capaz, habilitar, uma vez que, para exercer sua função de educadora, a pessoa necessita adquirir as condições de desempenho próprias à profissão, ou seja, se tornar capaz. No entanto, a adoção da concepção de capacitação como convencimento e persuasão se mostra inadequada para ações de formação continuada, uma vez que os profissionais da Educação não podem e não devem ser persuadidos ou convencidos sobre idéias, mas sim conhecê-las, analisá-las, criticá-las ou até mesmo aceitá-las. Marin (1995) explica que Educação permanente, formação continuada, educação continuada são termos que podem ser colocados no mesmo bloco, pois são similares. Embora admitindo que existam nuanças entre esses termos, considera que são complementares e não contraditórios, uma vez que colocam como eixo da formação o conhecimento que se constitui no suporte das interações que possibilitam a superação dos problemas e das dificuldades. Constatando a multiplicidade de significados, a autora indica que lhe parece que a terminologia educação continuada. Pode ser utilizada para uma abordagem mais ampla, rica e potencial, na medida em que pode incorporar as noções anteriores – treinamento, capacitação, aperfeiçoamento – dependendo da perspectiva, do objetivo específico ou dos aspectos a serem focalizados no processo educativo, permitindo que tenhamos visões menos fragmentárias, mais inclusivas, menos maniqueístas ou polarizadoras (Marin, 1995:19). Dentro desse contexto, optamos pelo uso de formação continuada, para nos referirmos aos processos de formação do educador que já concluiu sua formação inicial e exerce sua profissão, uma vez que é o termo usado pela maioria dos educadores que apontam para a discussão e/ou para a proposição de projetos que levam em conta um professor inserido em um contexto sócio-histórico, que tem como função transmitir o conhecimento socialmente acumulado em uma perspectiva transformadora da realidade (Mazzeu, 1998; Lima, 2001; Belintane, 2002; Pimenta, 2002; Gatti, 2003; e Geglio, 2003, entre outros). Tendências da formação continuada no Brasil Como pudemos constatar na análise da terminologia, diferentes concepções, originadas em diferentes pressupostos filosóficos, epistemológicos e metodológicos, coexistem e se confrontam no campo da formação continuada. Não podemos, assim, pensar a formação de professores sem uma análise crítica que possibilite pensar a serviço de que estão as ações de formação e em que medida podem caminhar na superação da dicotomia entre teoria e prática. Fusari (1997) amplia este debate em um estudo bastante detalhado, no qual apresenta uma análise das tendências em formação continuada no Brasil. Em seu trabalho, identifica algumas tendências, movimentos, concepções presentes na educação brasileira em diferentes momentos históricos que tiveram repercussão na concepção de ações e programas de formação continuada no século passado e no atual. Compreender essas tendências permite ao formador, no dizer de Fusari, “descobrir, desvelar aquilo que está coberto, velado, permitindo o seu posicionamento consciente”. Nesse sentido, acreditamos que esse posicionamento implica uma visão crítica para que o formador possa desenvolver ações que levem em conta as necessidades do professor e que promovam condições para que ele cumpra efetivamente sua função de ensinar e formar cidadãos. As tendências analisadas por Fusari, embora situadas pelo autor em momentos históricos e relacionadas a contextos específicos, estão até hoje, no nosso entender, subjacentes e muitas vezes sobrepostas em ações de formação continuada; sendo assim, optamos por apresentar as posturas e as ações que as caracterizam. A tendência tradicional pode ser identificada em ações que visam à aquisição do conhecimento, ao desenvolvimento de habilidades específicas e atitudes e que são desenvolvidas a partir de atividades como aulas expositivas, painéis, sínteses de textos discutidos a partir de folhas-tarefas, baseadas na crença de que a aquisição do conhecimento por si só levaria à mudança de atitude na prática. Essa tendência acaba por gerar uma dicotomia entre teoria e prática muitas vezes expressa pelos professores em comentários como: “O curso foi bom, mas na prática a realidade é outra”, “a teoria é muito bonita, mas difícil é fazer”. A tendência escolanovista está subjacente em ações nas quais o foco é individual, as relações são interpessoais e os aspectos, psicológicos. O planejamento é centrado nas atividades a serem aplicadas e enfatiza as dinâmicas de grupo, jogos das mais diferentes formas e dramatizações aplicadas ao ensino sem se debruçar sobre o objeto de conhecimento ou sobre a atividade docente propriamente dita. Diferentemente da tendência tradicional, a tendência escolanovista concebe que a mudança de comportamento do educador se dá não por meio do domínio de conteúdos, mas, sim, pela vivência das experiências propostas nos encontros. Esses encontros podem gerar mudanças no discurso dos professores, mas a falta de subsídios e instrumentos para desenvolver a prática acaba por gerar uma postura ‘espontaneísta’, ou uma prática baseada no ensino tradicional. Dessa maneira, de forma inversa, a dicotomia entre teoria e prática ainda se faz presente. Fusari, ao analisar essa tendência, mostra preocupação com processos que acabam por não considerar a atividade docente do professor em sua totalidade, e, citando Saviani, alerta: “a escola tradicional, na medida em que se compromete com a transmissão de conteúdo, mesmo de forma autoritária, revela-se mais democrática, de fato, do que a proclamada liberdade da ‘escola nova’, com mais atividades e menos conteúdo” (Saviani, 1986:52/53, apud Fusari, 1987:169). Os processos de formação de educadores refletem a tendência tecnicista, ao tomarem como elemento principal a organização racional dos meios, as tecnologias e os procedimentos de ensino. A habilidade de planejar bem o trabalho, de executá-lo com controle e de avaliá-lo segundo critérios previamente estabelecidos são competências desejáveis nos educadores para os que desenvolvem ações nessa perspectiva. entrelaçamento entre teoria e prática, questão que permeia como já apontamos a formação de educadores. Afirmamos também que a superação dessa dicotomia ainda é um desafio a ser vencido e que ainda são necessários, apesar dos vários avanços, estudos mais aprofundados nesse campo. Por outro lado, não podemos desconsiderar as contribuições de autores que concebem a formação continuada como parte integrante da função docente, contendo e estando contida nesta em uma relação dialética. Formação continuada como parte integrante do trabalho docente O homem, ao longo da vida, se apropria da cultura acumulada pelas gerações anteriores ao mesmo tempo em que cria novas objetivações correspondentes às suas idéias e aos desafios de seu tempo. Sendo assim, a educação é um processo fundamental, pois é por meio dela que tal apropriação ocorre e que o indivíduo adquire instrumentos para criar essas novas objetivações. A apropriação do conhecimento socialmente construído se efetiva na interação entre membros da cultura no interior de práticas sociais. Em nossa sociedade, essa apropriação se dá nas esferas do cotidiano e em instituições criadas para esse fim, como a escola. A função da escola é transmitir democraticamente a cultura construída ao longo do tempo, instrumentalizando o aluno para perceber criticamente a realidade social e comprometer-se com a sua transformação. Ao professor cabe a função social de fazer a mediação entre o que o aluno aprende espontaneamente na vida cotidiana e a formação do aluno no que não é reiterativo na vida social, garantindo a apropriação de instrumentos culturais básicos que permitam elaboração de entendimento da realidade social e promoção do desenvolvimento individual. Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim específico. Compreender a natureza da escola e da atividade docente nessa perspectiva implica articular a aprendizagem do aluno à formação continuada do professor, e, como afirma Lima, compreender que: a formação contínua deve estar “a serviço da reflexão e da produção de um conhecimento sistematizado, que possa oferecer a fundamentação teórica necessária para a articulação com a prática criativa do professor em relação ao aluno, à escola e à sociedade” (Lima, 2001:32). Para realizar seu trabalho docente é preciso que o professor se aproprie constantemente dos avanços das ciências e das teorias pedagógicas. Há, ainda, uma razão muito mais premente e mais profunda, como apontam Barbieri, Carvalho e Ulhe (1995:32), que é a própria natureza do fazer pedagógico, que, sendo domínio da práxis é, portanto, histórico e inacabado. Lima (2001) traz uma contribuição importante nesse sentido, ao elaborar um conceito de formação continuada que parte de dois princípios de perspectiva marxista: o trabalho como categoria fundante da vida humana e a práxis da atividade docente. Formação contínua é a articulação entre o trabalho docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, como possibilidade de postura reflexiva dinamizada pela práxis (Lima, 2001:30). A autora afirma, também, que a formação continuada não pode se efetivar se não estiver conectada com os sonhos, a vida e o trabalho do professor. Na mesma direção, Gatti ressalta que os processos de formação continuada Só mostram efetividade quando levam em consideração as condições sociopsicológicas e culturais de existência das pessoas em seus nichos de habitação e convivência, e não apenas suas condições cognitivas. Mas apenas o levar em consideração essas questões como premissas abstratas não cria mobilização para mudanças efetivas. O que é preciso conseguir é uma integração na ambiência de vida e de trabalho daqueles que participarão do processo formativo.(...) Metaforicamente, diríamos que a alavanca tem que se integrar ao terreno para mover o que pretende mover (Gatti, 2003:6). A autora chama a atenção, também, sobre a importância de se considerar os eventos sociais, políticos, econômicos ou culturais que permeiam a vida grupal ou comunitária e também se constituem como determinantes que moldam as concepções sobre educação, ensino, papel profissional e as práticas a elas ligadas. Altenfelder (2004:151) aponta que “a formação continuada de professores deve se concentrar no trabalho docente e nas relações que se estabelecem na escola, o que resgata o próprio espaço escolar como lócus importante de formação continuada”. Ressalta, ainda, que o trabalho coletivo é fundamental para que os educadores possam vencer os enormes desafios impostos pela realidade educacional brasileira. Alerta, também, que para que o trabalho coletivo ocorra é fundamental um investimento nas relações interpessoais da equipe escolar (Altenfelder, 2004:152). Conclusão São muitos os avanços e as contribuições teóricas que permitem aos formadores desenvolver ações que levam em conta um professor inserido em um contexto sócio-histórico, que tem como função transmitir o conhecimento socialmente acumulado em uma perspectiva transformadora da realidade. Para tanto, é fundamental que o formador tenha claros conceitos, idéias e concepções que orientem suas ações e que encare as contribuições teóricas como subsídios que possibilitam a reflexão sobre a prática e não como a solução final para todos os problemas, aceita de forma hegemônica. Essas constatações devem mobilizar todos aqueles que planejam e desenvolvem projetos de formação continuada para a revisão e aprofundamento do tema a partir de questões de fundo, como as propostas por Candau (2001:67): “Que tipo de Educação queremos promover? Para que tipo de sociedade?”. Ao mesmo tempo em que constatamos avanços, identificamos que ainda restam desafios, principalmente em se ultrapassar a dicotomia entre teoria e prática, pois, como já apontamos em estudos anteriores (Altenfelder, 2004:154), temos na área da formação continuada uma crise análoga à que Vigotski (1999:2003) apontava na Psicologia no início do século passado3. Reconhecemos a necessidade de uma formação continuada que ultrapasse a dicotomia entre teoria e prática, porém temos dificuldades em promover processos de formação continuada nos quais a articulação teoria e prática seja reconhecida pelos professores. Nesse sentido, acreditamos que ainda são necessários estudos e pesquisas que tragam novas luzes a essa questão, apontando caminhos que nos possibilitem compreender melhor as relações entre teoria e prática nos processos de formação continuada de professores. Caminho esse que só poderá ser trilhado se formadores e pesquisadores levarem em conta a necessidade de olhar, compreender, considerar e respeitar as necessidades dos professores, considerando-os como parceiros na construção desse saber. Referências bibliográficas ALTENFELDER, Anna Helena. Formação Continuada: os sentidos atribuídos na voz do professor. São Paulo: PUCSP (Dissertação de mestrado), 2004. BARBIERI, Marisa Ramos; CARVALHO, Célia Pezzolo; ULHE, Águeda Bernadete. Formação Continuada dos Profissionais de Ensino: Algumas Considerações. Caderno Cedes, n.36. Campinas: Papirus, 1995. p. 29-35. BELINTANE, Claudemir. Por uma ambiência de formação contínua de professores. Cadernos de. Pesquisa. [online]. nov. 2002, n.117 [citado em 26 ago. 2004], p.177-193. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0100-15742002000300009&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0100-1574. BUENO, Belmira Oliveira. Pesquisa em colaboração na formação contínua de professores. In: BUENO, Belmira Oliveira; CATANI, Denice Bárbara; Souza, Cynthia Pereira (Org.). A vida e o ofício dos professores. São Paulo: Escrituras, 1998. CANDAU, Vera Maria. Universidade e formação de professores: Que rumos tomar? In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Magistério -- Construção cotidiana. .Petrópolis: Vozes, 2001. FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. (Tese de doutorado) Araraquara: UNESP/FCLAR, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FUSARI, José Cerchi. A educação do educador em serviço: o treinamento de professores em questão. (Dissertação de mestrado) São Paulo: Programa História e Filosofia da Educação, PUCSP, 1988. GATTI, Bernardete A. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Cadernos de. Pesquisa. 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Durante um tempo estipulado, os professores, coordenadores, diretores, secretários de educação e todos os que foram convocados reúnem-se para, a partir da reflexão sobre a cultura da escola, as experiências habituais e a situação social e política da educação fundamental, começar a construir uma proposta de escola inclusiva. Assim, reconhecendo os mecanismos de exclusão existentes, o autor propõe um constante planejamento escolar que considere os conteúdos, disciplinas e os alunos com suas características cognitivas, físicas e sociais. O autor considera o planejamento como uma prática reflexiva que se vale da antecipação para fazer uma regulação no presente que oriente um trabalho futuro com os alunos e que permita as transformações queridas. O(s) responsável(eis) pela regulação cuidará(ão) da complexidade do cotidiano escolar, do ir e vir, do refazer, de propor alternativas, de corrigir os erros, aceitar as críticas. Com uma visão interdependente, promove o diálogo, a reescrita, a crítica e a reformulação de um projeto pedagógico. Nesse processo, o autor, ainda considera importante a observação do andamento do projeto pedagógico que viria a ser uma avaliação. Observação, regulação e avaliação são elementos do sistema de planejamento por ele proposto. Na sua proposta, o autor, considera, ainda, as dificuldades de aprendizagem da criança, entendida esta como o sujeito epistêmico que constrói conhecimentos a partir da coordenação de esquemas de ações, de noções e/ou operações lógicas (classificar, ordenar, fazer inferências, etc.) e matemáticas (quantificar, somar, subtrair, etc.) a partir de entendê-las como proporcionadas pela aprendizagem em certa cultura ou sociedade na qual considera-se a herança genética, de saúde orgânica e mental. O “sujeito epistêmico”, segundo Piaget, tem problemas a resolver, procedimentos a construir, compreensões a formular. Nos sucessivos estágios de desenvolvimento, a criança vai progredindo, o que não acontece com crianças com problemas de aprendizagem, frustradas na sua expectativa e desejo de aprender. A psicopedagogia reflete as necessidades interdisciplinares do processo de aprendizagem onde a dialética sujeito e objeto é irredutível, complementar e indissociável. Numa perspectiva construtivista, o autor apresenta duas visões dos problemas de aprendizagem: a primeira, como a dificuldade, o desafio para aprender (numa relação de interdependência) e a segunda, como queixa ou frustração (numa relação de independência/dependência). O primeiro numa dimensão interna, de desenvolvimento do sujeito, e a segunda, vista como alguma questão externa, conhecida ou desejável para os outros. Assim, o psicopedagogo, reconhecendo esses enquadramentos, pode pensar as dificuldades de aprendizagem da criança e adotar os procedimentos de intervenção –pedagógicos ou terapêuticos – mais adequados. O autor utiliza a metáfora da viagem, do labirinto para analisar o processo de aprendizagem na criança. No momento da avaliação, o autor apresenta seis formas, com a finalidade de provocar no professor uma reflexão sobre a questão. Considera importante saber sobre os desejos, valores e sentidos dados pelos participantes à aprendizagem. Avaliar, por intermédio de inferências possibilitadas por indicadores, permite uma mudança de atitude. As funções da avaliação são: selecionar, diagnosticar, antecipar, orientar, certificar e regular um processo de desenvolvimento do conhecimento, da aprendizagem por parte da criança. Estas funções realizam-se de maneira complementar e indissociável e permitem orientar as tensões durante a aprendizagem. O cotidiano de sala de aula exige lidar com as práticas concretas e com outras não muito visíveis que produzem indisciplina, dispersão, desorganização,problemas no planejamento, bem como desperdício de tempo, espaço e dinheiro. Para isso, os registros, observações, reflexões, consultas com colegas, queixas etc. são bem-vindas como elementos que podem promover ações favoráveis ao trabalho docente e à aprendizagem na interdependência tempo, espaço, objetos e relações escolares. Assim, o espaço, ou seja, o lugar para guardar os objetos, para realizar os encontros, para devolver um objeto a seu lugar, para dispor ou selecionar ou para esquecer tal objeto, é condição importante, pois ajuda a pensar e organizar o processo de aprendizagem. Assim, também é importante o tempo que permite agendar compromissos, estimar a duração, antecipar ações no contexto de um projeto, priorizar tarefas e lembrar ações inter-relacionadas com outras. No cotidiano escolar, os objetos usados pelo professor e o aluno na sala de aula são fundamentais junto ao desenvolvimento de competências específicas para o seu uso. Torna-se importante neste contexto o relacionamento sujeito e objeto além da relação docente e aluno, a interação entre as crianças e com as tarefas. Por isso, o relacionamento implica envolver-se, responsabilizar-se, cooperar, cuidar e conviver com outros, gerando autonomia no desenvolvimento da criança durante a aprendizagem. Nesta proposta de escola inclusiva, o autor considera relevante a disciplina no processo educacional. Após analisar, refletir e enumerar definições sobre a proposta de disciplina na escola, permite-se propor uma (disciplina) com relação ao tempo, ao espaço, aos objetos e aos relacionamentos de modo inter-relacional no processo de conhecimento. A sua função seria de mediadora no processo de conhecimento, estaria a serviço dos sentimentos e valores envolvidos e assim possibilitaria o encontro subjetivo entre o que se é e o que se pretende ser. Portanto, a formação da disciplina na criança envolve a norma, a atitude e o valor na realização de atividades no cotidiano escolar. Lino de Macedo. Professor Titular, Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade Doutor (1973), Livre-Docente (1983), Titular (1990), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP, Brasil). http://www.usp.br/ip/professores/macedo-l.htm Margarita Victoria Gómez. Professora do Mestrado em Educação (área de pesquisa: Professor, formação e identidade) Universidade Vale do Rio Verde, Minas Gerais, Brasil. Doutora em Educação (FE/USP, Brasil). A ação psicopedagógica e a transformação da realidade escolar A atuação do Psicopedagogo na instituição visa a fortalecer-lhe a identidade, bem como buscar o resgate das raízes dessa instituição, ao mesmo tempo em que procura sintonizá-la com a realidade que está sendo vivenciada no momento histórico atual, buscando adequar essa escola às reais demandas da sociedade. Durante todo o processo educativo, procura investir numa concepção de ensino-aprendizagem que: • Fomente interações interpessoais; • Incentive os sujeitos da ação educativa a atuarem considerando integradamente as bagagens intelectual e moral; • Estimule a postura transformadora de toda a comunidade educativa para, de fato, inovar a prática escolar; contextualizando- a; • Enfatize o essencial: conceitos e conteúdos estruturantes, com significado relevante, de acordo com a demanda em questão; • Oriente e interaja com o corpo docente no sentido de desenvolver mais o raciocínio do aluno, ajudando-o a aprender a pensar e a estabelecer relações entre os diversos conteúdos trabalhados; • Reforce a parceria entre escola e família; • Lance as bases para a orientação do aluno na construção de seu projeto de vida, com clareza de raciocínio e equilíbrio; • Incentive a implementação de projetos que estimulem a autonomia de professores e alunos; • Atue junto ao corpo docente para que se conscientize de sua posição de “eterno aprendiz”, de sua importância e envolvimento no processo de aprendizagem, com ênfase na avaliação do aluno, evitando mecanismos menores de seleção, que dirigem apenas ao vestibular e não à vida. Nesse sentido, o material didático adotado, após criteriosa análise, deve ser utilizado como orientador do trabalho do professor e nunca como o único recurso de sua atuação docente. Com certeza, se almejamos contribuir para a evolução de um mundo caracterizados como aqueles que emergem da relação, da interação entre as pessoas e entre elas e o meio, surgindo em função de desarmonias entre o sujeito e as circunstâncias do ambiente. Essas desarmonias podem até adotar modalidades patogênicas ou