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Guias e Dicas
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A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E ACRIAÇÃO, Manuais, Projetos, Pesquisas de Fisioterapia

Hipertensão Arterial

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 12/11/2009

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Baixe A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E ACRIAÇÃO e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Fisioterapia, somente na Docsity! Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 1 KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão INTRODUÇÃO Neste artigo será feita uma breve síntese históri- ca sobre a evolução da pesquisa e a criação de no- vos conhecimentos em hipertensão, que, natural- mente, motivaram os pesquisadores da área a se organizar, formando as Sociedades de Hipertensão. A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO Com a introdução, no início do século XX, da medida da pressão arterial no homem pelo método esfigmográfico, e a constatação de ser freqüente a ocorrência de hipertensão, houve grande interesse de produzir modelos de hiper- tensão em animais de experimentação. A des- coberta dos nervos depressores aórticos e ca- rotídeos, que exercem ação tônica de inibição sobre o simpático, suscitou inúmeros estudos na década de 30, visando à provocação de hi- pertensão neurogênica permanente no cão e no coelho pela desnervação sinoaórtica. Consta- tou-se, porém, que se era bem verdade que os animais desnervados apresentavam picos de hipertensão de grande intensidade, associados A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E A CRIAÇÃO DAS SOCIEDADES DE HIPERTENSÃO EDUARDO M. KRIEGER Unidade de Hipertensão — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-000 — São Paulo — SP Neste artigo é feita uma breve revisão sobre a evolução do conhecimento e a criação das Socieda- des de Hipertensão. Palavras-chave: hipertensão, Sociedades de Hipertensão. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:1-6) RSCESP (72594)-1288 à maior labilidade da pressão arterial, a hiper- tensão era bem tolerada, não acarretando gran- des alterações nos órgãos-alvo, como ocorria com a hipertensão no homem. O grande salto aconteceu em 1934, quando Goldblatt e cola- boradores (1) desenvolveram uma pinça para pro- duzir compressão controlada da artéria renal de cães, obtendo, pela primeira vez, hipertensão renal crônica, revivendo o interesse pela renina descrita por Tigerstedt e Bergman, no fim do século XIX. O grupo argentino liderado por Braun-Menendez (2) e o grupo norte-americano liderado por Page(3), simultaneamente, descobri- ram, em 1940, que a hipertensão produzida pela renina, na verdade, era mediada pela formação de angiotensina (inicialmente descrita como hi- pertensina pelos argentinos e angiotonina pe- los norte-americanos). Nas décadas seguintes, o sistema renina-angiotensina foi estudado in- tensamente, esclarecendo-se a cadeia de for- mação da angiotensina II e das outras angio- tensinas, o papel central da enzima conversora, e as ações funcionais e tróficas exercidas pelo sistema. Um marco importante foi a descoberta dos inibidores da enzima conversora por Sergio 2 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão Ferreira(4-6), em Ribeirão Preto, na década de 60, naturalmente influenciada pela descoberta da bradicinina por Mauricio Rocha e Silva (7), em 1949. Nos últimos vinte anos, foi claramente estabelecida a existência do sistema renina-an- giotensina tecidual, que atua ao lado do clássi- co sistema endócrino dependente da renina re- nal, cuja importância fisiológica e fisiopatológi- ca não está totalmente elucidada. De grande importância foi o reconhecimento dos fatores endoteliais na regulação da pressão arterial, a partir da histórica descoberta de Furchgott(8), em 1980, sobre o fator de relaxamento endotelial identificado como óxido nítrico. Também impor- tante foi a descoberta do peptídeo natriurético atrial por De Bold(9), em 1981. Foi amplamente reconhecido que a elevação da pressão arterial na hipertensão primária é multifatorial, resultan- do do desequilíbrio entre os fatores pressores (simpático, sistema renina-angiotensina, endo- telina, vasopressina, etc.) e depressores (óxido nítrico, cininas, peptídeo natriurético atrial, etc.), cada um deles estudado intensamente quanto às ações vasoconstritoras ativas e quanto às alterações trófico-estruturais, que perpetuam a elevação da resistência periférica e da hipertro- fia cardíaca. Tanto os fatores pressores como os depressores envolvem uma cadeia de rea- ções na qual as proteínas desempenham papel fundamental, e cuja síntese está subordinada ao funcionamento dos respectivos genes. Uma verdadeira revolução está ocorrendo na pesqui- sa da hipertensão com a introdução das técni- cas que permitem a identificação e a manipula- ção dos genes que sintetizam as proteínas que integram os mecanismos de regulação da pres- são arterial. O mapeamento de genes candida- tos associados ao aparecimento e ao desenvol- vimento da hipertensão, a obtenção de animais de experimentação geneticamente modificados, o conhecimento do painel regulador da expres- são dos genes, a associação de marcadores genéticos com marcadores funcionais, entre outras, são ferramentas de grande poder e que estão avançando rapidamente nosso conheci- mento sobre os mecanismos responsáveis pela hipertensão, prevendo-se para breve melhoria na prevenção e tratamento da enfermidade de forma individualizada e racional(10, 11). CRIAÇÃO DAS SOCIEDADES DE HIPERTENSÃO “Council for High Blood Pressure Research” O grande marco nas reuniões que congre- gam os que se dedicam à hipertensão ocorreu em 1949, com a criação do “Council for High Blood Pressure Research of the American He- art Association”. Essa sociedade funcionou du- rante décadas, realizando reuniões anuais na cidade de Cleveland, considerada a Meca da hi- pertensão graças à notável personalidade de Irving Page, que aí vivia, trabalhando na Cleve- land Clinic. Ainda hoje suas reuniões são consi- deradas como da mais alta qualidade no campo da hipertensão, cujos trabalhos são altamente selecionados (em pequeno número) e depois pu- blicados em um número especial do “Hyperten- sion”. “International Society of Hypertension” (ISH) Depois de uma conferência em Paris, foi a reunião realizada em Oxford, em 1970, que re- almente iniciou as atividades da “International Society of Hypertension”. Essa sociedade, or- ganizada por Sir George Pickering, então dire- tor do Pembrocke College-Oxford, e por Irving Page, contou, ainda, com os grandes