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Psicanálise e saúde mental a analise do sujeito psicótico, Notas de estudo de Enfermagem

Estamos todos em uma sala ampla e escura. O reconhecimento dos objetos e dos outros é difícil. Os pontos de referência se dissolvem e se reorganizam formando uma imagem disforme; não há descanso, não há um espelho que o situe no contorno do seu próprio corpo ? pode ser homem, mas também pode ser mulher, jovem, adulto, criança ou, apenas, o resto de algo que, ao tentar se constituir, fracassou. Fratura que o deixou fora de si, de uma história compartilhável, da cidade, do trabalho e do amor

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 20/02/2010

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Baixe Psicanálise e saúde mental a analise do sujeito psicótico e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! O presente livro é resultante de um estudo sobre a análise de sujeitos psicóticos institucionalizados. Fundamenta-se na psicanálise freudiana e nas contribuições de Piera Aulagnier à clínica das psicoses. Apresenta como pano de fundo uma ER ET RC EEE Da ER presença da psicanálise na instituição psiquiátrica, demarcando seu possível lugar e finalidade. Concentra a discussão principal no processo analítico de sujeitos sofrentes de um conflito psicótico, evidenciando um caso clínico em particular, tornando-o sujeito do presente estudo. Finaliza com um apanhado dos alcances e limites da escuta analítica dos sujeitos psicóticos por mim atendidos no universo institucional, LE AN ISBN 978- 85- 7862 Adriana Cajado Costa Psicanálise & Saúde Mental: a análise do sujeito psicótico na instituição psiquiátrica EA Psicanálise e saúde mental: a análise do sujeito psicótico na instituição psiquiátrica São Luis/MA EDUFMA 2009 Adriana Cajado Costa SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO PSICANÁLISE NA INSTITUIÇÃO PSIQUIÁTRICA METAPSICOLOGIA: O CONCEITO DE VERLEUGNUNG EM FREUD ASPECTOS DA PSICOPATOLOGIA: O FENÔMENO PSICÓTICO ANÁLISE DE UM SUJEITO PSICÓTICO INSTITUCIONALIZADO CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9 11 25 67 89 109 131 139 Apresentação Estamos todos em uma sala ampla e escura. O reconhecimento dos objetos e dos outros é difícil. Os pontos de referência se dissolvem e se reorganizam formando uma imagem disforme; não há descanso, não há um espelho que o situe no contorno do seu próprio corpo – pode ser homem, mas também pode ser mulher, jovem, adulto, criança ou, apenas, o resto de algo que, ao tentar se constituir, fracassou. Fratura que o deixou fora de si, de uma história compartilhável, da cidade, do trabalho e do amor. Como apresentar um processo de investigação e trabalho analítico, com sujeitos psicóticos em instituição psiquiátrica, sem recorrer à construção imagética que localize meu leitor na trajetória de uma escuta psicanalítica que aposta na suposição de um sujeito na psicose? Publicar um trabalho, que já foi escrito sete anos atrás, no momento de um Mestrado e que viabilizou a elaboração de uma investigação clínica, que já trazia uma história de outros sete anos, é um exercício de reorganizar uma pesquisa. O que apresento ao leitor nesse livro é o resultado de uma dissertação de mestrado defendida em 2002. De lá para cá, o trabalho de investigação clínica e de pesquisa se aprofundaram. A clínica das psicoses movimenta uma escuta analítica delicada e atenta ao manejo transferencial. A direção do tratamento precisa ser inscrita na construção do sujeito e de nomeação de sua obra, assinar em nome-próprio. As dimensões do Outro, do Desejo e do INTRODUÇÃO A presente pesquisa é fruto de inquietações e questionamentos oriundos do atendimento a sujeitos psicóticos confinados em hospital psiquiátrico (conveniado ao SUS) de cunho asilar. Pode-se afirmar que tais sujeitos foram institucionalizados numa prática de tratamento eminentemente medicamentosa. Entretanto, se esta foi a fonte de interesse da pesquisa, terreno no qual foi possível sua concepção, passados alguns anos, seu desenvolvimento se deu numa instituição pública. Esta instituição passa por inúmeras reformas, disponibilizando aos pacientes, no momento, os seguintes tratamentos: no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) – oficinas de marcenaria, serigrafia, reciclagem de papel, bijuteria, cabeleireiro, artesanato etc.; no Serviço Ambulatorial – atendimento psiquiátrico e psicoterápico; Lar abrigado; Emergência e Internação. Os muros que cercavam a área do hospital foram derrubados e, no lugar, uma grade foi erguida; agora é possível ter-se uma comunicação direta com as pessoas que passam pela rua. O ambulatório constituiu-se como o espaço privilegiado da pesquisa. A agenda de consultas oscilava muito: ora estava lotada, fazendo com que alguns pacientes ficassem na fila de espera almejando por uma vaga para iniciar seu tratamento, ora o fluxo diminuía a ponto de não haver ninguém para ser atendido. Muitas pessoas se dirigiam ao ambulatório em busca do psicólogo e recusavam-se a ser atendidas pelo psiquiatra. Temiam ser “dopadas” ou indicadas para a observação – um passo para a internação. Adriana Cajado Costa Gozo precisam ser alinhavados, tecidos e localizados para que o sujeito na psicose encontre seu lugar. Atualmente, pode-se questionar sobre o que impede a inscrição em nome-próprio e a introdução do sujeito psicótico na ordem fálica. Qual a porção demoníaca dos delírios paranóicos de cunho persecutório que em seu desfecho podem situar o sujeito, em termos de filiação, no Nome-do-Pai? O que há de odioso na loucura? Compreendo as limitações e possibilidades da escuta de sujeitos institucionalizados, mais pelo instituído da instituição - sem esquecer da invasão medicamentosa e da aliança mecânica da máquina de prescrição de receitas - do que da demanda do sujeito. Há uma lógica para o delírio? E se houver, no que o ódio participa em sua vertente paranóica? Por que deus e/ou o diabo são convocados a encarnar seus personagens no imaginário da construção delirante de cunho persecutório? Pretendo problematizar essas perguntas na pesquisa de doutoramento que agora inicio. Por enquanto, o leitor ficará com uma parte do percurso que me fez chegar a essas questões. É um convite honesto para pensar sobre o funcionamento de uma instituição psiquiátrica, como também, seu atravessamento na instalação de uma escuta psicanalítica que, em si, já é uma oferta que cria uma demanda e, assim, configura qual o lugar e a função do psicanalista na instituição. Na psicose, a demanda está fundada na colagem ao Outro. É uma demanda desesperada por localizar o gozo e o desejo do Outro. É um apelo para não sucumbir à deriva de ser refém de um gozo TODO. O diálogo entre Psicanálise e Saúde Mental, superficialmente, pode ser paradoxal em termos epistemológicos, mas pode ser uma aposta possível, desde que o psicanalista preserve sua ética, sua douta ignorância. Adriana Cajado Costa 31 de Janeiro de 2009 10 Percorrendo o caminho dessa escolha, deve-se notar que, como salienta Aulagnier9, todo psicanalista tem para si uma idéia de normalidade e será usufruindo dela que irá construir suas hipóteses diagnósticas. Contudo, mesmo recorrendo a uma noção do que se pode conceber como um funcionamento da psique normal, essa idéia é qualitativamente diferente da categoria de normal trabalhada pela medicina. Portanto, é preciso ressaltar que esta pesquisa é eminentemente psicanalítica, por realizar uma investigação pelo método e paradigma psicanalíticos, interrogando um determinado fenômeno de maneira que só a psicanálise pode responder teórica e clinicamente e, por isso mesmo, descomprometida com a padronização, taxonomização e categorização propostas pela psiquiatria. Na psiquiatria, é freqüente um enquadramento diagnóstico logo na primeira entrevista. Este uso é muito bem observado no cotidiano de um hospital psiquiátrico. É comum serem encontrados alcoólatras internados com diagnóstico de esquizofrenia e, mais freqüentemente, de PMD. Na psicanálise, o uso do diagnóstico ocorre sempre no âmbito da hipótese e apenas nos serve como guia condutor da análise, podendo ser reformulado com o tempo e, principalmente, nunca é fechado ou proposto numa primeira entrevista. Pesquisar, em psicanálise, é proceder a uma investigação que tem por meta aproximar-se, ao máximo, das produções do inconsciente. Seu método abrange o pesquisador, no caso o analista – com os instrumentos metodológicos e técnicos da atenção flutuante, interpretação, construção, reconstrução e contribuição figurativa –, e o paciente que deve proceder à associação livre. Silva10, no artigo Pensar em Psicanálise (1993), caracteriza o método psicanalítico por “abertura, construção e participação”. E ainda acrescenta: “Diria também que se trata de um método receptivo, valorizando mais a escuta do que a fala, mais a espera do que a indução de um sentido”11. 9 Id. 10 LINO DA SILVA, Mª Emília . Pensar em psicanálise. In: LINO DA SILVA, Mª. Emília. (coord.). Investigação e Psicanálise. Campinas, Papirus, 1993, pp. 11-25. 11 Ibid., pp. 20-21. Introdução 17 Enfatizo, ainda, a construção teórica de Piera Aulagnier, que culmina na inovação técnica da Contribuição Figurativa, a qual une a escuta analítica, a história do sujeito que está sendo atendido e uma compreensão do funcionamento psíquico do sujeito psicótico. Para tanto, a escuta deve estar afinada e aberta para o novo, para aquilo que está no limiar da significação. Se, como afirmou Freud, só terá o nome de psicanálise a terapêutica que fizer uso da transferência e da resistência, no presente contexto, uma escuta discreta e atenta vem revelar uma especificidade na transferência com psicóticos, dando-lhe um direcionamento psicanalítico. É a partir dela que um novo olhar pode ser construído diante daquele que nada tem a comemorar quando está diante do espelho. Contudo, uma segunda questão, ainda mais específica é colocada: qual a viabilidade, a possibilidade e o que se pode observar durante o tratamento, quando se lança mão, na análise desses sujeitos, da técnica contribuição figurativa? Essa pesquisa apoia-se em uma perspectiva psicanalítica que agrega consigo um pensamento sobre o que é normal e patológico diferenciado da psiquiatria, ou seja, um olhar e uma escuta que não estão preocupados com esta classificação ou dicotomia. Ao se falar em sujeito, subjetividade e singularidade, a psicanálise deixa de lado tais distinções, concebendo a noção de normalidade7 como um dado que representa a norma, não estando vinculada ao sentido de correto, saudável ou superior. Nesta dissertação, os conceitos de saúde e doença não serão trabalhados, como também o conceito de “cura”. Aqui usam-se as aspas para salientar que, se há algum desejo de cura, ele se delineia no sentido em que Aulagnier o empregou: “(...) essa possibilidade da psique, que representa o limite e a façanha de sua liberdade, que lhe permite refletir-se sobre sua própria atividade para reconhecê-la como efeito de sua razão e como efeito da loucura do desejo que a habita”8. 7 CANGUILHEM, Georges. Normal e patológico. Lisboa, Edições 70, 1977. 8 AULAGNIER, Piera. O sentido perdido...(1971). Um Intérprete em Busca de Sentido II. São Paulo, Escuta, 1990, p. 54. Adriana Cajado Costa16 se fala15, propiciar um trajeto rumo à sua singularidade, ao sentido do seu delírio, à verdade do seu desejo inconsciente. Diante de tamanha importância, a escuta analítica não pode ser passiva, como nos alerta Barthes, e principalmente como salienta Violante (2001), ao interpretar Aulagnier: “No registro da psicose [...] a escuta do analista não pode ser passiva e silenciosa. Antes, suas interpretações devem apoiar-se sobre os eventos da realidade histórica do paciente, a fim de ajudá-lo na construção de sua história. Se, na neurose, trata-se da reconstrução da história do paciente, no registro da psicose, trata-se de uma construção”16. Complementando a reflexão, Mezan, no livro A Sombra de Don Juan e outros Ensaios, no artigo “Que Significa Pesquisa em Psicanálise?” (1993), trabalha com diferenciações no campo epistemológico e no da pesquisa no interior da teoria escolhida. Nesta última, ele discorre a respeito de um momento no qual o analista se questiona sobre de que modo a teoria informa a escuta e a interpretação na situação analítica17, mas também situa-nos no momento em que a própria pesquisa ganha seu impulso e vem tentar responder ao que Aulagnier denominou de questões fundamentais. Nas palavras de Mezan: “É o momento em que o analista já não se dirige ao seu paciente, já não deseja encontrar a interpretação adequada do que escutou, ou mesmo do que pensou a partir do escutado, mas busca dar conta em termos conceituais do modo pelo qual puderam se produzir tanto o que ouviu como o que o fez ouvir assim”18. 15 Devo salientar que o sujeito psicótico que passou por um processo de institucionalização não se refere a sua história singular e, sim, à história de um corpo-máquina que sucumbe às (re)presentações de sua “doença”. Ele é a “doença”. Sua história é a história das internações, dos efeitos de cada nova medicação testada. Seu delírio já não consegue ter a força de antes, foi minado pela força mumificante dos psicotrópicos. Diluídos na lentidão e marasmo dos efeitos colaterais do fármaco, alguns dos sujeitos que pude observar já não conseguiam fazer uso da linguagem, paralisados autisticamente, pareciam assistir da última poltrona à cena de um corpo morto-vivo. 16 VIOLANTE, Maria Lucia Vieira (2001). Piera Aulagnier: uma contribuição contemporânea à obra de Freud. São Paulo, Via Lettera, 2001, pp. 147-8. 17 MEZAN, Renato. A sombra de Don Juan e outros ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1993, p. 94. 18 Ibid., p. 92. Introdução 19 Renato Mezan, no prefácio do livro A vingança da Esfinge (1988), logo na primeira página, alerta para o sentido da pesquisa e do pesquisador em psicanálise. Lembrando Foucault para falar sobre as mudanças por que passam tanto as investigações como seus agentes, Mezan cita-o e oferece também outros sentidos: “Pois, como mostrou Foucault em A Arqueologia do Saber, as idéias não provêm da subjetividade soberana de uma consciência, mas de um solo que torna possíveis certos recortes e impossíveis outros, que autoriza alguns a falar e a outros impõe silêncio, que legitima certos objetos de pensamento e certos tipos de discurso, em detrimento de outros, desqualificados”12. O solo que torna possíveis certos recortes e impossíveis outros é fruto de construções e produções no campo do conhecimento. O campo epistemológico fornece e cria as condições de viabilidade de determinada pesquisa. Unir psicanálise e psiquiatria é tarefa difícil13, pois há um abismo epistemológico entre elas; é por isso que se adota a postura, nesta pesquisa, de estar atento às particularidades da escuta na análise de sujeitos psicóticos institucionalizados. Proponho, nesse estudo, que a escuta psicanalítica fornece instrumentos para o sujeito psicótico apropriar-se de significações que lhe dizem respeito. É ela também que possibilita o espaço e o tempo para o analítico. Veículo de criação, por favorecer a entrada do elemento novo, a escuta molda o setting. No caso em questão, da psicanálise na instituição psiquiátrica, é a escuta que vislumbra, no espaço e tempo institucionais, o espaço e o tempo da análise, recriando um novo espaço/tempo, uma Outra cena14 capaz de significar a experiência da análise. Esta Outra cena configura-se como a possibilidade de que um novo espaço, imbuído de um novo sentido, permita e favoreça ao sujeito a criação de um outro momento, distinto do vivido até então, que lhe proporcione a elaboração ou a ressignificação de seu sofrimento. No caso dos sujeitos desse estudo, sofrentes de um conflito psicótico, a finalidade da análise na instituição é a de mudar os termos nos quais o sujeito 12 MEZAN, Renato. A vingança da esfinge. São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 07. 13 FREUD, Sigmund (1926). A questão da análise leiga. ESB. 2ª ed., vol. XX, 1987, p. 262. 14 MANNONI, Maud. Amor, ódio, separação: o reencontro com a linguagem esquecida da infância. Rio de Janeiro, Zahar, 1995. Adriana Cajado Costa18 bagagem teórica. Esta última constatação é um alerta a nossos leitores: nossas reflexões sobre a psicose não escapam ao perigo de fazer parecer construção teórica acabada, o que não passa de seu embasamento”19 (Grifo meu). Deve-se pontuar que, em psicanálise, método, técnica e teoria andam juntos, ora se cruzam, ora um prevalece, ora outra, influenciando-se mutuamente num jogo dialético de investigação e construção de sentido. * * * Por ser uma pesquisa com o método psicanalítico, mas fora do setting analítico convencional, e por considerar que é necessário e premente questionar e refletir sobre o hospital psiquiátrico, esta dissertação apresenta, no primeiro capítulo, A Psicanálise Na Instituição Psiquiátrica, uma discussão sobre o universo da pesquisa – o espaço e o tempo no qual a investigação se desenvolveu. Freud (1919) já havia nos alertado para as implicações sociais da psicanálise e a possibilidade de sua expansão em direção a um número maior de pessoas com poder aquisitivo baixo. Prevê que “haverá instituições ou clínicas de pacientes externos, para as quais serão designados médicos analiticamente preparados”20. Atualmente, existem inúmeros psicanalistas trabalhando em instituições públicas e exercendo seu ofício. Algumas modificações são implementadas, mas como sinalizou Freud, “qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa”21. Ana Cristina Figueiredo22 expõe com clareza o que vem a ser a prática da psicanálise na instituição psiquiátrica e, especificamente, no ambulatório. Afirma ser desnecessário fazer grandes distinções 19 AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., pp. 174-5. 20 FREUD, Sigmund (1919). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. ESB, 2. ed., vol. XVII, 1987, p. 210. 21 Ibid., p. 211. 22 FIGUEIREDO, Ana C. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica psicanalítica no ambulatório público. Rio de Janeiro, Remule-Dumará, 1997. Introdução 21 Diante de tal perspectiva, considerando as questões fundamentais dessa pesquisa, cabe frisar a importância da psicanálise, não só nos espaços clínicos habituais, mas também no espaço público e institucional. Ao circunscrever o objeto da pesquisa na análise de sujeitos psicóticos institucionalizados, transformo tais indivíduos em sujeitos desse estudo e apresento a importância do desenvolvimento do processo analítico na cena institucional, para que o universo do hospital psiquiátrico seja pensado. Pude observar que o sujeito psicótico, que já passou por uma instituição, traz as marcas institucionais consigo, remetendo a escuta do analista às ressonâncias do que foi e está sendo vivido no hospital. Quanto aos aspectos teóricos que fundamentam a prática analítica e, especificamente, a minha prática no hospital psiquiátrico, considero que a metapsicologia proposta por Piera Aulagnier, além de fornecer novas formas de entendimento acerca da psique, oferece ao psicanalista a possibilidade de pensar o seu trabalho. Esse sentido pode ser encontrado no seu conceito de “teorização flutuante” (1984), que nos remete diretamente à escuta analítica. Será com essa flexibilidade que as interrogações, oriundas da dificuldade de se escutar aquele que comumente chamam de louco, ganham respaldo e vislumbram um caminho a percorrer na tentativa de viabilizar um tratamento mais digno e responsável. Entretanto, ao uso da teoria, Aulagnier (1975) adverte: “Como o inferno, os caminhos da teoria são pavimentados de boas intenções: elas não bastam para esconder o quanto um querer saber comporta de desrespeito por aquele a quem ela impõe uma interpretação, a qual só faz repetir, sob uma outra forma, a violência e o abuso de poder dos discursos que a precederam. Atualmente, temos a impressão de que freqüentemente a psicose serve a interesses que não são os seus: quase sempre, quando se fala em nome do louco, na verdade se está, mais uma vez, negando-lhe qualquer direito de ser escutado. Utiliza-se a palavra que lhe é imputada para se demonstrar o fundamento de um saber, de uma ideologia, de um combate, que concernem aos interesses do não-louco, ou daqueles que se pretendem como tal. A apologia da loucura, a apologia da não-terapia e da não-cura são as formas modernas de uma rejeição e de uma exclusão que não se tem nem mesmo a coragem de reconhecer enquanto tal, o que as torna pelo menos tão opressivas e nefastas quanto as que as precederam. Abordarmos a loucura exige que avancemos num terreno onde se desenrola um drama que o observador, salvo exceções, não paga nem com sua dor nem com sua razão e exige também que não esperemos muito de nossa Adriana Cajado Costa20 institucional sobre o sujeito, e do sujeito sobre o espaço institucional. Disto decorre que os lugares e ações ou intervenções dos profissionais devem estar bem esclarecidos. No caso do analista, esse lugar é um lugar à parte, não se inserindo completamente na instituição e também não se coadunando com o espaço familiar. A psicanálise sempre teceu críticas à psiquiatria e, conseqüentemente, aos hospitais psiquiátricos. Um dos entraves desse diálogo foi a medicalização exacerbada dos pacientes internos ocasionando a supressão do sintoma – o delírio. Contudo, os impasses não se restringem ao tratamento. A própria noção de doença mental aponta para uma distância epistemológica. Em Psicanálise e Psiquiatria (1917)5, Freud delineia as diferenças entre as duas ciências. Delimita as ações da psiquiatria na observação superficial do fenômeno psicótico e defende a investigação psicanalítica do conteúdo do delírio apresentado pelo paciente. Assim temos: “A psiquiatria não emprega os métodos técnicos da psicanálise; toca superficialmente qualquer inferência acerca do conteúdo do delírio, e, ao apontar para a hereditariedade, dá-nos uma etiologia geral e remota, em vez de indicar, primeiro, as causas mais especiais e próximas”6. Freud continua sua palestra e acrescenta que, na verdade, os princípios de tratamento da psiquiatria não invalidam a psicanálise, caso fossem realizados esses dois tratamentos no mesmo paciente, mas alerta para a dificuldade em relação aos psiquiatras, pois “o que se opõe à psicanálise não é a psiquiatria, mas os psiquiatras”7. No texto “A Questão da Análise Leiga” (1926), Freud parece pensar diferente. Comenta que a psiquiatria tem seu papel no tratamento das “perturbações das funções mentais, mas sabemos de que maneira e com quais finalidades ela o faz”. Acrescenta ainda, “ela procura os determinantes somáticos das perturbações mentais e os trata como outras causas de doença”8. 