patológicas, que requerem encaminhamentos específicos que podem extrapolar o espaço escolar. REFLETINDO SOBRE A PRÁXIS Visando favorecer a apropriação do conhecimento pelo ser humano, ao longo de sua evolução, a ação psicopedagógica consiste numa leitura e releitura do processo de aprendizagem, bem como da aplicabilidade de conceitos teóricos que lhe dêem novos contornos e significados, gerando práticas mais consistentes, que respeitem a singularidade de cada um e consigam lidar com resistências. A ação desse profissional jamais pode ser isolada, mas integrada à ação da equipe escolar, buscando, em conjunto, vivenciar a escola, não só como espaço de aprendizagem de conteúdos educacionais, mas de convívio, de cultura, de valores, de pesquisa e experimentação, que possibilitem a flexibilização de atividades docentes e discentes. Utilizando a situação específica de incorporação de novas dinâmicas em sala de aula, contemplando a interdisciplinaridade, juntamente com outros profissionais da escola, o psicopedagogo estimula o desenvolvimento de relações interpessoais, o estabelecimento de vínculos, a utilização de métodos de ensino compatíveis com as mais recentes concepções a respeito desse processo. Procura envolver a equipe escolar, ajudando-a a ampliar o olhar em torno do aluno e das circunstâncias de produção do conhecimento. A prática psicopedagógica tem contribuído para a flexibilização da atuação docente na medida em que coloca questões que estimulam a reflexão e a confrontação com temáticas ainda insuficientemente discutidas, de manejo delicado, que, na maioria das vezes, podem produzir conflito. Isto se deve, em geral, ao quadro de comprometimento do aluno/instituição, que apresenta dificuldades múltiplas, envolvendo as competências cognitivas, emocionais, atitudinais, relacionais e comunicativas almejadas e necessárias à sociedade. Em decorrência, ações específicas, integradas e complementares de diferentes profissionais devem compor um projeto de escola coerente e impulsionador de valores e relações humanas vividos no ambiente escolar. Projeto que envolva o recurso humano: professores, alunos, comunidade para, através dele, transformar não só a cultura que se vive na escola, mas na sociedade. INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA PRÁTICA DOCENTE DO PROFESSOR DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS José Paulo de ARAUJO (Universidade Candido Mendes) Abstract Research has proved that the educational system fails in enabling EFL teachers to understand, criticize and use theory. According to ALMEIDA FILHO (1999) and VIEIRA-ABRAHÃO (1999) teachers should not only be given instruction on how to use theory to back up their teaching, but they should also be given the opportunity to understand how theory can be judged critically. This paper offers a brief reflection on current EFL teacher training policy and its consequences. It also suggests the use of diaries as a tool teachers can use to develop the critical perspective be required by the market as well as by the new LDB. Key Words: teacher-training; action research; psychopedagogy; English as a foreign language. Resumo A pesquisa tem provado que a formação superior deixa de capacitar os licenciandos de inglês como língua estrangeira (LE) para compreender, criticar e utilizar o conhecimento teórico. De acordo com ALMEIDA FILHO (1999) e VIEIRA- ABRAHÃO (1999) os professores não deveriam apenas aprender a utilizar o conhecimento teórico em apoio a sua prática. Eles deveriam também aprender a avaliar tal conhecimento de modo crítico. Este trabalho oferece uma breve reflexão sobre a atual política de formação de professores de inglês como LE e suas conseqüências, além de também sugerir a utilização de diários como uma ferramenta útil no desenvolvimento da perspectiva crítica esperada pelo mercado e pela nova LDB. Palavras-chave: formação de professores; pesquisa-ação; psicopedagogia; inglês como língua estrangeira. 1. Introdução Os métodos e abordagens de ensino de línguas estrangeiras (LEs) evoluíram em consonância com a transformação dos conceitos de homem, de mundo e de língua em momentos diversos. Em boa parte das evoluções, entretanto, um denominador sempre parece ter sido comum: o insucesso da escola para transformar os alunos em usuários competentes de uma língua estrangeira (LE). No máximo se conseguiu – e até hoje normalmente apenas se consegue – que eles aprendessem algumas estruturas gramaticais e um vocabulário de uso cotidiano, o que quando muito os habilitava apenas à leitura de seus próprios livros didáticos. Ao insucesso se sobrepõe a necessidade de explicá-lo, e a explicação via de regra se transforma na busca do responsável. Ora se põe a culpa no método de ensino, ora no professor, ora no aluno. No primeiro caso a solução é relativamente simples: adota-se um novo método. No segundo caso, treina-se o professor. Já no terceiro caso parece haver poucas esperanças, pois, além do senso comum pregar que nem todos nascem com "dom para línguas", há que se levar em conta que não é raro os alunos serem diagnosticados como portadores de disfunções e problemas que dificultam, quando não inviabilizam, o aprendizado escolar de modo geral. Esta combinação de fatores – interesses sociopolíticos, senso comum, técnicas educacionais, expectativas frustradas e diagnósticos incapacitantes – contribui para tornar a área de LE mais um elo no propalado caos da educação escolar. Uma vez que a aquisição de LEs não costuma ser considerada tão essencial – pelo menos se comparada à alfabetização e ao desenvolvimento do raciocínio matemático – a solução mais fácil para romper pelo menos esse elo é relegar o ensino de LEs a um segundo plano. Partindo do referencial da Psicopedagogia, área de estudos que se volta para a investigação do sujeito que aprende, este trabalho tem o objetivo de discutir de que forma se configuram tais fatores e de sugerir, pelo menos para um deles – a formação do professor –, uma proposta de como caminhar para fora do caos. Será adotada aqui a perspectiva de que o professor é, também ele, um sujeito que aprende ao mesmo tempo que ensina. Esta aprendizagem do docente, a propósito, deve ser percebida como um processo contínuo, que se inicia ainda durante sua formação na Licenciatura e persiste durante toda sua vida profissional. 2. Os Paradigmas no ensino de LEs e a transformação do papel do professor "[...] [na primeira metade do século XX] As questões educacionais eram discutidas por intelectuais, artistas e homens públicos sem nenhuma especialização em ensino. [...]" (Revista Época, 1º de fevereiro, 1999 – "O orgulho está de volta", p. 59 – acréscimo do pesquisador) Como bem relata o fragmento que abre esta seção, é recente em nosso país o pensamento sobre a educação a partir de seus próprios referenciais e por seus próprios profissionais. Mais comum anteriormente era que as políticas educacionais fossem determinadas de fora para dentro, ou seja, desde setores da sociedade não diretamente vinculados ao ensino para dentro da escola. Em outras palavras, sob o ponto de vista histórico, o professor se submetia aos desígnios de interesses sociopolíticos de membros eminentes da sociedade. O ponto relevante parece ser a constatação de que o poder do professor sobre sua profissão sempre foi relativizado: ao mesmo tempo que lhe é dada autonomia para fazer algumas escolhas relativas à forma de conduzir a disciplina em suas turmas, não lhe é permitido avaliar criticamente as medidas educacionais que determinarão seu trabalho pedagógico. Estas medidas ainda hoje, como na primeira metade do século, são impostas ao professor, só que agora pelas autoridades acadêmicas e da própria Educação. A história da evolução dos alunos, que costumam ser "responsabilizados" pelo próprio fracasso, através de explicações que vão da falta de dom até as carências econômica e lingüístico- cultural que, trazidas de seu ambiente familiar para a escola, agiriam como impeditivos ao sucesso escolar (Moita Lopes, mimeo). Não raro, graças também a uma mal engendrada associação entre saúde e educação, se diagnosticam nestes mesmos alunos uma série de problemas, distúrbios ou deficiências cognitivas e/ou perceptivas que apenas alimentam sua exclusão social e educacional, causando danos graves a sua auto-imagem (Moyses e Colares, mimeo). Ao aluno, a vítima maior deste processo de exclusão e discriminação, resta apenas reagir, e muitas vezes da forma mais eloqüente: com agressividade (Fernandez, 1992). Se fosse naturalmente direcionada, como argumenta a psicanálise, a agressividade presente nas pulsões dos alunos se dirigiria aos objetos cogniscitivos, favorecendo sua apreensão. No contexto escolar como o descrevemos, entretanto, esta agressividade natural é distorcida e dirigida à figura do professor, que via de regra não consegue compreender seu valor simbólico de reação ao ambiente repressivo da escola e acaba por compreendê-la no nível imaginário da agressão pessoal. Não raro esta agressividade mal investida se converte em violência real. Este processo complexo de sociologização e patologização do processo educacional escolar acaba por criar um contexto que, longe de propor soluções pedagógicas para as dificuldades encontradas pelos alunos, principalmente das classes baixas, apenas serve como referendo para justificar o fracasso escolar de modo geral, e não apenas na área de LEs. E o aluno diagnosticado como deficiente acaba recebendo do professor menor expectativa de sucesso, o que apenas o exclui mais profundamente da possibilidade de superar as dificuldades do processo de aprendizagem em um contexto escolar que já lhe é hostil. Em poucos momentos se busca uma visão de conjunto deste caos, uma visão sistêmica que contemple a análise crítica da proposta oficial de ensino de LEs, do método ou da abordagem adotada e do contexto social da interação aluno- professor, além, é claro, da própria formação que este professor recebe. A solução mais simples é a da crítica pela crítica, com a inevitável busca de responsáveis e a conseqüente exclusão do aluno. Esta análise permite concluir que há sempre um ideário estranho ao fazer pedagógico que se imiscui na escola – e, poderia-se acrescentar aqui, com conseqüências nefastas. Este ideário atualmente resulta da interferência de concepções sociológicas e clínicas. É óbvio que tal interferência não é aleatória ou casual. Ela é apenas um reflexo das relações de poder que operam na sociedade em nível macro (Moita Lopes, mimeo). 4. A Habilitação do professor de LEs: presente e futuro "[...] Tornar o professor co-construtor de seu processo de trabalho implica que ele avalie judiciosamente sua prática a partir da reflexão em cima de seu trabalho, com base em teoria." (Libâneo, 1997, p. 173) Segundo exposto anteriormente, o processo de desautorização do fazer docente na área de LEs é em parte engendrado pela imposição de métodos ditos científicos, que submetem o professor às imposições da técnica pedagógica e lhe retiram o poder de questionar e transformar sua prática de sala de aula. Uma vez desautorizado, o professor perde sua capacidade de interferir sobre o processo educativo e se vê reduzido a um mero executor de ações sem significado, o que contribui, ao lado dos péssimos salários, das condições por vezes insalubres e da violência social que já invade as escolas, para o rebaixamento de sua auto- estima. Outro aspecto que não pode ser esquecido, e que será priorizado neste trabalho, é a própria formação que estes professores recebem nos cursos de prática de ensino durante a Licenciatura. Segundo Vieira-Abrahão (1999), tais cursos deveriam habilitar os graduandos a exercer a docência, mas sua duração média de 75 horas é insuficiente se analisada em relação à complexidade das habilidades lingüísticas e pedagógicas esperadas de um futuro professor de LE. Conseqüentemente, os cursos acabam por contribuir na formação de profissionais acríticos que passarão a integrar o quadro já problemático do ensino de LEs. Como bem expõe Libâneo, as propostas neoliberais para a educação brasileira alimentam um ideário de que o professor "...não precisa ser envolvido com teorias, com reflexão sobre sua prática, uma vez que seu trabalho requer sobretudo desempenho técnico..." (1997, p. 165). Para formar um professor deste tipo, de fato, não é necessário grande investimento de tempo e parece ser a serviço deste ideário que trabalham as Licenciaturas. Uma saída apresentada para esta situação é encontrada na Lei No. 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que propõe em seu Artigo 65o o aumento na duração da prática de ensino para 300 horas. O problema em nossa opinião está em igualar a melhoria da capacitação para o trabalho docente apenas à quantidade de tempo investido no processo de formação do professor. É fundamental não esquecer que também a qualidade da formação deve ser considerada, principalmente quando se levam em conta as habilidades que o graduado deverá possuir após o curso, e que são especificadas pela mesma Lei: "[...]Art. 13º Os docentes incumbir-se-ão de: I- participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II- elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III- zelar pela aprendizagem dos alunos; IV- estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V- ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI- colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade; [...]" (Lei Nº 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) Uma formação realmente de qualidade para o profissional da Educação, como para o de qualquer outra área, demanda um investimento na capacitação teórica do formando, ou seja, em uma capacitação para que este futuro profissional tenha possibilidade de compreender a forma como o conhecimento científico é produzido no seu campo do saber, de avaliar criticamente esta produção de conhecimento e de atuar segundo a orientação crítica deste conhecimento. Apenas um profissional de educação que compreenda como se faz ciência em sua área de atuação pode tornar-se crítico e mais capacitado para dialogar com as "autoridades" acadêmicas e educacionais, que durante tanto tempo o submeteram passivamente à mudança dos paradigmas de ensino. Esta capacitação teórica – ou competência aplicada, nos dizeres de Almeida Filho (1994) – seria fundamental para restaurar a autoridade profissional do professor de LEs, assim como a de qualquer professor de qualquer outra disciplina do currículo escolar. No trecho que abre esta seção, Libâneo afirma que o resgate profissional do professor – o processo de torná-lo "co-contrutor" de sua prática – depende de avaliação judiciosa e de reflexão sobre seu trabalho. Avaliação e reflexão baseadas em teoria. Em poucas palavras ele parecer estar recuperando a metáfora do professor-cientista utilizada anteriormente neste trabalho. Em resumo, há que se formar um professor que seja capaz de investigar e criticar sua própria atuação em sala de aula e de sugerir mudanças necessárias, sempre com base em um conhecimento teórico relevante. Esta formação, ainda segundo Libâneo (1997, p. 170) não deveria se restringir apenas à Licenciatura, mas deveria contemplar também aqueles profissionais que já se encontram no mercado de trabalho e que já podem estar submersos no caos educacional abordado anteriormente. A proposta que será apresentada a seguir destina-se à "autorização" (ou capacitação) tanto do licenciando, que deverá ser preparado para atuar em diálogo constante com os produtores do conhecimento científico da academia, quanto do professor em serviço, o qual, pelos motivos já discutidos aqui, não teve uma formação que contemplasse a possibilidade de realizar tal diálogo em prática. 5. Uma proposta para a capacitação crítica dos professores de LE: os diários de aula " ‘Modelos mentais’ são pressupostos profundamente arraigados, generalizações ou mesmo imagens que influenciam nossa forma de ver o mundo e de agir. Muitas vezes, não estamos conscientes de nossos modelos mentais ou de seus efeitos sobre o nosso comportamento [...]" (Senge, 1998, p. 42) Esta citação do professor Peter Senge será essencial para o pensamento sobre uma pedagogia para a formação do professor de LEs do futuro. Não é difícil perceber em seu conceito de ‘modelos mentais’ uma afinidade com o conceito de 16. A cada período maior, quer seja semanal, mensal ou superior, o professor deve reler os diários registrados, deve refletir sobre as questões mais importantes e as experiências feitas e seus resultados; 17. 18. Em contextos nos quais o professor sinta confiança e tenha apoio por parte de coordenadores pedagógicos e diretores, ele pode trazer à discussão suas dúvidas e conclusões obtidas a partir das reflexões contidas nos diários. Por outro lado, devido ao caráter íntimo das informações registradas nos diários, não se recomenda que o professor os exiba aos outros membros da equipe interdisciplinar; 19. 20. Mais importante é que o professor veja os diários como um registro processual, e não os avalie apenas como uma série de imagens estanques e isoladas. Esta visão do processo em desenvolvimento servirá como instrumento para desvelar as mudanças que possam ocorrer durante o período de registro dos diários. Acima de tudo é fundamental que os profissionais das áreas de suporte (psicólogos, pedagogos, psicopedagogos e lingüistas aplicados) tenham a humildade de perceber que o local do fazer docente é do professor, e que este fazer possui características tão científicas quanto os deles mesmos. A função dos outros membros da equipe interdisciplinar deve ser a de dar ao professor o suporte necessário à organização – ou à reorganização – de sua prática. Assim, por exemplo, em contextos nos quais o professor esteja enfrentando problemas de indisciplina ou agressão, seria relevante que o psicólogo ou o psicopedagogo escolar fornecesse suporte para que o professor descobrisse de que forma sua relação com os alunos pode estar alimentando um mal investimento pulsional. Deveria ser evitada a busca de culpados, a patologização do aluno ou do professor, afinal o aluno não se torna agressivo por si; ele investe a agressividade sobre sua relação com o professor e deveria ser sobre esta relação o foco do suporte psicológico ou psicopedagógico. Um aspecto que deve ser ressaltado é a necessidade de que os membros da equipe interdisciplinar não tentem doutrinar, ou muito menos convencer os professores a adotar uma determinada teoria ou metodologia de ação de modo acrítico. É necessário, sem dúvida, dar ao professor a oportunidade de conhecer qualquer paradigma teórico que possa ser relevante a sua prática, mas também deve-se dar a ele a possibilidade de dialogar criticamente com tal paradigma. Em resumo, é este o momento de permitir ao professor de LEs resgatar a sua autoridade, a qual foi perdida no curso da história pela influência de fatores diversos e substituída por ideários ou modelos mentais que se alimentam de uma postura de passividade acrítica. O cuidado que se deve ter, portanto, é de não deixar que o fazer docente se submeta aos fazeres de outros profissionais atualmente envolvidos direta ou indiretamente com o contexto escolar. Concluindo, deve-se ressaltar a necessidade de permitir o surgimento de um pensamento e de uma prática que dêem conta de uma contínua análise sistêmica do processo educativo. Uma análise que leve em consideração a proposta educacional da escola, as diretrizes da LDB, a orientação do sistema educacional local para o ensino de LEs, a formação do professor na Licenciatura, a relação professor-aluno e o comprometimento deste professor com seu processo de auto- avaliação e aprendizado contínuos. Referências Bibliográficas ALMEIDA FILHO, J.C.P. /1999/ Crise e mudança nos currículos de formação de professores de línguas. Unicamp, mimeo, 1994. In: VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helena. Repensando o curso de letras: habilitação em língua estrangeira. [Online] Disponível em http://atlas.upcel.tche.br/~alab/ Arquivo: le.htm. ENRIGHT, Lee. 1981 The Diary of a classroom. In: NIXON, J. (ed.) A Teacher’s guide to action research. Londres, Grant McIntire Ltd., p. 37-51. FERNANDEZ, Alícia. 1992 Agressividade. Palestra proferida durante a II Jornada de Estudos Pedagógicos em Porto Alegre, março. LEI No. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da Educação. LIBÂNEO, José Carlos. 1997 Pedagogia e modernidade: presente e futuro da Escola. In: Guiraldelli Jr., Paulo (org.), Infância, escola e modernidade. São Paulo, Cortez; Curitiba, Editora da Universidade Federal do Paraná, p. 127-176. LÜDKE, M., Marli E.D.A. ANDRÉ. 1986 Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, EPU. MARCOLIN, Neldson. 1999 O orgulho está de volta. Revista Época, Ano I, n.37, p. 58-63, 1º de fevereiro. MOITA LOPES, Luiz Paulo da. /s.d./ Eles não aprendem português quanto mais inglês: a ideologia da falta de aptidão para aprender línguas estrangeiras em alunos da escola pública. mimeo. MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso, Cecília Azevedo Lima COLLARES. /s.n.t./ A História não contada dos distúrbios de aprendizagem. mimeo, p. 31-47. ROJAS, A.R., R CORRAL. 