chefes de escola daquela época: C. Bartorelli (Itália), Sir Horace Smirk (Nova Zelândia), J. Genest (Ca- nadá), E. F. Gross (Alemanha). Foram apresen- tados 26 trabalhos nessa ocasião, o que é notá- vel, pois, no último congresso da “International Society of Hypertension” em Praga, em 2002, foram apresentados mais de 1.500 trabalhos, evidenciando o crescimento extraordinário da pesquisa na área da hipertensão nos últimos trin- ta anos. Como curiosidade, as Figuras 1 e 2 apresentam cópias do programa como ele foi impresso na época. A Figura 3 representa o es- quema de distribuição dos lugares aos partici- pantes dessa sociedade no refeitório do Pem- brocke College. Depois de Oxford, a “International Society of Hypertension” vem realizando reuniões regula- res a cada dois anos: Milão (1972), Milão (1974) e Sydney (1976) foram as três primeiras, e Ams- terdã (1998), Chicago (2000) e Praga (2002) as três últimas. Em 2004, a previsão é de que a reunião da “International Society of Hypertensi- on” ocorra em São Paulo, e que seja presidida pelo Dr. Artur Ribeiro. “Inter-American Society of Hypertension” (IASH) Foi criada em Mendoza, Argentina, em 1974, no “Pan American Symposium on Vasoactive Peptides and Hypertension”, com a presença de 53 participantes (25 dos Estados Unidos, 19 da Argentina, 4 do Canadá, 3 do Chile e 2 do Bra- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 5 KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão Figura 3. “Conference Dinner” durante a reu- nião da “International Society of Hypertensi- on”, realizada em Oxford, em 1970: es- quema de distribuição dos lugares aos parti- cipantes. ra de Hipertensão, que funciona com sede permanente em São Paulo, tem como princi- pal característica a multidisciplinaridade, reu- nindo profissionais das mais variadas disci- plinas interessadas no estudo e no avanço da hipertensão, principalmente da Cardiologia e da Nefrologia, e pesquisadores das áreas básicas (fisiologistas, farmacologistas, biolo- gistas moleculares, professores de educação física, etc.). 6 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão REFERÊNCIAS 1. Goldblatt H, Lynch J, Hanzal RF, Ramon F, Summerville WW. Studies on experimental hypertension. I. The production of persistent elevation of systolic blood pressure by me- ans of renal ischemia. J Exp Med 1934;59: 347-79. 2. Braun-Menendez E, Fasciolo JC, Leloir LF, Munoz JM. La substancia hipertensora de la sangre del riñon isquimiado. Rev Soc Argent Biol 1939;15:420-5. 3. Page IH, Helmer OM. A crystalline pressor substance (angiotonin) resulting from the re- action between renin and renin activator. J Exp Med 1940;71:29-42. 4. Ferreira SH. A bradykinin-potentiating factor (BPF) present in the venom of Bothrops ja- raraca. Br J Pharmacol 1965;24:163. 5. Greene LJ, Camargo ACM, Krieger EM, Stewart JM, Ferreira SH. Inhibition of the con- version of the angiotensin I to II and potenti- ation of bradykinin by small peptides present in Bothrops jararaca venom. Cir Res 1972; 30,31(suppl II):62. 6. Krieger EM, Salgado HC, Assan CJ, Greene LJ, Ferreira SH. Potential screening test for detection of overactivity of the renin angio- tensin system. Lancet 1971;1:269. 7. Rocha e Silva M, Beraldo WT, Rosenfeld G. Bradykinin, a hypotensive and smooth mus- cle stimulating factor released from plasma globulin by snake venom and by trypsin. Am J Physiol 1949;156:261. 8. Furchgott RF, Zawadzki JV. The obligatory role of endothelial cells in the relaxation of arteri- al smooth muscle by acetylcholine. Nature 1980;299:373-6. 9. de Bold AJ, Borenstein HB, Veress AT, Son- nenberg H. A rapid and potent natriuretic res- ponse to intravenous injection of atrial myo- cardial extract in rats. Life Sci 1981;28:89-94. 10. Krieger JE. New contributions to clinical hypertension from molecular biology. Curr Opin Cardiol 1998;13:312-6. 11. Pereira AC, Krieger JE. Biologia e genética molecular aplicadas ao diagnóstico e trata- mento da hipertensão. Novos paradigmas, antigos problemas. Rev Bras Hipertens 2001;8:105-13. EVOLUTION OF THE KNOWLEDGE AND THE CREATION OF SOCIETIES OF HYPERTENSION EDUARDO M. KRIEGER This review was focused on the evolution of the knowledge and on the creation of Societies of Hypertension. Key words: hypertension, Societies of Hypertension. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:1-6) RSCESP (72594)-1288 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 7 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial INTRODUÇÃO A importância da hipertensão arterial como um dos principais fatores de risco para o desen- volvimento da doença arterial coronariana, do acidente vascular encefálico, da insuficiência car- díaca, da insuficiência renal e da doença arteri- al periférica encontra-se, na atualidade, perfei- tamente estabelecida. O Estudo de Framingham classificou a hipertensão arterial como um dos fatores de risco de maior magnitude e, dessa maneira, essa condição responde por grande EPIDEMIOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL AY RTON PIRES BRANDÃO, ANDRÉA ARAÚJO BRANDÃO, MARIA ELIANE CAMPOS MAGALHÃES, ROBERTO POZZAN Setor de Hipertensão Arterial — Serviço de Cardiologia — Hospital Universitário Pedro Ernesto — Universidade do Estado do Rio de Janeiro Endereço para correspondência: Rua Abade Ramos, 107/101 — Jardim Botânico — CEP 22461-090 — Rio de Janeiro — RJ A hipertensão arterial é altamente prevalente em praticamente todos os países. O VI Joint National Committee on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure destaca que um dos maio- res desafios deste milênio será o de modificar essa realidade. Calcula-se que pelo menos 50 milhões de norte-americanos são hipertensos e estudos brasileiros têm mostrado prevalência entre 12% e 35% em diferentes regiões. Sabe-se que os indivíduos portadores de hipertensão arterial têm maior risco para desenvolver doença arterial coronariana, além de freqüentemente agregarem diversos fatores de risco cardiovas- cular. A associação entre a hipertensão arterial e o risco de doença cardiovascular é forte, contínua e está presente mesmo quando as cifras pressóricas ainda são consideradas normais. Nesse contexto, considerando-se que o ponto de corte de normalidade das cifras pressóricas é arbitrário, o valor nu- mérico da pressão arterial deve necessariamente ser contextualizado e individualizado, para permitir avaliar a real dimensão do problema. Estudos epidemiológicos e clínicos têm demonstrado que valores de pressão situados abaixo do ótimo (inferiores a 120/80 mmHg), mesmo em crianças e adultos jovens, já são capazes de se associ- ar a eventos cardiovasculares, notadamente em presença de fator de risco cardiovascular. Sabendo- se que quanto menor o ponto de corte admitido como normal maior é a expressão populacional do problema, políticas de saúde voltadas para a detecção e abordagem precoce desses indivíduos de- vem ser priorizadas, até que estudos clínicos bem conduzidos sejam realizados para avaliar o impacto dessas medidas na morbidade e na mortalidade cardiovascular. Palavras-chave: hipertensão, epidemiologia, fatores de risco. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:7-19) RSCESP (72594)-1289 parte da morbidade e da mortalidade cardiovas- culares nos países industrializados (1). CONCEITUAÇÃO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL E SUA CLASSIFICAÇÃO A hipertensão arterial é modernamente en- tendida como uma doença inserida em um con- texto mais abrangente do que apenas aquele resultante da simples definição dos níveis pres- sóricos, hoje considerados por muitos como um critério intermediário dentro de um quadro mais 10 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial tras populacionais brasileiras foram os de Achutti e colaboradores (21), no final da década de 70, na cidade de Porto Alegre, Costa(22), no Rio Gran- de do Sul, em 1983, Ribeiro e colaboradores (23), em São Paulo, em 1981, e Klein e colaborado- res(24), na cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, em 1980. Esses estudos traduziam o início do interesse nacional pelo assunto, porém apenas o primeiro deles foi desenvolvido com os cuidados metodológicos necessários para a obtenção de uma amostra representativa da população. Nesse estudo, os autores demons- traram prevalência de hipertensão arterial no Estado do Rio Grande do Sul de 11,58%, to- mando-se como base o critério de pressão ar- terial maior ou igual a 160/95 mmHg. Também foi registrado que a região metropolitana de Porto Alegre apresentava maior prevalência da doen- ça que a área rural do interior do Estado. Os mesmos autores, em 1987, (21) realizaram novo estudo de base populacional apenas na cidade de Porto Alegre, utilizando os mesmos critérios diagnósticos para hipertensão arterial, e obser- varam que a prevalência da doença nos homens foi de 4,2% na faixa de 20 a 24 anos e de 33,3% entre 55 e 59 anos, e de 0,0% a 29,8%, respec- tivamente, em mulheres nas mesmas faixas etá- rias. Nesse mesmo estudo, quando considera- do o ponto de corte de pressão arterial maior ou igual a 140/90 mmHg, as prevalências ob- servadas cresceram significativamente. Assim, para a faixa etária de 20 a 24 anos, a prevalên- cia aumentou mais de 15 pontos porcentuais nos homens, alcançando 20,9%, enquanto nas mu- lheres passou para 3,7%. Por sua vez, na faixa etária compreendida entre 55 e 59 anos, as pre- valências atingiram 58,3% nos homens e 57,5% nas mulheres. Na década de 90, ainda na cidade de Porto Alegre, Fuchs e colaboradores (16) realizaram outro importante estudo de base populacional e encontraram prevalência de hipertensão arteri- al de 19,2% quando utilizado o critério 160/95 mmHg acrescentados àqueles com pressão ar- terial normal em uso de anti-hipertensivos e de 29,8% com o critério 140/90 mmHg acrescenta- dos àqueles normotensos em uso de medica- mentos. O mesmo grupo, em outro estudo de base populacional realizado mais recentemen- te na mesma cidade(25), registrou prevalências bem maiores. Foi observado que 24% e 35% da amostra avaliada era hipertensa ou estava com as cifras pressóricas controladas com o uso de medicamentos, para o ponto de corte de 160/95 mmHg e 140/90 mmHg, respectivamente, suge- rindo aumento da prevalência da doença nessa cidade. Outros autores também estudaram as pre- valências da hipertensão arterial em diferentes cidades brasileiras. Na cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, no final dos anos 80, Lolio(15) observou que 32% dos homens e 25,3% das mulheres apresentavam pressão arterial maior ou igual a 160/95 mmHg. Em outro estu- do também de base populacional realizado pra- ticamente na mesma época, na cidade de Co- tia, na Grande São Paulo, Martins e colabora- dores(17) encontraram prevalências elevadas de hipertensão arterial. Assim, 33,4% dos homens e 29,8% das mulheres apresentavam pressão arterial maior ou igual a 160/95 mmHg, enquan- to 47,9% dos homens e 41,0% das mulheres tinham pressão arterial maior ou igual a 140/90 mmHg. Na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, em estudo de base populacional para essa região administrativa, Bloch e colaborado- res(19) descreveram prevalência global de hiper- tensão arterial de 24,9% (pressão arterial mai- or ou igual a 160/95 mmHg ou medicação anti- hipertensiva em uso). Uma série de 2.264 casos foi avaliada na ci- dade do Rio de Janeiro, compreendendo indiví- duos cujas idades variavam de 4 a 93 anos (26). Nessa amostra populacional, 37,9% eram hiper- tensos, utilizando-se 140/90 mmHg como ponto de corte para adultos e o percentil 95 para ida- de e sexo nas crianças e adolescentes. Nesse estudo, também foi observado que os indivídu- os do sexo masculino nas faixas etárias de 11 a 20 anos e de 21 a 30 anos apresentavam pre- valências muito altas da doença, ou seja, 15,0% e 27,0%, respectivamente, quando comparados com as mulheres, cujas prevalências para as mesmas faixas etárias foram de 9,2% e 10,6%. Utilizando o mesmo ponto de corte empregado nesse estudo, Achutti e colaboradores (20) tam- bém registraram elevada prevalência de hiper- tensão arterial em homens em faixas etárias mais jovens, porém com porcentuais menores, de forma semelhante aos achados de Lolio na cidade de Araraquara(15). IMPACTO SOCIOECONÔMICO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL As doenças cardiovasculares representam um importante problema de saúde pública tanto na esfera nacional como mundial. Há pelo me- nos mais de 30 anos, as doenças cardiovascu- lares são a primeira causa de morte no Brasil, Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 11 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial de acordo com os registros oficiais (Sistema de Informação sobre Mortalidade — SIM). Dados norte-americanos indicam que a do- ença hipertensiva ocupa o terceiro lugar em gastos diretos e indiretos relacionados a seu tra- tamento, controle e suporte previdenciário. Se- gundo a American Heart Association(5), foram gastos, em 2002, US$ 34,4 bilhões com os cus- tos diretos da doença, envolvendo internações hospitalares, honorários médicos, medicamen- tos e atenção domiciliar. Também segundo esse mesmo anuário, US$ 12,8 bilhões foram gastos para a cobertura securitária relativa a perda de produtividade conseqüente a morbidade e mor- talidade da