5 FREUD, Sigmund (1917). Psicanálise e psiquiatria. Conferência XVI. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. ESB, 2ª. ed. Vol. XV, 1987. 6 Ibid., p. 301. 7 Id. 8 FREUD, Sigmund (1926). A questão da análise leiga. ESB, 2ª ed., vol. XX, 1987, p. 262. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 27 Ao proceder à análise de psicóticos numa instituição psiquiátrica vários impasses e desencontros marcam o processo e influenciam a situação analítica. Por isso, para pensar a Psicanálise na instituição psiquiátrica, duas concepções devem ficar claras. Quais as possibilidades de atuação do psicanalista nesse espaço e qual o olhar que ele constrói acerca desse lugar para empreender o seu trabalho? Entre essas duas concepções, outros pequenos cuidados devem ter seu lugar garantido no atendimento de sujeitos psicóticos em instituição. Piera Aulagnier não se dedicou a escrever um texto sobre o assunto, mas fez algumas pontuações acerca da problemática institucional, afirmando que não há diferenças de método na análise de psicóticos em instituição ou no consultório. Pontua apenas que: “(...) um dos mais graves problemas que a instituição coloca – com ou sem analista – é a repercussão de todo conflito institucional sobre a vivência dos sujeitos nela tratados. Inevitável repetição de um papel que estes últimos conhecem muito bem por ter sido o deles durante toda a infância”3. Aulagnier ainda acrescenta que o analista será aquele que irá reescutar “uma re-presentação viva e falada do que o sujeito repete e projeta sobre o espaço institucional e sobre aqueles que estão perto dele”4. O que se pode apreender disso é que, na dinâmica institucional, há uma dupla repetição e projeção: do conflito da vida social, com o nome de promoção da saúde mental, já que a doença ou sua ameaça torna-se caracterizada como desadaptação social ou negativismo social”. E, ainda: “Na era da Saúde Mental, a estrutura de ação nas Comunidades Terapêuticas é esticada ao extremo, arrebentando o objeto e o sujeito do conhecimento psiquiátrico, que se traduz pela pulverização do sujeito da prática: qualquer um pode ser ‘técnico em Saúde Mental’ “. E em relação a esses técnicos, os autores afirmam que “deve-se colocar um obstáculo ativo a este movimento de psiquiatrização maciça da população, liderado pelos ‘técnicos de Saúde Mental’ “. Ciente desta problemática em torno do termo Saúde Mental, esta pesquisa não adentrará a discussão, apenas utilizará o termo quando for imprescindível para o entendimento do leitor, sem nenhum compromisso com a política e a idéia que lhe servem de arcabouço. Ver BIRMAN, Joel & COSTA, J. Freire. Organização de instituições para uma psiquiatria comunitária. In: AMARANTE, Paulo. (org.). Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1994. 3 AULAGNIER, Piera (1984). O aprendiz de historiador e o mestre-feiticeiro: do discurso identificante ao discurso delirante. São Paulo, Escuta, 1989, p. 54. 4 Ibid., p. 56. Adriana Cajado Costa26 questionam-lhe a validade e a eficácia de sua prática, mesclando sentimentos de amor e ódio para com ele. Aqui estamos no terreno fértil da transferência, ferramenta imprescindível que guia qualquer análise que um psicanalista possa vir a realizar com um paciente ou numa instituição ou, por que não dizer, a qualquer material que lhe demande tal feito. Porém, estamos também no terreno do “já sabido”, no qual dizeres sobre a psicanálise são veiculados a partir de sua disseminação cultural, impregnando o discurso institucional acerca desse saber com mal-entendidos. Um exemplo pode ser encontrado em Violante10, quando buscou “uma interlocução entre a psicanálise e a psiquiatria” no seu estudo de pós-doutoramento. Nele encontramos uma das explicações que justificam tal confusão. Em relação ao “já sabido” de alguns estudiosos da psiquiatria sobre a psicanálise, a autora indica-o como pura ignorância e afirma: “Ora, a psicanálise nem faz pesquisa empírica nem trabalha com validade estatística [...]. Conclui-se que o que se defende (pelos psiquiatras) é um controle comportamental capaz de remover o que há de observável no comportamento [...]. Tal façanha não é nem almejada nem tangível pelo método psicanalítico [...]. O sofrimento a que a psicanálise se reporta é o sofrimento psíquico, resultante de um conflito identificatório, no qual o sujeito está implicado como um todo e não apenas os seus neurotransmissores”11. Como já mencionei, ao construir seu espaço12 de trabalho, o psicanalista contempla as vias de possibilidade de sua atuação. A construção do setting, a determinação dos horários de atendimento, o estabelecimento da transferência com os pacientes que lhe demandam a escuta analítica viabilizam-lhe o trabalho. São essas as condições necessárias para o empreendimento de uma psicanálise numa instituição psiquiátrica. No primeiro momento, a demanda do paciente perfaz um caminho por meio de outras pessoas a ele ligadas: parentes, amigos, vizinhos etc. No entanto, aqueles que permanecem, demandam, 10 VIOLANTE, M ª. L. V. Psicanálise e psiquiatria: campos convergentes ou divergentes?. In: VIOLANTE, Mª. Lucia. V. (Org.). op. cit, 13-46. 11 Ibid., pp. 27-28. 12 Num hospital psiquiátrico, diversas vezes, o setting analítico é construído de maneira diferenciada da habitual. Porém, pode-se constituir um espaço viável mesmo que não tenha ao seu redor quatro paredes. Não são raras as vezes em que uma sessão se faz andando pelo pátio, sentado num banco e, até na sala do psicanalista. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 29 Compreendo que Freud não nega as afirmações que faz na conferência, apenas abdica de criticar a psiquiatria quanto a sua postura diante da psicanálise, afirmando que a formação de um médico psiquiatra corre por um caminho contrário ao da psicanálise e que isso não pode ser considerado um defeito ou incapacidade. Dentre suas características encontra-se a visão de homem unilateral, fato este não censurável. Parece que Freud tenta compreender a formação médica, e por que, para ela, os eventos psíquicos são indiferentes. Contudo, não abre mão de apontar o desinteresse do médico em tratar os neuróticos. Freud expressa: “A educação médica, contudo, nada faz, literalmente nada, para compreendê- los e tratá-los (...). Mas ela faz mais do que isso: dá-lhes uma atitude falsa e prejudicial. Os médicos cujo interesse não foi despertado pelos fatores psíquicos da vida estão mais que prontos para formar uma estimativa deficiente dos mesmos (...). Quanto menos tais médicos compreenderem do assunto, mais aventurosos se tornam”9. Entendo que a crítica feita por Freud aos psiquiatras em 1917 retorna de maneira mais elaborada em 1926. A reflexão apresentada é ampla e percorre um caminho desde a formação do médico até seu exercício profissional. As afirmações contidas no texto “A Questão da Análise Leiga” sobre os psiquiatras e a própria psiquiatria, enquanto área do conhecimento, recebem um trato singular, ampliando a discussão para o uso inadequado da psicanálise, questão essa que o autor trabalha com preocupação em todo o texto. Preocupação legítima, se considerarmos as dificuldades que, ainda hoje, encontramos na instituição, qualquer que seja. Espaço conturbado que envolve diferentes interesses e exercícios de poder, o hospital psiquiátrico pode ser visto como uma instituição que engloba inúmeros conflitos, não estando o lugar de cada profissional bem delineado como deveria. O psiquiatra, mesmo fazendo parte de uma equipe multiprofissional, ainda exerce o poder de decisão acerca do que cada sujeito irá receber como medicamento, tratamento e posterior alta. No caso do psicanalista, figura vista com certa desconfiança e receio, todo um simbolismo é construído. Os demais profissionais 9 Ibid., pp. 262-263. Adriana Cajado Costa28 Curiosamente, o momento de crise do paciente pode se tornar um momento de alívio para a família. A exasperação predominante no início da internação, com o passar dos dias, abre espaço para uma divisão de responsabilidades com a instituição. Neste período, o pai, a mãe, o marido, a mulher, o irmão ou a irmã depositam parte de sua preocupação nos profissionais, como se, ao ultrapassarem os portões da instituição, o “problema” deixasse de ser da família. Porém pude escutar um movimento transferencial iniciando-se no pedido de ajuda feito ao “saber” do médico sobre o “problema”. O paciente desde há muito tempo deixou de ser sujeito, ele é o “problema”, a “coisa” que incomoda, transtorna, que ocupa a família e lhe fornece todos os elementos que formam um discurso que o coisifica. De maneira semelhante, a instituição repetirá essa cena, mas por outras vias, ainda mais poderosas. Bezerra alerta-nos para o poder da indústria farmacêutica e de sua política agressiva junto aos médicos – investindo em congressos, propagandas, financiamento de pesquisas, jornais, revistas etc. – que, aliada ao reduzido tempo das consultas, viabiliza uma “economia da prescrição” na qual “a maioria dos psiquiatras não atende, despacha. Não medica, repete receitas...”15. O cotidiano de um hospital psiquiátrico prova tais argumentos e sinaliza para as brechas das quais a psicanálise pode se valer. Uma mulher acompanhando o marido diz: “aquele doutor é muito bom, ele vai resolver nosso problema. Ele vai acertar a medicação”(sic). Um pensamento quase mágico é depositado na figura do médico. Acertar a medicação significa ser abençoado ou ter a sorte de encontrar a solução certa para o “problema”. Aqui há transferência, já que um outro é suposto detentor de um “saber” sobre o sujeito. A fé no médico, no fármaco e na religião predominam no pensamento das pessoas que pude escutar. Por enquanto não há espaço para o questionamento, não há espaço para a psicanálise. Será utilizando esse movimento transferencial que a psicanálise surgirá, produzindo no sujeito a possibilidade de se fazer questão. Entretanto, quando isso ocorre, o espaço analítico é outro; o espaço da palavra, e não o espaço da contenção, da emergência. 15 BEZERRA JR. Benilton. Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde mental. Cidadania e Loucura: Políticas de Saúde Mental no Brasil. 4ª ed. Petrópolis, Vozes/Abrasco, 1994, p. 148. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 31 após algum tempo, uma escuta. Escuta de sua dor, da sua exasperação, do seu delírio... Como salienta Figueiredo (1997): “No hospital psiquiátrico, o psicanalista convive com situações agudas, de emergência, que não são as mais favoráveis para o trabalho analítico. Para elaborar é preciso um tempo que não é o da crise. Seu trabalho, portanto, é de oferta e convívio, tanto com a equipe quanto com o sujeito, num tempo de espera até que a transferência lhe possa ser endereçada mais particularmente”.13 No caso específico desta pesquisa, no que diz respeito ao lugar dos atendimentos, um fato curioso aconteceu. Inicialmente, os atendimentos ocorriam na parte do hospital dedicada à internação; após algumas semanas, houve o convite para que se continuassem os atendimentos no ambulatório, também localizado no hospital; atualmente, eu me encontro realizando os atendimentos no ambulatório e no CAPS(Centro de Atenção Psicossocial). Todo esse trajeto vem expressar que “identificar o psicanalista como profissional não parece ser corriqueiro nas instituições públicas”14. Fato que pode ser corroborado com o percurso, acima descrito, que tive que realizar nesta instituição pública. No primeiro momento, o lugar oferecido para a realização dos atendimentos foi o da internação. Lugar que concentra pacientes em crise psicótica, alcóolica ou de abstinência devido ao uso de drogas. De acordo com Figueiredo, “para elaborar é preciso um tempo que não é o da crise”, no entanto, o lugar da internação é o lugar do tumulto, da exasperação e da indignação de pacientes e familiares, é o lugar da crise. De acordo com o que pude observar e escutar, é o lugar do reconhecimento de uma falência pessoal e familiar. Os profissionais que atuam na internação são psiquiatras, enfermeiros e assistentes sociais. Cada um exerce uma função no processo de internação. O assistente social recebe o indivíduo em crise, o psiquiatra diagnostica e prescreve o medicamento e o enfermeiro assegura que o indivíduo receberá a medicação e permanecerá no hospital no período de sua internação. Durante o tempo em que desenvolvi minhas atividades nesse espaço, escutei familiares e pacientes contando suas histórias. 13 FIGUEIREDO (1997). Op. cit, p. 171. 14 Ibid., p. 57. Adriana Cajado Costa30 Vários aspectos podem ser analisados nessa primeira fala da diretora do hospital. Primeiro, ressalta-se a profusão de “nãos” que são pronunciados em tão pouco tempo; depois, o caráter desqualificador do saber analítico; por fim, ela aceita e tenta apostar. Essa fala em muito se assemelha à fala de algumas pessoas que nos procuram no consultório, munidas de seus escudos de resistência, mas almejando um lugar para se fazerem ouvir. No segundo contato com a instituição, os acontecimentos se fizeram radicalmente diferentes. Fui levada à diretoria do hospital por um psiquiatra que estava empenhado em fazer com que fosse desenvolvida a pesquisa na instituição20. Ao chegar, a vice-diretora nos recebe. Explico o propósito de realizar atendimento com sujeitos psicóticos no hospital. A acolhida é rápida e, na mesma semana, é- me reservada uma sala. Iniciam-se os atendimentos no hospital e, após um pequeno percurso, já descrito, chego ao ambulatório. Há uma recepcionista que exerce a função de secretária, marcando e agendando os pacientes para consulta. Em relação à recepcionista do ambulatório, há que se fazer um parêntese. O profissional que ocupa este cargo, com apenas o segundo grau, é responsável por uma certa “triagem” dos pacientes no ambulatório. É ela quem decide o encaminhamento dos pacientes. Pelo que pude observar, essa triagem é feita com os seguintes critérios: o profissional que estiver livre no momento e a solicitação do paciente; nos casos duvidosos, o paciente é dirigido ao serviço social. Geralmente, o serviço social encaminha o paciente para o psicólogo. Aqui começa o trabalho do psicanalista. Feito esse parêntese, retorno aos primeiros contatos com a direção do hospital. Em relação ao primeiro contato com a diretora, um aspecto importante quanto à noção de demanda na instituição deve ser esclarecido. Quando a diretora abre um espaço e me propõe que convoque os pacientes, há que se fazer uma pontuação. A atitude tomada é a de preferir que os pacientes tomem conhecimento de 20 A partir da reforma psiquiátrica, o interesse do hospital psiquiátrico em receber pesquisadores credenciados por alguma instituição oficial tornou-se evidente. Ter um pesquisador na casa é sinal de desenvolvimento, de empenho na melhoria dos serviços oferecidos aos usuários. Prova disto é o pedido da vice-diretora do hospital para que eu assinasse uma declaração de que estou desenvolvendo minha pesquisa de mestrado na instituição. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 37 não, não sei falar de mim assim não”(sic). Outro paciente chega à sessão, senta-se, grita muito, levanta, ameaça me bater e se cala. Durante essa cena, permaneço sentada e olhando-o nos olhos. Ele se senta, fica me olhando por um bom tempo e diz rispidamente: “você não vai chamar o enfermeiro? Não tem medo que te meta a mão na cara dura? De repente, sorri e diz que está brincando. Pergunto se sempre brincou assim. Ele responde com um ar desolador: “eu não sei brincar de carrinho, nunca tive um carrinho... Eu gritei porque vocês não querem me dar o remédio certo, mas a senhora ficou aí me olhando, nem ficou com medo de mim, se eu te pego eu te acabo, mas fica tranqüila que eu gostei da doutora” (sic). A reação esperada por esse sujeito era que eu levantasse, mandasse ele se acalmar e, como ele não iria se acalmar, eu chamasse o enfermeiro para lhe acalmar com uma medicação de emergência. Procedimento com o qual deve estar acostumado. Quando procedo de maneira distinta, abre-se um caminho para sua singularidade. O que pode ser observado quando fala da sua dor por não ter tido um carrinho na infância. A partir daí ele pode falar. Falar19 de sua dor, do seu sofrimento, de suas lembranças e de suas conquistas. Esse é um pequeno exemplo da distância que separa a prática psicanalítica de outras práticas que pude observar nessa instituição. Feito esse primeiro manejo, outros aspectos devem ser tratados. No caso da presente pesquisa, fui aceita na instituição como psicanalista mesmo com a ressalva da diretora do hospital: “Não sei se isso serve aqui, não sei se vai ter resultado, mas sei lá, vamos ver, isso não demora muito? Psicanálise não é uma coisa longa? Aqui os pacientes não ficam tanto tempo. É, vou arranjar uma sala e você faz o seu horário e chama os pacientes” (sic). Uma descrença logo no início contorna o lugar a ser ocupado pela psicanálise e em decorrência, pelo psicanalista. Figueiredo (1997) apontou para a fantasia que gira em torno da psicanálise e da figura do psicanalista; é nesse campo que as confusões devem ser desfeitas. 