1991 La Tecnologia educativa. In: Tendencias pedagogicas contemporaneas. Ciudad de La Habana, Cenpes, p. 15-22. SENGE, Peter M. 1998 Dê-me uma alavanca longa o bastante... e, com uma das mãos, moverei o mundo. In: --- A Quinta disciplina: arte e prática da organização de aprendizagem. Editora Best Seller, Círculo do Livro, p. 37-50. VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helena. /1999/ Repensando o curso de letras: habilitação em língua estrangeira. [Online] Disponível em http://atlas.upcel.tche.br/~alab/ Arquivo:le.htm. RESENHA: UMA TRAJETÓRIA PARA A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Edgar Indalecio Smaniotto Resenha: SEVERINO, Antonio Joaquim. A Filosofia da Educação no Brasil: Esboço de uma Trajetória. In: O que é Filosofia da Educação? Paulo Ghiraldelli Jr. (org.) - Rio de Janeiro: DP&A, 2000, 2º edição. Onde comprar: http:// www.dpa.com.br/ Antonio Joaquim Severino pretende fazer uma historiografia da Filosofia da Educação no Brasil, trabalho este que o autor reconhece não é nada fácil, ele procura explicitar alguns motivos. Existem poucos estudos históricos sobre o assunto, assim como estudos teóricos mais sistematizados. Torna-se necessário então um debate sobre a questão da identidade da Filosofia da Educação, o que vêem acontecendo recentemente, debate este que o autor procura não apenas expor, mas também participar. No decorrer do artigo o leitor poderá acompanhar mais de perto as várias correntes da Filosofia da Educação Brasileira. Num primeiro momento o autor nos leva ao conhecimento de alguns clássicos da historiografia referente ao assunto tratado. Tomamos conhecimento das obras de Creusa Capalbo (que investiga as características humanísticas, associadas ao utilitarismo e ao cristianismo do Brasil Colônia á Republica), Moacir Gadotti (que elaborou uma abrangente síntese das idéias pedagógicas no Brasil), Dermeval Saviani (produziu um texto sobre as grandes tendências teóricas da educação brasileira), entre outros de menor importância citados pelo autor. Após este breve esboço temos nas palavras do próprio autor o objetivo a ser alcançado com seu texto: “o presente estudo visa apenas apresentar um roteiro provisório para uma possível retomada dos momentos mais significativos da experiência, em construção, da área da Filosofia da Educação. Trata-se de uma primeira aproximação, apenas indicativa de um traçado para outras investigações, mais acuradas, mais atentas e profundas”(p.268) Severino não deixa de reconhecer que qualquer tratamento geral da questão esta sujeito a limitações, lacunas e ambigüidades, busca então alicerçar sua reflexão na expressão “Filosofia da Educação” como ponto de partida para a construção de um esquema de sua abordagem. Filosofia da Educação pressupõe refletir filosoficamente sobre a educação, e ainda que á atividade filosófica esteja sujeita a diferentes concepções, temos um ponto em comum, ela é sempre vista como uma modalidade de conhecimento, tais como a ciência e o senso comum. Portanto: “Filosofia da Educação é o exercício de um pensar sistemático sobre a educação, ou seja, de um pensar a educação, procurando entendê-la na sua integridade fenomenal. Pressuponho, pois, que se A quarta e ultima vertente trabalhada por Severino se refere àquela que da prioridade a dimensão política da prática pedagógica, onde a Filosofia da Educação vê a educação como um processo inserido no processo mais abrangente da existência dos educandos. Adeptos desta concepção temos Durmeval Trigueiro Mendes, que vê o filósofo da educação como alguém capaz de fazer um investimento na descolonização cultural. Dermeval Saviani conceitua a Filosofia da Educação como uma reflexão sobre problemas que a realidade apresenta. Esta proposta filosófico – educacional, fundada na visão dialético – marxista, como crítica da dominação social e proposta de práxis pedagógica transformadora ganhou vários adeptos no Brasil, entre eles, Carlos R. J. Cury. José Carlos Libaneo por sua vez considera imprescindível que os conhecimentos escolares sejam corretamente aprendidos pelas classes menos desfavorecidas, como uma forma de luta política. Newton Duarte por sua vez aprofunda questões sobre a constituição do sujeito no contexto prático histórico – social, por uma perspectiva histórico – crítica. Antonio Joaquim Severino nos apresenta assim uma longa lista de idéias, filósofos da educação e suas filosofias da educação que eu apenas esbocei nesta resenha. Ele conclui o artigo com suas próprias reflexões filosóficas, seu objetivo é elucidar o significado da área como exercício epistêmico, entende que a tarefa da Filosofia da Educação é contribuir para a intencionalização da prática educacional, a partir de sua própria construção em ato, numa determinada sociedade e tempo histórico. Ele se filia assim a corrente da Filosofia da Educação como práxis, ou seja, ação pensada, refletida, apoiada em significações construtivas e assumidas pelo sujeito, mas ainda assim prescindindo de uma intima ligação com as ciências. Apesar de ter sua própria filiação filosófica, o trabalho historiográfico de Severino é impecável e indispensável para quem quer entender a trajetória da Filosofia da Educação Brasileira. O texto é profundo, muito bem escrito e recheado com farta bibliografia e muitas notas de rodapé que localizam movimentos, datas e biografias. Em outras palavras indispensável para filósofos, educadores e principalmente Filósofos da Educação. REFLEXÕES ANTROPOSSOCIAIS DA INTERVENÇÃO CLÍNICA E DO MÉTODO EM PSICOPEDAGOGIA Antônio Vital Menezes de Souza Este artigo trata da questão do campo de atuação profissional e metodológica em psicopedagogia. Inicialmente procura situar a emergências das discussões sobre método de trabalhos empregados no exercício clínico de atendimento especializado na esfera de atuação profissional do psicopedagogo. Sugerindo uma atitude profissional solidarista e intervencionista crítica frente às queixas do “não-aprender”, o texto aborda a relação entre as práticas de atendimento psicopedagógico questionando-as a partir de uma releitura do método situado em paradigma de crise e urgências de superação de um positivismo modernoso. Critica a relação originária da Psicopedagogia com as ciências médicas e suas visões organopatológicas acentuando a necessidade de se pensar/agir/intervir numa abordagem complexa nos momentos de atuação profissional. Estabelecendo uma releitura da práxis em psicopedagogia o enfoque sobre as abordagens acionalistas no âmbito da Psicossociologia e das Teorias do Social tornam-se referências indispensáveis nessa tarefa Considerações Iniciais: o ponto de partida ou de chegada? A atividade clínica da Psicopedagogia em instituições tem despertado curiosidades e angústias entre os profissionais da área nestes últimos tempos. Situada numa abordagem que englobe e amplie a discussão em torno à atuação profissional, tomando por base o conjunto de procedimentos e instrumentação metodológica de intervenção frente o não-aprender do sujeito, a Psicopedagogia tem se constituído enquanto área de conhecimento cada vez mais necessária aos processos de compreensão, prevenção e terapêutica de uma série de problemas relacionados à esfera educativa no âmbito das construções e processos de aprendizagem do sujeito. A problemática da aprendizagem, seus transtornos e suas manifestações em espaços institucionais tem sido vista como um elemento importante para estudos na atualidade. Isto vem se dando não somente por sua extensão social cada vez mais pertinente às peculiaridades do sujeito que lhe é portador, mas, também, pelos mecanismos cada vez mais presentes de um contexto de relações histórico- culturais específico, que contorna o fenômeno do não-aprender institucionalizado, transversalizando-se nos instantes em que o atendimento psicopedagógico, orientado por uma metodologia específica de trabalho, começa a ser plenamente exercitado (Fernández, 1991). Nessa tarefa, conseqüentemente, a interlocução entre os saberes já construídos e sistematizados como a Fonoaudiologia, Psicologia, Neurologia, Pediatria, Nutrição etc, aliados ao instrumental básico da intervenção clínica em Psicopedagogia, vista também como processo metodológico e investigativo, torna-se condição siné qua non à compreensão de tais manifestações dentro de espaços, a exemplo da escola em suas conexões com a produção de discursos sobre o chamado “fracasso escolar” tão comumente estudado/divulgado nos dias de hoje. A esse respeito, o processo da terapêutica psicopedagógica vem sinalizando uma dificuldade comumente apresentada durante a atuação profissional: Será possível exercitar uma prática clínica intervencionista crítica nas instituições? O que tem sido feito pelo psicopedagogo diante dos problemas encontrados em contextos situacionais que englobam dinâmicas de interação social e paradoxos expressos pelos alunos em seu contato com o saber escolarizado? Como tem se dado essa atuação profissional sem que se deixe levar pelo “pessimismo” fatalista dos membros da instituição? Qual a função atribuída ao psicopedagogo? Mediar? Intervir? Especificamente o quê, sob quais aspectos? Sob quais condições? A esse respeito tem se percebido o profissional da psicopedagogia ainda bastante confuso sobre a natureza específica de sua atuação e identidade profissional. As análises e atuações em momentos de atendimento psicopedagógicos vêm se limitando às prescrições quase sempre lineares, priorizando-se o saber científico e seus respectivos métodos de análise, divulgados especialmente durante a formação profissional em Psicopedagogia. Neste sentido, a produção de um discurso sobre as patologias de diversas ordens, referente ao não-aprender, institui de forma muito peculiar, na atuação profissional do psicopedagogo, uma visão fragmentária da complexidade relacional encontrada no processo “etiológico” em suas manifestações indissociadas da natureza psicossociogenética, cultural, idiossincrática e política. Por se tomar como referencial os “ecos das vozes” das ciências médicas, das ciências psicoterapêuticas de forte inspiração positivista, a prática de atendimento em Psicopedagogia vem se explicitando numa dissimulada tendência a mecanicização do processo de intervenção muitas vezes pautada pela busca do “método seguro”. Fruto de uma prática sócio-histórica de construção científica ligada as “epistemologias da não contradição”, o método pleiteado com uma certa ingenuidade, representando concepções messiânicas, tem assegurado uma lógica onde a fragmentação, a determinista abordagem sobre o homem a partir da retórica da linearidade na observação dos fenômenos, a postura eminentemente explicativa, monocausal-linear e unívoca, abarca o Zeitgeist - espírito do tempo - de construção das ciências aplicadas. Nesta análise, todas elas subordinadas a uma hierarquização em que se tem por cume a lógica matemática, a métrica e a exatidão capaz de prever, medir e controlar as variáveis em jogo no processo de estudo. A Psicopedagogia, por várias razões, enquanto ciência aplicada em sua origem, vem despertando démarche semelhante ao mesmo tempo em que fecunda atuações profissionais paradoxais, crísicas e formativo-dialéticas. Historicamente, as categorias de natureza positivo-explicativa, alojadas no fazer psicopedagógico, em meados dos anos 50/60 no Brasil, explicitando a visão fragmentária a partir do enfoque neuropsicológico desenvolvimentista e organopatológico das manifestações do não-aprender (Scoz, 1992) vem sendo criticadas e vistas em seus limites de atuação. Sobretudo, as dificuldades de se obter resultados, frente à problemática da aprendizagem, de modo que os sujeitos envolvidos não vissem, apenas, no tratamento uma condição organopatológica, levantou sérios questionamentos sobre o método a ser desenvolvido no exercício de atendimento clínico dentro das instituições. Poderiam esses métodos de intervenção, oriundos das ciências ditas e reconhecidas numa configuração positivo-explicativa, serem exercitados numa lógica de uma hipercomplexidade, que assumisse movimentos paradoxais, complementares, heterogêneas e divergentes entre si? Um paradigma de formação e atuação profissional destituído dessas reflexões esbarra contra os movimentos de autonomia profissional e desautoriza o sujeito a trabalhar com as imprevisibilidades. O ethos ainda presente nessa formação tem por objetivo, a partir de cada disciplina científica, a sustentação de uma forma de ser/agir: o sistema ao qual o cientista pretende construir ou utilizar não deve abarcar dúvidas e incertezas. O conhecimento, então, passa a ser visto como iluminado pela razão e a experimentação o valida e/ou o nega enquanto elemento de valor técnico, científico e social. Cada profissional, submetendo sua trajetória a uma mesma lógica, consegue decompor as ordens das coisas e dos fenômenos, avaliando, adequando-os, controlando-os para que não estejam no campo da desordem (Macedo, 2000). Dessa forma, a abstenção do exercício da autonomia a respeito das terapêuticas dos problemas de aprendizagem e seus transtornos, que muitos profissionais das mais diversas áreas, em suas ciências ópticas, não mais puderam responder satisfatoriamente, tem provocado o surgimento da necessidade de se rediscutir a formação e atuação profissional em Psicopedagogia. Penso que esta limitação de análise e atuação profissional das diversas áreas de conhecimento que versavam sobre os problemas de aprendizagem, incluindo a busca pelo método seguro, de aplicabilidade funcional, foi um dos mais acentuados motivos que levou a se pensar na possibilidade de se criar um espaço Resgata o conceito próprio da Psicopedagogia, utilizando a função metalingüística do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa onde está acentuado ser a Psicopedagogia uma “aplicação da psicologia experimental à pedagogia” (p.vii). E, tentando ampliar suas reflexões iniciais pondera: [...] Apenas isso. Ou seja, o termo já foi inventado e assinala de forma simples e direta uma das mais profundas e importantes razões da produção de um conhecimento científico: o de ser meio, o de ser instrumento, para um outro, tanto em uma perspectiva teórica ou aplicada [...] (Macedo, Lino de. In: Scoz, 1992. Prefácio). Nesse contexto, começo a redirecionar meu olhar ao seguinte tópico de análise: A identidade da Psicopedagogia deve ser buscada ou encontrada, inicialmente, no seu próprio nome; a Psicopedagogia, como área de conhecimento em formação, será sempre tributária da Psicologia e da Pedagogia em seu sentido mais geral possível. Assim, não é demais situar que, mesmo se tendo por enfoque a Psicologia ou a Pedagogia, enquanto áreas de saber de natureza metodológica aplicada, quando tomadas separadamente, incorre-se num amplo cenário dos “limites” epistemológicos, encontrados na operacionalização metodológica de ambas, pois que, poderemos falar de Psicologias e Pedagogias considerando-se a formação de conhecimentos e saberes também “novos” ou sua aplicabilidade metodológica propriamente dita que permitem um fluxo ambíguo em termos de atuações e demarcações epistemológicas se situadas no contexto do julgamento positivista amante do rigorismo modernoso. Some-se a isso, a natureza “salvadora” com que se apresentava a função da Psicologia e da Pedagogia (ou ainda se apresenta no imaginário social?) sob forma de uma roupagem “nova”, mais rigorosa, para alguns, e, para outros, menos confiável porque próxima a uma “colcha de retalhos” sobre o qual se pretende construir conhecimento eficiente e eficaz no início do século XX. Assim, é fácil pensar na articulação simples, não pertinente, entre Psicologia e Pedagogia no aparecimento de uma Psicopedagogia Redentora, arma capaz de combater e vencer os problemas anteriormente não solucionados. A psicopedagogia, nesse contexto, vai tomando corpo e adquirindo padrão de cientificidade pelo exercício sistemático do fazer metodológico consistente com uma prática que se pretende interdisciplinar. Note-se: A psicopedagogia, hoje, é entendida num contexto de interdisciplinaridade, sem, contudo, perder de vista que "Os diferentes níveis de Realidade são acessíveis ao conhecimento humano graças à existência de diferentes níveis de percepção, que se acham em correspondência biunívoca com os níveis de realidade... sem jamais esgotá-la completamente. (Rubstein, 1996:23)· É nesse campo que os discursos produzidos sobre o não-aprender da criança ou do sujeito, ator social, passam a ser vistos como uma larga condição de se articular um saber teórico que provoque entre os saberes práticos e vivenciais (saberes da experiência) uma inter-relação. Então, a Psicopedagogia Redentora, ao surgir no Brasil, acaba alimentando com o sonho do projeto “interdisciplinar”, o Zeitgeist da disciplinarização tecnocrata in situ. As neurociências, o desenvolvimento dos discursos patologizantes sobre o não-aprender, o psicologismo aliado a uma visão psicométrica do comportamento humano, Behaviorista, experimental, representa muito bem esse período de formação histórica da área. Uma Psicopedagogia que se instrumentalizou politicamente situando-se nos movimentos de apartheid entre manifestações etnocêntricas e cínicas. Rotulações, estigmas. Uma Psicopedagogia Band-aid que violenta simbolicamente as relações do sujeito com o conhecimento a partir de um sem-número de sessões, de “olhares e ouvidourias” porque ciência, porque área especializada em desmontar o grande quebra-cabeça do não-aprender. Assim, percebe-se que a Psicopedagogia vai, também, participar do processo de crise paradigmática, de crítica ao método científico positivista. Por conseguinte, em meados dos anos 80, em conjunto com as transformações sócio-culturais, os impactos de um processo de mundialização dos espaços, ao exercício de ideologização em massa, movimento este propiciado pelas transformações nas formas de ser e de se comunicar entre os homens ocorridas pelo advento da Revolução das Informações, a Psicopedagogia, paralelamente com a Psicologia e a Pedagogia, vai receber a influência das idéias acionalistas do Construcionismo Social, do Interacionismo Simbólico, Escola de Chicago, Etnometodologia, nas idéias de Pearce, Mead, Schwartz, Alain Coulon etc. De forma mais historicizada, aqui no Brasil, discute-se Lev Seminovitch Vygotsky e seu sócio-culturalismo interacionista no âmbito da Psicologia; Paulo Freire, Gadotti e Carlos Brandão, nas esferas da Pedagogia. Enfatiza-se uma Pedagogia do Oprimido. E, nessa nova concepção, faz-se urgente que a Psicopedagogia amplie seu campo de ação. Sempre considerando as dimensões pedagógicas, sociais e políticas do fracasso escolar, a fim de alcançar as populações de estudantes que penetram nas escolas e não conseguem aprender. Em outras palavras: Abre-se, então, a questão do papel da Psicopedagogia na e para uma determinada instituição, cujas formas de estrutura e articulação não podem ser ignoradas. No dizer da professora Bernadete Gatti, a ação educativa se passa num ambiente determinado, historicamente construído, e seu entendimento é fundamental para a compreensão dos agentes e das ações educativas e suas potencialidades. (Scoz, 1992: 4). Não obstante, a intervenção clínica da Psicopedagogia frente o não-aprender da criança é caracterizada por uma atitude que envolve o escutar e o traduzir, segundo Alicia Fernández (1992). O terapeuta é uma testemunha que legaliza a palavra do paciente. Um par dialético entre o terapeuta, o sujeito que não aprende e sua família. Ao lado de tudo isso, focaliza-se o tópico da natureza metodológica da intervenção clínica em Psicopedagogia. A Psicopedagogia surge para atender as crianças e adolescentes que por diferentes fatores estão excluídos ou se excluem eles mesmos do sistema educacional. As abordagens acionalistas dentro das discussões epistemológicas e metodológicas em Ciências Humanas, Educacionais e Sociais apesar de serem pouco conhecidas, não são muito recentes. Dilthey e Max Weber enquanto pioneiros clássicos nessas discussões já acentuavam em seus estudos a importância de se valorizar o tributo das ações humanas no contexto de formação social e de relações dentro das interatuações coletivas. A emergência desses paradigmas acionalistas, segundo J. Alexander (1987) deu- se pela dificuldade com que os cientificismos de inspiração positivista compreendiam as relações sociais e as atividades humanas em torno ao conhecimento e organização da vida social. As teorias macrossociológicas esgotando-se em seus discursos nomotéticos, sustentados por um método objetivista, foram, pouco a pouco sendo repensadas na dinâmica que se instaurava o século XX. A propósito, as Teorias da Ação no confronto entre as macro-micro-explicações do campo de relações da vida social acabou provocando alterações na forma de se perceber o sujeito que arquiteta e constrói as realidades sociais. A atribuição de sentidos e significados ao mundo, feita pelo homem, ator social, foi teia intensificada em reflexões e análises por parte de autores contemporâneos no campo dos variados conhecimentos e especialidades das ciências humanas. Nesse sentido, a Psicopedagogia, área recentemente formulada, pouco a pouco vai se integrando ao rol de discussões em torno à ação social e o significado da vida social. O fracasso ou o sucesso escolar, como já anteriormente explorados, é oriundo de uma relação social que carrega consigo uma quota de expectativa e de atuação intermediadas pelo processo de atribuição de significado com o qual os seres humanos adequam às suas relações com o mundo do self, do Outro e do contexto operacional onde se concretizam as relações intersubjetivamente construídas pelos atores em questão. A importância, então, de se procurar uma articulação entre as abordagens acionalistas, as abordagens positivistas e a prática-teoria psicopedagógica é fundamental. Gostaria, conseqüentemente, de contrapor tais elaborações em termos teórico-reflexivos aqui neste espaço. Nesse sentido, Parsons, em seu estrutural funcionalismo, a respeito da ação social acredita na natureza ordinária da vida social. A ação é compreendida como um sistema normativo estável de símbolos. Estes são entendidos enquanto valores de significação própria da ação humana. No entanto, na perspectiva parsoniana, a natureza ordinária da vida cotidiana regula nossas ações mediante o processo de internalização do conjunto das regras sociais que regimentam o grupo social ao qual o ator social pertence. Pode-se, entretanto, pensar de diferente modo a partir das abordagens acionalistas. Lê-se: Tais questões, podemos verificar, estão contidas na caracterização enfatizada por Weber quanto à ação social: uma ação é social quando um ator social atribui um certo significado à sua conduta e, por meio deste significado, relaciona-se ao comportamento de outras pessoas. A interação social ocorre quando as ações são reciprocamente orientadas em direção às ações de outros. As ações orientam-se reciprocamente porque os atores interpretam e fornecem um significado tanto no seu próprio comportamento quanto ao de outros, e não de forma cujas origens pretendem torná-la adepta do rigorismo modernoso do objetivismo excludente pautado pela experiência logicista camuflada pelo espaço das vivências clínicas no campo de atuação que lhe compete. Penso que uma das questões urgente de uma Psicopedagogia politicamente construída sob os pilares de uma crítica fecunda é a abertura para a dinâmica das vivências e relações dos atores sociais em sua itinerância e em sua errância. Então, as buscas das relações de causalidade, mesmo na inspiração de uma multicausalidade submetida a análises fatoriais e mensurabilidades, perde espaço para os questionamentos seminais: Quem são os aprendentes no processo de recusa ao processo de conhecimento? Quais suas expectativas? Como interpretam e constituem a concreticidade de suas relações? Como se percebem? Como entendem suas próprias vozes? Que naturezas se entrelaçam no âmbito das interatuações? Que procedimentos utilizam para organizar a sistemática de suas relações com o mundo, consigo