hipertensão arterial. No ano de 2000, no Brasil, as doenças car- diovasculares corresponderam a mais de 27% do total de óbitos e foram responsáveis por 15,2% das internações realizadas no SUS em indivíduos na faixa etária de 30 a 69 anos. Do total de casos (693.839), 17,7% foram relacio- nados ao acidente vascular encefálico e ao in- farto agudo do miocárdio, doenças de grande importância epidemiológica e que têm a hiper- tensão arterial como um de seus principais fa- tores de risco. Não existem dados brasileiros consolidados em relação ao montante de recursos envolvidos no tratamento, controle e suporte previdenciá- rio da doença. Segundo o Sistema de Informa- ção Hospitalar (SIH/SUS), foram gastos R$ 17 milhões em internações por hipertensão arteri- al no ano de 2000. Esses números, entretanto, não refletem a real magnitude do problema, uma vez que não contemplam as internações por outras causas cardiovasculares, em que a hi- pertensão arterial atuaria como coadjuvante. Ainda segundo os dados do Instituto Nacio- nal de Seguridade Social, a hipertensão arterial e a doença hipertensiva ocuparam o segundo e o quarto lugares, respectivamente, de exames médico-periciais que geraram afastamento tem- porário ou definitivo do trabalho. A EPIDEMIOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL NO IDOSO O século XX foi marcado pelo extraordinário crescimento mundial da população de idosos. Além disso, a própria população idosa está se tornando mais idosa, especialmente nos países desenvolvidos, surgindo daí grande número de indivíduos que ultrapassam os 80 anos e que são chamados de muito idosos. As projeções da Organização Mundial da Saúde apontam para um crescimento ainda maior dessa popu- lação já na primeira metade deste século, com evidentes efeitos sobre as estruturas sociais, econômicas e dos sistemas de saúde de todos os países (2). A classificação dos indivíduos em idosos é feita de maneira arbitrária. A Organização Mun- dial da Saúde utiliza 65 anos como critério, o que é seguido pelos países desenvolvidos. En- tretanto, no Brasil, esse limite ainda permanece em 60 anos. Embora a proporção de idosos em países em desenvolvimento seja menor, o nú- mero absoluto pode ser maior que nos países desenvolvidos, principalmente se o ponto de corte for 60 anos de idade e forem muito popu- losos. A China, por exemplo, com 5,5% de indi- víduos com mais de 65 anos, teria, aproximada- mente, 70 milhões de idosos, enquanto a Sué- cia, com 18%, teria cerca de 1,6 milhão. Estima- tivas projetadas para os próximos 25 anos de- monstram que o número de idosos com mais de 65 anos deverá crescer cerca de 60% para os países da Europa e nos Estados Unidos e do- brar em países da América Latina e Ásia(2). No Brasil, de acordo com o último censo, a população é de 169 milhões de indivíduos, dos quais cerca de 9,0% têm idade igual ou superi- or a 60 anos, sendo que o estado do Rio de Janeiro é o líder com 12% da sua população. O Ministério da Saúde projeta, para 2025, uma população de mais de 30 milhões de idosos bra- sileiros, o que poderá situar o país, em números absolutos, como a sexta maior população mun- dial dessa faixa etária. Esses números assus- tam, já que medidas sociais e econômicas de- verão ser desenvolvidas para lidar com esse pro- blema. A hipertensão arterial é uma doença alta- mente prevalente em indivíduos idosos, tornan- do-se fator determinante na elevada morbidade e mortalidade dessa população. Nos Estados Unidos, de acordo com os dados do NHANES III, a prevalência de hipertensão arterial, defini- da como pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica menor ou igual a 90 mmHg, foi de 60% entre os brancos e de 71% entre os negros, em pessoas com mais de 60 anos de idade(27). Importante ainda é que somente cerca de 50% desses pa- cientes estavam tendo alguma forma de trata- mento, e, ainda mais, dos que estavam rece- bendo tratamento medicamentoso só a metade tinha controle adequado da pressão arterial(28). A hipertensão arterial, presente em mais de 60% dos idosos, encontra-se freqüentemente 12 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial associada a outras doenças também altamente prevalentes nessa faixa etária, como a arterios- clerose e o diabete melito, conferindo a essa po- pulação alto risco para morbidade e mortalida- de cardiovasculares, e, portanto, exigindo cor- reta identificação do problema e abordagem te- rapêutica apropriada. Os benefícios do tratamento da hipertensão arterial na população em geral só foram reco- nhecidos no início dos anos 60, e a consolida- ção das evidências ocorreu durante os anos 70. No entanto, para o paciente idoso, prevalecia a idéia de que, com a idade, haveria necessidade de níveis de pressão arterial mais altos, sisto- diastólicos, como compensação para o endure- cimento vascular em decorrência do envelheci- mento. Contudo, deve ser ressaltado que, nas últimas duas décadas, surgiram evidências de que valores mais altos de pressão arterial em idosos deveriam ser tratados, não necessaria- mente focados exclusivamente na pressão di- astólica, mas também, e principalmente, na pres- são sistólica(29). A pressão de pulso elevada é freqüentemente encontrada em pacientes ido- sos, mas ainda não estão definidos os valores limites de normalidade para essa variável. A PRESSÃO ARTERIAL NO JOVEM E SUA PERSPECTIVA PREVENTIVA O interesse pela avaliação da pressão arte- rial em crianças e adolescentes surgiu a partir da década de 60, e a partir de 1970 aparece- ram as primeiras recomendações sobre a medi- da rotineira da pressão arterial nessa faixa etá- ria. Anteriormente, apenas alterações muito gra- ves da pressão arterial eram identificadas em crianças ou adolescentes, e as causas secun- dárias, principalmente renais, eram as mais pre- valentes. Entretanto, verificou-se que alterações discretas da pressão arterial podiam ser obser- vadas nessa faixa etária e eram bastante co- muns, particularmente em adolescentes e sem nenhuma causa secundária identificada. Assim, a medida da pressão arterial deve ser realizada anualmente em todas as crianças acima de 3 anos e a obtenção dessa medida deve obede- cer a normas metodológicas cuidadosas, porém simples (30). A pressão arterial na infância e na adoles- cência deve ser interpretada de acordo com as curvas de distribuição da pressão arterial tanto sistólica como diastólica, por sexo e faixa etá- ria, observando-se os valores correspondentes aos diversos percentis(30). Nos Estados Unidos, o documento do “Task Force on Blood Pressure Control in Children” reúne dados de mais de 70 mil crianças e ado- lescentes. Em sua última versão, em 