19 Remeto o leitor ao capítulo IV no qual abro a discussão sobre a demanda de análise na psicose e como a entrada em análise dos sujeitos que pude escutar é marcada por uma fala que denuncia uma dor profunda e que raramente pôde ser comunicada pela mediação da linguagem, da palavra. Adriana Cajado Costa36 são feitas, mas podem ser consideradas normais ante a complexidade de uma instituição e dos aspectos transferenciais oriundos desta relação. Cumpre destacar que, além da transferência do paciente com a instituição e posteriormente comigo, pude perceber uma transferência dos profissionais a mim direcionada. Por vezes, esse tipo de transferência assumiu dimensões consideráveis, a ponto de um dos profissionais solicitar-me ajuda, demonstrando com isso uma explícita demanda de análise; outras vezes, esse pedido de ajuda não se configurou enquanto demanda de análise, sendo apenas um desejo fantasioso de experimentar isso que chamam de análise. Diante disso, não pude vacilar, tive que ficar atenta e impedir que uma mistura entre demanda de análise e demanda de apoio me retirasse do lugar que deveria ocupar na instituição. Minha função é a de oferecer uma escuta aos pacientes que procuram o serviço público. No caso dos profissionais que atuam no hospital, há um serviço psicológico diferenciado para eles fora da instituição e oferecido pelo Estado. É certo que a transferência não obedece às regras institucionais. Ela ocorre a partir de um movimento singular entre o sujeito e a figura do analista. Entretanto, o psicanalista que trabalha numa instituição, mesmo ocupando um lugar “à sombra” tem um contrato mínimo a seguir. O que se deve fazer quando é expressamente proibido o atendimento a funcionários? Alguns manejos podem ser adotados. A cada procura, uma escuta fina, uma palavra, um encaminhamento. Se esse sujeito procurou-me para falar de suas questões, foi porque naquele momento ocupo o lugar de analista; certamente, se sua demanda for de análise, será capaz de transferência com outro analista. Ressalto que a transferência não se dá com qualquer analista, mas pode ocorrer com alguns. Numa perspectiva de abertura e sem as amarras que afundam o hospital psiquiátrico num fosso árido e burocrático, uma reforma psiquiátrica deveria privilegiar a singularidade de todos aqueles que convivem no espaço institucional. Usuários, funcionários, médicos, psicólogos, psicanalistas... Um espaço que privilegie a vida, Eros, o investimento nas relações, os laços. Rotelli propõe que “no lugar de ambulatórios, ‘laboratórios’ de produção de vida; não mais Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 39 que há um psicanalista na instituição. No primeiro momento o paciente repete o mesmo movimento que está acostumado a realizar com outros terapeutas. Ele quer conversar. Na maioria dos casos eles chegam à sessão dizendo: “doutora, eu vim aqui conversar com a senhora para ver o que eu tenho que fazer para resolver meu problema. A senhora precisa me ajudar que a labuta é grande”(sic). Figueiredo (1997) chama atenção para essa “conversa”: “No caso da psicanálise, é justamente essa conversa que se deve deslocar para dar lugar a uma fala mais ‘monológica’, cuja contrapartida é a escuta”21. No início do exercício da psicanálise na instituição psiquiátrica temos que lidar com uma pequena confusão quanto aos procedimentos que adotamos e a finalidade da análise. Os profissionais e pacientes necessitam, para seu alívio e segurança, distinguir a função de cada profissional. Explicar do que trata a psicanálise logo no início é dar margem para que as confusões se intensifiquem e, de certa forma, inaugurar uma distância intransponível. Com o tempo e o desenvolvimento da prática do psicanalista, seu espaço e sua função vão sendo esclarecidos. Com o tempo os esclarecimentos são fornecidos, mas de forma simplificada, pois são pessoas com pouca escolaridade e, como se encontram num momento difícil de suas vidas (estão internados ou freqüentando semanalmente o hospital), não se deve dar margem a mal-entendidos. Na minha experiência, a partir do momento em que esses sujeitos sabem do que se trata, procuram-me para tentar sondar minha posição diante deles e da instituição. Apostam num aliado para alcançar a tão almejada alta ou um porto seguro. No início, essa expectativa se sustenta por algum tempo; mas tão logo as sessões se intensificam, essa esperança dá lugar a outro sentimento. Às vezes, é um sentimento de amor; outras, de ódio e raiva; mas sempre há a presença de um estado afetivo que conduz a relação. Aos poucos, fui conseguindo estabelecer meu lugar de analista na instituição, saindo do lugar da desconfiança. Os outros profissionais, exceto os psiquiatras, começaram a solicitar minha presença em outros espaços da instituição. Algumas confusões ainda 21 FIGUEIREDO, A. C. Op. cit. p. 112. Adriana Cajado Costa38 Esse espaço da reflexão é pouco exercido até mesmo por quem o preconiza. Figueiredo (1997), em sua pesquisa, apontou inúmeras desculpas dos profissionais para não abrirem esse espaço, mas o psicanalista não pode se omitir quanto a isto. A abertura ao novo, à reflexão, a escuta discreta e atenta que faz calar e falar o analista faz parte do seu trabalho. O lugar do analista é o lugar de fazer viver o desejo do outro, de fazer com que o outro possa desejar, de fazer com que o sujeito assuma seu sintoma como uma questão28 sua, como um mal-estar seu que deve ser falado, escutado, pensado e elaborado. E questionar a instituição em sua alma burocrática também faz parte do analítico? Acredito que sim e talvez seja, no caso daquele psicanalista que está na instituição, o seu trabalho mais penoso, mais desgastante e cansativo. Questionar uma instituição que procede arraigada a um paradigma biologizante29 requer serenidade, muito estudo, investimento na própria análise e supervisões, e uma escuta atenta. Na maioria dos casos, o questionamento deve estar presente nos atos do analista ou no seu silêncio. Buscar o confronto não produz efeitos analíticos, apenas encena os dilemas e contradições entre a psiquiatria e a psicanálise30. Sobre o problema atual da vertente biologizante da psiquiatria, Violante salienta que “o sujeito não se reduz ao seu organismo e ao seu bem-estar orgânico”31. Vê nesse processo algumas divergências “entre a psicanálise e a ideologia que subjaz à prática psiquiátrica levada a cabo pela psiquiatria dominante, no que diz respeito: à compreensão do que é ‘mental’; [...] à prevalência do fator neurológico; ao encaminhamento terapêutico”32. Considero que, ao exercer minha função de analista, exercitando minha escuta com sujeitos psicóticos institucionalizados, pude acompanhar uma pequena transformação em suas falas. Se estas falas se configuraram em um discurso sobre si, ainda não 28 TENÓRIO, Fernando. Desmedicalizar e subjetivar: a especificidade da clínica da recepção. A Clínica da Recepção nos dispositivos de Saúde Mental. Cadernos IPUB. vol. VI, Nº 17. Rio de Janeiro, IPUB/UFRJ, 2000, pp, 79-91. 29 ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a Psicanálise?. Rio de Janeiro, Zahar, 2000. 30 VIOLANTE, M ª. Lucia V (org.). O (im)possível diálogo psicanálise e psiquiatria. São Paulo, Via Lettera, 2002. 31 VIOLANTE, M ª. L. V. Psicanálise e psiquiatria: campos convergentes ou divergentes? In: VIOLANTE, Mª. Lucia. V. (Org.). op. cit., p. 40. 32 Ibid., p. 42. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 41 profissionais psi, e sim ‘artistas, homens de cultura, poetas, pintores, homens de cinema, jornalistas, inventores de vida...’”22. Concordo com ele na proposição, mas acredito que há espaço em um “laboratório de produção de vida” para a psicanálise. Quanto às confusões que podem impregnar o cotidiano do psicanalista no trato com os outros profissionais e, por que não, com os pacientes, Leite Netto23 salienta que se deve ter clara a distância epistemológica que existe entre psiquiatria e psicanálise e, mais ainda, que tipo de resposta um profissional que nos dirige determinada demanda espera. Ele assim se expressa “(...) o psicanalista é aceito, convidado a se manifestar, mas se espera dele uma contribuição dentro de um referencial eminentemente médico...”.24 Leite Netto ainda acrescenta que “há espaço e necessidade, numa instituição desse tipo, para os que têm conhecimentos e experiência em psicanálise”25. Acredito que esse espaço deve ser ocupado sem desvirtuar a proposta psicanalítica, ou seja: o analista deve estar atento e investir na transformação e na crítica constante, favorecendo ao sujeito psicótico exercer sua fala e à instituição criar uma espaço de transformação para a qualidade de vida e bem-estar do sujeito que ali se encontra internado26, ou fazendo uso dos serviços por ela oferecidos. Nesta direção Tacchinardi comenta: “O lugar de analista só me é dado a ocupar a partir do momento em que posso me afastar do cotidiano totalizador e abrir um espaço para a reflexão”.27 22 ROTELLI apud TENÓRIO, Fernando. Da reforma psiquiátrica à clínica do sujeito. Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2001, p. 122. 23 LEITE NETTO, Oswaldo Ferreira. Um psicanalista na instituição (nem herói, nem “picareta”...). Jornal de Psicanálise. São Paulo. 30 (55/56): 205-212, jun. 1997. 24 Ibid., p. 209. 25 Ibid. p. 210. 26 Apesar das recentes conquistas, no âmbito legislativo, a luta antimanicomial ainda não alcançou seus verdadeiros objetivos. Os hospitais psiquiátricos brasileiros ainda se mantêm com característica asilar. Pode-se pensar nas exceções, como no caso de Santos, cidade que eliminou todos os seus hospitais psiquiátricos de enclausuramento, mas no interior e em cidades mais pobres do Brasil, a situação se mantém. Algumas modificações são realizadas e se perpetua o tratamento eminentemente medicamentoso e de contenção. 27TACCHINARDI, Silvia R. Psicanálise e instituição psiquiátrica: o analista dentro do Juqueri?. São Paulo, Percurso, nº. 1. 2 sem. 1988. Adriana Cajado Costa40 O analista só pode assumir o lugar do Outro e assim garantir “ao sujeito a verdade de seu enunciado sobre a origem” se houver uma relação transferencial. Portanto, a escuta analítica do psicótico torna-se possível, quando concebida num espaço dual, no qual o paciente irá utilizar a transferência de maneira a tender a uma espécie de osmose com a figura do analista, posicionando-o no lugar do Outro. Ao salientar que a transferência, no registro da psicose, ocorre de uma maneira mais complexa e diferenciada do que em relação ao neurótico, objetiva-se compreender a qualidade desta distinção. Mergulhado numa dimensão atemporal, o psicótico ao delirar, tenta escrever sua história, pois para o psicótico, “seu presente já foi decidido pelo seu passado; tudo já foi anunciado, previsto, predito, escrito51. O delírio se impõe a essa “escravidão consentida”52. Então, o que se trabalha, pela via da transferência, com o sujeito psicótico? De acordo com Piera Aulagnier, em primeiro lugar, o analista deve “tornar sensível para o sujeito o que não se repete”, na relação analítica, “o que ela oferece de diferente, de ainda não experimentado”53. Por não demandar análise, o psicótico, em relação à transferência, vai colocar o analista no lugar do “sujeito-suposto- saber” antes ocupado pelo discurso parental que lhe proibiu de “acreditar que um outro pensamento além do deles (pais) poderia saber a respeito do desejo, da lei, do bem e do mal”54. Será por isso que, no registro do saber, o analista só ocupará o lugar do “sujeito-suposto-saber” pela via “de uma projeção sem brechas que dotará esse saber projetado sobre nós” de um “poder mortífero para o pensamento do sujeito”55. Aulagnier ainda acrescenta que, no registro do investimento, o psicótico também estabelecerá uma relação de “investimento massivo, por mais conflitiva que seja, com esses representantes encarnados do poder que são seus pais”56. 51 AULAGNIER, P. (1984). Op. cit., pp. 198-199. 52 Ibid., p. 198. 53 Ibid., p. 196. 54 Ibid., p. 199. 55 Ibid., pp. 199-200. 56 Ibid., p. 200. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 47 pessoa que o escuta (escutador-investidor47) e que lhe propõe mudanças (Outro em direção aos outros), “uma escuta que lhe permite novamente separar o que ele pensa do que o obrigam a pensar”48. No registro psicótico, a dimensão do fenômeno transferencial e de sua economia surgem de maneira distinta. Aulagnier (1975) fornece um instigante resumo da especificidade da transferência na psicose e da viabilidade da análise com esse sujeitos: “Recorrer ao conceito de transferência e fazer de sua impossibilidade no psicótico a explicação do fracasso, não nos parece satisfatório. Esta “impossibilidade” deveria nos confrontar à necessidade de redefinir o conceito, o que permitiria uma melhor compreensão de porque a transferência, tal qual o mostra a relação neurótica, exige não apenas o investimento libidinal de uma imagem projetada sobre o analista – coisa em que o psicótico é mestre – mas a transferência para a situação experimental de uma demanda feita ao saber do Outro, demanda que tem sua fonte no encontro inaugural sujeito-discurso. Esta ‘transferência’, o psicótico vai realizá-la e, paradoxalmente, é aí que reside a causa fundamental do que obstaculiza o projeto analítico. Com efeito, o psicótico vai transferir, na situação analítica, o que ele continua a repetir na sua relação ao discurso do Outro, e portanto, a nosso discurso”.49 Após um quarto de século de psicanálise, a análise de psicóticos galgou espaço e o pensar analítico tem podido escutar determinadas falas que viabilizaram o tratamento desses sujeitos. Hoje, os estudos metapsicológicos mostram que o psicótico é capaz de uma transferência maciça, mas de uma outra ordem, fantasmada, na qual o analista e o paciente estão, para este último, numa osmose, da mesma ordem daquela vivida com a mãe – porta- voz que está ocupando o lugar de um único Outro. Aulagnier adverte: “A partir do momento em que uma relação analítica se instaura, é o analista que, na cena do real, deverá assumir a função desta voz única, que garante ao sujeito a verdade de seu enunciado sobre a origem”.50 47 Ibid., p. 201. 48 Id. 49 AULAGNIER, Piera (1975). A Violência da interpretação: do pictograma ao enunciado. Rio de Janeiro, Imago, 1979, p. 18. 50 AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., p. 216. Adriana Cajado Costa46 a transferência negativa está presente, mas uma outra qualidade de transferência, distinta daquela própria ao neurótico, é constituída na instituição e nos paranóicos. O problema institucional colocado por Figueiredo, distintamente de Freud, afeta o manejo da “transferência que se diversifica e se dispersa”62. O manejo desse processo de dispersão da transferência é tão importante que Figueiredo o retoma em outro texto. Nele, a autora salienta que há a existência da transferência “em qualquer tipo de tratamento e toma características mais pulverizadas no atendimento em instituição onde um paciente é recebido por diferentes profissionais com funções diversificadas”63. O primeiro endereço da transferência é o da instituição. Após o primeiro atendimento, seja com o assistente social, ou com o médico, com o psicólogo, psicanalista ou mesmo com a recepcionista, é que a transferência vai sendo endereçada para outro lugar, agora mais específico. Ao chegar ao psicanalista, o sujeito já criou laços com uma gama de “doutores” para pedir socorro. Pode-se pensar que a transferência dessa forma está diluída. Prefiro pensar que ela, num primeiro momento, foi partilhada64. Ao procurar o ambulatório de um hospital psiquiátrico, geralmente o sujeito psicótico se defronta com sua incapacidade. Na maioria dos casos ele é trazido por um familiar que pede para acompanhá-lo na sessão. Com os outros profissionais esta companhia é vista com bons olhos, o que gera certo mal-estar quando nós, psicanalistas, solicitamos o atendimento individual, singularizado. Nesse momento, um dado novo é apresentado para o paciente e família, e também para a instituição. Esta postura implica uma tomada de decisão e direcionamento do tratamento, ocasionando dúvidas e inseguranças para o acompanhante e para os outros profissionais. 62 Ibid., p. 74. 63 FIGUEIREDO, A. C. Do atendimento coletivo ao individual: um atravessamento na transferência. A Clínica da Recepção nos Dispositivos de Saúde Mental. Cadernos IPUB, nº 17, Rio de Janeiro, UFRJ/IPUB, 2000, p. 127. 64 A essa passagem de um profissional a outro, que o sujeito é impelido a realizar na instituição, Fernando Tenório aponta para o problema transferencial e, ao citar M. L. Calderoni, alerta para o fato de que nesse espaço a transferência deve acontecer e permanecer, transferindo-se. TENÓRIO, F. Op. cit, p. 88. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 49 O que corresponde afirmar que no caso da psicose o analista não pode assumir o lugar de “suposto-saber”, pois esse lugar está ocupado por um ser idealizado. Idealização que produz “o desaparecimento do traço individual, a erradicação de toda diferença”57. No caso do analista, o sujeito psicótico o colocará nessa posição, mas ele não deve assumir o lugar de ideal, o que impossibilitará a análise e servirá de objeto persecutório para o sujeito, dificultando o manejo transferencial. Pommier pontua: “(...) um ideal tão presente não deixa de tornar-se persecutório e o sujeito do saber assim encarnado constitui a ocasião suficiente para o desencadeamento de um delírio”58. Fundamentada nas conceituações acima, percebo que todo atendimento/tratamento psicanalítico que é realizado numa instituição, seja ela clínica-escola, seja hospital geral, seja hospital psiquiátrico etc., tem que se haver com um fenômeno peculiar: a transferência estabelecida pelo sujeito com a instituição como um todo. É a ela que o sujeito procura para aliviar seu sofrimento. No caso do psicótico, com essa projeção maciça que pode transformar a instituição em um perseguidor poderoso. Retomo o texto “A Dinâmica da Transferência” para salientar a afirmação de Freud de que os paranóicos limitam sua capacidade de transferência a uma transferência negativa. Nesse mesmo texto, ao falar das instituições nas quais os “doentes dos nervos são tratados de modo não analítico”, ele complementa: “podemos observar que a transferência ocorre com a maior intensidade e sob as formas mais indignas, chegando a nada menos do que servidão mental”59, e mais adiante ele reitera: “a manifestação de uma transferência negativa é, na realidade, acontecimento muito comum nas instituições”60. Ampliando as afirmações freudianas, de acordo com Figueiredo (2001), “um psicanalista faz na saúde mental tudo que lhe concerne pela via da fala na transferência”61. Isso equivale a dizer que não só 57 POMMIER, G. O desenlace de uma análise. Rio de Janeiro, Zahar, 1990, p. 211. 58 Ibid., p. 214. 59 FREUD, Sigmund (1914). A dinâmica da transferência. ESB, 2ª ed., vol. XII, 1987, p. 136. 60 Ibid., p. 141. 61 FIGUEIREDO, A. C. O que faz um psicanalista na saúde mental. Saúde Mental: Campo, Saberes e Discurso. Rio de Janeiro, IPUB/CUCA, 2001, p. 81. Adriana Cajado Costa48 do tratamento, denunciam a falta de preparo e estudo dos profissionais e, penosamente, denunciam o lugar de resto no qual o sujeito psicótico pode ser colocado numa sociedade. No caso específico da instituição psiquiátrica, a “boa distância” é referida pelos diversos profissionais como garantia do “bom tratamento”. Inspirando-me em Aulagnier68, entendo que a distância mantida pelo paciente pode estar relacionada com suas experiências de vida e, nesse manejo, ele reconhece sua própria história, história de um ser não-pensante, já que o que deve pensar já foi imposto por um Outro, traduzindo-se num conto de uma vida sem escolha, sem demanda e sem oferta. Será por isso que o sujeito manterá distância, por saber que, ao se aproximar, um nada lhe será oferecido. Se uma escuta discreta for direcionada para o discurso institucional, ver-se-á nessas falas a marca de uma distância preconceituosa, pejorativa e prejudicial ao sujeito psicótico. Inúmeras reclamações são dirigidas a mim quanto ao comportamento do sujeito. Questionam a ausência de medidas educativas e outras tantas que denunciam a incompreensão teórico- prática do tratamento dirigido ao paciente, seja apoiado na psicanálise, na psiquiatria, ou nas teorias cognitivas e comportamentais de psicólogos que ali desenvolvem suas atividades. Ao interrogar essa “boa distância”, Aulagnier não deixa de lembrar ao leitor o seu papel crítico, não deixando, também, de inspirar esse mesmo leitor em suas reflexões. Aquele que já se pôs a escutar um sujeito psicótico sabe que sua fala, seus gestos, ou mesmo sua aproximação física é cautelosa. Cautela que responde menos a um discernimento do que a um pavor, por vezes desembocando numa exasperação em que, ou o sujeito pede um toque por necessidade de se sentir vivo, ou mantém uma distância desumanizante. Infelizmente, quando ele escolhe manter distância, essa atitude é interpretada por alguns profissionais como eficácia do tratamento. 