e com o Outro? A Etnometodologia, nos trabalhos de H. Garfinkel e Alain Coulon, dentro das abordagens antropossociais de natureza acionalista vai discutir a noção subsunçora, arquitetada, enviesada, tecida, das vivências dos atores sociais na construção de suas vidas em sociedade. Identifica-se a esta noção basilar da Etnometodologia enquanto a teoria social dos etnométodos, em outras palavras, a teoria psicossociológica que busca compreender as maneiras habituais, os procedimentos comuns com os quais os atores sociais arquitetam e constroem sua cotidianidade. Vê-se: Assim, em “Le domaine d’objet de l’éthnométhodologie”, Garfinkel nos diz do seu objeto de estudo: os procedimentos intersubjetivamente construídos que as pessoas, na sua cotidianidade, empregam para compreender e edificar suas realidades[...] ( Macedo, 2000:111). Uma outra noção importante para a contribuição de se repensar a práxis psicopedagógica nas inspirações de Teorias Acionalistas é o conceito utilizado nos trabalhos da corrente etnometodológica: accountability, cunhado por H. Garfinkel. Para a Etnometodologia vivemos num mundo que é carregado de significações e sentidos produzidos pelos atores sociais; a natureza do social é inteligível; o ator social possui racionalidade, não é um idiota cultural. Neste sentido, a accountability (descritibilidade) revelar-se-á sempre na relação prática dos sujeitos na esfera de atuação social. Em suma: o mundo social é passível de ser interpretado porque possui a descritibilidade enquanto categoria necessária à sua compreensão. Em termos de compreensão do espaço escolar, já que se falou em outros momentos de uma Psicopedagogia Institucional ligada a Escola, a Etnometodologia compreende que essa competência com a qual se apresenta o social nasce no seio de uma determinada comunidade, também, a partir da escola. Note-se: [...] Neste sentido, normas, regras e valores são sempre uma interpretação local, pontual, pois é na escola que se criam e se recriam incessantemente. Procurando mostrar como as desigualdades são construídas e mantidas no dia-a-dia das relações escolares, os etnometodólogos entram na lógica das ações cotidianas “não documentadas”, desvelando procedimentos de exclusão nem sempre visíveis, nem sempre comunicados: um mundo de ações tácitas que as relações cristalizadas ao longo da história da instituição escolar mantêm reificadas, isto é, naturalizadas. É um impensado extremamente importante para a compreensão do “currículo real” Perrenoud (1994), o currículo que mostra a vida escolar se fazendo profunda e detalhadamente. (Macedo, 2000:115). Outra contribuição irrompe enquanto espaço aberto às análises em Psicopedagogia. Lê-se, pertinentemente, ainda: As sessões de orientações, a relação professor-aluno, as interações entre alunos e a construção de regras de convivência entre eles e a instituição escolar, a associação de pais, formas de avaliação, entre outros, são assuntos que emergem como campos significativos para os estudos etnometodológicos, vistos correntemente pela óptica apenas reprodutivista, correlacional ou experimentalistas [...] (Macedo, 2000:115). De modo semelhante, as Teorias Acionalistas vão inaugurar os espaços de uma produção da legitimidade e reconhecimento do ator social. Meham (1982), Lapassade (1986), Pearce (1994) dentre outros na linhagem da Dramaturgia Social com Goffman (1986), Construcionismo Social, Teoria Crítica etc são pioneiros nessa tarefa. Por conseguinte é urgente se repensar a esfera de como se interpretam os fenômenos sociais em sua dinamicidade e concreticidade: o Lebenswelt de Husserl, mundo vivido, a dialogicidade entre ego e alter. Para a Psicopedagogia comprometida com a urgência de maiores possibilidades de intervenção, o assumir tais atitudes enquanto um projeto a se construído e vivido nos meios educacionais é também urgente e inadiável. O fracasso escolar, a dificuldade de aprendizagem, os transtornos, os sintomas expressos não estão apenas na ordem do discurso que a ciência lhes dá, mas na imprevisibilidade e na imprecisão do ato; na ambigüidade relacional com que se manifesta cada proceder da criança, sujeito social portador de reflexividade e autoconsciência, subjetividade e objetividade, contradições e itinerância...! No espaço duvidoso da recusa ao aprender pela metódica linear com a qual os membros recriam e negociam a todo momento na construção de suas idiossincrasias. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada – abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. 2ª reedição, Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985. HAGUETTE, Teresa. Metodologias Qualitativas na Sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987. HUGHES, J. A filosofia da pesquisa social, Rio de Janeiro: Zahar, 1980. LAPASSADE, G. “L’ instituant ordinaire”. Quel corp? n.32-33, décembre, 1986, p.37-43. MACEDO, Roberto S. A Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial nas Ciências Humanas e na Educação. Salvador: EDUFBA, 2000. MEHAM, H. “Le constructivisme sociale em psychologie et em sociologie”. Sociologie et Societé, Vol. XIV, n.2, octobre, 1982, p. 77-96. 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O diálogo entre a família e a escola, tende a colaborar para um equilíbrio no desempenho escolar, o que é possível considerar que a criança e os pais trazem consigo uma ligação íntima com o desempenho. O tema sobre participação dos pais na vida escolar dos filhos tem sido tratado sob um enfoque multidisciplinar. Em relação aos aspectos históricos, autores como Elkin (1968), Ariés (1978), Dias (1992), Cunha (1996) buscaram compreender a dinâmica da relação famíliaescola, com destaque para a família como agente socializador, ao enfatizarem que os filhos aprendem valores sentimentos e expectativas por influência dos pais. Enfocando os aspectos sociais, os autores Gomes (1993), Grünspun e Grünspun [s.d.], Casas (1998), se referem às transformações sociais ocorridas dentro da instituição familiar, e explicam que poucos são os casos em que os pais compartilham a responsabilidade sobre a vida escolar de seus filhos. Sobre a compreensão da relação família-escola a partir dos aspectos psicológicos, autores como Ehrlich (1985), Fraiman (1997), Mitsch (1996), Vicente (1998), Maldonado (1991), Minervino (1997), Troppmair (1996) consideram dois pontos muito importante. Primeiro, indicam uma escassez de estudos realizado por pesquisadores brasileiros na área do envolvimento dos pais no trabalho escolar. O segundo fundamenta que os aspectos psicológicos da família influenciam na educação escolar dos filhos, ou seja, os filhos vivem reflexos negativos e positivos do contexto familiar, internaliza-os conforme o modelo recebido, e esses modelos satisfatório. A maioria dos alunos com sucesso escolar tiveram uma trajetória de bom rendimento desde o início de sua vida escolar, de certa forma, o sucesso escolar inicial constitui um sentido positivo na realização das práticas escolares e determinam uma base importante para a continuidade da vida escolar. O auxílio dos pais nas tarefas escolares é assinalado por todos estes pais, as mães são mais presentes no auxílio às atividades, apresentam um cuidado maior, dão mais atenção e se mostram mais presentes na realização das tarefas de casa. Quanto às razões ou responsabilidades que os pais atribuem para o sucesso escolar, encontramos duas perspectivas: a primeira é na manifestação da crença divina, ou seja, Deus é o responsável pelo sucesso do filho. A segunda perspectiva sobre o sucesso escolar está relacionada, à própria disposição da criança para aprender, ao estímulo e apoio dos pais e ao trabalho do professor. Para os pais de alunos com insucesso a história escolar é marcada de modo geral por situações insatisfatórias. O filho inicia o percurso da vida escolar apresentando dificuldades no rendimento, as queixas dos pais vão desde problemas com a adaptação escolar até o fato dos filhos não conseguirem aprender. Apesar do interesse dos pais pela vida escolar dos filhos, isto não significa garantir que os filhos possam apresentar um bom rendimento, além disso, não justifica a manutenção do bom desempenho. Os pais demonstram conhecer o desempenho escolar mas não o compreende e nem conseguem definí-lo. A maioria destes pais parece ter uma visão bastante realista da dificuldade de aprendizagem do filho, inclusive descrevendo estratégias e saídas para solucionar o problema. A presença dos pais nas tarefas escolares é bastante ativa, mas permeada por dificuldades, ou seja, os pais tentam auxiliar, buscam estratégias, mas não conseguem atingir os objetivos, muitas vezes por falta de entendimento pedagógico ou mesmo orientações específicas. Além disso, auxiliam e acompanham as tarefas com base no nível escolar que tiveram, o que na maioria é baixo ou até mesmo ausente, o que torna difícil o auxílio. Dentro dessa perspectiva, os pais se prontificam a auxiliar e participar das explicações das tarefas, utilizando recursos tradicionais da sua própria vida escolar trazidos pela memória, mas parece evidente a dificuldade dos pais diante dos problemas de aprendizagem. Enquanto algumas mães se sentem perdidas diante das dificuldades dos filhos, outras utilizam várias tentativas, esperando conseguir atingir os objetivos do desempenho bem sucedido, persistindo na questão do acompanhamento do filho. As concepções dos pais sobre a atribuição da responsabilidade do desempenho mal sucedido são construídas a partir de críticas realistas ao processo de ensino e aprendizagem, contrapondo-se com uma autocupalização dos pais. A PRESENÇA DOS PAIS NO DIA-A-DIA ESCOLAR DOS FILHOS Em geral os pais de aluno com sucesso escolar valorizam o desempenho do professor e como este realiza as atividades pedagógicas, também valorizando as notas. Estes pais parecem perceber que estar acompanhando o processo avaliativo é uma forma de estarem vigilantes no desempenho e acreditam na idéia de que provas e notas revelam o desempenho escolar. Verificamos que existe uma relação importante entre a participação da família na escola e as reuniões de pais. Observamos pais que expressam elogios e outros que criticam o modo como as reuniões acontecem e são conduzidas. Uma das preocupações relaciona-se ao fato da ausência da maioria dos pais nas reuniões, acreditando na idéia de que a ausência dos pais nas reuniões legitima o desinteresse pela vida escolar dos filhos. Os relatos dos pais de alunos com insucesso revelam a presença ativa dos pais no dia-a-dia escolar dos filhos e a difícil relação com o desempenho escolar mal sucedido. Os relatos revelam a participação na vida escolar dos filhos como uma tentativa de recuperar o atraso no desenvolvimento da aprendizagem. CONCLUSÕES PRELIMINARES Retomando nosso objetivo geral, parece que os pais de alunos com sucesso constroem uma percepção positiva fundamentada na idéia "a escola é boa", enquanto que os pais de alunos com insucesso relatam que "a escola parece boa". Observamos que os pais deste grupo sentem uma certa discriminação da escola, pelo fato dos seus filhos apresentarem insucesso. Esta diferença entre as duas percepções indica que nosso objetivo geral será alcançado sobretudo quando chegarmos à análise total dos dados. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AMATEA, E. S. e FABRICK, F. (1984) Moving a family into therapy: critical referral issues for the school councelor. School Conselour, , v.31, p. 285-294. ANDRADE, Antônio dos Santos.(1986). Condição de vida, potencial cognitivo escola: um estudo etnográfico sobre alunos repetentes da primeira série do primeiro grau. São Paulo, 249p. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia. USP. 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Dissertação 4.1 - Na apreensão da informação Qualquer alteração neuropsiquiátrica, funcional ou orgânica, suficiente para comprometer o sistema sensorial, seja a nível periférico, como por exemplo, a surdez e a cegueira, seja a nível central, como as lesões cerebrais, interfere sobremaneira na apreensão dos estímulos. Evidentemente, se a pessoa não consegue ouvir ou ver, sua aprendizagem estará seriamente comprometida. 4.2 - No processamento da informação A síntese das sensações que vêm do exterior sob a forma de estímulos, de forma a constituir percepções conscientes do que ocorre fora da pessoa, dá-se nas zonas corticais do Sistema Nervoso Central (SNC). A anestesia, surdez ou cegueira podem resultar da lesão de um órgão sensorial periférico, do nervo que leva essas informações até o cérebro (nervos aferentes) ou de uma zona cortical do SNC, onde se projetam essas sensações. Em qualquer das circunstâncias está seriamente prejudicada a apreensão da informação. Há casos onde estão conservadas a integridade das vias nervosas aferentes (periféricas), mas existem lesões cerebrais corticais na vizinhança da área de projeção, nas chamadas áreas para-sensoriais. Embora se mantenha a integridade das sensações percebidas, há importante alteração na qualidade daquilo que é sentido. Nesses casos, fala-se em Agnosia. Para estudo das DA as agnosias mais importantes são a visual e auditiva. A agnosia visual é, entre esses transtornos, a melhor conhecida em sua origem. Nesses casos, muito importantes para a leitura, porque a pessoa vê, enxerga mas não sabe o que está vendo, as lesões neurológicas responsáveis são quase sempre bilaterais e afetam as áreas occipitais 18 e 19, contíguas à área 17 onde terminam as projeções visuais (áreas para-sensoriais). A agnosia auditiva, por sua vez, é quando o paciente ouve sons e ruídos, porém não consegue identificá-los, não os compreende. Outro quadro relacionado à dificuldade no processamento da informação é a Dislexia. Dislexia é um distúrbio específico da linguagem caracterizado pela dificuldade em decodificar (compreender) palavras. Segundo a definição elaborada pela Associação Brasileira de Dislexia, trata-se de uma insuficiência do processo fonoaudiológico e inclui-se freqüentemente entre os problemas de leitura e aquisição da capacidade de escrever e soletrar. Resumidamente podemos entender a Dislexia como uma alteração de leitura. Apesar da criança disléxica ter dificuldade em decodificar certas letras, não o faz devido a algum problema de déficit cognitivo, como ocorre na Deficiência Mental, mas sim de uma alteração cognitiva. Normalmente esses pacientes apresentam um QI perfeitamente compatível com a idade. PSICODIAGNOSTICO PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar 7ª Edição MARIA LÚCIA L. WEISS Editora DP&A - 2000 CAPÍTULO 4 PRIMEIRA SESSÃO DIAGNÓSTICA O que acontece comigo...? Eu sou burro? Paciente Darei conta desse diagnóstico? Terapeuta SUMÁRIO Ansiedades da primeira sessão Diferentes formas de primeira sessão Entrevista Familiar Exploratória Situacional (E.EE.S.): objetivo, descrição e exemplo E.O.C.A.: objetivo, descrição, exemplo, avaliação O primeiro encontro do terapeuta com o paciente é carregado de ansiedade de ambas as partes. Há muito de desconhecido, de persecutório para os dois. Cada um põe nesse encontro questões diferentes como: “O que acontece comigo?” “Sou doente?” “Sou burro?” “O que será que a professora falou para ela?” Por outro lado: “Será que ele me aceitará?” “Será que descobrirei o que acontece?” A ansiedade existe sempre, em qualquer situação diagnóstica: no terapeuta, em face da necessidade de penetrar no desconhecido; no paciente e seus pais, ante o desconhecimento da situação e o medo de revelar aspectos pessoais ou da vida familiar, aspectos esses conhecidos ou desconhecidos deles próprios. A ansiedade bem dosada é positiva em qualquer situação. E necessário dar muita atenção a esse aspecto, pois, se por um lado a ansiedade pode ser “um agente motor da relação interpessoal”, num sentido construtivo, por outro, a partir de certa intensidade pode perturbar a relação, desorganizando em excesso a conduta do terapeuta, do paciente ou dos pais. Nesse caso, a sessão pode se tornar improdutiva. Como já foi visto anteriormente, dependerá do que foi dito no primeiro contato telefônico sobre a queixa, a definição da forma de realizar a primeira entrevista, e cada caso sugere um caminho a trilhar. Há situações em que opto por entrevista inicial de anamnese com os pais, quando, por exemplo, me é dito que o paciente já teve ou tem outros tratamentos; quando há dúvidas sobre um diagnóstico anterior; quando há discordância de posição entre pais e a escola; quando pais separados estão em atrito; quando há um desvio muito grande entre a idade cronológica e a série escolar. Faço a primeira entrevista como uma Entrevista Familiar Exploratória Situacional — E.F.E.S. (Weiss, 1987, p. 29). Nessa entrevista reúno os pais com a criança ou adolescente para uma sessão conjunta com duração de cinqüenta minutos. A E.EE.S. tem como objetivos a compreensão da queixa nas dimensões familiar e escolar, a captação das relações e expectativas familiares centradas na aprendizagem escolar, a expectativa em relação à atuação do terapeuta, a aceitação e o engajamento do paciente e seus pais no processo diagnóstico, a realização do contrato e do enquadramento de forma familiar e o esclarecimento do que é um diagnóstico psicopedagógico. Como em qualquer entrevista, é necessário criar na — E.F.E.S. um clima de confiança para que haja a livre circulação de sentimentos e informações a fim de que se possam fazer observações como: - Se há diálogo livre entre os três, se um respeita a opinião do outro, dando-lhe tempo para falar, e se o desacordo pode ser explicitado. - Se os pais permitem as interrupções da criança ou adolescente, deixando-o discordar, acrescentar ou modificar fatos por eles relatados; se apenas um dos pais fala, impedindo a expressão do restante da família. Nesse caso, é fundamental que o terapeuta peça a opinião de todos, ao mesmo tempo em que percebe como se estrutura a definição de limites dentro do próprio grupo familiar. - O tipo de vínculo que os pais fazem como casal e com o terapeuta; vínculos pai-paciente e mãe-paciente. - Se há fantasias de saúde ou de doença no grupo que estejam misturadas com a queixa. - Qual o nível de ansiedade, expresso através de dados como: pedido de urgência no atendimento, solicitação de uma freqüência excessiva de sessões ou de horários inadequados. - Conhecimento que o paciente tem do motivo do diagnóstico e como lhe foi explicada a vinda ao consultório. - Como o grupo compreende a explicação sobre o que é uma avaliação psicopedagógica, as técnicas utilizadas, os contatos que serão feitos com a escola e outros profissionais. - Que aspectos escolhem para começar a expor a situação. - Qual “o significado” do sintoma para a família e na família (Sara Pain). O registro fiel dessa entrevista é muito importante porque ela se presta a muitas distorções. Os pais só transmitem o que querem ou podem, enquanto o terapeuta só compreende o que pode. Ao longo do processo diagnóstico, às vezes, os dados vão se modificando, bem como as hipóteses e conclusões do terapeuta. Quando se constrói uma boa relação, é comum que, em outra oportunidade, os pais revelem dados esquecidos nesse primeiro momento. Os dados colhidos na E.EE.S. devem ser comparados e relacionados com o material obtido através da anamnese, testes, outras entrevistas ou outros instrumentos. O fundamental é que, ao final dessa entrevista, os pais e o paciente saiam mais tranqüilos e menos ansiosos, sem perder de vista a necessidade de continuidade do diagnóstico. As crianças se sentem confiantes com a presença dos pais, falam de escola, exploram o consultório, brincam e ouvem a nossa conversa, interferindo de vez em quando. Deixo à disposição delas brinquedos, jogos, papel, hidrocor e quadro de giz. Tenho obtido bons resultados no engajamento de crianças entre 5 e 8 anos. Elas vêem o consultório como espaço lúdico, de confiança, não criando problema em retornar sozinhas. Considero de grande valia o adolescente fazer este primeiro contato com o terapeuta em nível de igualdade com os pais, pois de imediato sua fala e sua posição ficam valorizadas. Começo a entrevista ouvindo sempre em primeiro lugar o adolescente: a razão da vinda ao consultório e a queixa da escola, sua análise do fato, suas expectativas. No momento seguinte, ele pode ouvir a opinião dos pais e contestá-la caso discorde. A presença do terapeuta possibilita ao adolescente ser mais autônomo nesse diálogo. Tenho ouvido frases como: “Quando eu peço ajuda na Matemática, você diz que tá cansado”. “Quando você fica no meu pé, eu fico com raiva, aí é que eu não estudo mesmo”. “Se eu tiro cinco, você diz que tem que ser sete, se eu tiro sete, você diz que podia ser melhor”. “Eu não gosto desta escola, e vocês não me tiram dela”. “Na hora da prova eu penso: se eu errar, já perdi a roda da bicicleta, depois a outra roda...” Essa posição do jovem não era ouvida pelos pais em situação espontânea, doméstica. Tais exemplos representam diferentes facetas das relações da família com o trabalho escolar: valorização, apoio e atenção à execução de tarefas domésticas, nível de exigência e forma de cobrança do produto escolar, sentimento da criança ou adolescente em relação a essa situação e a escolha da escola. Vários casos de fracasso escolar de adolescentes ficaram equacionados nessa entrevista familiar, sem haver necessidade de dar continuidade ao diagnóstico, pois houve uma clarificação da questão no nível grupal com reposicionamento dos pais e proposta de ação conjunta no nível doméstico e escolar. Como exemplo de E.F.E.S., transcrevo trechos da primeira entrevista de Patrícia (14 anos, 5a coisa”. Durante a realização dessa sessão, é necessário observar três aspectos: — a temática, que envolverá o significado do conteúdo das atividades em seu aspecto manifesto e latente; — a dinâmica, que é expressa através da postura corporal, gestos, tom de voz, modo de sentar, de manipular os objetos, etc. — o produto feito pelo paciente, que será a escrita, o desenho, as contas, a leitura, etc., permitindo assim uma primeira avaliação do nível pedagógico. A partir da análise desses três aspectos, o autor propõe que se trace o primeiro sistema de hipóteses para continuação do diagnóstico. Uma E.O.C.A. para adolescentes é aproximadamente a mesma situação já descrita anteriormente, podendo-se, por exemplo, pedir-lhe que faça uma planta de casa, de bairro, de clube, etc., em que se vejam não só a construção espacial de que é capaz, mas também as relações emocionais expressas desta forma na temática escolar, família e lazer. O exemplo que segue é o de uma E.O.C.A. realizada com Celso, 7 anos e 7 meses, cursando