1987, (31), atualizada em 1996(32), os valores de pressão arterial estão demonstrados em tabelas por sexo e por faixa etária; a partir de 1996, levou-se tam- bém em consideração o percentil de altura da criança ou do adolescente. Assim, quanto mai- or a altura, maior o valor de pressão arterial es- perado para a mesma idade e sexo (Tabs. 2 e 3)(31, 32). Segundo esses documentos e outros auto- res(30-32), considera-se presença de hipertensão arterial quando os percentis de pressão arterial sistólica e/ou de pressão arterial diastólica fo- rem maiores ou iguais ao percentil 95 para a idade e o sexo, em pelo menos três ocasiões. A pressão arterial será considerada normal quan- do os percentis de pressão arterial sistólica e de pressão arterial diastólica forem menores que o percentil 90. Quando a pressão arterial sistóli- ca e/ou a pressão arterial diastólica situarem- se entre os percentis 90 e 95, o jovem terá sua pressão arterial considerada como normal alta. Por esse critério, cerca de 5% da população jo- vem apresenta hipertensão arterial e apenas 1% seria portador de formas mais graves. No en- tanto, quanto maior o número de medidas reali- zadas, maior a chance de se obter uma média pressórica mais baixa, o que pode reduzir es- sas taxas de prevalência apontadas para essa faixa etária. Já em adultos jovens (18 a 30 anos), o estudo CARDIA demonstrou taxas de preva- lência diferentes, de acordo com a região dos Estados Unidos, que variaram de 9% a 25% (30). No Brasil, as primeiras curvas de distribui- ção da pressão arterial por sexo e faixa etária foram determinadas em população da cidade do Rio de Janeiro, com idade entre 6 e 15 anos (Tab. 2)(33-35). O Estudo do Rio de Janeiro é uma linha de pesquisa sobre pressão arterial e ou- tros fatores de risco cardiovascular que vem sendo desenvolvida pelo Setor de Hipertensão Arterial da Disciplina/Serviço de Cardiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro des- de 1983. Esse estudo examinou mais de 7 mil escolares para a determinação das curvas de normalidade da pressão arterial. A partir daí, di- versos estudos foram realizados com esses jo- vens ao longo dos últimos 14 anos, procurando avaliar a presença de causas secundárias de hipertensão arterial, determinar o comprometi- mento precoce dos diferentes órgãos-alvo, ob- servar o comportamento da pressão arterial e Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 15 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial e modificar os fatores de risco o mais precoce- mente possível. De forma geral, as medidas pre- conizadas para essa faixa etária concentram- se na adoção de hábito alimentar saudável que previna excesso de calorias, sal, gordura satu- rada e colesterol, na atividade física regular e na abstenção do fumo(30). Na atualidade, é con- senso que essas medidas só têm chance de sucesso se implementadas em conjunto com a família, a escola e a comunidade dos indivídu- os, num esforço conjunto de toda a sociedade e seu governo, adequando-se, naturalmente, às diversidades de cada população. AGREGAÇÃO DE FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR Dados do Estudo de Framingham demons- tram claramente que os indivíduos com hiper- tensão arterial têm maior risco para desenvol- ver doença arterial coronariana quando compa- rados com aqueles com pressão arterial normal, tanto para o sexo masculino como para o femi- nino(1). Além disso, esse estudo demonstrou, também, em um seguimento prospectivo longi- tudinal de 36 anos, tendência clara de associa- ção da hipertensão arterial com outros fatores de risco para doença coronariana, como a disli- pidemia, o diabete, a obesidade e o tabagismo. E, mais ainda, demonstrou que a associação desses fatores de risco com a hipertensão arte- rial representa mais que uma simples soma de riscos para a doença arterial coronariana. Para o mesmo aumento da pressão arterial, a adição progressiva de fatores de risco como dislipide- mia, diabete, tabagismo e hipertrofia ventricular esquerda, nessa ordem, determina um risco crescente de morbidade e de mortalidade car- diovascular, de duas até sete vezes, para am- bos os sexos. Além dos fatores de risco, também é muito importante a avaliação de lesão em órgãos-alvo como coração, cérebro, vasos e rins. Para o co- ração, por exemplo, o Estudo de Framingham demonstrou, claramente, que a presença de hi- pertrofia ventricular esquerda no paciente hiper- tenso determina risco de morbidade e mortali- dade cardiovasculares maior quando compara- do com o hipertenso sem hipertrofia cardíaca. O efeito do aumento da pressão arterial so- bre os rins também ganhou relevância nos últi- mos anos face ao aumento significativo da ex- pectativa de vida, expondo os idosos a maior risco de desenvolver insuficiência renal. Vários estudos demonstraram que pacientes com hi- pertensão arterial associada com diabete meli- to têm maior probabilidade de desenvolver in- suficiência renal que os normotensos. Ainda mais, o controle rigoroso da pressão arterial, mantendo as cifras tensionais abaixo de 120/80 mmHg, melhora sensivelmente o prognóstico cardiovascular e renal desses indivíduos. As alterações hemodinâmicas da hiperten- são arterial têm seu início nas modificações fun- cionais e estruturais nos vasos de pequeno, médio e grosso calibre(9). Mecanismos fisiopa- tológicos complexos e ainda não totalmente es- clarecidos levam ao desequilíbrio entre meca- nismos vasodilatadores e vasoconstritores. O predomínio dos mecanismos constritores, me- diados por diversas substâncias vasoativas, es- timula a hipertrofia e a hiperplasia da muscula- tura lisa, o aumento da matriz extracelular com conseqüente redução da complacência vascu- lar e o aumento final da resistência vascular e elevação da pressão arterial(45). Aqui, mais uma vez, a associação de fatores de risco como dis- lipidemia, diabete, obesidade e fumo juntam-se para a formação da placa aterosclerótica, propi- ciando o surgimento de desfechos cardiovascu- lares de grande impacto epidemiológico. CONSIDERAÇÕES FINAIS Do ponto de vista teórico, o abaixamento da pressão arterial seria um fator modificador do mau prognóstico dos pacientes hipertensos. De fato, estudos com pacientes bem controlados, realizado em populações específicas e avalia- dos por um tempo determinado, demonstraram que os resultados foram bons e se traduziram em redução da morbidade e da mortalidade. No entanto, o problema de massa está longe de ser resolvido, mesmo em países desenvolvidos, pelas dificuldades encontradas na detecção, no acompanhamento e na aderência ao tratamen- to. Programa difícil de ser executado com su- cesso mesmo nos países