68 AULAGNIER, Piera (1984). Op. cit Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 51 O que pretendo ressaltar aqui é a ocorrência da transferência, não só do paciente pela via da instituição, mas dos profissionais65 para com a figura do analista. Quando Figueiredo (1997) fala do lugar “à sombra” do analista na instituição, elenca inúmeras questões que invadem o setting analítico. Ao assumir a postura do silêncio, do acolhimento pela escuta e da abdicação de explicar66 tudo, nós assumimos a psicanálise e seu método e posicionamo-nos de maneira diferenciada. Esta atitude marca um lugar, e será a este lugar que o sujeito irá, posteriormente, se direcionar. Nessas circunstâncias, o discurso psicótico envereda por outro caminho. O delírio se impõe no lugar da repetição e as atitudes do sujeito são orientadas por essa criação de uma realidade autocrática. Diante disto, o analista deve manter sua oferta, ou seja, deve escutar. Por fim, uma última problemática que inclui a transferência deve ser aludida: a relação dos profissionais de saúde mental com o paciente. Aulagnier chama a atenção para a relação dos analistas, mas entendo que tal problema não atinge apenas psicanalistas, incluo aqui os outros profissionais. A autora assim se expressa: “Freqüentemente se tem dito que uma das características da transferência é a impossibilidade na qual o sujeito se encontra de manter uma ‘boa distância’(?) do terapeuta. Pergunto-me se, nesse caso, o problema da distância não é muito mais um problema do analista que do analisado”67. Deve-se questionar, assim como o fez Aulagnier, a que “boa distância” se referem, não só os psicanalistas, mas os profissionais de saúde mental. Um dos discursos institucionais mais repetitivos, colhidos por mim, foi exatamente esse: “eles colam na gente, eles são viscosos e pegajosos. Temos que ter cuidado, se não eles nos beijam, abraçam, apertam...”. Essas falas denunciam a precariedade 65 Figueiredo aponta para a noção lacaniana de transferência de trabalho. Poder-se- ia adotar esta noção aqui para falar do que ocorre entre os outros profissionais e o psicanalista, mas crê-se que esta noção ainda não atinge o cerne do problema que se coloca. Vamos ao conceito: “Seria a condição de estabelecimento de um laço produtivo entre pares visando, por um lado, a produção de saber e, por outro, o fazer clínico”. FIGUEIREDO, A. C (2000). Op. cit., p. 126. 66 FREUD, S (1933). Explicações, aplicações e orientações . Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise. Conferência XXXIV. ESB, 2ª ed., vol. XXII, 1987. 67 AULAGNIER, Piera. Observações sobre a estrutura psicótica (1963). Um Intérprete Em Busca de Sentido-II. São Paulo, Escuta, 1990, p. 30. Adriana Cajado Costa50 O impedimento que o sujeito psicótico encontra em significar a presença de dois interlocutores resulta no “apelo ao delírio” devido à “impossibilidade do sujeito continuar a acreditar na presença da escuta do outro”86. Será em decorrência dessa incapacidade que a escuta psicanalítica irá ocupar, no primeiro momento, o “lugar da orelha de quem fala”, para posteriormente, assumir o lugar de uma “nova escuta” que garantirá ao sujeito “que o que ele diz faz parte novamente de um escutável, de algo investível por um outro”87, garantia essa que não é demandada pelo neurótico. Pode-se derivar daí a importância da teorização e conseqüente técnica da contribuição figurativa proposta por Aulagnier e comentada na introdução desta dissertação. Em minha escuta dos sujeitos portadores de um conflito psicótico, pude apreender a importância de “escutar com o corpo”, escutar colocando-me no lugar ao qual a fala do analisando se remetia. Escuta que, muitas vezes, recebe um material incongruente, de difícil significação. Os subsídios teóricos que fortaleceram e garantiram minha escuta giram em torno da técnica da contribuição figurativa. Aulagnier (1984) indica vários caminhos para que o analista possa sustentar sua escuta: “... escutar como analista induz uma presença total no que acontece nesse fragmento do tempo que compartilhamos com o outro, presença ainda mais intensa quando estamos lidando com sujeitos, psicóticos ou não, cuja fala exige essa espécie de osmose, tenho vontade de dizer, com a escuta do interlocutor deles”88. Em nossa sociedade, todo aquele que não está compartilhando do sentido comum é rechaçado, criticado ou excluído. Esta palavra, louco, logo aparece no discurso social para falar daquele que está em desordem quando comparado à maioria. Assim, a busca de sentido, para este que recebe tal denominação, torna-se a meta principal do seu Eu que, incansavelmente, busca-o sem ser reconhecido ou escutado. A escuta analítica, então, pode ocupar este lugar de reconhecimento do sujeito. É aí que o pensamento de Aulagnier (1984) é pontual: 86 Id. 87 Id. 88 Ibid., pp. 120-21. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 57 menino não deseja esse tipo de coisa.” Hans: “Mas ele pode PENSAR isso.” Pai: “Mas isso não é bom.” Hans: “Se ele pensa isso, é bom de todo jeito, por que você pode escrevê-lo para o Professor.” Nesse momento, Freud abre uma nota de rodapé e escreve: “Muito bem, pequeno Hans! Eu não poderia desejar uma compreensão melhor da psicanálise por parte de nenhum adulto.”82. Aqui temos, de maneira explícita, a noção psicanalítica de escuta . Escuta que busca entender a organização do funcionamento do psiquismo do paciente e, a partir daí, no caso da neurose, recorrer aos efeitos da transferência e da resistência, formular as primeiras hipóteses, produzir uma interpretação que faça eco, que possibilite alguma mudança, alguma forma daquele que fala apoderar-se do que isso pode significar. No caso do sujeito que sofre de um conflito psicótico, o manejo transferência, como foi dito no item anterior, é distinto. Se, no caso do neurótico, o paciente transfere para a figura do analista “intensos sentimentos de afeição”, e estabelece com este uma “vinculação amorosa”83, no caso do psicótico, a transferência perfaz outro caminho, transfere para o analista a relação que vive com o Outro (mãe). Denis Vasse84 afirma que a escuta do psicótico requer um olhar que vá além da fala do sujeito, que se direcione também para o sintoma do analista, para o que o analista “escuta com seu corpo”. Já Aulagnier ressalta que a escuta do psicótico deve ser o instrumento de investimento na relação analítica, instrumento que garante ao sujeito que um outro pode escutá-lo85. 82 FREUD, Sigmund (1909). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. ESB, 2ª ed., vol. X, 1987, p. 81. 83 FREUD, Sigmund (1917). Transferência. Conferências Introdutórias de Psicanálise. ESB, 2ª ed., vol. XVI, 1987, pp. 514-515. 84 VASSE, Denis. La escucha del psicótico. El Peso de lo Real, el Sufrimiento. Madri, Gedisa, 1985. “escucha con su cuerpo”. 85 AULAGNIER, P. (1984). Op. cit., p. 200. Adriana Cajado Costa56 dialética demanda-oferta ocupará o cerne do processo transferencial imprimindo-lhe a importância de assegurar a existência da própria análise. A autora afirma: “Ora, a dialética demanda-oferta transferir-se-á no tratamento onde permanecerá sendo justamente o ‘pivô da transferência’, com o paciente visando assegurar-se que essa dialética não seja nunca excluída de sua análise”93 Figueiredo94, ao colher inúmeros relatos de psicanalistas que exercem suas atividades em hospital psiquiátrico, apontou para a dificuldade do sujeito psicótico demandar análise. Mas encontrou vários depoimentos que reivindicavam um outro entendimento. Alguns profissionais chegaram a discorrer sobre seus pacientes afirmando que entre alguns deles era possível identificar uma demanda de análise, mas para isso a escuta teria que ser atenta, ofertada de maneira singular, levando em consideração o funcionamento psíquico do sujeito psicótico. Nos casos em que a oferta respeitava essa direção, o paciente permanecia em análise e alcançava alguns progressos. A análise dos sujeitos desta pesquisa mostrou a possibilidade de alguns psicóticos demandarem análise, contrariando a afirmação de Piera Aulagnier. Compartilho do pensamento de Pommier sobre essa problemática. Ele escreve: “Quando um sujeito psicótico demanda análise é porque sofre e gostaria de ver acabar o calvário de que padece. Contrariamente a uma opinião difundida, ele não ignora mais do que o neurótico que a psicanálise é feita para isto e não está acima de seus recursos procurar nela um benefício”95. O trabalho do psicanalista numa instituição é permeado por interfaces que deslocam e condensam inúmeros sentidos e enganos. O lugar a ser conquistado, a renúncia às explicações prolongadas sobre o fazer analítico, o manejo transferencial dentro e fora do setting analítico são elementos que devem ser muito bem elaborados pelo analista. 93 AULAGNIER, Piera. Um Intérprete em busca de sentido – I.. São Paulo, Escuta, 1990. p. 23. 94 FIGUEIREDO, A. C. (1997). Op. cit. 95 POMMIER, Gerard. O desenlace de uma análise. Rio de Janeiro, Zahar, 1990, p. 206. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 59 “... escuta que prova para o sujeito que seu discurso merece ser escutado, e que se suas construções delirantes não são compartilháveis não é por que lhes falte sentido mas por que esse sentido permanece oculto para os interlocutores”89. Investigar e contextualizar a noção de escuta nas psicoses, apoiando-se na mais recente e importante contribuição psicanalítica ao assunto, é proporcionar aos profissionais de saúde mental uma compreensão atual deste problema na psicanálise, derivando-se até a clínica, numa perspectiva transformadora do tratamento e da análise de psicóticos na instituição psiquiátrica. Nesse sentido, o espaço institucional pode se configurar em um outro espaço, possibilitando, por meio da escuta analítica, a construção de uma Outra cena que agregará uma simbologia específica. Cada sujeito irá representar as cenas de sua vida de acordo com sua singularidade, sua história e com a capacidade que possui de significar suas experiências. No espaço de um hospital psiquiátrico, a possibilidade de se criar uma Outra cena, ou melhor, um Outro espaço, é precária. Para O. Mannoni, a palavra cena pode ser compreendida como uma “disposição psíquica em que se pavoneiam as imagens, que acolhe o fantasiar e o sonho”90. Os signos identitários de cada indivíduo são praticamente desconstruídos pelo processo de institucionalização91 por que passa o sujeito ao ser internado ou ao freqüentar periodicamente o hospital psiquiátrico. A escuta analítica pode se revelar uma aliada na configuração de uma Outra cena, transformando a sala de atendimento – espaço físico - num setting analítico – espaço da palavra92 - propício a fazer o discurso do sujeito circular, pois é a escuta e a palavra que definem a psicanálise. A oferta da escuta introduz a dialética oferta-demanda. Aulagnier pontuou a impossibilidade de o sujeito psicótico demandar análise, pois ele inverte as posições e coloca o analista no lugar de demandante. Mesmo assim, o analista não pode deixar de ofertar. A 89 Ibid., p. 58. 90 Mannoni, Octave apud Mannoni, Maud (1995). Op. cit., p 47. 91 GOFFMAN, Erving (1961). Manicômios, prisões e conventos. 6ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1999. 92 MANNONI, Maud. A primeira entrevista em psicanálise. Rio de Janeiro, Campus, 1981. Adriana Cajado Costa58 Um exemplo pode ser fornecido a partir da fala de um paciente que chega para sua primeira consulta. Após explicar os motivos de solicitar o atendimento, mostra-me a guia de encaminhamento ambulatorial e diz: “o psiquiatra me disse que meu problema tem que ser resolvido com a senhora, mas, sabe, eu não agüento mais ficar nisso, nenhum resolve. Será que a senhora vai ficar comigo ou vai conversar e me mandar para outro?” (sic). Felizmente, o paciente pôde perceber que no ambulatório era possível desenvolver um tratamento com o mesmo psicólogo. Marcou um horário semanal e vem comparecendo às sessões. Nesse sentido, o ambulatório, paradoxalmente, pelo fato de proporcionar ao sujeito o movimento, pois ele pode ir e vir quando quiser, é o lugar do hospital onde a transferência pode ser direcionada a um número menor de profissionais, ou mesmo, a um só, como foi o caso do exemplo acima. No restante do hospital, existe um número muito grande de funcionários responsáveis pelo paciente, o que o impede de estabelecer uma relação mais próxima. O CAPS pode ser um lugar possível, mas no caso da instituição em que trabalho, a diversidade de oficinas, profissionais e estagiários abre espaço para uma outra proposta, a de fornecer ao sujeito um tempo para o trabalho manual. A partir do momento em que o sujeito é atendido no ambulatório, assume algum tipo de tratamento. Consultas são marcadas semanalmente para ele, ou com o psicólogo, ou com o psiquiatra, ou com o psicanalista. Figueiredo (1997) define o ambulatório, no seu plano ideal de funcionamento, como o lugar fecundo, quando gerido devidamente, para o psicanalista agir: “O ambulatório é, sem dúvida, o local privilegiado para a prática da psicanálise porque faculta o ir-e-vir, mantém uma certa regularidade no atendimento pela marcação das consultas, preserva um certo sigilo e propicia uma certa autonomia de trabalho para o profissional”98. Mesmo possibilitando ao sujeito essa “liberdade”, o ambulatório, em muitos casos, fracassa em seu objetivo. Aulagnier (1984), no livro O Aprendiz de Historiador e o Mestre-Feiticeiro, 98 FIGUEIREDO, Ana C. (1997). Op. cit., p. 10. Psicanálise na Instituição Psiquiátrica 61 Psicanálise e instituição podem ter uma aproximação frutífera e duradoura se o analista permanecer no lado da psicanálise e comprometido com seus princípios e seu método de investigação. Só assim manterá uma distância, essa sim necessária, para sua análise e reflexão dos elementos que se interpõem quando do atendimento a sujeitos psicóticos institucionalizados. O Ambulatório A palavra ambulatório vem do latim ambulare, ambulator que significa caminhar, caminhador. Em seu sentido adjetivado temos: “que impele a andar, a movimentar-se”. O exemplo fornecido pelo dicionário96 é “delírio ambulatório”. Prosseguindo o verbete encontra- se: “Departamento hospitalar para atendimento de enfermos que se podem locomover”. Recorrer ao dicionário é sempre uma tarefa que ajuda e auxilia o exercício do pensamento e, para nós, psicanalistas, ajuda na busca da significação. Partindo das explicações fornecidas pelo dicionário, pode-se pensar no ambulatório como um lugar de passagem. Espaço propício para o deslocamento. No item sobre a transferência na instituição, uma das percepções colhidas foi a de que, no ambulatório, e até mesmo no hospital como um todo, devido à gama de profissionais e tipos de tratamento, o paciente é encaminhado a diversos profissionais; disso decorre que ele acaba por travar uma relação dita “terapêutica” com cada um deles, mas que se sustenta por pouco tempo. Levando em consideração as palavras de Freud (1917), a “transferência está presente no paciente desde o começo do tratamento”97. O que pude observar e escutar é que o paciente estabelece transferência com quase todos os profissionais que o atendem. Desta forma, quando um deles o indica para o outro, a carga afetiva estabelecida na transferência parece se transferir para o próximo profissional. 96 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999. 97 FREUD, Sigmund (1917). Transferência. Op. cit., p. 516. Adriana Cajado Costa60 METAPSICOLOGIA O CONCEITO DE VERLEUGNUNG* EM FREUD O conceito freudiano de defesa Verleugnung abre este capítulo por configurar-se na maior contribuição de Freud ao estudo das psicoses. Sabe-se que o termo Verwerfung, traduzido por Jacques Lacan como forclusão, delimita com maior profundidade o que está em cheque na psicose, mas o percurso teórico freudiano para alcançá- lo imprime um fio analítico que deve ser escutado. Conforme afirmou Simanke1 em pesquisa de mestrado, “a investigação da Verleugnung concentra os esforços de Freud para definir metapsicologicamente a psicose”2. Ao vasculhar a obra freudiana em busca de uma teorização sobre o fenômeno psicótico, o autor conclui: “A Verleugnung foi o único mecanismo investigado sistematicamente em relação ao problema da origem das psicoses e o único a ser alvo de evidentes esforços de inclusão no quadro geral da teoria psicanalítica...”3 É a partir desse enigma, qual seja, a relação conflitante do psicótico com a realidade, que a pesquisa psicanalítica sobre o tema * Do alemão verleugnen que corresponde a negar, renegar, desmentir, retratar. Verleugnung equivale a renegação, retratação, repúdio (cf. TOCHTROP, Leonardo et CARO, Herbert. Dicionário alemão-português; português-alemão. Porto Alegre, Globo, 1943, p. 517). 1 SIMANKE, Richard Theisen. A Formação da Teoria Freudiana das Psicoses. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1994. 2 Ibid., p. 229. 3 Id. Em 1911, no texto “Formulações Sobre Os Dois Princípios do Funcionamento Mental”, Freud começa a desconfiar da inexistência do recalque na psicose. Menciona que em certos casos de psicose alucinatória há um afastamento da realidade por meio de um dispositivo de negação do evento perturbador. Ele expressa: “Tais dispositivos são simplesmente o correlativo do ‘recalque’, que trata os estímulos desagradáveis internos como se fossem externos – ou seja, empurra-os para o mundo externo”8. Em 1923, quando escreve “A Organização Genital Infantil”, apresenta o conceito de rejeição (recusa) para falar do mecanismo utilizado pelas meninas quanto à ausência de pênis. Em nota de rodapé, do editor, temos que esse conceito, a partir de então, começa a “ocupar lugar cada vez mais importante nos escritos de Freud”9, assumindo uma conexão um pouco diferente no texto “A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose (1924)”, vinculando-se sempre ao complexo de castração. O texto de 1924 é o que melhor trata metapsicologicamente o conceito de Verleugnung. Outro texto do mesmo ano, mas escrito um pouco antes, podendo ser considerado como introdutório deste, é “Neurose e Psicose”. Nele, Freud afirma que na psicose não há recalque e, sim, outro mecanismo. Ele se questiona: “(...) qual pode ser o mecanismo, análogo ao recalque, por cujo intermédio o ego se desliga do mundo externo. Segundo me pareceria, tal mecanismo deve, tal como o recalque, abranger uma retirada da catexia enviada pelo ego”10. Freud procede a uma reflexão colocando o ego com a função, a partir daí, de criar, autocraticamente, “um novo mundo externo e interno (...) de acordo com os impulsos desejosos do Id”11. Para a criação promovida pelo ego do psicótico, Freud aponta duas funções: a) a do delírio – remendo de uma fenda entre o ego e a realidade e que, b) tais manifestações patogênicas do ego são 8 FREUD, Sigmund (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. ESB. 2ª ed., vol. XII, 1987, p. 279. 9 FREUD, Sigmund (1923). A organização genital infantil. ESB, 2ª ed., vol. XIX, 1987, p. 182. 10 FREUD, Sigmund (1924). Neurose e psicose. ESB, 2ª ed., vol. XIX, 1987, p. 193. 11 Ibid., p. 191. Metapsicologia 69 avança. Na grande maioria dos textos freudianos dedicados a pensar a psicose, a investigação se direciona, especialmente, para duas questões: a) a recusa do ego em relação a um fragmento da realidade e b) a alteração/divisão do ego provocada por tal recusa. O interesse de Freud nos processos patogênicos inclui a psicose desde seus estudos mais antigos. No “Rascunho H” (1895), Freud já está preocupado com o que acontece na paranóia e nas suas produções. Afirma, falando da confusão alucinatória, o seguinte: “A totalidade da idéia incompatível – afeto e conteúdo – é mantida afastada do ego; e isto só se torna possível à custa de um desligamento parcial do mundo externo. Resta o recurso às alucinações, que comprazem ao ego e apóiam a defesa”4. Nesse rascunho, ele ainda realiza uma diferenciação entre confusão alucinatória e paranóia, mas o sentido de que se recusa uma realidade é mantido, isto é, na alucinação, o que é recusada é a realidade do mundo externo, na paranóia, a recusa é da realidade psíquica. Em 1896, no Rascunho K intitulado “As Neuroses de Defesa”, Freud compara a Histeria, a Neurose Obsessiva e a Paranóia, ao afirmar que “são aberrações patológicas de estados afetivos psíquicos normais”5. Em seguida, apresenta algumas distinções. No caso da paranóia focaliza seu “elemento determinante” no “mecanismo da projeção, que envolve a recusa da crença na autocensura”6. Localiza a ocorrência do recalque após um “processo de pensamento consciente e complexo (a recusa da crença)”7, num tempo posterior ao do recalcamento nas neuroses. Note-se que Freud ainda nesse momento pensa que haja o mecanismo de defesa do recalque na psicose, acreditando que sua presença se dê mais tardiamente. Porém hipotetiza a ocorrência da recusa anterior ao recalque. Veremos, nos seus textos seguintes, que Freud perceberá que na psicose não há recalque e sim o mecanismo de defesa da Verleugnung. 