a 2ª série. Ele foi encaminhado pela escola para fazer uma avaliação psicopedagógica. A queixa era de que só, na sala, queria brincar, se distraía muito e não prestava atenção nas atividades programadas, e tinha um rendimento geral muito baixo. APRESENTAÇÃO INICIAL T: Sua mãe explicou a você por que veio aqui? C: Não, não sei. T: O que você acha? Por que será que você está vindo aqui? C: Você vai me ensinar alguma coisa. As coisas que a gente faz na escola. T: Nós vamos trabalhar juntos para você me mostrar o que já sabe fazer, o que lhe agrada, o que aprendeu. C: Tá bem. T: Tudo que está sobre a mesa você pode usar, e fazer o que quiser. (Material já descrito e mais um livro de histórias e um livro escolar em nível de segunda série.) Você pode desenhar, recortar, ler, escrever e fazer contas. C: (Olha para os livros.) Eu quero fazer esse homem. (Mostra um personagem do livro e coloca uma folha de papel branco liso por cima e começa a copiar. Não vê direito o desenho que está embaixo, por isso retira a folha e tenta desenhar apenas olhando. Como não sai o desenho que ele deseja, rabisca tudo. Volta ao livro e desenha outra coisa copiando por cima.) T: Você gosta de desenhar? C: Muito. Este eu rabisquei porque senão ia demorar muito. (Fechou o livro dizendo que ia fazer outra coisa. Começou a desenhar em outra folha.) T: O que você desenhou? C: Uma casa, a rua e um automóvel. T: Você sabe fazer muita coisa. C: Sei. Me ensinam de tudo. T: O que você faz na escola? C: Copio dever e brinco. T: O que você mais gosta de fazer? C: Brincar. T: E na escola, o que você gosta mais? C: Nada... cortar papel. Quero papel e cola para fazer um robô. (Começou a mexer nos papéis procurando o que desejava.) T: O que você faz quando não vai à escola? C: Fico estudando. Faço o dever de casa com a professora particular. Sei tocar flauta e jogar. T: O que você faz na escola? C:Isto, olha. E fiz no ditado. (Escreveu as palavras coelho, carneiro, abelha, vermelho e queijo numa folha branca. Ditei outras palavras. Começou a copiar do livro algumas frases na mesma folha. Continuou a procurar os papéis para o robô. Pegou os tubos de plasticola e começou a contá-los: “1, 2, 3, 4, 5”.) C: Vou botar um quadrado na cabeça. A tia me ensinou assim na escola. (Acaba a colagem e coloca o seu nome no robô.) C:Você sabe o telefone da minha casa? C: Eu sei. É 888-9999 (número correto). Eu sei de cabeça. Um dia falei pro meu pai. Quando eu era pequeno, trocava os números. T: O que mais você sabe? C: Contas. Faz 2 3 8 +2 +5 -1 (Faz as contas usando os dedos para contar. Acrescentei outras contas de somar e subtrair, e ele errou, mesmo contando nos dedos.) T: Por que não põe o seu nome? C: Tá bom. (Pegou o livro escolar e começou a ler uma história. Perguntado sobre o que leu, C. não soube responder a qualquer das questões. Pegou uma folha de papel e começou a copiar do livro, letra por letra.) C: Isso de copiar eu não sei. T: Bem, Celso, por hoje nós terminamos. Continuaremos a trabalhar na quarta-feira. Observações feitas na E.O.C.A. para levantamento do primeiro sistema de hipóteses: 1. NíveI pedagógico: — Leitura silabada com retrocessos; não respeita a pontuação. Compreende somente as palavras, não percebe o significado do texto. Troca letras m por n, a por o e e por a. —Na escrita, trocou letras v por b, q por c. Não distingue a letra cursiva da letra de imprensa. —Parece não ter construído a noção de número, não faz cálculo mental. O nível pedagógico está bastante abaixo de sua escolaridade, sua produção corresponde ao nível de início de primeira série. 2. Hipóteses: — Nível intelectual: normal. — Estágio de pensamento: talvez transição entre o pré-operatório e o operatório concreto, com oscilações. — Vínculo inadequado com a aprendizagem escolar. — Grande ansiedade com relação aos objetos escolares. — Dificuldade na coordenação viso motora. — Modalidade de aprendizagem: parece ter predomínio da assimilação. — Dificuldade na organização de atividades, má distribuição do tempo; — Sentimento de menos valia. —Baixo nível de atenção; dificuldade de concentração. 3. Hipóteses sobre causalidade histórica. —Etiologia emocional. —Possível problema orgânico com conseqüências sobre a motricidade. 4.Linhas de investigação. É necessário realizar as seguintes provas: —Diagnóstico operatório para verificar o nível de competência e influências emocionais nas suas manifestações. —WISC - avaliar o nível de desempenho nas distintas funções, ver aspectos qualitativos (emocionais). —Bender - coordenação viso motora, emprego do espaço e possíveis indicadores de organicidade, ver aspectos qualitativos (emocionais). —Testes projetivos gráficos: HTP, família quinética e dupla educativa. Sara Pain propõe uma primeira entrevista feita com os pais e estruturada em torno do motivo da consulta. Dela devem ser extraídos, basicamente, o significado do sintoma na família, o significado do sintoma para a família, as expectativas dos pais quanto à intervenção do psicólogo e a observação das modalidades comportamentais expressas pelo casal. Já Alícia Fernandez (1990) estrutura uma técnica diagnóstica a que denomina Diagnóstico Interdisciplinar Familiar de Aprendizagem em uma só Jornada - DIFAJ, em que a primeira sessão é feita com toda a família reunida, inclusive os irmãos. Voltaremos ao assunto no Capítulo 12: “Diagnóstico por Equipe Multidisciplinar”. Opções de Primeira sessão diagnóstica: — Entrevista familiar explanatória situacional E.F.E.S. — Entrevista operativa centrada na aprendizagem E.O.C.A. — Entrevista - motivo da consulta. — Entrevista de anamnese. — Entrevista familiar DIFAJ. Qualquer que seja a forma da primeira entrevista, é importante dela se extraírem contribuições para o conhecimento e compreensão do paciente nas áreas cognitiva, afetivo-social e pedagógica e a possibilidade de contextualização do quadro geral. A partir dessa primeira sessão levantamos hipóteses que poderão ser confirmadas ou não no decorrer do diagnóstico. Essas primeiras hipóteses nortearão a seqüência diagnóstica e os instrumentos a serem usados. SINTETIZANDO QUEIXA → HIPÓTESE → E.F.E.S. → HIPÓTESES→ANAMNESE CAPÍTULO 5 ANAMNESE Ele é igual a mim, e eu não precisei de nada disso; antigamente era diferente. Pai SUMÁRIO Objetivo da anamnese Com quem fazer Relação terapeuta-pais —Como você veio para aqui justo no lugar onde ficava o monstro? b) Foram respostas dadas no Questionário Desiderativo (Se você se transformasse em..., o que gostaria de ser?): animal — borboleta (todos olham, ninguém mata); planta — rosa (todos olham e tem espinho para se defender); objeto — anjinho de bronze (todos gostam do anjo da paz). c) Trecho de uma história construída a partir de uma das pranchas do T.A.T: Era uma vez um tigre neném./ Até que um dia o navio jogou no mar um barril cheio de um conteúdo que crescia as pessoas.! E o barril chegou numa ilha no dia seguinte.! O tigre bebeu a coisa do barril.! Todo mundo estava procurando o pobre tigrinho.! Quando um macaco viu o tigre imenso! e saiu correndo para avisar toda floresta pra olhar. Pode-se perceber sempre na temática de Márcio a transformação para ser mais bem apreciado, ser olhado, adquirir um poder. Tais aspectos encontram sua explicação em sua história de vida, reveladora de grande carência de afeto e de atenção nos primeiros anos. Seu fracasso escolar era um sintoma dessas relações familiares em que não se trocava conhecimento, não se olhava para conhecer o outro. Diante dessa situação, Márcio não podia “olhar o conhecimento”. Nos exemplos citados, fica evidente a necessidade de localizar o modo como eram feitas as coisas para o paciente, como era o ambiente, se era “suficientemente bom”, no conceito de Winnicott (1978, p. 188): A dinâmica é o processo de crescimento, sendo este herdado por cada indivíduo. Toma-se como certo, aqui, o meio ambiente facilitante e suficientemente bom que, no inicio do crescimento e desenvolvimento de cada indivíduo, constitui um sine qua non. Há genes que determinam padrões, e uma tendência herdada a crescer e a alcançar a maturidade; entretanto, nada se realiza no crescimento emocional sem que esteja em conjunção com a provisão ambiental que deve ser suficientemente boa. É fundamental situar as mudanças (de casa, de empregadas, de creches, de escolas) mortes, separações e outras alterações na estrutura familiar. A entrevista deve transcorrer de forma que o relato espontâneo dos pais já seja em si um dado: o que recordaram para falar, qual a seqüência e a importância que dão aos diferentes fatos, o que omitem, quais fatos são esquecidos, etc. As perguntas do terapeuta devem ser feitas no sentido de complementação ou aprofundamento. As vezes, insisto no recorte de uma determinada situação de modo que, pondo nela o foco, os pais possam começar a sentir e repensar aquele momento ou sua própria postura diante da mesma situação. Por essa razão, escuto às vezes falas como: “Estou achando que tanta mudança de escola atrapalhou a vida dela.” “Parece que quem precisa de psicóloga sou eu, e não ele,” “Por essa conversa, acho que nós levamos mal a nossa separação, e ela ficou ‘grilada’ na escola.” Somente um ambiente afetivo, informal, possibilita aos pais a diminuição das defesas, a perda de medos e o crescimento da espontaneidade. O terapeuta precisa constantemente se auto- rever em seus mecanismos de contratransferência que podem, de algum modo, interferir no clima e na relação com os pais, prejudicando a anamnese. Na anamnese são estudados levantamentos paralelos como: 1. A história das primeiras aprendizagens realizadas com a mãe ou sua substituta e todos os momentos importantes de aprendizagens não escolares ou informais como, por exemplo: como aprendeu a usar a mamadeira, a colher, a canequinha; a armar um joguinho; a andar de velocípede, etc. Deve-se investigar em que medida a família possibilita o desenvolvimento cognitivo da criança - facilitando a construção de esquemas e deixando desenvolver o equilíbrio entre assimilação e acomodação - e qual carga afetiva coloca nesses processos. Assim, no início da vida é que se expandem as modalidades assimilativa e acomodativa; a primeira, por exemplo, no manejo da colher e outros objetos já mencionados e, a última, a exigência social exercida pelo controle dos esfíncteres. Muitos problemas de aprendizagem se iniciam pela maneira como se exige a inibição precoce, impedindo que a necessidade se instale normalmente, e que haja cognitivamente um rápido reconhecimento do sinal. O assunto será mais desenvolvido no item “Diagnóstico Operatório”. 2. Evolução geral - Como se processou o seu desenvolvimento, controles, aquisição de hábitos, interiorização de normas, aquisição da fala, a alimentação, o sono, a sexualidade, etc. É preciso verificar se os padrões de desenvolvimento estavam numa faixa de normalidade, se houve defasagens significativas e se ocorreram problemas neurológicos ou acidentes nesse percurso. A evolução psicomotora, sendo um caso particular desse desenvolvimento geral, deve ser analisada também no aspecto qualitativo: o que acontecia quando começou a andar? era inseguro? mostrava- se corajoso ao subir uma escada? ao explorar, engatinhando, um novo espaço? era incentivado pelos pais e irmãos nesse sentido? como evoluiu a coordenação dos movimentos finos? dos grandes músculos? a postura? A história do paciente começa no momento da concepção: foi filho desejado? acidental e querido? acidental perturbador da vida do casal e indesejado? Esse aspecto determina muitos outros pontos posteriores da vida do sujeito, pois define a situação afetiva dos pais em relação ao futuro filho. Os cuidados pré-natais que se seguem à instalação da gravidez, dando melhores ou piores condições orgânicas para o bebê, muitas vezes ficam ligados a essa aceitação ou rejeição da gravidez. As alterações perinatais de diversos tipos podem causar problemas orgânicos ligados ao sofrimento fetal, tais como má oxigenação, lesões, etc., que poderão atingir áreas importantes para a aprendizagem como sejam as perceptivas. Não aprofundaremos estes aspectos, por fugirem ao objetivo central do texto, mas consideramos fundamental, para a boa estruturação de um diagnóstico psicopedagógico, a constante atualização com relação a este tema. Na população de baixa renda, as más condições de higiene, alimentação e saúde da mãe e da criança causam graves problemas orgânicos cujas conseqüências são, por vezes, de difícil superação. Além desse fato, é comum a criança ser criada por terceiros, e a mãe não ter condições de levantar dados sobre seu desenvolvimento físico, intelectual e afetivo. 3. História clínica - Problemas, soluções e ambiente familiar quando o paciente tinha crises de bronquite, alergia, asma ou ainda as viroses próprias da infância, o quadro geral das operações cirúrgicas feitas, internações, doenças diversas e suas conseqüências, tratamentos realizados (fonoaudiológico, psicológico), como agiram os profissionais com o paciente e a família, os diferentes laudos. É importante pesquisar traumatismos e doenças ligadas à atividade nervosa superior; verificar se há consciência da família em relação à existência ou não de seqüelas. É preciso que se tenha acesso ao parecer do neurologista, caso haja um. Outro aspecto básico refere-se às condições dos órgãos cujo mau funcionamento pode prejudicar a aprendizagem, como, por exemplo, a existência de problemas visuais e auditivos. É igualmente importante traçar uma linha dos problemas que podem ter um enfoque psicossomático para verificar o seu possível deslocamento e a eventual relação com uma situação de não-aprendizagem. 4. História da família nuclear - fatos marcantes dos pais e irmãos antes, durante e depois da entrada do paciente na família; as famílias provenientes dos novos casamentos dos pais. É importante contextualizar essa história dentro de uma perspectiva socioeconômica e cultural; se houve mudança e crescimento, e como transcorrem as relações afetivas nessas diferentes etapas. É comum as crianças de classe média terem muita estimulação, não só com brinquedos pedagógicos, jogos, revistas, livros, e sofisticados brinquedos eletrônicos que estimulam raciocínio, antecipação, atenção, memória, etc., como também participarem de atividades particulares de música, dança, ginástica, esportes, etc., que possibilitam um prazeroso conhecimento e uso do próprio corpo. Por outro lado, a criança pobre tem uma estimulação restrita à escola, rádio e televisão, o que cria grande defasagem nos conhecimentos solicitados na educação sistemática ou formal, bloqueando as suas possibilidades de crescimento na aprendizagem quando a escola não sabe lidar com essa defasagem. Considero fundamental que se investiguem as situações negativas vividas pela criança através de alterações familiares (nascimento de irmãos, mudanças, mortes, desemprego, separações, etc.) Segundo Sara Pain (1985), as alterações familiares não causam necessariamente problemas de aprendizagem. O importante é verificar se as duas condições ocorreram: a) Se houve para a criança oportunidade de elaborar a perda, integrando passado e presente, participando da mudança ocorrida. Por exemplo, ao mudar de residência de uma cidade para outra, a criança perde um espaço conhecido, o convívio próximo com amigos e parentes, a escola e outros referenciais, mas pode ser ajudada a adquirir novos amigos e ser estimulada a conhecer coisas novas. b) Se a perda ocorrida não estava ligada a um castigo prometido e eventualmente acontecido, estando este relacionado com a vontade de conhecer, curiosidade sobre os fatos. Neste caso, o importante e que não tenha sido interrompido o desejo de saber e de conhecer. Cabe assinalar, finalmente, que estes quatro itens são profundamente interligados, tendo sido apresentados em separado apenas para facilitar a descrição de pontos importantes para reflexão. 5. A história da família ampliada - Ver as famílias materna e paterna em suas influências passadas e presentes sobre os pais e o paciente. É importante localizar as interferências e ligações com as diferentes pessoas das duas famílias, bem como os quadros patológicos existentes nelas. 6. História escolar- Nas instituições como creches, pré-escolas, escolas regulares, cursos de Inglês, aulas de balé e diversas escolinhas de clubes (natação, is, futebol). Ver como se deu a entrada e os aspectos positivos e negativos de passagem pelas instituições. É fundamental a compreensão da evolução escolar nos aspectos do paciente e da família. Desta forma, a razão da escolha de determinada escola e características desta (bilingüe, religiosa, “alternativa”, “especial”) vão ter uma com a representação que a família tem de escola. No caso de escolas especiais, é preciso clarificar se existe necessidade real desse tipo de escola ou a escolha representa um desejo dos pais de que se cristalize uma “doença” filho. Outro aspecto a considerar é o da entrada precoce ou tardia na escola, e troca constante de escolas sem causa evidente. Deve-se investigar amplamente o significado dessas atitudes, bem como sua repercussão no processo de aprendizagem. Também interessa avaliar como se processou a alfabetização, qual a metodologia, a exigência da escola, a exigência dos pais nesse momento, qual foi a reação do paciente. Já diagnostiquei crianças que trocaram três vezes de escola durante a classe de alfabetização, e realmente passaram a carregar graves deficiências na leitura e escrita. Algumas vezes, esse fato estava ligado às dificuldades principalmente da mãe de lidar com as exigências escolares ou à sua impossibilidade de definir uma escolha, que varia ao sabor das influências de amigos. Antes de patologizar, é necessário conhecer a verdadeira história escolar, discriminar o que é falha de ensino e falta de oportunidade escolar das dificuldades reais do processo de aprendizagem. Em outros termos: tentar distinguir efeitos patologizantes da escola de problemática nascida da dinâmica familiar. Em algumas situações de anamnese, peço para ver os chamados álbuns bebê (anotações 0 0 1 Fseqüenciais do desenvolvimento), álbuns de retratos, relatórios de creche e pré-escola. Várias vezes encontrei contradições entre a fala dos pais e o que verificava nos retratos e relatórios. E interessante assinalar que, embora nos casos de pacientes provenientes da população de baixa renda, esse material praticamente inexista, por motivos econômicos, em famílias de melhor nível social e econômico por vezes também inexiste esse registro, fato que deverá ser apurado em maior profundidade. Há necessidade de se registrarem os dados essenciais da anamnese, algumas falas dos pais, sua postura e a dinâmica da sessão. Para isso, o terapeuta pode contar com gravações, desde que autorizadas pelos pais ou com o registro através de suas próprias anotações. No trabalho em equipe, pode haver um observador que ficará encarregado desse registro. A reflexão sobre os dados colhidos nas entrevistas de anamnese possibilitará contextualizar o paciente no ambiente familiar e escolar e traçar as hipóteses que ligam fatos. No caso de Mário, diagnosticado aos 10 anos, na 3~ série, existia dificuldade de leitura e escrita, vinculação inadequada com objetos da aprendizagem escolar, condutas regredidas. Encontrei na faixa dos 6 a 7 anos: HISTORIA FAMILIAR HISTÓRIA ESCOLAR HISTÓRIA CLÍNICA — mudança de cidade alfabetização em 3 escolas crises de bronquite — mudança de casa diferentes (3 métodos) asmática — nascimento da irmã — problemas emocionais maternos A entrevista de anamnese pode remeter o terapeuta a outros profissionais que já atuaram ou Imaginei o uso da “Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem”, após ter experimentado durante vários anos, de forma sistemática, os instrumentos como E.O.C.A. - Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem, proposta por J. Visca (1987), e a “Hora do Jogo” em diagnóstico, proposta de diferentes modos por vários autores. Senti que para algumas crianças a E.O.C.A. ficava excessivamente formal, tocando de saída em seu “ponto fraco” escolar: leitura, escrita ou cálculo através de propostas dirigidas seqüencialmente pelo terapeuta. Nesses casos, observei que o produto inicial era de pior qualidade do que o apresentado no final do diagnóstico, quando eu repetia algumas das atividades feitas na E.O.C.A. Ficou claro que no final já havia a diminuição da ansiedade inicial, e a construção de uma melhor relação comigo. Fiz algumas modificações na forma de apresentar a E.O.C.A. dando um “ar lúdico”, dentro das minhas características pessoais, e concluí que a produção do paciente era melhor, sentindo-se ele mais à vontade, ate mesmo para recusar mostrar o que sabia. Experimentando a “Hora do Jogo Diagnóstico”, de diferentes formas, com facilidade eu obtinha dados sobre aspectos afetivos gerais da aprendizagem, dados esses em relação à exploração e à estruturação do novo, às possibilidades dc “entrar, fixar, relacionar e sair” do conhecimento, às operações de “juntar e separar”, além de relações com a evolução da psicossexualidade da criança. Nesse instrumento, quase não havia espaço para condutas relacionadas à aprendizagem escolar formal reveladoras do nível pedagógico da criança. Tal fato passou a exigir uma avaliação pedagógica mais formalizada em momentos posteriores o que me levou a fazer críticas semelhantes às feitas à E.O.C.A. Tentei integrar as estruturas dos dois instrumentos, colocando nas sessões o material proposto na E.O.C.A. e, ao mesmo tempo, objetos da “Hora do Jogo”, que sugeriam um brincar mais espontâneo. Acrescentei também jogos formais, como: Dominó, Memória, Contra-ataque, Lig-4, Lego, etc. Observei que as crianças ficavam mais espontâneas e se revelavam com mais facilidade. Pude perceber a total rejeição aos objetos de aprendizagem escolar, o uso inadequado desses materiais ou procura espontânea e prazerosa de livros e tentativas de escrita, sem que eu propusesse nada. A partir dessas experiências, passei a adotar sistematicamente o uso dessa forma de sessão, obtendo sempre resultado satisfatório. Consegui diminuir o tempo usado no diagnóstico e o número de instrumentos. Paralelamente, obtinha dados já mais globalizados que permitiam a compreensão mais rápida do sujeito e o levantamento de hipóteses para prosseguir com o diagnóstico. Os diferentes aspectos da Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem estão analisados nos itens a seguir e sintetizados no exemplo posterior. As observações sobre Enquadramento Especifico, Material, Observação e Avaliação de Atividades Lúdicas são retiradas de estudos sobre “Hora do