desenvolvidos, quase impossível nos países em desenvolvimento, en- tre os quais estamos incluídos, e impraticável em países de economia em transição. Além disso, nessa avaliação não estão in- cluídos os adultos jovens, as crianças e os ado- lescentes, com pressão arterial entre 130 mmHg e 139 mmHg para pressão sistólica e entre 85 mmHg e 89 mmHg para a diastólica, considera- dos normal alto, e que freqüentemente estão associados a outros fatores de risco para doen- ça cardiovascular. Vale salientar que essas po- pulações não preenchem critérios de entrada 16 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial nos ensaios clínicos e não são alvo, usualmen- te, de cuidados preventivos ou de tratamento medicamentoso. Conseqüentemente, não está estabelecido se ações de saúde direcionadas para esses grupos poderiam ou não modificar as taxas de morbidade e de mortalidade cardio- vascular tão elevadas nos dias de hoje. Não se discute mais que a hipertensão arte- rial em si, ou associada com outros fatores de risco cardiovascular, esteja relacionada direta- mente com a enorme e crescente morbidade e mortalidade cardiovascular dos últimos anos. A questão que se impõe é: o aumento da pressão arterial tem valor absoluto no determinismo des- se processo ou sua importância é relativa quan- do inserida no cenário que contemple outros fa- tores de risco, tais como a dislipidemia, o taba- gismo e outros? Algumas respostas a essa per- gunta foram relatadas pelo “Comparative Risk Assessment Collaborating Group to the World Health Report 2002”(46). Movendo o ponto de corte da pressão arterial sistólica para 115 mmHg, portanto abaixo da pressão sistólica de 120 mmHg considerada hoje como ótima, foram observados 7,1 milhões de mortes/ano, atribuí- das a esse nível de pressão arterial, distribuí- das de forma semelhante pelas regiões desen- volvidas (como, por exemplo, Estados Unidos e Europa Ocidental), em desenvolvimento com baixa mortalidade (como, por exemplo, China) e em desenvolvimento com alta mortalidade (como, por exemplo, Índia). Ao mesmo tempo, esse nível de pressão foi responsabilizado por 62% de todos os acidentes vasculares cerebrais e por 49% de todos os casos de doença isquê- mica do coração, e sua contribuição para esses eventos foi semelhante à do tabagismo, porém foi 50% maior quando comparado com os ní- veis de colesterol superiores a 200 mg/dl. A maior parte da população envolvida tinha idade entre 30 e 69 anos de idade. A principal mensagem desse estudo foi que a pressão arterial sistólica abaixo de 120 mmHg relacionou-se a uma proporção de eventos car- diovasculares maior que a hipertensão arterial usualmente definida. Esse fato reflete a relação contínua de risco entre pressão arterial e even- tos cardiovasculares, além da constatação de que grande parte da população se situa nessa faixa de pressão arterial. Deve ser ressaltado, também, que a distribuição foi igual por todas as regiões estudadas, não importando o nível socioeconômico, o que aumenta sobremodo o impacto do problema. Esses dados nos remetem à necessidade cada vez maior de políticas de saúde de início precoce, contínuas, voltadas para a promoção de saúde e para a prevenção primária, específi- cas para as doenças cardiovasculares. A dis- cussão que vem crescendo é se devemos con- siderar o uso de medicamentos para esses ní- veis de pressão, particularmente quando hou- ver associação com outros fatores de risco e história familiar para doenças cardiovasculares. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 17 BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial EPIDEMIOLOGY OF HYPERTENSION AY RTON PIRES BRANDÃO, ANDRÉA ARAÚJO BRANDÃO, MARIA ELIANE CAMPOS MAGALHÃES, ROBERTO POZZAN Hypertension is one of the most prevalent diseases in several countries. The VI Joint National Com- mittee on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure has pointed out that one of the biggest challenges of the millennium is to change this reality. It’s assumed that at least 50 million North Americans are hypertensive. Brazilian studies have shown a prevalence from 12% to 35% among different regions. Hypertensive individuals also frequently aggregate several risk factors and are in great risk to develop cardiovascular disease. The association of hypertension and cardiovascular dise- ase is strong, continuous, and also seems to be present even when blood pressure levels are conside- red normal. Accumulating evidence is beginning to suggest that cardiovascular benefit is achieved with blood pressure lower than regular levels. Considering that normal blood pressure levels are arbitrary, arterial blood pressure levels should necessarily be brought into this context and individualized in order to allow the evaluation of the real dimension of the problem. Clinical and epidemiological studies have demonstrated that blood pressure levels below normal (lower than 120/80 mmHg) even among children and young adults can be associated to cardiovascular events especially in presence of cardiovascular risk factors. On the other hand, the lower the blood pressure cut-off point, the bigger is the expression of the problem on the population. Healthcare politics based on early detection of these individuals should be emphasized until clinical trials be carried out in order to evaluate their real impact on the cardiovascular morbidity and mortality. Key words: hypertension, epidemiology, risk factors. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:7-19) RSCESP (72594)-1289 REFERÊNCIAS 1. Kannel WB. Epidemiologic contributions to preventive cardiology and challenges for the twenty-first century. In: Wong ND, Black HR, Gardin JM, eds. Preventive Cardiology. New York: McGraw-Hill; 2000. p 3-20. 2. WHO Expert Committee. Hypertension Con- trol: report of a WHO expert committee. Ge- neva: World Health Organization; 1996. 83p. 3. The Joint National Committee on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pres- sure. The Sixth Report of the Joint National Committee on Detection, Evaluation and Tre- atment of High Blood Pressure (JNC VI). Arch Intern Med 1997;157:2413-45. 4. The WHO MONICA Project. Risk factors. Int J Epidemiol 1989;18:S46-S55. 5. [AHA] American Stroke Association and Ame- rican Heart Association. 2002. Heart and Stroke statistical update. 6. Kaplan NM. Hypertension in the population at large. In: Kaplan NM, ed. Clinical Hyperten- sion. 7 ed. Baltimore: Williams & Wilkins;1998. p. 1-17. 7. Kurtz TW, AL-Bander HA, Morris RC Jr. “Salt sensitive” essential hypertension in men: is the sodium ion alone important? N Engl J Med 1987;317:1043-8. 