4 FREUD, Sigmund (1895). Rascunho H. ESB, 2ª ed., vol. I, 1987, p. 298. 5 FREUD, Sigmund (1893). Rascunho K: as neuroses de defesa. ESB, 2ª ed., vol. I, 1987, p. 307. 6 Ibid., p. 316. 7 Ibid., p. 317. Adriana Cajado Costa68 do processo pelo qual haverá a alteração do ego e seu possível distanciamento da realidade. Sintetiza as distinções entre neurose e psicose na seguinte frase: “a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta substituí-la”16. O sábio vienense prossegue seus estudos sobre a Verleugnung e, em 1925, com “Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica Entre Os Sexos”, reitera a ocorrência da recusa na psicose. Introduz o conceito para falar no processo pelo qual a criança passa ao se dar conta da genitália feminina, e afirma: “(...) pode estabelecer-se um processo que eu gostaria de chamar de rejeição, processo que, na vida mental das crianças, não parece incomum nem muito perigoso, mas num adulto significaria o começo de uma psicose”17. Contudo só em 1927, com o texto “Fetichismo”, Freud apresentará a distinção entre os conceitos de Verdrängung e Verleugnung. Ele expressa: “Se quisermos diferenciar mais nitidamente a vicissitude da idéia como distinta daquela do afeto, e reservar a palavra Verdrängung (recalque) para o afeto, então a palavra alemã correta para a vicissitude da idéia seria Verleugnung (recusa)”18. Entretanto, no “Esboço de Psicanálise (1938)”, especificamente no capítulo VIII, Freud apresenta uma distinção diferente entre tais conceitos. O recalque é explicado como defesa contra exigências pulsionais e a recusa como defesa contra as reivindicações da realidade externa. Acredito que a preocupação freudiana se concentra no processo pelo qual o ego é alterado, se pela Verdrängung ou pela Verleugnung, é uma questão mais específica. Para ele, a alteração se justifica em todo o sujeito em maior ou menor proporção, pois “o aparelho psíquico não tolera o desprazer, tem de desviá-lo a todo custo, e se a percepção da realidade acarreta desprazer, essa percepção – isto é, a verdade – deve ser sacrificada”19. 16 Id. 17 FREUD, Sigmund (1925). Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica Entre Os Sexos. ESB, 2ª ed., vol. XIX, 1987, pp. 314-315. 18 FREUD, Sigmund (1925). Fetichismo. ESB, 2ª ed., vol. XXI, 1987, p. 180. 19 Ibid., p. 270. Metapsicologia 71 tentativas de cura ou reconstrução. Como continuação a esse texto, Freud, em A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose (1924)12, reafirma as instâncias em conflito na neurose e na psicose. Na neurose, o ego, em sua dependência da realidade, suprime um fragmento do id. Na psicose, acontece algo inverso, o ego, a serviço do id, se afasta de um fragmento da realidade. No lugar do recalcamento na neurose, ocorre a Verleugnung (recusa da realidade interna e externa) na psicose. Simanke (1994)13 realizou uma garimpagem na obra freudiana buscando conceituações acerca da psicose. Afirma ser, nesse texto freudiano de 1924, quando Freud denuncia o conflito do psicótico ao se relacionar com a realidade, o momento no qual o termo psicose recebe a marca da psicanálise. No texto acima referido, Freud tenta explicar os mecanismos de defesa que ocorrem tanto na neurose quanto na psicose. Procede a uma intensa comparação e distinção com o objetivo de recortar com maior êxito as características de cada patologia. Retoma uma pequena descrição do caso de Elisabeth Von R. Precisamente, o momento no qual está ao lado do corpo da irmã morta e pensa na possibilidade de realizar seu amor pelo cunhado. Seu caso é usado como um exemplo para a distinção do que seria uma resposta psicótica. Ele salienta: “A reação psicótica teria sido uma rejeição do fato da morte da irmã”14. Com essa frase, Freud afirma o conceito de defesa “Verleugnung” dirigido à psicose e abre caminho para uma distinção com a neurose ainda mais reveladora. No desenvolvimento do texto temos: “A neurose e a psicose diferem uma da outra muito mais em sua primeira reação introdutória do que na tentativa de reparação que a segue”15. Argumenta, assim, que a diferença da reação do sujeito diante do evento traumático irá interferir no desfecho defensivo, ao invés 12 FREUD, Sigmund (1924). A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose. ESB, 2ª ed., vol. XIX, 1987, p. 229. 13 SIMANKE, Richard T. Op. cit. 14 FREUD, Sigmund (1924). Op. cit., p. 230. 15 Ibid., p. 231. Adriana Cajado Costa70 representação). O modo de representação utilizado por cada uma pode ser pensado como um processo de metabolização próximo àquele próprio do organismo, que transforma um elemento heterogêneo em elemento homogêneo à estrutura da instância que o representou. Portanto sua noção de instância difere das instâncias psíquicas em Freud que são o id, ego, superego e ideal do ego. A noção de sujeito compreende a “totalidade das instâncias presentes no espaço psíquico” 34. Já sua concepção de Eu difere do ego freudiano pois a mesma comporta o Édipo parental. O eu é antecipado, historicizado, historiador e estruturado pela linguagem, pois é uma “instância constituída pelo discurso”35 e, portanto, não comporta a idéia de Id-Ego indiferenciado36. No meu entender, a contribuição de Aulagnier desloca, em certo aspecto, os estudos psicanalíticos para as questões relacionadas à identificação e para a noção de Eu. A constituição do sujeito estará sendo investigada a partir do processo identificatório. A noção de Eu será empregada de maneira distinta da noção freudiana de ego, o que acarretará uma teorização mais abrangente. Cabe ainda ressaltar que o ego freudiano difere do Eu conceituado por Aulagnier. Em entrevista com Hornstein ela explica tal diferenciação: “Para mim, o Eu é uma instância que está diretamente vinculada à linguagem. Não há lugar na minha concepção metapsicológica para o conceito freudiano Ego-Id indiferenciado. Nesse sentido, não se pode fazer uma equivalência entre a maneira como Freud se serve do conceito de Ego e o que eu defini como Eu. Defini um conceito para mim fundamental que é o Eu antecipado e não se pode falar de um ego antecipado no discurso materno”37. 34 AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., p. 61. 35 Ibid., p. 105. 36 HORNSTEIN, Luis. Diálogo con Piera Aulagnier. In: HORNSTEIN, Luis y otros. Cuerpo, historia, interpretación: Piera Aulagnier – de lo originario ao proyeto identificatorio. Buenos Aires, Paidós, 1994., p. 369. 37 HORNSTEIN, L. Op. cit., p. 369. “Para mí el yo es una instancia que está directamente vinculada al lenguaje. No hay lugar en mi concepción metapsicológica para el concepto freudiano yo-ello indiferenciado. En ese sentido, no se puede hacer una equivalencia entre la manera como Freud se sirve del concepto de yo (moi) y lo que he definido como yo. Definí un concepto para mí fundamental que es el yo antecipado y no se puede hablar de un yo (moi) antecipado en el discurso maternal”. Metapsicologia 77 A Constituição do Sujeito na Metapsicologia de Piera Aulagnier A contribuição metapsicológica de Piera Aulagnier à psicanálise freudiana pode ser considerada um avanço nos estudos psicanalíticos sobre a clínica das psicoses. A partir de suas reflexões em sua clínica com sujeitos psicóticos, acrescentou à metapsicologia freudiana um modo de funcionamento psíquico anterior aos processos primário e secundário: o processo originário. A formulação teórica do processo originário fundamenta a criação da técnica da contribuição figurativa. Nos primeiros momentos de constituição, o sujeito só conhece do mundo aquilo que o seu porta-voz, sua mãe, comunica-lhe, traduz- lhe, e o que sua psique pode e consegue metabolizar. É pela voz e olhar maternos (objetos) que o bebê vai conhecer, por meio dos seus sentidos correspondentes (zona complementar), o mundo. Nesse encontro entre objeto-zona complementar, pode ocorrer um movimento de repulsa ou atração; desse processo resulta a formação do pictograma. A psique do infans irá metabolizar esses encontros de acordo com seu modo de funcionamento. Assim que o bebê nasce, entra em funcionamento o processo originário. Ele é o responsável pelo modo de representação pictográfica, composta pela união do objeto com a zona complementar – imagem da coisa corporal – que sempre irá representar essas informações numa unidade sensorial e auto-engendrada. Aulagnier a respeito desse processo assim se expressa: “(...) corpo e organização sensorial fornecem os modelos somáticos que esse processo repete nas suas representações”32. De acordo com Aulagnier (1975), no espaço psíquico tem-se a presença de três modos de funcionamento ou processos: o originário – que representa toda vivência de encontro por meio de um pictograma, assim como ele próprio, o primário e o Eu; o primário – que representa o vivido por meio de uma fantasia, bem como a si mesmo e o Eu; e o secundário – que representa o vivido por meio de uma idéia ou enunciado, assim como representa o primário e a si mesmo. Este último modo rege o funcionamento do Eu. A autora definiu o termo instância como o “resultado da reflexão da atividade de cada processo sobre si mesmo”33 (auto- 32 AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., p. 20. 33 AULAGNIER (1975). Op. cit. p. 28. Adriana Cajado Costa76 Jacques Lacan (1936) buscou conceituar o que Freud salientou ser necessário para que uma mudança no aparelho psíquico ocorresse, a nova ação psíquica. Lacan a complementou com a formulação de que esse momento narcísico fundamental da constituição do Eu ideal se dá por meio do estádio do espelho. Esse ocorre dos seis aos dezoito meses e torna-se algo de extrema importância. Lacan41 compreende esse momento como uma identificação, isto é, “a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem”42. O autor ainda acrescenta: “A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito”43. O autor prossegue sua argumentação frisando que a função do estádio do espelho é a de configurar uma relação entre “o organismo e sua realidade – ou, como se costuma dizer, do Innenwelt com o Umwelt”44. A partir da transformação da imagem fragmentada do corpo para a formação de uma imagem total, o sujeito acede a um novo estágio que se inicia quando da conclusão do estádio do espelho, por meio, como afirmou Lacan, de uma dialética identificatória que “desde então liga-o a situações socialmente elaboradas”45. Aulagnier confirma sua posição em relação à teorização de Lacan sobre o estádio do espelho, desde 1963, quando escreve o texto Observações Sobre A Estrutura Psicótica, época na qual ainda compartilhava com Lacan suas reflexões sobre a clínica, a teoria e a instituição psicanalítica. Em 1975, momento esse já marcado pelo rompimento que se deu em 1969, ela assim se expressa: 41 LACAN, Jacques (1963). O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica. Escritos. Rio de Janeiro, Zahar, 1998, pp. 96-103. 42 Ibid., p. 97. 43 Id. 44 Ibid., p. 100. 45 Ibid., p. 101. Metapsicologia 79 O Eu é produto de uma dialética identificatória. Comporta três condições para sua existência, na medida em que responde ao “sistema de parentesco, à estrutura lingüística e aos afetos que provocam efeitos nos discursos e operam uma outra cena”38. Aulagnier ainda define o conceito de Eu a partir do que ele demanda ou do que outro Eu lhe demanda. Ela assim o resume: “(...) ele é sucessivamente daquilo que tem, daquilo que dá, daquilo que cobiça”39. A dimensão deste conceito é resultante de suas teorizações e interfere significativamente na compreensão dos mecanismos que estão presentes nas matrizes clínicas que servem de guia na clínica psicanalítica, principalmente para o analista que se apóia nessa abordagem. Em psicanálise existem distinções entre as noções de Eu e sujeito, mas elas são complementares para o entendimento da psique. Hornstein, ao realizar um percurso pela obra da autora, sintetiza os dois referidos conceitos: “O Eu tem uma organização que o diferencia das outras instâncias. O sujeito designa, ao contrário, uma dinâmica que vai além da divisão em instâncias. Não se pode pensar o sujeito sem essa instância fundada na linguagem e no pensamento que é o Eu. O sujeito é aquilo que subverte não somente a pretensão do Eu de se igualar ao conjunto da psique, senão também a possibilidade para o pensamento de se constituir numa organização autônoma e de não estar submetido mais que a suas próprias leis”40. Aulagnier concebe o modo de funcionamento psíquico como um processo de metabolização de informações, que cada instância irá proceder de acordo com a lógica de seu próprio modo de representar o elemento heterogêneo, de tal maneira que ele se transforme em um elemento homogêneo à sua estrutura. 38 AULAGNIER (1975). Op. cit., p. 36. 39 AULAGNIER, Piera (1986). Op. cit. 40 HORNSTEIN, Luis. Piera Aulagnier: sus cuestiones fundamentales. In: HORNSTEIN, Luis y otros. op. cit., p. 21. “El yo tiene una organización que lo diferencia de las otras instancias. El sujeto designa, en cambio, una dinâmica que desborda la división en instancias. No se puede plantear el sujeto sin esta instancia fundada sobre el lenguaje y el pensamiento que es el yo. El sujeto es aquello que subvierte no solamente la pretensión del yo de igualarse al conjunto de la psique, sino también la posibilidad para el pensamiento de constituirse en organización autónoma y de no estar sometido más que a sus propias leyes”. Adriana Cajado Costa78 A amplitude do seu conceito de Eu remete à instância inconsciente. Há um Eu inconsciente responsável por garantir a repressão de parte da história do sujeito que seja contraditória ao projeto identificatório, permanecendo inconsciente. O Eu inconsciente é o “efeito do poder repressor exercido pelo projeto, a despeito dos enunciados nos quais o Eu sucessivamente se reconheceu e que ele reprime...”51. O Eu é constituído pela linguagem, no decorrer da história identificatória e libidinal do sujeito. A linguagem é para o homem o caminho pelo qual ele se inscreve no discurso parental, social e cultural. É dela que signos são interiorizados para auxiliarem o Eu a construir representações ideativas do vivido, isto é, aquilo que é experienciado é transformado numa representação que possa ser pensada, falada e nomeada. O discurso materno vai falar de um “antes” do Eu, sua dimensão identificada, compreendendo-se no discurso materno sobre esse bebê, como ele foi chamado, como foram nomeadas suas vivências, quais os sentidos dados ao bebê que ele foi. Essa dimensão pode ser formulada em termos de investimento ou desinvestimento. Cabe à dimensão identificante, que se circunscreve no modo pelo qual ele irá interpretar esse discurso do Outro a seu respeito, reconhecer e assumir a identificada como fazendo parte de sua história anterior e, assim, formarem uma unidade. Já o discurso paterno deve introduzir um tempo novo, o da simbolização. Para Aulagnier, o Eu é estruturado pela linguagem. O registro identificatório se compõe da junção de dois campos semânticos que estão no cerne da linguagem fundamental52. São eles: 1) nomeação dos afetos, atividade pela qual eles se tornam sentimentos dizíveis; 2) nomeação dos lugares simbólicos do sistema de parentesco e seu lugar relacional na cultura em questão. Daí, o “poder da linguagem enquanto ato identificatório”53. Uma boa elucidação sobre o conceito de linguagem fundamental está em Violante (1994): 51 AULAGNIER, P. (1975). Op. cit., p. 160. 52 Aulagnier afirma ter optado por esse termo como uma certa dedicatória a Schreber. 53 AULAGNIER. Op. cit., p. 128. Metapsicologia 81 “A relação do Eu à imagem na qual ele se reconhece e se aliena, surge no momento definido por Lacan como o estádio do espelho. Encontro decisivo entre o observador e seu reflexo, mas encontro que só pode adquirir sentido em referência a este movimento do olhar da criança que, ao descobrir-se no espelho, volta-se para o olhar da mãe, em busca da confirmação da beleza da imagem, antes de retornar ao espelho e a seu reflexo especular”46 No texto Demanda e Identificação47, o estádio do espelho é demarcado como o segundo tempo da dialética identificatória, responsável pela identificação especular ou imaginária. Porém creio que a explicação fornecida por Violante sobre o estádio do espelho, como o tempo que inaugura a relação do sujeito com seu próprio corpo, sintetiza o conceito de maneira mais clara e objetiva: “Isto significa que, através do estádio do espelho, a imagem do semelhante (a mãe) antecipa ao bebê a intuição de sua própria imagem corporal. E a identificação com a imagem de seu próprio corpo, como uma unidade, promoverá a organização do Eu”48. Retomando o que já foi exposto, para Aulagnier o Eu é antecipado, historicizado e estruturado pela linguagem, originando- se “nos primeiros enunciados produzidos pelo discurso materno”49. Isto significa que o bebê, ao nascer, já foi imaginado e investido pelos pais e inserido no Édipo parental – portanto não se pode falar em momento pré-edípico. A constituição dessa instância, segundo a autora, processa-se a partir de uma dialética identificatória que comporta dois momentos: o da identificação especular seguido pelo da identificação simbólica50. 46 AULAGNIER, P (1975). Op. cit., p. 166. O último trecho desta citação é uma referência que a autora faz às palavras de Lacan. 47 AULAGNIER, Piera. Demanda e identificação. Um Intérprete em Busca de Sentido I. São Paulo, Escuta, 1990, p. 201. 48 VIOLANTE, Maria Lucia V. A criança mal-amada: estudo sobre a potencialidade melancólica. Rio de Janeiro, Vozes, 1994, p. 90. 49 HORNSTEIN, Luis. Piera Aulagnier: sus cuestiones fundamentales. In: HORNSTEIN, Luis y otros. op. ct., p. 21. “en los primeros enunciados producidos por el discurso maternal”. 50 Momentos esses que serão trabalhados mais à frente quando será introduzida a noção de demanda. Adriana Cajado Costa80 “O que dará à identificação pré-genital seu estatuto específico, diferenciando- o da identificação primária, é que a partir desse primeiro enunciado ‘eu é isso’, o ‘isso’ não aliena mais de modo direto o enunciante no campo do Outro (Eu não é mais nem o seio, nem a mãe), mas se mediatiza graças ao objeto, que chamamos objeto de demanda (e que, todavia, recobre o campo do objeto parcial sem reduzir-se a isso)”72. A identificação imaginária ou especular – “encontro entre um olhar e um visto identificado por aquele que olha como idêntico a si mesmo”, instaura o registro imaginário como “o lugar das identificações do ego”73, lugar que porta o “primeiro emblema identificatório” – corresponde às demandas pré-genitais. Configura- se como o segundo tempo (T1) da dialética identificatória. Está-se no momento do estádio do espelho que desemboca no advento do Eu, momento esse que torna o sujeito capaz de se assumir como Eu ideal diferenciado do Eu materno. O tempo para compreender é o “ponto de passagem entre a identificação pré-genital e a pós-edipiana”74. Após esse momento, temos o tempo para concluir (T2) que corresponde às demandas pós-edípicas, ou seja, de ideais dirigidos a si mesmo. A essa demanda corresponde a identificação ao projeto. A assunção da castração marca o ponto de remodelagem do Eu, permitindo ao sujeito construir um projeto identificatório, que sempre aponta para o futuro, pois possibilita ao sujeito entrar no registro da temporalidade. O projeto identificatório assemelha-se ao que Freud denominou de ideal do ego. Tem-se, para melhor compreensão, a definição de projeto em Aulagnier: “O projeto é aquilo que na cena da consciência, se manifesta como efeito de mecanismos inconscientes próprios da identificação; representa, a cada etapa, o compromisso ‘em ato’”75. Normalmente, o estabelecimento de um projeto identificatório assegura ao sujeito sua entrada no mundo das significações partilhadas, dos ideais, da temporalidade, da autonomia no pensar e no falar. Assegura-lhe um discurso compartilhável com os outros sujeitos. Assegura-lhe, também, estar de acordo com as leis de sua 72 Ibid., p. 204. 73 Ibid., p. 201. 74 Ibid., p. 196. 