Jogo”, selecionados de acordo com a minha experiência, podendo ser usadas em qualquer sessão na qual se use o lúdico ou as atividades livres de qualquer tipo. ENQUADRAMENTO ESPECÍFICO Os aspectos gerais do enquadramento diagnóstico já foram vistos na “Introdução”. É preciso detalhar especificamente pata a situação lúdica os seguintes aspectos: — uso da sala (que assume um caráter mais livre nesse caso); — uso do tempo (no caso de uma só sessão ou de parte de uma sessão); — uso do material disponível; — limites gerais de segurança pessoal, de conservação do material e da sala; — papel do terapeuta: sua participação direta ou não nas diferentes situações (observar, compreender, cooperar, ser participante ativo, registrar, etc.). MATERIAL A seleção do material a ser utilizado em atividades lúdicas dependerá do objetivo específico da sessão, do tempo disponível e da idade da criança. Sugestões de material pata seleção de acordo com as características da sessão: — folhas de papel (pautadas, lisas, brancas e coloridas), lápis, apontador, régua, lápis de cor, canetinhas hidrocor, cola, tesoura, revistinhas, livros (material descrito para E.O.C.A. na “Introdução”); — material para carpintaria e construções: madeiras, pregos, tachinhas, arames, ferramentas, etc.; — material de sucata (embalagens vazias, caixinhas, carretéis, rolhas, retalhos, fios, etc.); — blocos de madeira ou plástico, pinos de encaixe; — tintas diversas, massa plástica, cola plástica colorida; — fantoches, miniaturas, animais, flores, bonecos, pires, xícaras; — jogos comerciais estruturados. O material deve atrair pelo seu possível uso (colorir, escrever, modelar, construir, pregar, colar, prender, juntar, cortar, etc.) e não por ser diferente do usualmente utilizado pela criança. Por exemplo, deve-se evitar o uso de borrachas, canetinhas, folhas importadas, que possam ser escolhidas em função de características como beleza, originalidade, e não pela sua função e uso. Tive experiências dessa situação com pacientes de baixa renda de instituição comunitária, que ficavam deslumbrados com material do serviço, querendo levá-lo para casa e não gastá-lo na sessão, pois nunca haviam tido oportunidade de manuseá-lo. A apresentação do material à criança pode ser feita de diferentes modos, dependendo do objetivo definido para aquele momento de atividade lúdica. Seguem-se algumas modalidades de apresentação: 1. Inclusão em uma caixa de tamanho regular e de fácil manejo pela criança; a caixa pode servir para guardar os materiais ou para estes e os produtos realizados pela criança; 2. Colocação do material arrumado sobre a mesa,mas sem obedecer a nenhuma classificação ou ordenação, de modo que essas operações possam ser feitas segundo critérios internos da criança; 3. Forma mista: parte do material é colocado na caixa, e alguns objetos são colocados sobre a mesa a seu lado (por exemplo, livros, alguns jogos, etc.). Normalmente, eu utilizo as modalidades 2 e 3, dependendo da idade da criança e de suas características, que percebo no primeiro contato. A atividade lúdica, por não ser dirigida, exige uma explicação inicial, colocando a criança à vontade. Conforme a idade do paciente e o tempo disponível, pode-se assim falar: — Você pode usar esse material para brincar como quiser. Um pouco antes de acabar o tempo eu aviso a você. — Hoje você poderá brincar durante uma parte do nosso tempo (nossa sessão), depois eu vou pedir a você para fazer algumas coisas... — Hoje, um pouco antes do final da nossa sessão, você poderá brincar novamente. — Você pode usar a mesa ou brincar no chão. Mas não pode colocar nada em cima do aparelho de ar condicionado. OBSERVAÇÃO E AVALIAÇÃO DE ATIVIDADES LÚDICAS Por ser o jogo inerente ao homem, e por revelar sua personalidade integral de forma espontânea, é que se pode obter dados específicos e diferenciados em relação ao Modelo de Aprendizagem do paciente. Assim, aspectos do conhecimento que já possui, do funcionamento cognitivo e das relações vinculares e significações existentes no aprender, o caminho usado para aprender ou não-aprender, o que pode revelar, o que precisa esconder e como o faz podem ser claramente observados através do jogo. É necessário apoiar a observação em alguns pontos como: 1. A escolha do material e da brincadeira (atividade): — Atividade e material que repetem a situação escolar, sem criatividade: ler livros, desenhar ou escrever algo, repetir dobraduras que aprendeu na escola, recortar e colar como pesquisa escolar, escrever contas automaticamente, etc. — Selecionar material figurativo e fazer guerras, fazendas, lojas, etc. — Buscar tintas, massa plástica, pinos e blocos e tentar criar alguma coisa. — Escolher material de sucata e transformá-lo imaginando novas coisas. Deve-se tentar analisar o significado possível do material, da brincadeira, das ações necessárias para realizar a atividade que foi planejada. 2. O modo de brincar Alguns parâmetros a serem avaliados são se a criança: — Usa o material mais ao alcance da mão, não explorando os restantes; — Explora todo o material e depois se fixa em alguma coisa; — Escolhe materiais planejando uma brincadeira (“vai sair um elevador” e pega uma caixa e um barbante para realizá-lo); — Faz estimativas, faz medidas e cálculos ou não; — Estrutura uma brincadeira com começo, meio e fim, com coerência interna, ou coloca aleatoriamente os objetos sem uma antecipação e posteriormente atribui ou não um significado; dá ou não um uso ao que fez; — Tem flexibilidade no uso dos objetos (o mesmo objeto e trem, fogão, régua ou muro), modificando-o conforme a necessidade; classifica os objetos (grupo de soldadinhos de pé e de soldadinhos ajoelhados, mistura-os e separa em dois exércitos em função das cores) ou mantém uma brincadeira estereotipada e perseverante, usando o tempo disponível na mesma atividade sem evoluir no seu conteúdo, apenas repetindo-a (monta sempre a mesma casa, recorta o mesmo molde, pega a mesma revista, usa o mesmo jogo, etc.). — Faz brincadeiras criativas ou repete situações convencionais; parte de coisas conhecidas e as amplia. — Começa uma atividade e a interrompe, passando a outra, sem nunca concluir a primeira, ficando apenas na exploração de objetos. — Permanece concentrada durante a brincadeira; se mantém continuidade na brincadeira de uma sessão para a outra, ou se abandona o que estava fazendo e na sessão seguinte ignora o que já fez (construção interrompida, desenho inacabado). — Faz na brincadeira mais ações de desmanchar, separar, dividir e cortar ou de reunir, construir, colar e juntar. — Faz, num jogo dramático, os vários papéis, ou se solicita que o terapeuta participe e, neste caso, quais papéis escolhe para si. — Se resolve as situações problemáticas que surgem e como o faz (papelão que se rasga, pino que quebra, roda que cai, uma caixa para prender em um tubo, etc.); — Usa o corpo na medida do necessário, movimentando-se, trocando de posição, ocupando bem o espaço, se usa o corpo como parte do jogo. se usa a coordenação grossa e fina necessárias à atividade. 3. A relação com o terapeuta — Se brinca sozinha, concentrado e ignorando o terapeuta. — Se brinca sozinha, mas olhando constantemente para o terapeuta. — Se fica dependendo do terapeuta para brincar, pedindo sempre sua ajuda. — Se pede eventualmente a ajuda do terapeuta, quando esta parece necessária. — Se só escolhe brincadeiras que necessitam da participação do terapeuta como parceiro. Em síntese, muitas coisas podem ser observadas. O importante é se fixar no vetor aprendizagem e investigar o que está envolvido nesse processo e sua relação com a queixa. Ver o que faz, como faz, como organiza esse fazer em suas múltiplas facetas cognitivas, afetivo-sociais e corporais, em suas ligações com o processo pedagógico. É fundamental relacionar o observado com os dados obtidos nos testes e nas entrevistas de anamnese. Os exemplos ilustram diferentes maneiras de conduzir atividades lúdicas. Exemplo 1: O diagnóstico de Pedro (6 anos, C.A.) foi conduzido de forma lúdica, mas com interferências propositais da terapeuta, a fim de verificar sua reação a propostas específicas. A queixa da escola era de que ele não participava das atividades solicitadas, sobretudo das que remetiam aos registros gráficos e a leitura. Afirmava freqüentemente que não queria aprender a ler e escrever. A escola preocupava-se com essa conduta, pois já iniciara o trabalho de alfabetização no presente ano e porque ele repetira a classe maternal por “imaturidade”. Os pais tinham dúvida se T: Ovo, osso. P: Não, é ouro. Começou a fazer outro desenho.) É um prédio. T: De quem o ladrão roubou? P: Começa com B. T: Bombeiro, bar. P: Não, banco. (Começa outro desenho.) — P: A policia está na cadeira, dormindo e roncando. — Desenho 7. Desenho 7 Com o papel acabasse, ime a ele que poderia continuar a história em folha. Ele desenhou cadeia (Desenho 8). P: O ladrão ficou preso por causa que ele roubou. T: Será que você poderia escrever o nome de todos esses desenhos para eu lembrar sempre o que é? (Desenho 9) P: Olha, é assim: Desenho 8 Desenho 9 1 LEZD (ladrão) 2 ORSTUVTX (ouro) 3 BXVZTZXPC (branco) 4 PCTDLCD (cadeia) P: Vou escrever de outro jeito o meu nome. (Fez em letra cursiva. Sujou o dedo com hidrocor e pôs a impressão digital no papel.) T: Pedro, uma pessoa diferente do papai, da mamãe, dos outros. E pessoa nova que cresce e aprende. P: Isso é a carteira de identidade. (Desenhou como se fosse uma carteira). P: Vou colar um retrato. E agora? T: Se você quiser, pode fazer outro desenho, mostrando uma pessoa ensina e outra que aprende. P: Tá legal. O que está na piscina, já sabe, e está ensinando pros is fora. O de fora está tremendo de medo. (Ver Desenho 10.) T: Medo de aprender? P: É isso. T: Você podia escrever para eu lembrar sempre o que é cada desenho. P: O menino é com M e A ajudando o outro. Como é o J? Desenho 10 Escreveu: I M N – A - JD-U-O-T-A-G-D(Desenho 11). “Um garoto tava ajudando outro garoto”; P: Não estou escrevendo de verdade, não é? T: O importante é escrever o que a gente pensa, no começo e assim. P: Você pode mostrar as letras para copiar, todas. Mostrei o alfabetário e ele copiou corretamente. Largou o papel e pegou um livrinho. Falou como se estivesse lendo uma história completa logo na primeira página. Na segunda página falou: “Agora vou inventar”. Apenas iniciou a história, terminou seu tempo. Desenho 11 QUARTA SESSÃO Pedro chegou e bateu “toc, toc” na porta do consultório. T: Quem é? P: Sou eu. T: O que você quer? P: Quero entrar. T: Aqui só entra quem quer aprender a ler. P: Ora, eu quero ler e escrever. Entrou, indo direto para a mesa, e começou a mexer nos livros. Eu li para ele a história “O time”. P: Agora eu quero ler sozinho. Começou a fazer leitura pelas gravuras, falando o que via e usando todas as linhas escritas. P: O galo dança com o gato. O gato resistia, não queria... Agora eu vou escrever. Dei um livrinho de gravuras para que ele fizesse o texto M N A T V B C M T A menina tava brincando M N AT V R G A menina tava regando as flores I N C O P D I O Nasceu um pé de feijão I G R U C O C I Q I O P E caiu o pé D V G O De feijão M C O P T Nasceu planta N C O P D Nasceu planta P: Agora estou quase escrevendo certo. Tem M e N de escrever de verdade. Pegou uma folha de papel e dobrou. P: Agora quero fazer uma Caderneta de Poupança. Escreve aí de verdade para eu copiar com caneta: Caderneta de Poupança. (Dei uma folha de papel quadriculado para riscar a caderneta.) T: Você sabe o que é poupança? P: É isso. Bateu nas nádegas rindo. T: É para guardar para quando quiser usar. Na cabeça, a gente guarda coisas que aprende e usa quando quer. P: Vou guardar a caderneta para mostrar aos meus filhos. Você sabe, a minha avó me mostrou o revólver do meu avô com dois gatilhos. (Acabou de desenhar e escrever a caderneta para levar para casa.) P: Você deixa eu escrever o meu nome na sua máquina de escrever? (Digitou P P P P P uma linha inteira.) P: Quero fazer uma porção errada, depois eu vou fazer direito. T: No começo é assim, a gente experimenta até acertar. Pedro explorou todas as teclas da máquina até o final da sessão. Quando o pai veio buscá-lo, pedi que lhe ensinasse a preencher as colunas da caderneta de poupança que fizera na sessão. QUINTA SESSÃO (ÚLTIMA) Pedro chegou atrasado, brigando muito zangado com a mãe, que também demonstrava irritação. Pedi que eles representassem o que havia acontecido em casa antes de virem. Fizeram a cena da escovação dos dentes, em que a mãe o repreendera porque não apanhara sozinho o material necessário. Nesse momento, chegou o pai, e pedi que Pedro fizesse as cenas domésticas que agradavam e que desagradavam aos pais. Mostrou que desagradava quando demorava a fazer alguma coisa e que agradava quando não fazia bagunça. Pegou espontaneamente os fantoches de dedo e fez a família do “Raimundinho” toda junta sem brigar. Aproveitei e comecei a conversar com os pais do “Raimundinho”, como eles poderiam ajudá-lo, dando-lhe autonomia, mostrando que acreditavam nele, que ele era capaz, sendo mais flexíveis e tolerantes, dando-lhe, contudo, os limites necessários, conversando com ele, não lhe escondendo coisas importantes, diminuindo a exigência sobre a produção escolar. A seguir, conversamos sobre as dificuldades anteriores de Pedro, e como ele as estava superando. Foi necessário explicar-lhes o processo de construção da leitura e escrita e o caminho de Pedro para chegar à escrita convencional. O material fornecido foi muito rico, podendo ter diferentes interpretações, conforme o vetor de análise. Escolhemos uma das que mais nos chamou atenção, para um estudo de aprendizagem e produção escolar, e sua relação com a queixa apresentada. Pedro criou com facilidade uma boa relação, ampliando o espaço de confiança e podendo mostrar o que já sabia (jiujitsu, escrita, leitura, contagem, classificações, etc.), fazendo-o de forma prazerosa durante as brincadeiras. Pareceu-me que o quadro exposto na queixa estava mais ligado à história familiar do que à atuação específica da escola, que mantinha um bom trabalho de alfabetização. Através dos desenhos, histórias e brincadeiras formulados, revelou como é importante guardar o conhecimento (saco de ouro, caderneta de poupança), mas que o acesso a ele não é livre, mas controlado, exigido e vigiado (domador tom chicote, policia). É preciso às vezes roubá-lo, mas sem se mostrar (a cobertura do ladrão). Ao mesmo tempo em que simbolizava problemas com o conhecimento e o afeto, trazia questões de identidade: necessidade de ser discriminado, reconhecido, ter o seu lugar, fazer suas experiências no seu próprio ritmo. Tudo isso estava aliado à grande insegurança, baixo autoconceito e exigência interna (“errei”, “que burro que eu sou”, a “mula-sem-cabeça~’), provocado pela exigência familiar: “Pensei que tinha um filho inteligente. A mãe lia histórias para ele e, ao mesmo tempo, exigia dele a escrita convencional. Para Pedro, a exigência familiar de alfabetização implicava na perda da atenção materna, expressa basicamente nessa leitura. Os pais não falavam do incômodo da sua presença, não davam limites, mas o deixavam na casa da tia porque “agora é maior e mais barulhento, nós o deixamos com a tia para podermos descansar”. E claro que o conflito crescia: “O que acontecerá se eu crescer (aprender), o que mais vou perder, o que exigirão de mim?” “Se eles não querem me ver, eu também não vou demonstrar o que sei. Seus erros nunca são discutidos, é sempre castigado ou afastado”. Pedro possui vocabulário e nível de cultura geral muito bom para a idade. Não é preciso aplicar testes e provas para se perceber o seu bom nível intelectual. Raciocina com causalidade, lógica e coerência, revelando se aproximar do final do pensamento pré-operatório. Gosta de conhecer, de explorar novos objetos e situações. Foi fácil perceber seu nível pedagógico, pois o espaço de confiança criado nas sessões fez com que mostrasse que já conhecia os números até oito, demonstrasse o raciocínio de subtração e escrevesse usando hipóteses pré-silábicas utilizando letras do próprio nome e uma consoante da palavra (seguindo critérios levantados nas pesquisas de Emília Ferreiro). Além disso, mostrou conhecer a diferença entre escrita convencional e a que era capaz de produzir, reconheceu o significado da leitura, identificou o texto como composto de frases lidas da esquerda para a direita e de cima para baixo. O caso de Pedro serve-nos como comprovação de que nem sempre há necessidade de aplicar testes e provas para se chegar a conclusões diagnósticas. Exemplo 2 Carlos (8a.6m.), ainda analfabeto, tinha sido convidado a se retirar de uma segunda escola particular, de boa direção pedagógica, por não ter qualquer evolução e ainda por perturbar a turma com sua dispersão. Ele era o filho mais velho, sendo a irmã de 7 anos “a brilhante” da família. Na primeira sessão, recusou-se a usar papel e lápis, mesmo que fosse apenas para desenhar. Ao ver as letras de plástico e material escolar, encheu dois copos de água e timidamente esboçou o gesto de jogar as letras na água. Auxiliei-o atirando com ele, de forma ritmada, tudo aquilo que desejava. Ao acabar, falou: “Tudo já bem afogadinho, o apontador agora vai enferrujar”. Fácil é se perceber a vinculação inadequada com a aprendizagem escolar, revelada pela ansiedade e raiva demonstradas entre a criança, sujeito construtor do conhecimento, e a língua escrita, uma construção que não é linearmente cumulativa, pois se trata de um processo de objetivação no qual o sujeito continuamente constrói e enfrenta contradições que o obrigam a reformular suas hipóteses. Um processo dialético através do qua1 ela se apropria da escrita e de si mesma como usuário-produtor da escrita (‘.Weisz, 1986). Um diagnóstico apoiado nessa visão leva em consideração a possibilidade de o paciente penetrar no significado do que escreve ou lê, no uso dessa língua escrita como transmissora de informações, como elemento que proporciona prazer, que permite comunicar com um interlocutor ausente e orno meio de registrar o que precisa ser recordado. A exigência de que a criança formalize a escrita dentro de certas regras em certo prazo pode ser urna questão ligada à cobrança escolar de avaliar o produto. Dependendo da maneira corno for colocada, ela pode ser geradora de grandes dificuldades na escrita e leitura nessa etapa e no seu desenvolvimento posterior, não sendo uma questão de problema pessoal, mas de metodologia escolar. O diagnóstico psicopedagógico, levando em conta essa nova visão, usará situações em que o ler e o escrever tenham um significado para o paciente. Por exemplo: em jogos, desenhos, pinturas, palavras cruzadas, construções diversas, dramatizações, divertimentos com revistinhas e livros de história. É fundamental observar o modo como o paciente se aproxima ou evita essas atividades, sua postura, as tensões e contrações, as dissociações de campo que ocorrem, o abandono da tarefa e a temática do material escolhido para ler ou escrever. É preciso que se teça uma correlação entre a qualidade do que o paciente pode produzir como texto ou obter como leitura e a exigência a que está submetido na escola. Por exemplo, há um choque entre as possibilidades reais de uma criança pré-silábica no seu processo de evolução da escrita (psicogênese) e a exigência de reproduzir material de uma cartilha de palavração, dentro de curto período de tempo. O desrespeito ao ritmo de construção da criança no ler e escrever pode criar uma dificuldade que se avoluma como “bola de neve”, podendo chegar a estancar o seu processo de verdadeira alfabetização. Ela começa a apelar exclusivamente para a memória e, a partir de um certo ponto, passa a não caminhar mais, ou mesmo a se recusar a cumprir qualquer tarefa relacionada à leitura e à escrita. Grande parte dos encaminhamentos que recebo nessa fase encontra-se relacionada a esse tipo de dificuldade, em que a grande ansiedade passa a bloquear a aprendizagem, em função do despreparo da escola em lidar com o desencontro entre o ritmo de algumas crianças e o ritmo geral da turma. Alguns casos de problemas na alfabetização podem estar relacionados ao simbólico da questão, influindo, de forma inconsciente, no ato de ler ou de escrever. Assim, “não quero crescer”, “não posso ‘ler’ a minha família”, “não posso ‘ler’ o meu papel no mundo que me cerca , não posso registrar o que não desejo, o que quero esquecer”. O domínio da alfabetização representa autonomia, crescimento diante dos pais e do mundo. Relembro o caso de Pedro (6 anos, C.A.) citado no capítulo anterior, que se recusava a desenvolver qualquer atividade que envolvesse a língua escrita, e disse-me: “EU não quero ler. EU não quero ficar grande. Minha mãe conta do livrinho para mim todo dia”. LEITURA Para avaliar o desenvolvimento da leitura em outros níveis, é interessante o uso de material com significado completo. Assim, há inúmeras coleções de livros de história bastante atraentes que possibilitam uma boa graduação de 1ª à 4ª séries. Exemplos de livros são os das coleções Gato e Rato e das Estrelinhas, da Editora Ática, adequadas para classes de alfabetização e 1ª série. Na avaliação com adolescentes, uso crônicas e reportagens de revistas do interesse do paciente. Há também uma diversidade de estilos, temas e tamanho na coleção de crônicas Para Gostar de Ler. E necessário que haja uma possibilidade de escolha conforme a idade, a escolaridade do paciente e suas reais possibilidades em relação à extensão do material. Insisto que não é desejável ler pedaços de um texto e sim o texto completo. Não se pode esfacelar um texto, perdendo, assim, o seu significado, fazendo-se apenas uma avaliação mecânica. É preciso resgatar, desde o diagnóstico, o hábito de ler, criando-se a idéia de atividade prazerosa. Ao final da leitura verifica-se se ele apreendeu o sentido global do texto, se é capaz de sintetizá-lo. Por exemplo, desafio o paciente a me dizer, em uma frase apenas, de que trata a história ou a crônica. A seguir, vejo se captou a seqüência temporal, se consegue estabelecer hierarquias, separando fatos principais e secundários, se estabelece relações de causalidade, se é capaz de incluir acontecimentos menores e parciais em classes maiores. E importante ver as relações afetivas com o texto e dos personagens entre si. Pergunto, por exemplo, o de que mais gostou e por quê, qual sentimento básico exprime cada personagem, em qual situação. Após a leitura silenciosa e sua interpretação, verifico a leitura oral de parte do mesmo texto, pedindo-lhe que leia em voz alta o trecho de que mais gostou. Nesse momento é importante