8. Davidson MD, Traum CI, Stone EJ, Wong, ND. Children and adolescents. In: Wong ND, Bla- ck HR, Gardin JM, eds. Preventive Cardiolo- gy. New York: McGraw-Hill;2000. p.423-44. 9. Kaplan NM. Primary hypertension: pathoge- nesis. In: Kaplan NM, ed. Clinical Hyperten- sion. 7 ed. Baltimore: Williams & Wilkins;1998. p.41-99. 10. Benetos A, Safar M, Smulyan H, Richard JL, Ducimetièr. Pulse pressure. A predictor of long-term cardiovascular mortality in a Fren- ch male population. Hypertension 1997;30: 1410-5. 20 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 INTRODUÇÃO A perfusão tecidual adequada é garantida pela manutenção da força motriz da circulação, a pressão sanguínea, em níveis adequados e razoavelmente constantes, esteja o indivíduo em repouso ou desenvolvendo diferentes atividades. Modificações importantes de fluxo ocorrem em diferentes quadros comportamentais assumidos FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO: O QUE AVANÇAMOS? MARIA CLÁUDIA IRIGOYEN, SILVIA LACCHINI, KÁTIA DE ANGELIS , LISETE COMPAGNO MICHELINI Laboratório de Hipertensão Experimental — Unidade de Hipertensão — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Laboratório de Cardiovascular — UNIPESQ — Universidade de Santo Amaro Departamento de Fisiologia — Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo Departamento de Fisiologia e Biofísica — Instituto de Ciências Biomédicas — USP Endereço para correspondência: Laboratório de Hipertensão Experimental/Unidade de Hipertensão — InCor/HC-FMUSP — Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-001 — São Paulo — SP A hipertensão arterial é uma doença poligênica, que resulta de anormalidades dos mecanismos de controle da pressão arterial. Grande número de substâncias biologicamente ativas pode interagir com diferentes sistemas fisiológicos de maneira complexa e com redundância para garantir a homeostasia cardiovascular. Nesta revisão é descrito o papel do sistema nervoso simpático na gênese e na manu- tenção da hipertensão e o papel dos pressorreceptores e quimiorreceptores arteriais e os receptores cardiopulmonares no controle da pressão arterial pela modulação da atividade simpática. Influências hormonais, como o sistema renina-angiotensina, e outros peptídeos vasoativos, como as cininas e a vasopressina, são também considerados. Além disso, destacam-se influência de substâncias vasodi- latadoras e vasoconstritoras derivadas do endotélio e a disfunção endotelial na hipertensão, bem como as modificações associadas a outros fatores, como o conteúdo de sal na dieta, a obesidade e a inatividade física. Finalmente, com o advento das técnicas de biologia molecular e as abordagens da genética molecular, discute-se a possibilidade de se estabelecer estratégias para estudar e identificar os determinantes genéticos da hipertensão essencial. Além disso, comenta-se a abertura de novas oportunidades no estudo da fisiologia em que um novo campo, a genômica fisiológica, pode ser aplica- do no entendimento da genética da hipertensão e das doenças cardiovasculares. Palavras-chave: hipertensão, fisiopatologia, reflexos cardiovasculares, peptídeos vasoativos, genô- mica fisiológica. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:20-45) RSCESP (72594)-1290 pelo indivíduo nas 24 horas; essas modificações, no entanto, não causam grandes alterações dos níveis pressóricos, pela interação de complexos mecanismos que mantêm a pressão dentro de uma faixa relativamente estreita de variação. A pressão, definida como força/unidade de área, é uma entidade física. A pressão arterial, portanto, depende de fatores físicos, como vo- lume sanguíneo e capacitância da circulação, Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 21 IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? sendo resultante da combinação instantânea entre o volume minuto cardíaco (ou débito car- díaco = freqüência cardíaca vs. volume sistóli- co), a resistência periférica e a capacitância ve- nosa, que condiciona a pré-carga e, portanto, o volume sistólico. Cada um desses determinan- tes primários da pressão arterial é, por sua vez, determinado por uma série de fatores (Fig. 1)(1, 2). A manutenção (componente tôni- co) bem como a variação momento a momento da pressão arterial (componente fásico) depen- dem de mecanismos complexos e redundantes que determinam ajustes apropriados da fre- qüência e da contratilidade cardíacas, do esta- do contrátil dos vasos de resistência e de capa- citância e da distribuição de fluido dentro e fora dos vasos. Na hipertensão estabelecida, existem alte- rações em praticamente todos esses controla- DC = débito cardíaco; SNS = sistema nervoso simpático; SRA = sistema renina-angiotensina; FC = freqüência cardíaca. Figura 1. Determinantes primários de pressão arterial, débito cardíaco e resistência periférica, e a complexa série de fatores que interagem na sua determinação. Anormalidades em um ou vários des- ses fatores podem levar à hipertensão. (Modificado de Kaplan(2).) dores, sendo difícil estabelecer quais os que ti- veram papel preponderante no desencadeamen- to e mesmo na manutenção de valores eleva- dos de pressão arterial. Embora seja imprová- vel que todos esses fatores estejam alterados ao mesmo tempo num dado paciente, arranjos múltiplos podem ser encontrados, uma vez que o marcador hemodinâmico da hipertensão pri- mária é o aumento persistente da resistência vascular periférica, o qual pode ser determina- do por meio de diferentes associações desses fatores determinantes. Dessa forma, os meca- nismos que promovem desequilíbrio entre os fatores pressores e depressores e induzem al- teração do calibre das arteríolas merecem es- pecial atenção. Eles atuam basicamente na con- tração da musculatura que regula a luz do vaso ou na espessura da musculatura, ocupando mai- or ou menor parte do lúmen, ou em ambas(1, 3). 