75 Ibid., p. 214. Metapsicologia 87 Todo esse processo de constituição do Eu articula demanda e identificação. A demanda primária é responsável por circular um pedido e uma oferta, ou melhor, “a demanda se pretende não apenas resposta à nossa oferta mas igualmente oferta a nos situar em posição de demandante”65. O processo identificatório se dá por um movimento dialético no qual Aulagnier destaca três tempos: a identificação primária, a identificação especular ou imaginária e a identificação simbólica. À demanda primária corresponde o nascimento do bebê (T0). Nesse tempo, ele apenas demanda o desejo materno, demanda libido. Aulagnier resume esse momento com a seguinte fórmula: “A mãe deseja que o infans demande e o infans demanda que a mãe deseje”66. A identificação primária – “manifestação inaugural da atividade psíquica”67 – resulta dessa demanda, constituindo-se numa primeira introjeção de “um significante de um desejo heterogêneo, metabolizado como substância própria”68. A partir daí haverá “a primeira ‘nominação’ dos objetos de desejo, primeira série de significações das quais [o infans] pode dispor”69. Será somente nesse momento que haverá a coincidência entre demanda e desejo. O bebê, então, ao visar o desejo materno, só pode demandar a si mesmo “ser resposta em conformidade com a oferta”. Nessa coincidência entre demanda e desejo, o seio vira suporte do desejo materno e da demanda do bebê, assumindo uma dupla função: ser matriz da identificação significante e da identificação pré-especular70. Quando o seio se torna suporte do desejo materno e da demanda do bebê, ele se torna objeto. As demandas pré-genitais são demandas de objeto dirigida ao Outro, objetos que são significantes do dom materno. Tais objetos têm “como principal função tapar um buraco na linguagem”71. A importância da mediação do objeto na relação com o Outro é dada por Aulagnier quando expressa: 65 AULAGNIER, Piera (1986). Op. cit., p. 190 e 196. 66 Ibid., p. 197. 67 Ibid., p. 196. 68 Ibid., p. 198. 69 Id. 70 Ibid., p. 201. 71 Ibid., p. 207. Adriana Cajado Costa86 ASPECTOS DA PSICOPATOLOGIA O FENÔMENO PSICÓTICO Piera Aulagnier, com formação médica e eminente psicanalista, dedicou-se ao estudo do fenômeno psicótico e suas manifestações, contribuindo, como já foi mencionado, para o avanço da psicanálise na clínica das psicoses. Com uma vasta experiência no atendimento a sujeitos sofrentes de um conflito psicótico, exercia sua escuta no espaço institucional e no consultório particular, chegando a escutar, não só o sujeito, mas igualmente seus familiares. Suas reflexões culminaram numa firme teorização sobre o fenômeno psicótico, afetando também os conceitos metapsicológicos, como exposto no capítulo anterior. Introduz o conceito de potencialidade no pensamento psicanalítico definindo-o, inicialmente, como uma disposição psíquica. Posteriormente, em 1984, amplia-o: “O conceito de potencialidade engloba os “possíveis” do funcionamento do eu e de suas posições identificatórias, uma vez terminada a infância”1. Diante dessa definição, tem-se que a potencialidade pode assumir três formas distintas: neurótica, psicótica e polimorfa. Cada uma delas recorre a diversos tipos de defesa contra o conflito identificatório. A potencialidade neurótica é concebida como um conflito identificatório entre o Eu e seus ideais. Na polimorfa, o conflito é misto porque se dá no interior do Eu e entre o Eu e seus ideais. A 1 AULAGNIER, Piera (1984). O aprendiz de historiador e o mestre-feiticeiro: do discurso identificante ao discurso delirante. São Paulo, Escuta, 1989, p. 228. cultura. Veremos que será isso que faltará ao sujeito psicótico. No caso das psicoses, a identificação ao projeto, o terceiro momento da dialética identificatória, é impossibilitada. Então, o que não é alcançado pelo psicótico é a possibilidade de se pensar separado, autônomo e portador da capacidade de realizar escolhas de ideais que apontam para um futuro, para a temporalidade, quando o Eu será diferente do que é e do que foi. Ideais esses que, para se constituírem enquanto tais, se “liberam da onipotência e [...] implicam a aceitação da castração no registro identificatório”76. Aqui estamos no terreno da simbolização. No registro do pensamento, a dúvida equivale à castração. É nesse sentido que o funcionamento do Eu psicótico encontra-se fraturado, resultando na certeza delirante. Pode-se pensar que a organização psicótica é composta por um prisma que denuncia fraturas ocorridas na identificação primária e especular, aliadas a um fundo representativo próprio ao originário que produziu pictogramas de rejeição, ocasionando para o Eu psicótico uma vivência dos seus efeitos, dentre os quais posso destacar a angústia de mutilação e, posteriormente, de amputação, presentes nos delírios e alucinações. 76 Ibid., p. 89. Adriana Cajado Costa88 “(...) uma interpretação única e exaustiva que recobre toda experiência carregada de afeto e, portanto, significativa: o que escapa ao domínio desta interpretação única será desinvestido e ignorado pelo sujeito e por seu discurso”4. As dimensões identificada e identificante, após o advento do Eu, devem formar uma unidade. O registro psicótico caracteriza-se justamente pela impossibilidade de tal unificação devido ao conflito identificatório entre ambas. O funcionamento psíquico nesse registro pode manter-se como potencialidade psicótica ou manifestar-se por meio do delírio, de alucinações e atuações que irão denunciar não mais uma potencialidade, mas uma psicose. Mas há um momento anterior a esses dois, quando o bebê ainda não nasceu, no qual a ação antecipatória está em pleno funcionamento, trazendo no discurso materno a marca de sua história edípica e de sua própria repressão. Piera Aulagnier sustenta a importância dos cuidados maternos na constituição do sujeito psíquico e do funcionamento do Eu. Ela afirma: “De maneira geral, o termo mãe vai, a partir de então, se referir a um sujeito em quem supomos presentes as seguintes características: a repressão bem realizada de sua própria sexualidade infantil; um sentimento de amor dedicado à criança; seu acordo com o essencial do que o discurso cultural do seu meio diz sobre a função materna; a presença, a seu lado, de um pai da criança, a quem ela dedica sentimentos positivos”5. A autora ainda confirma a existência de um tipo de pólo de atração na psique do bebê, formado pelo recalcado materno, que lhe é transmitido. Tal transmissão assegura a estruturação do Eu pela via identificatória intermediada pelo discurso. O discurso materno que pré-investe o bebê e o antecipa, no momento de seu nascimento, transforma-se na sombra falada ancorada, ou melhor, projetada sobre o corpo do bebê, sendo o ponto de referência ao qual a palavra da mãe se remeterá, aguardando por uma “confirmação da identidade da sombra”6. 4 Ibid., p. 178. 5 Ibid., p. 110. 6 Id. Aspectos da Psicopatologia 91 perversão, certas somatizações, a toxicomania e as relações passionais ou alienantes são manifestações desta potencialidade. Já na potencialidade psicótica, o conflito identificatório ocorre no interior do Eu, entre as dimensões identificada e identificante. Conforme já referido anteriormente, a dimensão identificada é constituída pelo discurso materno sobre o Eu e que faz referência ao sujeito. É tudo aquilo que fez parte de sua história passada, portanto, faz parte daquilo que permanece; trata-se dos primeiros enunciados emitidos pelo porta-voz (a mãe), assumindo uma função identificatória, transformando-se para o sujeito em um ponto de ancoragem, alicerçado nos pontos de certeza – “lembrança do realizado e do realizável”. Serão esses pontos de certeza os responsáveis por inaugurar e preservar a identificação simbólica. A dimensão identificante forma-se quando o Eu se assume (jubilosamente ou não), no estádio do espelho, a partir do qual pode continuar a contar sua história, mantendo ou reformulando o discurso do Eu sobre o Eu, a partir do discurso do representante dos outros (o pai). Para tanto, deve ser capaz de reconhecer aquilo que muda, estabelecendo a prova da dúvida, que “exige que se reconheça a impossível fixidez do que vive, sente e sofre o Eu”2. Essa dimensão tem a função de assumir e investir no identificado, o que garante a identificação especular e, depois, a simbólica. O conceito de potencialidade psicótica é definido por Aulagnier como: “(...) organização da psique que pode não produzir sintomas manifestos, mas que mostra, a cada vez que podemos analisá-la, a presença de um pensamento delirante primário enquistado e não reprimido”3. O enquistamento permite que o sujeito se relacione com o mundo de maneira aparentemente normal. Conforme salienta Aulagnier, o pensamento delirante primário vem afirmar como verdadeiro um postulado do discurso materno que é falso, e, para exercer essa afirmativa, no caso da vivência esquizofrênica, torna- se, de acordo com a autora: 2 Ibid., p. 23. Ver também: AULAGNIER, Piera. Os dois princípios do funcionamento identificatório: permanência e mudança. Um Intérprete em Busca de Sentido II. São Paulo, Escuta, 1990. 3 AULAGNIER, Piera (1975). A Violência da interpretação: do pictograma ao enunciado. Rio de Janeiro, Imago, 1979, p. 177. Adriana Cajado Costa90 A falta de reconhecimento, pelo porta-voz, de uma singularidade no infans impede à criança o acesso conciliável com a história do desejo ou do ódio que circularam no momento de sua chegada ao mundo. Contrariamente ao psicótico, o neurótico criará uma teoria infantil da sexualidade; no caso do primeiro, isto não será possível e, ao invés disso, teremos a teoria delirante primária focalizada na temática da origem. “Graças à presença do pensamento delirante primário, concebido como um enunciado que preenche um buraco do discurso, poderá elaborar-se uma teoria sobre a origem que chamaremos a teoria delirante primária”25. Essa teoria é resultado de um pensamento delirante primário que interpreta a violência materna como causada por algo diferente da mãe e com isso mantendo-a como “suporte libidinal necessário”. “(...) interpretação que liga a origem a uma causa incompatível aos modelos segundo os quais o meio funciona”26. Por isso, esse pensamento não faz referência ao sistema cultural e de parentesco, como fazem as crianças neuróticas em relação ao romance familiar. Fantasias que fazem parte da teoria infantil acerca da origem. Em vários momentos da obra dessa psicanalista pode-se encontrar uma teorização acerca do conteúdo do delírio e da função da criação psicótica. No momento no qual o sujeito não reconhece sua história passada, tributária dessa dimensão identificada não assumida pelo sujeito, está-se diante de um conflito entre o que se pensa ser e o que se foi, o que gera um buraco na história do sujeito, pois uma parte está em branco, e é justamente essa que o psicótico delira, na tentativa de construí-la. Daí a face terapêutica, ou de “cura” do Eu, ao produzir o delírio. O Eu do psicótico, ao iniciar o movimento de preenchimento dos brancos na trajetória identificatória do sujeito, recorre a eventos de sua história e de sua realidade, pois ele não tira do nada o que delira, o que cria. Certamente, essa criação não é compartilhável com os outros. 25 Ibid., p. 201. 26 Ibid., p. 204. Aspectos da Psicopatologia 97 delirante primário. Os sujeitos psicóticos, em sua maioria, deliram sua origem, buscam construir uma história sobre seu passado. Em Observações Sobre A Estrutura Psicótica (1963)22, como já mencionado anteriormente, Aulagnier afirma que “(...) são tão freqüentes no delírio os temas ligados a uma espécie de pré-história mítica, espécie de reconstrução delirante das origens do mundo, como se, por não poder encontrar seu lugar numa história familiar, o psicótico procurasse um sentido para seu ser num início que – porque anterior a toda história humana – ser-lhe-ia o único permitido e acessível”. Quando no discurso materno ou parental o falar sobre a origem desse sujeito – se foi desejado ou não, se foi amado, se veio ocupar um lugar de amor ou de ódio na cena familiar – é faltoso de desejo por um novo ser, único e autônomo e das nomeações dos elementos que ocupam o sistema de parentesco, é formada uma lacuna na linguagem fundamental. A autora ainda pontua que, geralmente, há uma história de ódio entre o casal parental, ou foi assim que o paranóico interpretou os sentimentos oriundos dessa relação. O Eu recorrerá a uma interpretação dessa violência secundária. Violência essa que se caracteriza por um excesso do porta-voz (mãe) que decreta para a criança “só pensar o que já foi pensado por ela”23. O conceito de violência em Aulagnier designa o fenômeno que separa o espaço psíquico da mãe, no qual já ocorreu a repressão, e o do bebê. Configura-se numa primeira violação do espaço psíquico do infans. Diferencia esse fenômeno desdobrando-o em violência primária, necessária ao desenvolvimento psíquico do bebê, e a violência secundária, essa sim, desnecessária e nociva à constituição do psiquismo. A autora pontua: “A violência secundária abre seu caminho apoiando-se sobre a violência primária, da qual ela representa um excesso, excesso quase sempre nocivo e desnecessário ao funcionamento do Eu”24. 22 É importante notar que Aulagnier até esse momento ainda não se havia desligado de J. Lacan. Após a ruptura ela preferiu, ao falar em estrutura, usar o termo potencialidade no sentido de disposição psíquica. Esse artigo se encontra In Um Intérprete em Busca de Sentido-II. Op. cit., p. 13. 23 AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., p. 194. 24 Ibid., p. 36. Adriana Cajado Costa96 Maria, muito sorridente e amável, senta-se e começa a contar sua história. Afirma que descobriu a causa de sua perturbação e de seu sofrimento, o qual remonta a sua infância. Inicia um relato longo e denso. Diz que tudo começou quando as amebas (vermes) foram colocadas em seu ventre por invenção do bicho demônio. Retifica e diz: “Na verdade, as amebas já estão desde muito tempo na minha família, vem da minha avó que passou para minha mãe e para mim e eu passei para meu primeiro filho, esse que está aí fora é frade e foi salvo. Minha avó era perturbada por elas. Elas ficam na barriga depois vão para o cérebro e deixam o cérebro da gente assim com uma secreção. É por isso que eu nunca consegui amar meus filhos, meu esposo, por que essa bobagem de que a gente ama com o coração é mentira, a gente ama é com o cérebro. Minha mãe não me ensinou nada, eu não sabia cuidar deles (dos filhos), não sabia que tinha que dar o peito, que tinha que alimentar eles de vez em quando. Eles foram internados bebezinhos por que eu deixava eles chorando e ia dormir. Eu não tenho isso que o povo chama de maternidade. Larguei eles sozinhos em casa e fui para Fortaleza procurar um remédio para acabar com essas amebas. Meu problema não é homem, eu nem gosto de sexo, tenho até nojo daquilo. Eu sou assim por que as amebas tomaram conta de tudo, elas que me fizeram ser assim. Querida, se você tivesse uma fórmula mágica e pudesse voltar o tempo quando eu tinha 7 anos, eu iria dizer para minha mãe me dar remédio para acabar com essas amebas, aí tudo seria diferente e eu seria outra pessoa” . Ao construir sua história a partir dos efeitos que as amebas produzem no seu corpo, na sua psique e, principalmente, depositar nelas uma transmissão hereditária pela via das mulheres de sua família, pois em nenhum momento Maria fala de qualquer figura masculina responsável por essa transmissão, ela, segundo Aulagnier, “remodela a realidade de um escutado”31 do discurso materno: “Não será jamais no campo da representação fantasmática que encontraremos qualquer traço específico da psicose, mas encontra-lo-emos nas conseqüências do encontro da representação fantasmática com o significado que o discurso materno lhe atribuiu”32. 31 Ibid., p. 189. 32 Id. Aspectos da Psicopatologia 99 A partir daí o Eu estará funcionando com uma fratura provocada pelo vazio na história sobre sua origem, sobre o tempo passado, o que impedirá um investimento no tempo futuro. Para Aulagnier, “(...) a imagem de um Eu futuro se caracterizará pela renúncia ao atributo de certeza”27. A certeza do discurso delirante se insere nessa dimensão oca das identificações. Nunca consegue escrever essa história e por isso tende a repetir infinitas vezes a história criada por meio do delírio. O vazio identificatório produz uma ausência de sentido que impele o Eu a ir em busca de uma significação para o sujeito. A criação psicótica, considerada por Aulagnier como um “a mais”, dará início a um trabalho peculiar de interpretação do vivido. O delírio então surge como obra de um Eu que funciona com algumas falhas. Aulagnier (1975) faz uma descrição sobre três formas do sujeito psicótico funcionar28. Na primeira, haveria essa criação do Eu para responder às causas das origens do próprio sujeito, do mundo, do prazer e do desprazer. Essa criação seria o motor do pensamento delirante primário – que é um “enunciado sobre a origem estranho ao nosso modo de pensar”29 – garantindo-lhe seu pleno funcionamento, resultando no sistema paranóico. A segunda, denominada de vivência esquizofrênica, caracteriza-se por realizar uma interpretação única do vivido, sendo que aquilo que não pode ser explicado por essa interpretação é desinvestido. A terceira situação apresentada é aquela com a qual o analista, ao receber um sujeito funcionando no registro psicótico, francamente delirante, almeja fazê-lo retornar ao estado de potencialidade, momento no qual o pensamento delirante primário encontra-se enquistado. Apresento um fragmento da fala de uma paciente30, por mim atendida no hospital, que fornece um exemplo do pensamento delirante primário em pleno funcionamento. 27 Ibid., p. 154. 28 Ibid., p. 76. 29 AULAGNIER, P. (1975). Op. cit., p. 177. 30 Neste capítulo apenas utilizo algumas vinhetas clínicas com o objetivo de auxiliar na construção de minha reflexão, pois o capítulo seguinte tratará da análise de um sujeito psicótico atendido por mim na instituição psiquiátrica. Adriana Cajado Costa98 chora, ri, dá conselhos e estabelece uma relação transferencial comigo. Um outro fragmento da análise de uma outra paciente parece ser revelador quanto ao processo de construção de um objeto persecutório. Simone33 aguarda ansiosamente sua vez de ser atendida. Ao entrar na sala demonstra estar muito desesperada e apresenta movimentos involuntários característicos de uma medicação de emergência. Procedo de forma que ela sente e fale sobre seu sofrimento. Durante alguns minutos ela discorre sobre uma história de tentativas de homicídio e suicídio. Afirma ser refém desses acontecimentos e que ficou louca por ter sido vítima do marido. A cada vez que seu marido tentava matá-la, ela tentava cometer suicídio. Religiosa, repetiu por inúmeras vezes: “minha alma clama por justiça! Fui injustiçada!”. Ao mesmo tempo em que fala, Simone gesticula muito, como se estivesse encenando o que diz. Começo a lhe fazer perguntas sobre essa violência e ela responde de forma mais calma. Permanece por um certo momento em silêncio olhando a analista nos olhos. De repente pergunta: “Por que fica essa voz me dizendo – ela parece uma bonequinha, eu sou uma bonequinha, você é uma bonequinha... Por que ela quer ser uma bonequinha?”. Realizo uma pequena intervenção. Preferi apenas repetir os pronomes pessoais que a paciente utilizou: ela, eu, você... É nítido que o eu e o outro estão misturados. Parece que a paciente pensou o que afirma ter sido pronunciado pela voz. Ela, eu, você fazem parte do mesmo, não estão diferenciados. Em determinado momento a paciente suplica: “por favor, me cura! Eu não era assim, não ficava ouvindo essa voz, eu era uma mulher trabalhadeira, era gerente da lanchonete da minha família34, vivia bem arrumada, não tinha essas vozes me dizendo coisas. Eu agora sou uma louca completa (chora), sou uma maluca. Será que um dia eu vou ficar boa? Ninguém entende meu sofrimento. Minha alma clama por justiça. Acho que se eu me matar eu vou me vingar dela, mas eu não consigo (continua a chorar). 33 Optei por esse nome pelo fato da própria paciente se nomear assim. No prontuário, seu nome é outro. 