avaliar a entonação, pontuação, junção, omissão, deslocamento de letras, silabas, palavras e frases. Na leitura em voz alta pode-se observar a fala de modo mais formalizado e se refletir sobre a necessidade ou não de exame complementar fonoaudiológico quando se percebe algo irregular durante a conversa. E necessário avaliar diferentes tipos de leitura, como, por exemplo: leitura recreativa (histórias), leitura informativa (regras dos jogos), enunciado de problemas, desafios e questões diversas. O exemplo a seguir parece-nos esclarecedor: Daniel (11 anos, 4ª série), lendo as instruções do jogo Contra-ataque, ilustradas com pequenos desenhos, disse-me: “Pela figura eu sei, mas não consigo entender como a gente vai jogar”. Ficou claro para mim que ele lia mecanicamente, não relacionava os fatos entre si, não fazia inclusões, não fazia raciocínio de causa e efeito; não tirava conclusões. Constatei o mesmo fato quando leu o livrinho de história Tungo-Tungo, em que o personagem, muito comilão, tenta comer a própria imagem refletida. Assim, bebe a água toda da lagoa, estourando. Ele não descobriu por que Tungo-Tungo morreu. Durante a leitura, ele não operava, fazia linearmente o enfileiramento de palavras e frases. A falta de significado na leitura refletia-se nas outras disciplinas: não resolvia problemas de matemática quando escritos, somente os resolvia com facilidade quando enunciados oralmente. O fracasso na Matemática era da leitura, e não de raciocínio e execução de conteúdos matemáticos. Essa dificuldade o levava a evitar as tarefas escolares e entrar em pânico nos dias de prova. Construiu um vínculo inadequado com os objetos e cada vez menos Daniel investia na escola, tomando-se desatento e “bagunceiro”. Nesse caso, não havia problema de aprendizagem, mas sim de produção escolar. A leitura sem significado angustiava muito a Daniel, bloqueando momentaneamente o seu pensamento. ESCRITA Na avaliação da escrita, quando se pede ao paciente que escreva alguma coisa para mostrar como sabe, duas condições aparecem comumente: uma é o escrever espontaneamente, o que pode ser. às vezes, uma história ou o relato de algum fato; a segunda possibilidade é paralisar e perguntar: “Escrever o quê?” “História de quê?” “Falo de quê?” Costumo responder “o que você quiser”, como achar melhor”. Se não há nenhum movimento para começar a escrever, adio para outra sessão ou dou alternativas como: “Uma história sobre o seu desenho”, “alguma coisa que você viu num filme, na T~ num passeio, nas férias”; “alguma coisa que me ajude a conhecer você”, ou “sobre uma gravura, uma foto do jornal ou de uma revista à sua escolha”. Avalia-se o texto, não com os detalhes de uma prova escolar de Português, mas nos seus aspectos mais globais e que auxiliam na compreensão da queixa formulada inicialmente. Assim, analisa-se a noção de realidade e fantasia, a coerência interna do significado, a fluência e a criatividade, a temática e a estrutura do texto em relação com outros dados obtidos no diagnóstico, por exemplo, se há idéia de perda, medo, fracasso, sucesso, vitória e luta, que podem aparecer no grafismo, nas histórias do CAT ou HTP, em alguma dramatização, no trecho escolhido para leitura oral ou nas conversas com o terapeuta. O aspecto formal do texto pode ser visto: no seu cotidiano lógico, de começo, meio e fim, causalidade entre os fatos, estrutura espaço-temporal, e também no aspecto caligráfico, ortográfico, de pontuação e estrutura gramatical das orações. É preciso ver se as aparentes falhas no aspecto formal têm um significado específico para o paciente em nível inconsciente ou se são apenas patamares no desenvolvimento da língua oral e escrita, ou se representam um desconhecimento pedagógico sem qualquer conotação específica. Por exemplo, as omissões, trocas, acréscimos, inversões de letras, silabas, palavras podem ter significado de ações relacionadas com dados da vida pessoal e familiar do sujeito ou serem simplesmente o demonstrativo das dificuldades pedagógicas iniciais existentes na construção normal da língua escrita. Alterações na formalização da escrita aparecem também ligadas a problemas de origem orgânica, como os motores, que impedem a facilidade de certos movimentos, o que é comum em pacientes com lesão cerebral. Resumindo-se, avalia-se na escrita o vínculo do paciente com a mesma escrita, o processo de escrever, o produto final em diferentes aspectos, o significado da escrita e suas fraturas. A temática usada no texto é significativa como revela o exemplo citado no “menino de ouro”. Durante a execução da leitura e da escrita, observa-se a postura corporal, o sentar, as tensões e relaxamento, o modo de segurar o lápis e o livro, o modo de se aproximar do material, a concentração da atenção, e o prazer de ler e escrever. MATEMÁTICA Quando a queixa é de dificuldade geral na aprendizagem, ou específica na Matemática, há necessidade de se avaliar com mais detalhes essa área específica. Alguns aspectos se destacam: o raciocínio matemático, o cálculo, a leitura de problemas e questões. Verifica-se o raciocínio matemático, colocando-se desafios mais lúdicos e problemas mais formalizados, retirados de diferentes livros didáticos ou de situações reais, e construídos a partir de propagandas, recortes de jornais e revistas. A escolha deve recair sobre a clareza do enunciado, o nível do raciocínio compatível com a idade, escolaridade e o nível operatório da estrutura de pensamento (concreta ou abstrata). Por exemplo, é difícil compreender o Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum se não se opera com intersecções de classes, ou fazer problemas que envolvam raciocínio de probabilidades quando não se atingiu o operatório formal. Para excluir-se a qualidade da leitura como variável interveniente, devem-se formular algumas questões oralmente. A avaliação do cálculo é feita em dois níveis: o cálculo mental e a execução de cálculos escritos. Na parte escrita, há inúmeros aspectos a serem avaliados: a capacidade de estruturar graficamente, a construção do algoritmo das operações, o conhecimento do sistema decimal e valor posicional dos algarismos, as propriedades das operações, a combinação das operações nos vários tipos de expressões, etc. É fundamental se captar a relação entre o cálculo mental e o executado por escrito, para se ver se há coincidência ou discrepância e em que consistem (aspectos figurativos e operativos). E necessário também ter claro que, como qualquer conteúdo escolar, há aspectos emocionais a serem encarados na questão da Matemática. Alguns aspectos ligados a vínculos positivos ou inadequados com a Matemática são identificados a partir da própria história escolar. Há professores que contribuem para a construção de bloqueios e condutas aversivas com a Matemática, pelo seu discurso autoritário e ameaçador, exigências absurdas, criação de clima geral de insegurança em sala de aula, contribuindo para a formação de baixo autoconceito. Lembro o caso de Cláudio (13 anos, 6’ série), cujo professor dava pequenas questões de vestibular em suas provas e sadicamente esperava o fracasso da turma durante todo o ano, só a provando os alunos depois de cursarem aulas de recuperação no período das férias. Cláudio dizia- me que Matemática era muito difícil, que ele somente entendia com um professor particular. Ele já havia removido o sintoma geral de não aprender ligado a sua história familiar em que lhe era sempre proibido ter autonomia, pensar, buscar diferentemente do permitido pelos pais. Quando começava a crescer na Matemática, a escola contratou esse novo professor, e sua produção em Matemática estancou. Outro aspecto da questão está ligado ao significado simbólico dos fatos e operações matemáticas. O que vai sentir inconscientemente um paciente quando precisa juntar, separar, retirar, lidar com a falta, o “a mais”, o “a menos”, dividir, aumentar, multiplicar, pertencer a dois grupos ao mesmo tempo, etc. Há também a possibilidade de mobilização do sentido amplo da Matemática como normas e regras, ou seja, “Leis” precisas, associadas a quem na família se encarrega do papel de determinar as “Leis”. Encontra-se também na matemática uma projeção de certas questões não elaboradas da dinâmica familiar. No caso de Rosane (9 anos, 3’ série), a rejeição à Matemática tinha ligação com a profissão da mãe, engenheira e analista de sistemas, e a problemática decorrente da relação das duas. O exemplo a seguir é de um segmento de avaliação de aspectos matemáticos: Cláudia (8 anos, 2ª série) no final do jogo de Pega-varetas tentava contar os pontos. Separou as varetas por cores, depois colocou no papel do seguinte modo: amarela azul Para achar o total 3 seguinte modo: — Diagnóstico operatório. — Testes psicométricos. — Técnicas projetivas. Cabe assinalar que não temos a intenção de fazer uma análise exaustiva de cada item, mas, sim, levantar algumas questões básicas a fim de remeter o leitor à bibliografia essencial, onde encontrará maior profundidade em diferentes aspectos de cada teste ou prova. DIAGNÓSTICO OPERATÓRIO As dificuldades escolares podem estar ligadas à ausência de estrutura cognoscitiva adequada que permita a organização dos estímulos, de modo a possibilitar a aquisição dos conteúdos programáticos ensinados em sala de aula. Dentro de uma visão piagetiana, o conhecimento se constrói pela interação entre o sujeito e o meio, de modo que, do ponto de vista do sujeito, ele não pode aprender algo que esteja acima de seu nível de competência cognitiva, ou seja, seu nível de estrutura cognoscitiva. Desta forma, cada um dos temas de ensino supõe uma coordenação de esquemas em um âmbito prático, representativo, conceitual e concordante com um nível de equilibração particular, obtido através de regulações, descentrações intuitivas ou operações lógicas, práticas ou formais (Sara Pain, 1986, p. 23). Por exemplo, um aluno de lª série em nível pré-operatório que não tenha atingido a conservação de conjuntos discretos não terá condições cognitivas para compreender de imediato exercícios de numeração no trabalho de sala de aula. Da mesma forma, o aluno de 2ª série que não faz intersecção de classe, ou seja, não trabalha o multiplicativo, não terá condições de solucionar problemas de multiplicação. Em posição semelhante, Jorge Visca (1987, p. 58) aponta o obstáculo epistêmico à aprendizagem como derivado “do nível de operatividade da estrutura cognoscitiva alcançada, estando, portanto, associado à idéia de estágio”. Não se pode dar uma visão psicométrica ao uso de provas operatórias, comparando resultados como pontos de uma escala; isto seria uma visão anticonstrutivista piagetiana. É preciso analisar as estruturas do pensamento numa visão genética global, no seu funcionamento em aspectos figurativos e operativos, defasagens, oscilações, etc., relacionar esse funcionamento com o modelo de aprendizagem do sujeito, em suas diferentes modalidades do processo assimilativo-acomodativo, e comparar as exigências escolares a que está submetido o paciente, com as suas possibilidades em nível de desenvolvimento e funcionamento de sua estrutura cognitiva e relacionar esses dois aspectos com a queixa formulada. Sara Pain (1986, p. 47) assim sintetiza esse aspecto: A inibição precoce de atividades assimilativo-acomodativas dá lugar a modalidades nos processos representativos, cujos extremos podemos caracterizar da seguinte maneira: Hipoassimilação:os esquemas de objeto permanecem empobrecidos, bem como a capacidade de coordená-los, o que resulta num déficit lúdico e na disfunção do papel antecipatório da imaginação criadora. Hiperassimilação: pode dar-se uma internalização prematura dos esquemas, com predomínio do lúdico que, ao invés de permitir a antecipação de transformações possíveis, desrealiza negativamente o pensamento da criança. Hipoacomodação.. que aparece quando o ritmo da criança não foi respeitado, nem sua necessidade de repetir muitas vezes a mesma experiência. Sabemos que a modalidade da atividade do bebê é a circularidade, mas esta não pode ser exercitada no caso de perder-se o objeto sobre o qual se aplica; isto, por sua vez, atrasa a imitação adiada e, portanto, a internalização das imagens. Assim, podem aparecer problemas na aquisição da linguagem, quando os estímulos são confusos e fugazes. Hiperacomodação: acontece quando houve superestimulação da imitação. A criança pode cumprir as instruções atuais, mas não dispõe de suas expectativas nem de sua experiência prévia com facilidade. Esta criança é descrita como “não é mau aluno, mas não tem iniciativa, não é criativa; falha em redação”. Resumindo: o que nos interessa chegar a compreender neste ponto é a oportunidade que a criança teve de investigar (ampliar seus esquemas precoces) e para modificar-se (por transformação de seus esquemas), com as implicações posteriores dessas atividades no jogo da imitação, o que leva à constituição de símbolos e imagens. As observações sobre o funcionamento cognitivo do paciente não são restritas às provas do diagnóstico operatório; elas devem ser feitas ao longo do processo diagnóstico. Na anamnese verifica-se com os pais como se deu essa construção e as distorções havidas no percurso; nas diferentes sessões de caráter lúdico e na avaliação dos testes, analisam-se aspectos de caráter cognitivo, como, por exemplo: conservação do comprimento, superfície e volume nas Construções com sucata; outros dados da construção espacial no Bender, Raven, WISC e CIA; aspectos de inclusão de classe na prova de semelhança do WISC. As provas operatórias têm como objetivo principal determinar o grau de aquisição de algumas noções-chave do desenvolvimento cognitivo, detectando o nível de pensamento alcançado pela criança, ou seja, o nível de estrutura cognoscitiva com que opera. Entretanto, como em todo diagnóstico, a observação é bem mais abrangente. Faremos uma breve exposição do material a ser usado, sua organização, a administração e avaliação das provas, ficando no Anexo 1 a descrição delas. Material Para maior facilidade das situações de exame, podem ser organizadas duas caixas com material a ser usado de diferentes maneiras. Propormos uma primeira caixa, visando principalmente ao exame de crianças pré-escolares (em geral menores de 6 anos), contendo objetos diversificados que permitam grupar por forma, uso, material, cor, tamanho, encaixe (dentro e fora), etc. Podem-se propor brincadeiras que levem a classificar e a seriar, observando-se, então, quantos elementos a criança é capaz de seriar, qual diferença mínima percebe quanto ao tamanho dos objetos, etc. São sugestões de pequenos objetos de brinquedo de plástico, madeira, alumínio, papelão grosso: — panelinhas, pratos, copos, xícaras, talheres; — mobiliário de casa de boneca; — frutas e legumes; flores; — animais de diferentes espécies; — bonequinhos de diferentes tipos; — carrinhos; — ferramentas e outros instrumentos em miniatura; — bloquinhos de madeira ou plástico polivalentes; — pedaços de tecido de diferentes tessituras e estampagens; — canudinhos de refresco de diferentes tamanhos e cores; — outros objetos, no gênero, a critério do examinador. Ao apresentar a caixa para uma brincadeira, o terapeuta obviamente terá selecionado o material de acordo com a idade do paciente. Poderá propor, inicialmente, uma simples arrumação dos objetos, o que redundará num agrupamento espontâneo. Registrará, então, quais os objetos escolhidos (indicador de aspectos aparente e latente), qual o critério utilizado (mais objetivo, de uso social comum, ou mais subjetivo), o que percebeu no objeto para estabelecer o critério (cor, utilidade, tamanho, etc.), quantos objetos é capaz de grupar em cada critério, quais abandona, mas que seriam grupáveis no critério estabelecido. Em seguida, poderá, então, propor novas arrumações que lhe permitam observar aspectos espaciais, lógico-matemáticos e conservações. A segunda caixa poderia ser organizada visando a exame do escolar, contendo material selecionado para as já clássicas provas piagetianas: fichas de diferentes formas, cores e tamanhos; bastonetes ou palitos; duas espécies de flores e frutas; copinhos plásticos transparentes de diferentes alturas e diâmetros; massa plástica de duas cores diferentes; fios de lã ou correntinhas; balança, casinhas de madeira, régua, lápis, tabuleiro de papelão. Relacionamos no Anexo as provas mais comumente usadas no diagnóstico operatório, chegando a ser praticamente as “provas clássicas” nas pesquisas da equipe de Genebra. A descrição detalhada delas é encontrada em inúmeras obras sobre a teoria piagetiana e originalmente nos textos de Piaget e colaboradores dentro de seus relatórios de pesquisas sobre a Epistemologia Genética. Administração O modo de se aplicarem as provas operatórias é praticamente o mesmo para todas. Busca-se, através de um interrogatório, conhecer como o paciente pensa em relação às próprias manipulações ou às que observa na execução do terapeuta. As diferenças básicas residem no grupo de provas ligadas às conservações físicas e as ligadas às questões lógicas. Com o interrogatório, pretende-se verificar os juízos que a criança faz, ou os argumentos que possui para justificar sua resposta de conservação ou não conservação. Nesse momento, é preciso considerar as dificuldades de linguagem e de audição da criança que poderão interferir no seu rendimento, e, nesse caso valorizar provas em que não haja essa interferência, como seriação e dicotomia. No caso de crianças com dificuldades motoras, é necessário valorizar as provas mais verbais. É preciso que o terapeuta tenha domínio sobre esse “método clínico piagetiano” de investigação para evitar falhas que comprometam os resultados. Deve estar seguro de hipóteses alternativas e das formas apropriadas de comprovação, tendo habilidade para mudar as formulações em face das respostas imprevistas. A postura do terapeuta é de explorar ao máximo as possibilidades da criança procurando atingir verdadeiramente o seu nível de estrutura de pensamento, e não se fixando em primeiras respostas que podem ser equívocas. Apresentação do material e da questão Para criar um bom relacionamento com o paciente, apresenta-se o material, falando: “Veja o que está aí...” “O que você acha de...” “Você me diga...” Nesse momento, é importante que a criança se familiarize com o material, brincando com ele se assim o desejar. Os objetivos desta fase são: diminuir a ansiedade diante da situação nova, e familiarizar-se com o material para permitir melhor discriminação dos elementos que compõem cada prova. Não há uma forma padrão específica de se colocar a prova como ocorre nos testes psicométricos. Faz-se uma conversação em que se formulam as questões, de modo claro, com vocabulário adequado à altura da criança. É preciso ter cuidado para não se induzir a um tipo de juízo ou resposta por meio da formulação inadequada da questão. Ordem na aplicação das provas Inúmeras pesquisas piagetianas mostram que existe uma ordem na aquisição das noções, variando, no entanto, as idades em que elas se instalam. Essa variação dependerá do meio social e de interferências emocionais e de condições orgânicas, como ocorre, por exemplo, com os deficientes mentais. O planejamento da aplicação de provas é feito em função do problema apresentado e da ordem de aquisição das noções. Pode-se partir de uma relação aproximada com a idade em que já poderia estar adquirida a noção. Por exemplo, para um adolescente de 14 anos, pensa-se, inicialmente em apresentar as provas do pensamento formal de duplas e seqüências. Caso o paciente não obtenha êxito, aplica-se a prova de conservação de volume. Para uma criança de 8 anos, por exemplo, poder-se-ia começar pela conservação de quantidade de matéria, depois comprimento, composição de quantidade de líquido, classificações (dicotomia, inclusão e intersecção) e seriação. Se obtivéssemos êxito, continuaríamos com a conservação de superfície, peso, e assim por diante. Pararíamos quando a criança desse respostas de transição (Nível 2) ou não obtivesse êxito (Nível 1). Se o problema apresentado fosse de dificuldade espacial, seria importante aplicar as provas espaciais de construção da horizontal e da vertical, coordenação do espaço bidimensional, conservação de comprimento e superfície, etc. Para crianças menores de 6 anos, usa-se a primeira caixa sugerida ou o material da segunda caixa, devendo proceder-se a partir do ponto inicial de conservações e classificações. A ordem apresentada na maioria dos trabalhos sobre o assunto é a seguinte: Conservação: pequenos conjuntos discretos (6/7 anos); quantidade de liquido e matéria (6/7 anos); comprimento (8/9 anos); No caso dos oligotímicos, em que o fator emocional é preponderante, pode ocorrer também baixa estimulação ambiental, mas lida-se mais com “disfunção egóica, podendo haver ou não compromissos neurológico ou metabólico”. Seus resultados nos testes são mais dispersos, formando-se gráficos do tipo “serrote”, com grandes altos e baixos, podendo até ficar todos abaixo da média. Na prática, podem apresentar resultados tão baixos quanto os oligofrênicos, mas seus recursos reais são bem maiores. Mostram uma tendência mais assimilativa, enquanto os oligofrênicos tendem mais para maior acomodação. O importante no uso de testes não é definir QI, mas verificar se o paciente está podendo usar a inteligência a seu favor ou “contra si mesmo”, como esclarece Isabel Luzuriaga (1972). O QI elevado pode estar acompanhado de grande fracasso escolar. A aquisição do conhecimento envolve a personalidade como um todo e não é produto de uma parte ou faceta. O teste WISC é a “Escala de Inteligência Wechsler para Crianças” apresentada sob a forma de subtestes grupados em Verbais e de Execução. Cada subteste pretende avaliar um tipo de função e se estrutura em ordem crescente de dificuldade, o que facilita o posicionamento das crianças examinadas na faixa entre 5 e 15 anos. Os resultados brutos de cada subteste são transformados em resultados ponderados por meio de tabelas do grupo de idade em anos e meses do sujeito. A separação nos dois grandes grupos e a possibilidade de uso de subtestes isolados tornam o teste útil para exame de portadores de certas deficiências físicas, crianças bilíngües, carentes sociais com poucas informações de âmbito escolar, sem que se sintam inferiotizados na visão global do teste. É importante o registro minucioso de todas as respostas e atitudes durante a avaliação. Por exemplo, no subteste de informação: “Não sei”, “Não me ensinaram”; no vocabulário: “Burro sou eu”, “Todos dizem que eu sou burro”. Glasser e Zimmerman (1977) sugerem que se faça um