34 Filha adotiva, Simone reclama do ciúme de sua irmã em relação à mãe. Diz que essa irmã foi a responsável pela fúria vivida pelo marido contra ela, pois a mesma disse ao seu marido que Simone o estava traindo. Aspectos da Psicopatologia 101 Além de não se referir a figuras masculinas para falar de sua origem, localiza a origem das amebas no poder do “bicho demônio”. Aqui, o demônio, mesmo estando ligado a uma origem mítica, está metamorfoseado em bicho/animal. Parece que, na história de Maria, o discurso materno nunca se referiu a um outro espaço, ou seja: não apresentou um outro (sem-seio – o pai) por quem nutrisse um certo amor e desejo – objeto enigmático do desejo da mãe. Compreendo que, por conta dessa ausência, a sexualidade não tem sentido para Maria; em sua relação com o sexo, ela sente nojo. Dentre tantos aspectos e fatos que devem estar presentes na constituição de um sujeito, Aulagnier ressalta a importância da presença de um pai por quem a mãe nutre sentimentos positivos. Isto levará à criação de um outro espaço no qual os outros e seus discursos adentrarão. A presença de um pai e do seu desejo por essa criança, e de ter um filho, provocam conseqüências psíquicas para o sujeito. Ao fazer esta afirmação, Aulagnier (1975) exemplifica a importância desse convívio (pai – filho) ao sinalizar traços paranóicos em alguns pais de esquizofrênicos aliados à ocorrência de um abuso de poder que não abre espaço para a contestação. Ainda pensando no processo analítico de Maria, em uma outra sessão, ela pede que possamos ir a uma varanda. Senta-se e começa a contar sua história. Diz que seu Eu nasceu morto e que num tempo passado olhava para frente sem virar para trás, mas agora vive uma vida em que seu Eu virou as costas para o futuro e só olha o passado como um filme que fica repetindo os seus erros. Justifica sua idéia de estar morta afirmando que nunca acertou na vida, só cometeu erros. Finalmente, Maria consegue chorar, começa a fazer um balanço de sua vida desde a juventude até os dias atuais. Reconhece que hoje tem um grande afeto pelos filhos e consegue se preocupar com o futuro deles. Ao final da sessão Maria solicita um novo encontro, pede que eu procure um livro que fale sobre as amebas e que eu tome um remédio contra elas enquanto tenho o poder de acertar na vida. Reconheço a entrada em análise de Maria por sua apropriação de um discurso sobre si. Mesmo arraigada em sua certeza delirante, ela consegue pensar sua vida. Ao solicitar um lugar escolhido por ela, solicita também um escuta analítica. De uma morta-viva que nunca amou ninguém, Maria adentra a um estado afetivo e se permite se preocupar com os filhos. Agora que nutre um afeto de mãe, ela Adriana Cajado Costa100 A pulsão de morte, Tânatos, pode ser pensada em inúmeras construções humanas. A necessidade de mascarar a castração, de fazer uso autoritário do poder estão no seu cerne. Nos trabalhos de Aulagnier, a pulsão de morte é apresentada como o desejo de não desejo. Alguns fenômenos psicóticos carregam consigo essa marca do não-desejo. Diante de tantas falhas no processo de constituição do sujeito psicótico, será que se pode pensar na ajuda oferecida pelo analista? Ajuda, agora, qualificada de psicanalítica? A escuta em psicanálise pode ser um instrumento de significação para o sujeito psicótico? Cabe ao analista fornecer meios de apropriação de sentido para esse que fala de si como outro? Freud, ao falar em ajudá-lo a tornar real o seu delírio, estaria propondo ao analista o lugar de escuta(dor) que auxilia o sujeito a construir um sentido comum para suas percepções? Um sentido que fosse menos penoso que o anterior? Parece que sim. Contudo não é só Freud que pensa assim. Piera Aulagnier propõe que a escuta psicanalítica seja um instrumento de dar sentido ao delírio do sujeito. Penso ser esse um bom começo; o analista ocupar o lugar de testemunha das palavras e do discurso do psicótico. O processo analítico de cada sujeito diagnosticado portador de um funcionamento psíquico psicótico é distinto e obedece à singularidade da dupla analítica. Fatores institucionais são importantes de serem ressaltados. Devido à riqueza do material, a partir de agora procedo ao relato do caso clínico”, em separado da apresentação da teoria que fundamentou os atendimentos, para que se possa desvelar a análise, sem desvencilhar-me, no entanto, da teorização flutuante. Aspectos da Psicopatologia 107 “O interesse pela realidade histórica do paciente permite a Aulagnier aproximar-se da orientação freudiana, acerca da construção na análise. Apesar de Freud estar se referindo à história libidinal do sujeito...” A verdade histórica faz referência à história libidinal e identificatória do sujeito, visa o infantil, aqueles traços e imagens guardados e que formam o fundo representativo que o acompanha durante toda sua vida. A realidade histórica é fruto das vivências, daquilo que marcou a vida do sujeito, não em relação ao capital representacional, mas em relação aos acontecimentos que marcaram a sua infância , como doenças, separações etc. No caso específico do sujeito psicótico, Aulagnier oferece uma nova técnica – diferenciada da interpretação e das construções – que leva em consideração a realidade histórica desse sujeito. Apresenta a contribuição figurativa, utilizada em momentos específicos, principalmente quando o paciente se encontra mergulhado em angústia – definida, pela autora, como a perda, pelo Eu, de toda referência identificatória49 – oriunda dos efeitos da atração do processo originário no funcionamento do Eu. Aulagnier propõe que se ofereça ao paciente uma imagem próxima desse modo de funcionamento psíquico, o qual coexiste com o Eu durante toda a vida de todo sujeito. Um sujeito é diagnosticado psicótico, em psicanálise, quando, no processo de sua constituição, os elementos – enumerados anteriormente – que compõem seu acesso à linguagem fundamental, não são transmitidos pelo discurso do Outro, do porta-voz, implicando, ao sujeito, recusar as significações referentes à castração, diferença sexual e filiação50. No caso do sujeito psicótico, não há possibilidade de significar o desprazer, o que lhe falta abre um buraco, e nesse espaço se constrói, na paranóia, o delírio, e na esquizofrenia, uma interpretação única e exaustiva sobre o vivido. 49 AULAGNIER, P (1962). Angústia e identificação. Percurso. n°. 14, 1/1995. 50 A constituição do sujeito psicótico é sobredeterminada por diversos fatores sócio- psico-ambientais, e, como salienta Aulagnier, as reflexões psicanalíticas propõem mais uma forma de pensar esse intrigante modo de estar no mundo. Adriana Cajado Costa106 ANÁLISE DE UM SUJEITO PSICÓTICO INSTITUCIONALIZADO “(...) não há história clínica, por exemplar ou particular que seja, que se deixe reduzir a uma leitura teórica, à elaboração da qual todavia ela colaborou. A menos que se extraia artificialmente uma única faceta, esquecendo-se todas as outras que compõem o prisma psíquico, este último nos confronta com um jogo de luz e sombra, momentos que remetem à luz de uma faceta sobre a outra, deixando na sombra uma terceira. O ‘prisma humano’, porquanto a morte não se mistura a ele, jamais se deixa recobrir por uma rede teórica que poderia nos oferecer uma imagem fixa, bem clara, não mutável. Escolhe-se o caso do qual se fala ou se publica, escolhe-se ainda em seu percurso analítico tal ou qual fragmento por ser o mais apto para nos fornecer uma resposta e para justificá-la: duas escolhas legítimas e necessárias a menos que se exclua a clínica de nossos escritos. Mas, apesar da arbitrariedade dessa dupla seleção, o discurso clínico ultrapassa sempre sua contrapartida teórica; se ele pretende ilustrar nossas hipóteses, esclarece ao mesmo tempo aquilo que deixaram na sombra”1. Apresento nesse capítulo um recorte da análise de um sujeito psicótico institucionalizado. A escolha, por proceder a apresentação de um caso clínico, e deste em particular, respeita duas condições. A primeira é a de que o sujeito deste estudo iniciou e findou sua análise no período da pesquisa. A segunda concentra-se no que Aulagnier descreve acima. Escolhi este caso por apresentar questões pertinentes ao objetivo do presente estudo. 1 AULAGNIER, Piera. Alguém matou alguma coisa (1984). Um Intérprete em Busca de Sentido II. São Paulo: Escuta, 1990. p. 142. para o médico que, na realidade, era-lhe indiferente; de maneira que o último terá sido escolhido como representante ou substituto de alguém muito mais chegado ao paciente”3. A primeira internação do presidente Schreber deu-se em outubro de 1884, quando caiu enfermo de uma “crise grave de hipocondria”4. O fenômeno transferencial é apontado por Freud. Na segunda internação, cerca de 13 anos mais tarde, o Dr. Flechsig (ou melhor, sua alma5) ocupa posição privilegiada no delírio de Schreber, como seu único inimigo: “Flechsig, contudo, permanecia sendo o primeiro sedutor...” e mesmo após a mudança de hospital, Schreber transferiu tais sentimentos para o assistente-chefe do novo asilo: “A influência do novo ambiente foi demonstrada pelo fato de a alma de Flechsig reunir-se à alma do assistente-chefe”6. Considero que a relação transferencial estabelecida com o médico, na ocasião da primeira internação, foi mantida na segunda e deslocada para um terceiro médico. Ao afirmar que o tratamento com psicóticos poderia ser realizado a partir dos avanços da pesquisa psicanalítica, Freud deixa em aberto a possibilidade de se entender, num tempo futuro, o fenômeno transferencial na psicose. Aulagnier, aproveitando essa brecha, avança os estudos nessa direção e oferece uma metapsicologia derivada das suas experiências na análise de psicóticos. A partir de então, a transferência na psicose é teorizada, manejada e especificada seguindo uma postura eminentemente freudiana7. 3 FREUD, Sigmund (1911). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia. ESB. 2ª ed., vol. XII, 1987, p. 66. 4 Ibid., p. 27. 5 No delírio de Schreber o perseguidor é projetado na alma do Dr. Flechsig, sem afetar a pessoa do médico. 6 Ibid., p. 58. 7 Os avanços da pesquisa psicanalítica sobre as psicoses recebe as marcas das teorizações de Melanie Klein e Jacques Lacan, mas considero que Piera Aulagnier manteve-se mais fiel ao pensamento freudiano, oferecendo uma contribuição (ver Violante, 2001). No caso de M. Klein há uma mudança teórica significativa com a formulação da posição esquizo-paranóide e da posição depressiva. Já com Lacan temos um releitura da obra de Freud que redireciona amplamente a teoria, a escuta psicanalítica, a técnica e a ética. Análise de um sujeito psicótico institucionalizado 111 O uso do termo “institucionalizado” é feito para frisar um processo de medicalização e objetivação do sujeito que se inicia no momento de sua entrada no hospital psiquiátrico. Como já foi mencionado na introdução e trabalhado no primeiro capítulo, tal processo culmina no a(dor)mecimento da história do sujeito e, em seu lugar, dá-se a construção, por intermédio da instituição, do que chamei a história da “doença”. A(dor)mecer uma história que fala de uma dor, nega um sofrimento que remonta à infância, que questiona a família, o hospital e a própria indústria farmacêutica. Como diz Aulagnier, o caso clínico não se reduz à teoria, dele lanço mão para me auxiliar na reflexão de como se dá um processo analítico de sujeitos sofrentes de um conflito psicótico no âmbito do hospital psiquiátrico, especialmente, no ambulatório. A escuta psicanalítica desses sujeitos, nas primeiras entrevistas, e desse em particular, foi permeada por inúmeros questionamentos quanto aos aspectos da trajetória da transferência deles em relação à instituição e, posteriormente, com minha figura de analista, quanto ao uso de palavras próprias ao discurso institucional como, por exemplo: orientação, controle, agressividade, medicação, fracasso, doença, normalidade, loucura, etc. Foi com o sujeito desta pesquisa que pude compreender a necessidade e a validade de recorrer às primeiras entrevistas de maneira a possibilitar a ele despir-se da pele institucional e poder se apropriar de sua própria história. A passagem do indivíduo que fala de uma história da “doença” para o sujeito que fala sobre sua história marcou a entrada em análise de Francisco. Freud sempre afirmou, a partir de sua teorização sobre a psicose, a impossibilidade do fenômeno da transferência ocorrer nesses sujeitos2. Entretanto, ao pensar o caso Schreber e a relação deste – no transcorrer do seu primeiro tratamento – com o doutor Flechsig, afirma: “O sentimento amistoso do paciente para com o médico bem se pode ter devido a um processo de ‘transferência’, por meio do qual uma catexia emocional se transpôs de alguma pessoa que lhe era importante [o irmão] 2 Ver nota 34 do primeiro capítulo p.34. Adriana Cajado Costa110 analista é ao mesmo tempo aquele que oferta uma escuta e aquele que demanda o discurso do paciente. Ao discutir um caso clínico, a autora adentra na reflexão sobre a demanda do psicótico. Ela esclarece: “(...) vai colocar o analista no lugar do demandante. Graças a esse subterfúgio poderá se aproximar prudentemente, sempre pronto para fugir, de uma relação de demanda da qual somos feitos responsáveis. Será somente aceitando reconhecer-se como demandante de suas palavras, de sua presença, das modificações que possam aparecer, que o analista pode, à vezes, criar as condições que tornem a interpretação possível. Precisa além do mais, manejar com extrema prudência esse papel de demandante, não demandar nem demais, nem cedo demais, permanecer constantemente alerta com relação a qualquer manifestação que poderia ser interpretada como uma manobra de sedução, uma demanda de amor, de reconhecimento”14 O manejo da demanda do analista não é fácil e, muitas vezes, está-se demandando demais ou de menos. O grande número de faltas, os atrasos, o pouco tempo que o paciente fica na sessão estão relacionados a esse manejo. No caso de Francisco, as sessões sempre foram amistosas. A fúria que relatava sentir no seu cotidiano ganhava uma (arma)dura de ternura. Faltava muito, mas quando comparecia estava sempre ansioso pelo atendimento. Ao ofertar a escuta analítica, demando sua fala. Francisco, então, parece ter controle sob seus impulsos, pois agora pode traduzi- los em palavras. Ao responder com rispidez uma pergunta, logo sorria e se desculpava. Tentava recuperar o clima amistoso que era a regra das sessões. Penso que a utilização de uma arma(dura) é resultante de sua institucionalização. Ao se manter amistoso nas sessões, Francisco acredita que permanecerá no jogo institucional, fechado no discurso pulverizado e na repetição infindável de uma mesma cena. Entretanto, a partir de um determinado momento, ele se permitiu deslizar para um discurso na primeira pessoa, além do que, questionador. A partir do momento em que uma relação transferencial foi construída com Francisco, novos elementos foram introduzidos nas sessões. Assuntos familiares, sobre suas alucinações, sobre o próprio 14 Ibid., pp. 149-150. Análise de um sujeito psicótico institucionalizado 117 alcoolismo com falas repressoras e desqualificadoras, repetindo na instituição, a mesmice do discurso que Francisco escuta no meio familiar. O caminho do paciente foi o de não escutar a médica. Agendou outro psiquiatra que “acertou a medicação para seu problema”. Agora ele está bem. Bem-estar que não permanecerá por muito tempo. Ao me comunicar seu desgosto em relação à primeira psiquiatra e dizer que procurou outra que, enfim, procedeu corretamente com ele, Francisco objetivava pedir explicações quanto ao encaminhamento que fiz. Na verdade, a preocupação dele era saber qual seria o grau de preocupação e cuidado que eu estaria tendo com seu caso. Francisco já é capaz de demandar algo. Ao comunicar que desaprovou a psiquiatra, ele, ao mesmo tempo, comunica que quer atenção. Estabelecida a transferência, ele sinaliza como é ruim seu convívio com a família. Testa a possibilidade de falar de seu sofrimento, sem ter que temer uma reação desaprovadora12. Demanda, assim, uma escuta. Porém, não permanece no lugar de demandante. Tenta fazer um jogo no qual os papéis possam ser trocados. Em duas sessões de Francisco ocorreu um fato interessante quanto à demanda de análise. Nessas duas ocasiões o paciente parecia estar em sessão para me agradar com sua fala. Explico. Francisco repete um comportamento de pedir ajuda material como, por exemplo, o evento da farmácia, ou uma declaração de que está em tratamento comigo. Quando lhe ofereço o que me solicitou, ele quer ser atendido, ou seja, ele demanda análise por meio de uma demanda direcionada a algo que possa ser-lhe entregue materialmente. Nesse caso, a cena montada é a de que eu sou a demandante de sua fala na análise. Aulagnier13 foi pontual ao salientar a dificuldade do sujeito psicótico demandar análise, fazendo um caminho no qual ele coloca o analista no lugar de demandante. No circuito oferta-demanda, o 12 Novamente a experiência vivida com a instituição é colocada na análise. Ao falar de suas certezas delirantes, o sujeito sabe que a reação institucional será a de fazer calar o delírio. Será considerado paciente delirante em crise psicótica. O procedimento é medicar. 13 AULAGNIER, Piera (1984). Op. cit. Adriana Cajado Costa116 que está fazendo tratamento comigo. Acha que pode estar sendo injustiçado por não saber se realmente cometeu o delito. Após Francisco me contar sua longa história sobre os últimos acontecimentos que o fizeram ser intimado a comparecer à delegacia, ele me pergunta se é louco. Temos abaixo um pequeno trecho: ELE – Depois de tudo isso, eu fico pensando... será que eu sou louco? Será que o que eu tenho é isso? EU – O que você acha? ELE – Eu acho que deve ser isso mesmo que eu tenho... ou o que eu tenho é problema psiquiátrico?! EU – Essa palavra, louco, é muito usada e está cheia de preconceitos, por isso ela não serve para falar do sofrimento de ninguém... ELE – Então eu tenho é problema psiquiátrico, por isso não posso ser responsabilizado por nada. Eu nem me lembro de ter feito isso, acho que estão me acusando injustamente. Eu bebi muito, até distribuí meus remédios para os meus colegas, mas eles dormiram e eu fiquei bebendo sozinho. EU – O fato de você não se lembrar, não quer dizer que você não tenha feito isso. ELE – Deve ser aquilo que as pessoas falam de amnésia alcoólica. EU – Você já pensou em parar um pouco de beber? Você sabe que seus remédios não fazem efeito quando você bebe... ELE – Eu sei, mas quando vou ver já estou conversando com alguém na rua e indo para um bar. EU – Com que dinheiro você bebe? ELE – Com uns trocados que ela (a companheira) me dá, ou então eu vendo as coisas, dou o que estou vestindo, calçando... EU – O que você sente em ficar bêbado e nu? ELE – (risos) Eu fico parecendo um mendigo, uma pessoa sem família, sem casa, nem lembro meu nome... EU – Você bebe mesmo sabendo que vai ter que pagar com a própria roupa, bebe tanto que dorme na rua, esquece que tem família, mulher, endereço, nome... Análise de um sujeito psicótico institucionalizado 119 alcoolismo que, até então era assunto que provocava grande nervosismo, podiam ser colocados abertamente. A necessidade de falar sobre sua embriaguez, dos seus sonhos descritos como (pesa)delos15, sua relação com a companheira, começavam a ganhar espaço na sessão. Sua história começou a ser contada. História que transparecia ter um peso mortífero. Esse processo pelo qual a análise possibilita ao sujeito demandar o que até então nunca havia demandado é explicitado por Aulagnier. “(...) na psicose teremos que tentar fazer com que o sujeito formule demandas que nunca expressou, tentar garantir os direitos de uma ‘criança que demanda’, inocentá-lo do crime de que o acusaram: o que afirmava ver, sentir, compreender era uma pura criação de seu espírito (definição profana do termo fantasia)”16 A partir de um fato real e perturbador, Francisco se pôs a demandar análise de forma intensa e questionadora. Começou a questionar sua “doença”, mesmo fazendo dela um álibi para as ações anti-sociais17 que praticava. Queria compreender o que se passava em sua psique. As sessões decorrentes foram produtivas para Francisco, a riqueza de seus questionamentos impulsionavam o investimento da dupla no processo analítico. Durante a sessão na qual Francisco me conta sobre os acontecimentos que lhe fizeram se sentir ainda mais perturbado, ele introduz o elemento que justificará sua entrada na crise psicótica. Ansioso, ele chega à sessão querendo me contar o que lhe aconteceu. Permanece em pé na sala e depois, atendendo minha solicitação, senta-se. Afirma estar vindo da delegacia. Bebeu muito junto com a medicação, perdeu roupas, sapatos e relógio. Ficou cinco dias longe de casa, dormindo na rua. Assaltou uma mulher e diz não se lembrar. Agora está sendo processado. Irá a julgamento. Afirma estar com muito medo e acha que se provar que realmente não se lembra de nada, por ser louco, será absolvido. Pede-me uma declaração de 15 Ao escutar Francisco, seu discurso remetia a uma fala densa, marcada por um peso tão grande que parecia ser-lhe insustentável. 