exame complementar, ou seja, uma ajuda do terapeuta na formulação das questões, diferenciando-as da forma padronizada do Manual de Aplicação. Isso só deve acontecer quando houver uma incompreensão da criança em relação à questão proposta e for necessário se chegar a uma idéia mais precisa sobre o seu potencial. Resumimos no Anexo dados de uma interpretação clínica da escala de WJSC e uma forma de exame complementar, baseadas nas propostas feitas pelos dois autores (1977). O teste CIA é a adaptação brasileira da “Escala de Inteligência para Adultos” de Wechsler (Wechsler - Bellevue Scale - Form I). Mantém uma estrutura de subtestes semelhante à do teste WISC com a mesma divisão em: Conjunto Verbal (C.V): Informação, Compreensão, Raciocínio Aritmético e Semelhança; e Conjunto Não—Verbal (C.N.V): Historietas, Complementação de Figuras, Mosaico e Código. O tratamento dos resultados é semelhante ao do WISC, com tabelas para a faixa de 10 anos e 9 meses a 49 anos. Quanto à análise dos resultados e à forma de aplicação complementar, podem ser usadas as linhas gerais do WISC expostas no Anexo. Só utilizo o teste CIA para maiores de 15 anos quando não é mais adequado o uso do WISC. O Teste das Matrizes Progressivas de Raven é apresentado em duas escalas: Escala Geral (de 12 a 65 anos) e Escala Especial (de 4 a 11 anos). Por suas características não-verbais, seu uso é de grande utilidade para sujeitos com problemas de linguagem, de língua estrangeira, surdos, de baixo nível cultural, ou sem escolaridade. Também o utilizo em pacientes muito tímidos para falar ou que estão com vínculo inadequado com a situação escolar, às vezes sugerida nos outros testes. O teste consiste na busca do complemento de um sistema de relações ou matrizes, com uma, duas ou mais variáveis, devendo o sujeito deduzir relações ou correlações. Na Escala Geral, as séries A e B são do tipo fortemente gestáltico, o sujeito deverá fechar uma figura lacunada. Para conseguir isto será preciso perceber semelhanças, diferenças, simetria e continuidade das partes em relação ao todo. As séries C, D e E são um sistema de relações, trazem questões de raciocínio e exigem operações analíticas de deduções de relações. O próprio autor (Raven, 1950) relaciona exemplos da análise interna dos itens como: progressão de adição quantitativa ou espacial (C-1) e de movimento (C-7) com duas variáveis: adição e movimento (C-5), progressão numérica (adição e subtração (C-1 1)), alternância e simetria (D-2), analogia simples (D-4) ou complexa (D-1 1), diversas variáveis (E-lO). Após a execução, costumo conversar com os sujeitos perguntando sobre a sua forma de resolver a questão: “O que aconteceu no modelo?” “O que você pensou para descobrir a resposta?” Tento verificar que operações fez: como classificou ou seriou, se percebeu as transformações ocorridas, se identificou uma ou mais variáveis da questão. Como já nos referimos, é fundamental que se faça uma análise qualitativa do tipo de resposta dada, qual o conteúdo dos itens em que houve mais acertos, a composição dos itens em que houve erros. Por exemplo: num item de variáveis, o sujeito errou por que percebeu uma só, fazendo acertadamente parte da questão e não toda ela; nos itens de progressão numérica crescente e decrescente responda apenas por uma delas; em outras questões prendeu-se mais a aspectos figurativos do que aos operatórios. Teste gestáltico visomotor O “Teste Bender” foi construído por Lauretta Bender (1938), visando definir índices de maturação percepto-motora. Esses índices estão baseados nos padrões obtidos a partir dos trabalhos de Wertheimer sobre estrutura perceptiva. Usando os estudos da escola gestaltista como ponto de partida, procurou acrescentar os níveis de maturação. No diagnóstico psicopedagógico, o teste é usado sempre que surgem dúvidas sobre questões psicomotoras e espaciais não elucidadas pelos demais instrumentos. Essas dificuldades tornam-se evidentes na análise do material escolar e doméstico, nos relatos feitos na anamnese e nos produtos obtidos nas diferentes sessões. Por exemplo: desenhos truncados, dificuldades no traçado, linhas flutuantes no papel, caligrafias ilegíveis, etc., aliadas às histórias de vida escolar com indícios de problemática. O teste é constituído de nove cartões em que estão desenhadas figuras simples ou complexas com linhas retas, ângulos, linhas curvas, linhas pontilhadas. O sujeito, à vista do cartão, deverá fazer o melhor desenho possível. Registra-se a sua maneira de construir o desenho da figura e todas as condutas apresentadas durante a execução. Por exemplo: rodar o cartão-modelo, contar os pontinhos, rodar a folha de papel, não fazer nada, recusar-se a traçar determinada figura, etc. Além da avaliação proposta por L. Bender, há outros estudos e avaliações de grande uso em Psicopedagogia: Koppitz (5 a 10 anos), H. Santucci e N. Galifret Granjan (8 a 10 anos), Aileen Clawson (infantil), Pascall e Suttell (15 a 50 anos). Essas avaliações, já clássicas na área, tentam ver a relação existente entre o momento em que o sujeito percebe o modelo e o momento seguinte em que ele tenta representá-lo. A tendência das avaliações é de ressaltar aspectos quantitativos em que se colhem dados objetivos do traçado, ângulos, detalhes, funções, etc., e no cômputo geral transforma-se numa contagem estatística que indicaria a maturidade normal ou anormal sem fazer indicação de sua possível origem. Essa avaliação quantitativa é para alguns autores complementada por uma qualitativa, que envolveria a análise dos detalhes e a produção global, comparando-a com testes expressivos e projetivos, podendo-se criar hipóteses sobre transtornos emocionais graves, como neuroses e psicoses, além da obtenção do nível de maturação. É importante ressaltar que não se podem considerar como categorias isoladas na avaliação do teste a maturidade, a lesão orgânica e a problemática emocional. Há necessidade permanente da compreensão global, pois uma C criança portadora de lesão orgânica, além das dificuldades concretas que C poderá ter, projetará sempre, ela própria, sua condição interna, emocional em tudo que faz. Por outro lado, os estudos da epistemologia genética têm possibilitado um outro tipo de pesquisa sobre a realização de Teste de Bender. Assim, problemas apresentados na sua realização podem estar ligados à estruturação operatória do espaço numa visão psicogenética. Tal fato aponta para uma revisão de protocolos considerados como indicativos de problemas orgânicos ou emocionais, não confirmados em outras fontes de dados. Tomamos como exemplo o relato de pesquisas realizadas por Maria Rosa Estruch de Morales, Nydia Negri e Elda Matticoli de Martinez Ramos (1983), que desde 1966 vêm apresentando discussões teórico-práticas sobre o assunto. Apóiam-se nos trabalhos de Piaget, 0 0 1 FInhelder, Sinclair e Bover sobre a represen tação do espaço na criança e sobre a aprendizagem e estruturas do conhecimento. Pretendem realizar uma síntese sobre como se dá a estruturação operatória do espaço em relação ao Teste Bender. Propõem as autoras a divisão das provas em figuras simples (A, 4, 5 e 8) e complexas (1, 2, 3, 6 e 7), que seriam analisadas pelos indicadores: posição, distância, inclinação e proporção, e os resultados definidos em três níveis, e um nível de transição, até o atingimento da operatividade. Esta abordagem é assim resumida pelas autoras (1986, p. 18): Este enfoque psicodinâmico interacionista e estrutivista, desenha uma dupla ação de avaliação: por um lado, a estritamente solidária com os conceitos teóricos (interação, coordenação de esquemas, coordenação de pontos de vista, organização dos sistemas de coordenadas, etapas de evolução) e por outro, a possibilidade de operacionalizar por meio de indicadores preciosos, tais como inclinações, proporções, posições e distâncias, que são inerentes a um sistema de coordenadas (espaço euclidiano) e de coordenação de pontos de vista (espaço projetivo). Acreditamos que, ao reunir ambas as ações para assistir à construção de regulações e ajustes, o processo de avaliação origina sua auto-regulação: permite homologar resultados desde um ponto de vista psicogenético, proporciona um “diálogo” com outras provas operatórias (em termos de comparação de validade), ao mesmo tempo que não invalida sua relação com outros enquadramentos teóricos do mesmo teste. TÉCNICAS PROJETIVAS O diagnóstico psicopedagógico usa técnicas projetivas que trabalham com situações relativamente pouco estruturadas, usando-se estímulos com grande amplitude, até mesmo ambíguos. As tarefas propostas permitem uma diversidade de respostas, havendo, portanto, o livre jogo da imaginação, da fantasia, dos desejos. O princípio básico é de que a maneira do sujeito perceber, interpretar e estruturar o material ou situação reflete os aspectos fundamentais do seu psiquismo. É possível, desse modo, buscar relações com a apreensão do conhecimento como procurar, evitar, distorcer, omitir, esquecer algo que lhe é apresentado. Podem-se detectar, assim, obstáculos afetivos existentes nesse processo de aprendizagem de nível geral e especificamente escolar. Como afirma Anastasi (1967), “espera-se que os materiais do teste sirvam como uma espécie de ‘tela’, na qual o sujeito ‘projeta’ suas agressões, seus conflitos, seus medos, seus esforços, suas idéias características”. Assim, os aspectos do processo simbólico aparecem nas produções gráficas, nos relatos de histórias criadas, no uso do gesto e do próprio corpo nas dramatizações. Segundo Sara Pain O exame das provas projetivas permitirá, em geral, avaliar a capacidade do pensamento para construir, no relato ou no desenho, uma organização suficientemente coerente e harmoniosa como para veicular e elaborar a emoção; também permitirá avaliar a deteriorização que se produz no próprio pensamento, quando o quantum emotivo resulta excessivo, O pensamento incoerente não é a negação do pensando, ele fala ali mesmo onde se diz mal ou não se diz nada e isto oferece a oportunidade de determinar a norma no incongruente e saber como o sujeito ignora (Sara Pain, 1986, p. 61). O que se busca é descobrir como o sujeito usa seus próprios recursos cognitivos a serviço da expressão de suas emoções, ante os estímulos apresentados pelo terapeuta. O fundamental é a “leitura psicopedagógica” dessas situações e produtos, para assim detectar o que está empobrecendo a aprendizagem ou a produção escolar. Encontramos escolas que cometem o terrível engano de considerar deficientes mentais alunos com graves problemas emocionais. Veremos apenas dois grupos de técnicas: os relatos e o grafismo por serem as de maior uso. Técnica de relatos Os testes mais usados no diagnóstico psicopedagógico são o C.A.T. (Children’s Apperceptíon Test — Teste de Apercepção Infantil), para criança, organizado por L. S. Bellak, e o T.A.T. (Thematic Apperception Test — Teste de Apercepção Temática), teste de apercepção temática para adolescentes e adultos, organizado por Henry Murray. Para avaliação de problemas de aprendizagem, é importante levantar as distorções, a pobreza ou a exuberância com que o pensamento elabora a situação apresentada no estímulo dado. Assim, a grande ansiedade causada pelo estímulo provoca uma perturbação no pensamento. O sujeito pode apresentar relatos pobres, descritivos (hiperacomodação) dos desenhos ou gravuras, com muitos elementos, mas carente de organização, de boa seqüência lógica, temporal. Ás vezes, o relato é de pequenos textos sem integração entre eles. Aparecem também respostas constantes como: “Não sei”, “Não penso nada”, “Essa é difícil”, “Não vejo nada”. Em alguns casos, como Novos INSTRUMENTOS: SESSÃO LÚDICA CENTRADA NA APRENDIZAGEM→AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA→PROVAS E TESTES → HIPÓTESES. CAPÍTULO 9 Uso DA INFORMÁTICA NO DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO O Computador me assusta... Terapeuta Eu sei trabalhar no computador Paciente Sumário: Função da informática no diagnóstico Exemplos de uso do computador Observação e avaliação das condutas do sujeito Integração dos dados obtidos A modernidade chega ao consultório de Psicopedagogia “Eu sei trabalhar no computador, mas não muito”, falou Breno (12 anos, 6ª série, baixíssimo rendimento escolar), no início de uma atividade lúdica, na primeira sessão diagnóstica. “O que você quer fazer?” perguntei. “Jogos”, respondeu. Propus um conjunto de jogos sob a forma de desafios (Megalogo). Breno iniciou o primeiro, clicando aleatoriamente, sem observar a tela e refletir sobre a proposta apresentada. O problema consiste em escolher entre pedaços de trilhos retos (horizontais e verticais) e curvos (côncavos e convexos), a fim de preparar um caminho para o trem se deslocar para a estação, em patamar superior ao ponto de partida. O grau de dificuldade vai aumentando em função da diminuição da oferta de pedaços de trilhos e do acréscimo de obstáculos como: árvores e edifícios. Breno desistia do jogo, diante da mais leve dificuldade, não refletindo sobre o que estava fazendo ou o que precisaria fazer. As respostas eram aleatórias, causadas pelo uso do mouse através de movimentos descontrolados. Propus que tentasse outros desafios do mesmo software, e a atitude foi a mesma. É importante ressaltar que estas situações-problemas são bastante atraentes, mas realmente fáceis para a idade de Breno. Pediu para ver outros softwares. Sempre que surgia a primeira dificuldade ou, exigência de um procedimento mais elaborado, a sua atitude de recuo ou desistência era a mesma. Ao final da sessão, ficaram claros os seguintes pontos, em relação à conduta de Breno: baixa resistência à frustração gerando a impossibilidade de lidar com o erro e a desistência da tarefa ante a dificuldade; grande ansiedade ao enfrentar situações novas causando a desorganização da conduta; uso de mecanismos de defesa como agressão, deslocamento e fuga da situação; falta de reflexão perante situações problemáticas levando à falta de estratégia adequada para a solução do problema. Relembro o caso de Antônio (9 anos, 3’ série, baixo rendimento em Comunicação e Expressão) que no início do diagnóstico desenhava, com hidrocores, cenas de guerra e batidas de carro. Ele nunca havia trabalhado com computador, e ficava entusiasmado com a possibilidade de fazê-lo. Propus a utilização de um soflware de composição de histórias (storybook) usando três linguagens: plástica, musical e escrita. Aprendeu com grande facilidade o uso da máquina e as especificidades do programa proposto, passando a explorá-lo e a obter resultados muito melhores que os meus. Em dez minutos, começou a compor o seu primeiro livro de histórias. Apareceram nas diferentes telas criadas por ele (cenários, personagens, cenas, cores e sons): monstros pré- históricos em luta, desastres com carros e acidentes em cavernas. Os elementos projetivos surgidos eram semelhantes aos que apareceram no grafismo espontâneo. Antônio projetou, no trabalho realizado com uso do computador, todas as suas ansiedades, medos e raivas de forma mais rápida e elaborada do que seria possível com a utilização de outros instrumentos, com a diferença ainda de ter ficado tão motivado que não desejava parar de compor histórias e seus “livros” surgiram como projetos de maior complexidade do que os desenhos isolados que fizera no papel. A elaboração da historia (“texto”), através das diferentes cenas, era perfeita, enredo bom, seqüência de fatos correta e partes formadoras: começo, meio e fim perfeitamente identificáveis, entretanto, o texto escrito em cada página era pobre, não refletia as possibilidades reveladas por ele, na atividade de composição de história. Deste trabalho com a informática pude concluir, em relação a Antônio, que possuía: — excelente raciocínio lógico, bom foco de atenção, rápida memorização, boa percepção de detalhes; — grande criatividade, com riqueza de detalhes, rapidez na tomada de decisões, desejo de produzir e aprender; — vínculo inadequado com a escrita (verdadeira rejeição), erros ortográficos, de pontuação e falhas na construção de orações. Apareceu, com clareza, a discrepância entre a riqueza da linguagem oral e a pobreza da escrita. Um terceiro exemplo reforça o que já foi dito: Joana (10 anos e 8 meses 4’ série, dificuldade específica em Matemática) pergunta, já na primeira sessão: “Quando vou poder usar o computador?” Na segunda sessão, apresentei-lhe diferentes .softwares pedindo que escolhesse aquele que desejasse: “Quero um jogo que tenha Matemática”, falou. Utilizamos um que apresenta problemas sob a forma gráfica, seguidos de contas simples ou pequenas expressões (Bruxas à solta). Embora as brincadeiras matemáticas fossem realmente fáceis para sua série escolar, Joana não conseguia acertar, por não ter rapidez em cálculo mental elementar, não ler corretamente as instruções indispensáveis, ficar ansiosa esquecendo a questão proposta, abrindo e fechando as telas, com movimentos bruscos, sem tempo para raciocinar sobre o que via. Nesta sessão, observei: a sua dificuldade em leitura informativa, a lentidão no raciocínio matemático, o processo decisório muito vagaroso nesta situação e a perda de resposta correta já obtida, quando aumentava a ansiedade. Na sessão seguinte, Joana escolheu um programa de composição de histórias em quadrinhos (Quadrinhos da Turma da Mônica). Pude observar que selecionava com facilidade e rapidez os cenários e personagens, produzindo logo a seguir os textos dos diálogos. Ficou evidente que o chamado “bloqueio” só acontecia quando apareciam situações matemáticas escolares, que o raciocínio lógico era excelente, sendo capaz de bom nível de produção em outras atividades. Acredito que com estes três exemplos, tenha demonstrado as possibilidades do uso da informática como mais um recurso no processo diagnóstico. No entanto, exige um mínimo de conhecimento, de habilidade e oportunidade no uso, e o aperfeiçoamento na observação da conduta do sujeito. O computador poderá ser bem utilizado, por exemplo, nas Sessões Lúdicas Centradas na Aprendizagem e/ou no momento de avaliação pedagógica (leitura, produção de texto e Matemática) e assim, obterem-se dados sobre o funcionamento cognitivo e emocional, a postura corporal e as condições pedagógicas do sujeito. Evito dar ao uso do computador qualquer conotação pedagógica, ou mesmo, escolar; proponho um trabalho de forma lúdica, como desafios e jogos para escolha da criança ou do adolescente. Em momento posterior, apresento outroS softwares mais adequados ao que desejo pesquisar. É preciso evitar que o uso do computador se transforme numa brincadeira repetitiva, sem nada proporcionar para as observações diagnósticas. Inicio esse trabalho, vendo, em primeiro lugar, o nível de autonomia no uso do computador: se já o conhece, se liga sozinho as diferentes partes, se domina o uso do mouse. E preciso correr o risco de prejuízos materiais em função dessa independência. Posso afirmar que já fui obrigada a recorrer ao técnico de computador após terminar um diagnóstico. No segundo momento, após o “quebra-gelo” seleciono o software mais conveniente para o momento e o sujeito, como por exemplo: um produtor de histórias ou de revistas em quadrinhos, jogos matemáticos, produtor de desenhos, histórias cantadas e jogos diversos. As situações problemáticas surgidas durante o uso do próprio computador, aliadas àquelas que são propositadamente previstas nos objetivos de cada software, permitem observações de diferentes aspectos da conduta do suj eito, com predomínio ora no cognitivo, ora no afetivo ou ainda, deixando claras as interligações sempre existentes nos dois. Assim, são possíveis observações sobre o sujeito: — níveis de solução de problemas — a forma, o estilo dele enfrentar situações novas — a lógica usada na busca de uma solução — o nível de atenção e o foco na tarefa — a memorização de comandos novos e das seqüências funcionais — o percurso que faz errado e como elimina o erro — o grau de persistência nas tentativas — o erro paralisante e o erro como estímulo para buscar novos caminhos — a aceitação ou a rejeição das atividades propostas — o desejo e a determinação em produzir — as ansiedades e medos diante da tarefa proposta — o processo decisório, de escolha (o tempo e a forma: aleatória ou refletida) — a exploração, ou não, das possibilidades do software — os desenhos selecionados, os abandonados e os rejeitados — os cenários e personagens escolhidos, modificados e rejeitados — o nível de resistência à frustração, por não atingir a meta planejada — como lida com o sucesso ou o fracasso. Alguns testes de avaliação do desempenho da inteligência não dão conta desta gama de possibilidades e estratégias de pensamento que crianças e adolescentes revelam perante o uso do computador. Por outro lado, observa-se que o mecanismo projetivo que ocorre nos testes como o H.T.P. e o C.A.T. é o mesmo ante os estímulos que surgem no vídeo do computador. E só saber esperar e dar o tempo e a oportunidade que o sujeito necessita. O uso da informática não substitui todos os instrumentos formais propostos ao longo deste livro, funciona como uma complementação rápida e eficiente. As observações feitas devem ser interligadas aos dados obtidos por meio de outros recursos para a construção da imagem final do sujeito, a ser trabalhada na entrevista de devolução. E preciso que o terapeuta tenha clareza em relação aos pressupostos teóricos que utiliza na orientação do diagnóstico psicopedagógico, para poder trabalhar com qualquer instrumento, dentro de uma diretriz precisa e tirar conclusões na busca dos verdadeiros indicadores da existência de problemas de aprendizagem escolar. Nesta direção, torna-se fundamental a compreensão da função da informática no desenvolvimento e enriquecimento do pensamento de crianças e adolescentes, assim como o entendimento do funcionamento afetivo que está articulado com esse processo. Assim, estamos preconizando o uso mais amplo do computador e não o restrito, apenas, como simples página de livro didático ou mesmo “caneta eletrônica”. Torna-se fundamental que o terapeuta possa usar, com segurança e eficiência, os novos instrumentos oferecidos pelo progresso constante da tecnologia da informação. SINTETIZANDO QUEIXA → HIPÓTESE → E.F.E.S. → HIPÓTESES → ANAMNESE → HIPÓTESES → Novos INSTRUMENTOS: SESSÃO LÚDICA CENTRADA NA APRENDIZAGEM → Uso DA INFORMÁTICA → AVALIAÇÂO PEDAGÓGICA → Uso DA INFORMÁTICA → PROVAS E TESTES→ Uso DA INFORMÁTICA → HIPÓTESES TESTE WISC PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO POR GLASSER E ZIMMERMAN PROVA 1—INFORMAÇÃO
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