16 AULAGNIER, Piera (1984). Op. cit., p. 157. 17 Francisco faz uso de álcool descontroladamente e quando alcoolizado pratica pequenos furtos. Porém desta vez ele praticou um assalto contra uma mulher do seu bairro, o que resultou num processo judicial contra ele. Quando intimado a falar com o juiz, ele caiu em crise psicótica e foi internado. Adriana Cajado Costa118 ELE – Eu não sei quem ela é, ninguém tem rosto nessa aldeia. EU – E você? ELE – (Silêncio) De noite eu acordo desesperado e fico me pegando, vendo minha pulsação, fico um tempão fazendo isso, pego aqui no braço, depois no pescoço. Por que eu fico fazendo isso? EU – Parece que você fica muito preocupado em se certificar de que está vivo. Todo aquele gado sendo morto no matadouro, o sangue escorrendo, a violência das marretadas, tudo aquilo ficou gravado em sua memória e talvez você às vezes se confunda com esses animais. É preciso se tocar e sentir o corpo pulsando para saber que você é o Francisco e está vivo?. ELE – (balança a cabeça em sinal positivo, parecia estar esperando exatamente essa resposta, demonstra até um certo alívio e sorri) É verdade, eu faço isso mesmo... Eu adorava ver o boi sendo morto, eu adorava ver o sangue escorrendo, achava lindo... Mas estou muito preocupado. Não posso ser preso, minha mãe...(Silêncio) EU – Parece que você está com medo da lei... ELE – (com ar de medo e preocupação) É, estou mesmo, não posso ficar preso. Eles vão marcar o dia para eu me apresentar ao juiz, eu não quero ir, não vou conseguir... A realidade dos fatos e as conseqüências oriundas das ações praticadas por Francisco quando bebia se interpuseram ao tratamento. Francisco foi levado à observação, numa madrugada, e encaminhado para internação em um hospital psiquiátrico particular conveniado ao SUS (Sistema Único de Saúde). Quanto à mulher de Francisco, no dia de sua primeira entrevista, após alguns minutos do término da mesma, a recepcionista vai até minha sala e solicita que eu a atenda. Vera entra na sala e diz que precisa muito desabafar. Fala compulsivamente, dizendo que também estava doente, mas que se curou em nome de Jesus. Repete esta frase inúmeras vezes. Fico calada por muito tempo enquanto ela fala incansavelmente tecendo uma história lamuriosa. Queixa-se que sofre muito com o companheiro, mas que ela não tem escolha, pois o ama. Diz que gostaria de ter um filho, mas que nessas condições não dá, até por Análise de um sujeito psicótico institucionalizado 121 ELE – Eu fico com pena da minha família, do meu irmão. EU – E de você? ELE – De mim eu não sinto nada EU – Você não merece? ELE – Não é isso, eu tenho a mente vazia. Eu fico aqui falando com a senhora e minha mente tem uma confusão, quando fico sozinho minha mente fica vazia. EU – Quando você está perto de alguém ela fica vazia também? ELE – Quando eu estou conversando minha mente fica normal, mas quando fico sozinho começa tudo, fico com a mente vazia, com vontade de cortar (faz gestos com as mãos como se estivesse cortando-as), como não tenho coragem, me queimo com o cigarro (no antebraço há várias marcar redondas de queimadura). EU – O que você sente quando isto acontece? ELE – Nada... Você é analista? Investigadora da mente da gente? EU – Sou psicanalista. ELE – Acho que vou contar um sonho que eu tenho. EU – Que você tem sempre? ELE – É. Eu sonho que tem uma mulher que quer me matar (faz os gestos característicos de enforcamento em minha direção). EU – Qual o motivo? ELE – Eu não sei, mas ela quer me matar e tem muita força, eu não consigo fazer nada. EU – Como ela é? ELE – Morena, alta, cabelos compridos... Ela é uma índia. EU – Aonde vocês estão? ELE – Numa igreja dentro de uma aldeia. Ela quer me matar dentro da igreja, junto com aqueles índios. EU – Há alguém que está vendo vocês? ELE – Não sei, mas deixa pra lá isso de sonho, eu estou muito preocupado para falar disso. EU – Preocupado... Adriana Cajado Costa120 traz uma história de alcoolismo. Privado de uma relação familiar, seu único referencial é o da companheira. Funcionária pública do Estado, ela provê financeiramente o seu sustento. A relação de Francisco com o tempo obedece a um lógica estranha, própria ao seu movimento repetitivo de uma espécie de metamorfose de Homem em animal/mendigo. Privado de um projeto identificatório, seu acesso à temporalidade é interditado por um Outro possuidor de um direito de lhe fazer viver ou morrer. Suas inúmeras faltas à sessão prolongavam o intervalo dos encontros em até 15 dias. Contudo, quando as retomava, percebia que, para ele, o tempo não havia passado, a mesmidade era predominante, o que é característico nos sujeitos psicóticos, já que estão privados de um acesso à temporalidade. Seu cotidiano repetitivo de uma mesma cena cobria-lhe o olhar, Francisco não percebia as mudanças no espaço da instituição. Comportava-se como se tivesse comparecido à sessão anterior. Fixava em minha imagem toda sua atenção. Fato mencionado por Aulagnier quando afirmou que o analista, para o sujeito psicótico, ocupa o lugar do Outro. Quando aparentava algum cansaço, ele dizia: “a senhora está cansada, deve descansar...”. No início de uma outra sessão ele comenta: “a senhora tem um bebezinho, não é? Eu vi vocês no centro da cidade. Ele é risonho, gostei dele...”. Mas, ao se referir a outras pessoas ele não demonstrava nem a preocupação, nem a ternura que podem ser percebidas nas falas acima. Ao me perguntar sobre o bebê, aproveito e questiono: EU – Você lembra quando ainda era muito pequeno? ELE – Não, quando a gente cresce, esquece tudo, já tenho 38 anos. Para Francisco o tempo passa cronologicamente e não deixa marcas, lembranças... Francisco não construiu um delírio sistematizado como o que encontramos em Schreber ou Nijinsky25. Suas vivências persecutórias 25 COSTA, Adriana C. Uma escuta psicanalítica dos diários de Nijinsky: reflexões entrelaçadas à teoria freudiana e às contribuições de Piera Aulagnier ao estudo do sujeito psicótico. Monografia de Especialização. São Paulo, PUC/COGEAE, 2000. Análise de um sujeito psicótico institucionalizado 127 esfrega as mãos nos olhos e no rosto e me olha balançando a cabeça. No seu ato falho pôde-se identificar a que a alucinação da aranha o remete. Mas, também, um traço característico em sua história. Em suas experiências com o porta-voz, ele não fixa o olhar, ele não olha, pois não há nada de diferente que possa ver, não há um outro olhar. Na função espelho, o espelho reflete algo da ordem do horror. Aulagnier23 demarca muito bem o processo identificatório, ao salientar que, no caminho percorrido pelo sujeito, ele deve ter acesso a um movimento de permanência e mudança. Subtítulo de um texto singular no estudo da clínica das psicoses, seu artigo oferece uma reflexão ao leitor que, no caso de Francisco, pode ser muito bem aplicada. Aulagnier recomenda que na relação transferência com o sujeito psicótico, cabe ao analista garantir a verdade do pensamento delirante. Contudo essa garantia só é fornecida por meio de um sentido que torna ambígua a relação do analista com esse mesmo pensamento, pois ele é heterogêneo às suas representações. Nessa esfera, a relação do sujeito psicótico com um único Outro é transferida para o analista. Transferência que pode assegurar a permanência do sujeito na potencialidade psicótica. O caminho transferencial vivido pelo sujeito psicótico, de acordo com Aulagnier, pode seguir duas vias. Incapacitado de se apoiar no ego especular, fonte de angústia por colocar em risco a existência do Eu, o sujeito fala a partir de dois lugares: do ego ideal, e aí ele está perdido na fala de alienação ao Outro, ou, do Ideal do Ego, e seu lugar é o do morto. Sobre isto Aulagnier escreve: “O psicótico não tem problema: ou nos fala enquanto Ego-Ideal e nos tornamos objeto de sua introjeção, sendo anulada qualquer distância pois é nele que estamos, ou nos fala enquanto Ideal do Ego, e a distância a nos separar é infinita, pois é uma fala que não é sua que ele nos dá; ele é o morto”24. O início do tratamento de Francisco é atribulado. Além de uma história de internações e alucinações visuais, nosso paciente 23 AULAGNIER, Piera. Os dois princípios do funcionamento identificatório: permanência e mudança. Um Intérprete em Busca de Sentido II. São Paulo: Escuta, 1990. pp. 24 AULAGNIER (1963). Op. cit. pp. 30. Adriana Cajado Costa126 ELE – (balança a cabeça em sinal positivo, parecia estar esperando exatamente essa resposta, demonstra até um certo alívio e sorri) É verdade, eu faço isso mesmo... Eu adorava ver o boi sendo morto, eu adorava ver o sangue escorrendo, achava lindo... O analista oferece ao analisando, ao utilizar a técnica da contribuição figurativa, uma “linguagem figurativa”, ou seja, uma linguagem que propõe uma “representação que ofereça ao sujeito um suporte exterior ao qual associar o afeto que o submerge”27. Esse foi o objetivo das palavras do analista, o que não caracteriza uma contribuição figurativa. Como afirmou Aulagnier, o uso da contribuição figurativa é a tarefa mais drástica de nossa prática e impossível de ser feita com freqüência. No caso aqui apresentado, não se pode afirmar que se fez uso dessa técnica conforme teorizada por Aulagnier, pois Francisco apenas me descreve o que lhe ocorre quando submerso em angústia. No momento da sessão ele não está angustiado. Para fazer uma afirmação desse gênero seria necessário propor uma ampliação da teorização e do uso da técnica para momentos nos quais, mesmo sem estar angustiado, o sujeito se remete ao estado de angústia e solicita um movimento de figurabilidade nas palavras do analista, o que ocorreu no caso de Francisco. Entretanto, a teorização proposta por Aulagnier influenciou decisivamente as intervenções e a condução da análise de Francisco. A interrupção da análise de Francisco decorre de problemas graves que teve que enfrentar com a justiça e, principalmente, do mecanismo objetalizador da instituição. Caso a reforma psiquiátrica fosse conduzida devidamente, o espaço da internação seria repensado. Retirar o sujeito de um lugar no qual está realizando seu tratamento para interná-lo em outro é um procedimento que não privilegia o sujeito e apenas se preocupa com o remanejamento de leitos. Francisco foi internado em outra instituição e impossibilitado de seguir com sua análise. Suas visitas foram restringidas à mãe e ao irmão. Por não possuir um planejamento no tratamento de seus pacientes, essa instituição inviabiliza um acompanhamento e, mesmo, um processo de singularização do sujeito. A cada nova crise, ou 27 Ibid., p. 110. Análise de um sujeito psicótico institucionalizado 129 são deslocadas para as alucinações com a aranha, que remete à sua mãe e para um sonho (pesadelo), que tem com freqüência, de uma índia que tenta matá-lo. Não podemos saber se esse sonho também se refere à sua mãe, mas posso salientar que se refere a uma figura feminina que nunca lhe dirigiu um olhar e uma voz que o reconhecessem em sua singularidade. Ao analisar psicóticos, Aulagnier construiu uma técnica específica para retirar o sujeito da angústia oriunda dos efeitos devastadores do pictograma da rejeição, obra do originário. No texto Da Linguagem Pictural à Linguagem do Intérprete (1980) ela demarca o cerne e o objetivo da contribuição figurativa. Para ela o analista deve: “Propor ao olhar, à escuta, ao pensamento desse sujeito um ‘pensado- figurado’ por nós, uma construção cujos signos lingüísticos (ou seja, a soma imagem de palavras e imagens de coisas) se encadeiem de maneira a lhe oferecer: a) No registro do sentido e da significação, um enunciado pensável, partilhável que obedece as leis às quais todo enunciado deve se curvar... b) No registro do discurso, essas palavras, essas imagens de palavras, não remetem a nenhum conceito abstrato, tornando figuráveis um ‘visto’...”26 Seguindo essa regra, pode-se afirmar que o uso aproximado da técnica na análise de Francisco foi realizado apenas um vez, mesmo assim não corresponde fielmente ao que é postulado por Aulagnier, pois a pergunta de Francisco é em relação a uma angústia vivida num tempo anterior, angústia que não está presente no momento da sessão. Recupero o trecho, já apresentado, para elucidar outros momentos da análise: ELE – (Silêncio) De noite eu acordo desesperado e fico me pegando, vendo minha pulsação, fico um tempão fazendo isso, pego aqui no braço, depois no pescoço. Por que eu fico fazendo isso? EU – Parece que você fica muito preocupado em se certificar que está vivo. Todo aquele gado sendo morto no matadouro, o sangue escorrendo, a violência das marretadas, tudo aquilo ficou gravado em sua memória e talvez você às vezes se confunda com esses animais. É preciso se tocar e sentir o corpo pulsando para saber que você é o Francisco e está vivo. 26 AULAGNIER, Piera (1980). Da Linguagem Pictural à Linguagem do Intérprete. Um Intérprete em Busca de Sentido II. São Paulo, Escuta, 1990, p. 108. Adriana Cajado Costa128 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise de sujeitos psicóticos institucionalizados perfaz um caminho que busca a singularidade na psicose. Seria errôneo afirmar que o processo analítico de tais sujeitos é distinto daquele desenvolvido no consultório particular, mas a marca institucional merece uma escuta analítica. Contudo, após algum tempo de análise, em alguns sujeitos que escutei, a instituição deixou de vigorar em suas falas para dar lugar a uma fala que denunciava a dor, as alegrias, os delírios e os percalços daquele sujeito, demarcando a entrada em análise e a formação singular do espaço da palavra. Diante de um percurso denso, cauteloso e permeado pela atemporalidade, o processo analítico desses sujeitos informou esta pesquisa, criou a possibilidade de que eu pudesse pensar psicanaliticamente sobre ele. Aqui não há espaço para o fechamento, impossibilitando que se faça uma conclusão; no máximo, posso fazer um movimento de abertura, realizando uma reflexão sobre os limites da psicanálise na instituição e com esses sujeitos, e demarcar seus alcances. Pensar os limites do trabalho do analista na instituição psiquiátrica é ter claro para si que há um jogo de forças entre o pensamento psiquiátrico e o psicanalítico. De um lado, tem-se um processo de medicalização, psiquiatrização e objetalização do sujeito. Do outro, o discurso psicanalítico que se dispõe a interrogar o sujeito, a questionar a instituição e oferecer uma escuta que impele uma novo surto, o paciente é encaminhado para um outro lugar, o que auxilia em sua permanência na deriva psicótica. Considero que essa instituição, no espaço do ambulatório, trabalha nos moldes do manicômio, mesmo tendo implementado pequenas modificações estabelecidas pela reforma, mas que não interferem significativamente no tratamento, pois priorizam o espaço físico. Concordo com Fernando Tenório quando enfatiza: “O ‘manicômio’, ao qual a reforma se opõe, é um agenciamento social da loucura que convida o sujeito à demissão subjetiva”28. Ao se apropriar da palavra, o sujeito psicótico apropria-se de sua história, rejeitando tal demissão. Os efeitos analíticos desse deslizamento – de uma fala que reproduz o discurso do Outro, para uma fala que diz de um sujeito – implementam uma mudança no olhar do sujeito, em sua relação com a instituição hospital, “instituição ‘doença mental’”29 e instituição família. Por ter sido interrompida prematuramente, a análise do sujeito Francisco deixou uma lacuna para o entendimento de sua história, mas a riqueza de suas experiências e questionamentos me ensinaram muito e permitiram que a reflexão que hora exponho fosse realizada, instrumentalizando o processo analítico dos sujeitos psicóticos que escutei na instituição psiquiátrica e demarcando sua viabilidade. A esperança presente é a de que tão logo receba alta, Francisco retome seu tratamento. Adriana Cajado Costa 28 TENÓRIO, Fernando. Da reforma psiquiátrica à clínica do sujeito. In: QUINET, Antonio. (org.). Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2001, p. 123. 29 Fernando Tenório utiliza esse termo para falar do processo de desinstitucionalização preconizado pela reforma psiquiátrica brasileira. “A desinstitucionalização consiste em negar não a instituição ‘hospital psiquiátrico’, mas a instituição ‘doença mental’, isto é, negar a própria noção de doença mental que reduz o fenômeno da loucura a uma categoria negativa e grosseiramente simplificada” (Ibid., p. 122). 130 nossa condição); a facilidade com que delírios e alucinações são reduzidos à terapêutica de um bem-estar psicossocial, ainda que produzindo um agenciamento social mais generoso, tudo isso pode servir à nossa dificuldade de admitir a diferença radical e a dureza da condição psicótica”14, e compactuar com o discurso que não promove o sujeito e nem está de acordo com a ética que todo psicanalista assume. A ética psicanalítica no tratamento de sujeitos psicóticos deve se pautar em “reconhecer a diferença em vez de a abolir, dar lugar àquilo que escapa à nossa operação cotidiana de sentido e admitir o real da psicose como ponto de partida de nosso trabalho”15, e é justamente aí que a escuta psicanalítica torna-se difícil de ser sustentada. O balanço que apresentei da análise de sujeitos psicóticos em instituição psiquiátrica também conta uma história. Evidencia que a psicanálise não pode ser generalista, fechada e comprometida com normas ou regras estranhas a sua ética. Cada dupla analítica em cada instituição desenvolverá um trabalho que percorrerá um caminho possível e condizente com a história de cada um. Se há uma clínica do singular, essa clínica é a psicanalítica. 14 Ibid., p. 131. 15 Id. Considerações Finais 137 A escuta analítica barra o processo de dissolução do sujeito, por criar as condições necessárias e suficientes que permitem a abertura de um espaço, no qual ele (o sujeito) toma a palavra e se permite questionar. Ao formular uma questão, ou ao contar sua história, o sujeito dá início a um novo trilhamento, a construção de sua obra. No seu movimento de cura, o psicótico delira, já dizia Freud. Ao tomar a palavra, a escuta deve buscar o sujeito em sua psicose e será dela que ele deve advir13 para garantir sua singularidade. Será nesses termos que haverá escuta analítica e que o espaço da palavra será construído. A partir de então, o discurso do sujeito psicótico é direcionado a uma testemunha. Com um destinatário para sua fala, ocorrem as primeiras significações com as quais é possível ter uma resposta de um outro. Ao perceber as mudanças produzidas na relação transferencial, o analista pode introduzir novos elementos para favorecer um melhor remanejamento do sujeito com sua nova situação diante do mundo, ou seja, sua nova condição de sujeito, mas sempre psicótico. Ao se ver sujeito de sua fala e portador de um corpo menos dilacerante, percebi, com aqueles que atendi, que eles assumem o tratamento com o objetivo de ficarem “bons”. Ao questionar esse desejo de cura, surpreendi-me com a resposta, eles não almejavam a normalidade, mas trabalhar, casar, ter filhos, viajar, ter uma velhice tranqüila, tudo dentro de sua forma de pensar o mundo, a partir de suas certezas, de suas explicações e de seus delírios. Talvez o que podem almejar ainda esteja sob a égide de um Outro que os esmaga, e pontuar tal ocorrência, nesse momento da escuta, produza efeitos de subjetivação. Em alguns casos isso foi feito, em outros não, sempre obedecendo à ética psicanalítica. Pois “a romantização da loucura; a aposta voluntarista nas potencialidades do sujeito psicótico (que o carrega de exigências fálicas às quais ele muitas vezes não pode responder: ‘trabalhe’, ‘seja independente’, ‘cuide de si’); a valorização ingênua dos ideais de autonomia e liberdade (que desconhece o caráter radicalmente heterogêneo de 13 Este pensamento é defendido por TENÓRIO, F. (2001). Op. cit. Adriana Cajado Costa136 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, José Maria de. Dicionário enciclopédico ou novo dicionário da língua portuguesa. v. 1. Lisboa, Escritório de Francisco Arthur da Silva, 1870. AULAGNIER, Piera (1962). Angústia e Identificação. Percurso. Ano. VII. n. 14. São Paulo, 1995. ___ (1963). Observações sobre a estrutura psicótica. Um Intérprete em Busca de Sentido- II. São Paulo, Escuta, 1990. ___ (1971). O sentido perdido... Um Intérprete em Busca de Sentido II. São Paulo, Escuta, 1990. ___ (1975). A violência da interpretação: do pictograma ao enunciado. 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