22 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? MECANISMOS NEUROGÊNICOS Aspectos funcionais no controle do tônus vascular — o sistema nervoso simpático A variação do tônus vascular depende de di- ferentes fatores funcionais. Dentre eles desta- ca-se a atividade simpática gerada centralmen- te e modulada por aferências de diferentes re- flexos e por substâncias vasopressoras ou va- sodepressoras circulantes ou produzidas pelas células da musculatura lisa ou endoteliais. Um considerável número de evidências dá suporte ao aumento da atividade simpática precocemen- te na hipertensão(4, 5). Sabe-se que pelo menos três maiores arcos reflexos estão envolvidos na modulação da atividade simpática, ligados aos barorreceptores arteriais (alta pressão), aos re- ceptores cardiopulmonares (baixa pressão) e aos quimiorreceptores arteriais. Pressorreceptores arteriais Os pressorreceptores arteriais são o mais im- portante mecanismo de controle reflexo da pres- são arterial, momento a momento. A deforma- ção da parede dos vasos induzida por aumen- tos da pressão arterial gera potenciais de ação que são conduzidos ao núcleo do trato solitário, no sistema nervoso central. A partir daí, são pro- duzidas respostas de aumento da atividade va- gal e queda da freqüência cardíaca bem como de redução da atividade simpática para o cora- ção e os vasos, contribuindo para a bradicardia, reduzindo a contratilidade cardíaca e a resistên- cia vascular periférica e aumentando a capaci- tância venosa. Na hipertensão sustentada, es- ses mecanorreceptores sofrem adaptação, des- locando sua faixa de funcionamento para um novo nível de pressão arterial, que normalmen- te é acompanhada de redução da sensibilidade dos pressorreceptores (6). Isso determina que, para uma igual variação da pressão arterial, os hipertensos tenham menor quantidade de infor- mações e, conseqüentemente, deficiência na regulação reflexa da pressão arterial. A menor sensibilidade dos barorreceptores é provavel- mente o maior determinante do aumento da va- riabilidade da pressão arterial(7, 8) em indivíduos hipertensos, e de forma indireta associada às conseqüentes lesões dos órgãos-alvo (8). A dis- função barorreflexa tem sido demonstrada em várias doenças cardiovasculares (9) e na hiper- tensão clínica e experimental(7, 10). Dados obti- dos em nosso laboratório demonstram que jo- vens normotensos, filhos de hipertensos, apre- sentam aumento da pressão arterial, dos níveis séricos de catecolaminas e redução da respos- ta barorreflexa da freqüência cardíaca, quando comparados a jovens filhos de normotensos (11). Esses dados apontam para o envolvimento pre- coce do sistema nervoso autônomo na gênese da hipertensão arterial bem como indicam que a predisposição genética para a hipertensão pode cursar com a redução da sensibilidade desse importante mecanismo de controle refle- xo momento a momento. O controle reflexo da circulação comandado pelos barorreceptores tem sido reconhecido tam- bém como um importante preditor de risco após evento cardiovascular. De fato, o estudo ATRA- MI (“Autonomic Tone and Reflexes After Myo- cardial Infarction”) forneceu evidências clínicas do valor prognóstico da sensibilidade do baror- reflexo e da variabilidade da freqüência cardía- ca na mortalidade cardíaca pós-infarto do mio- cárdio, independentemente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e de arritmias ventricu- lares (9). Dessa forma, intervenções no sentido de me- lhorar a sensibilidade do barorreflexo e/ou a participação do parassimpático cardíaco no con- trole da pressão arterial e da freqüência cardía- ca têm sido vistas como novas estratégias no manejo das doenças cardiovasculares (12). Receptores cardiopulmonares Três grupos de receptores são ativados por mudanças na pressão das câmaras cardía- cas(1, 13). O primeiro grupo, localizado nas junções veno-atriais, é ativado pelo enchimento e pela contração atriais. A distensão mecânica dessas regiões provoca aumento da freqüência cardía- ca, em decorrência da elevação da atividade sim- pática para o nodo sinoatrial, sem alterar a ativi- dade das fibras eferentes vagais para o cora- ção ou das fibras simpáticas para o miocárdio. O aumento da freqüência cardíaca ajuda a man- ter o volume cardíaco relativamente constante durante aumentos no retorno venoso. Além dis- so, a distensão mecânica do átrio causa vasodi- latação da vasculatura muscular esquelética e aumento do débito urinário de água pelo rim. A diurese é determinada por inibição da secreção do hormônio antidiurético pela neuro-hipófise e pela redução da atividade simpática renal. O segundo grupo de receptores cardiopul- monares, cujas aferências não-mielinizadas tra- fegam pelo vago, comporta-se, quando ativado, como os mecanorreceptores carotídeos e aórti- cos, reduzindo a atividade simpática e aumen- tando a atividade do vago para o coração. A modulação da atividade simpática comandada Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 25 horas da manhã. Além das rápidas respostas neurais, os dife- rentes receptores cardiovasculares modulam também a liberação de vários hormônios que participam da manutenção dos valores basais da pressão arterial. Durante quedas sustenta- das da pressão arterial, por exemplo, ocorre maior liberação de epinefrina e norepinefrina pela medula adrenal, maior liberação de vaso- pressina pela neuro-hipófise e aumento dos ní- veis plasmáticos de renina. Esses sistemas hor- monais prolongam por minutos ou até mesmo horas as respostas cardiovasculares comanda- das pelos diferentes receptores. Entre eles, um dos mais amplamente estudados é o sistema renina-angiotensina. MECANISMOS HORMONAIS Sistema renina-angiotensina O sistema renina-angiotensina é o maior re- gulador fisiológico de volume, balanço eletrolíti- co e pressão arterial. A importância do rim na hipertensão surgiu após os primeiros experimen- tos, realizados por Robert Tigerstedt e Peter Bergman, em 1898, demonstrando que o extra- to renal possuía uma substância, a renina, ca- paz de elevar a pressão arterial(34, 35). O papel do sistema renina-angiotensina na fisiopatologia da hipertensão foi estabelecido a partir dos experi- mentos clássicos de Goldblatt, demonstrando a importância da pressão de perfusão renal na determinação da secreção de renina(36). A defi- nição clássica do sistema renina-angiotensina o considera um sistema endócrino, com os com- ponentes da cascata enzimática produzidos em locais bem definidos e tendo como seu peptí- deo efetor a angiotensina II, que exerce suas ações em órgãos-alvo distantes do local de pro- dução(37). Componentes do sistema A rápida expansão das técnicas de biologia molecular permitiu que os componentes do sis- tema renina-angiotensina fossem clonados e seqüenciados (38), o que possibilitou a determi- nação da distribuição tecidual de seus compo- nentes. Por isso, diferentemente da visão en- dócrina clássica, hoje fala-se em sistemas renina-angiotensina teciduais, com funções parácrinas, autócrinas e epícrinas(39), tendo- se observado todos ou quase todos os seus componentes em tecidos como o coração(40), o tecido vascular(41, 42) e o rim(43). A renina é uma enzima proteolítica sintetiza- da como pré-pró-renina, que é clivada em pró- renina e, posteriormente, em renina ativa, a qual é armazenada e liberada imediatamente após estímulo. Quando é liberada na circulação, a renina cliva o angiotensinogênio, formando a angiotensina I. Esta, por sua vez, é clivada pela enzima de conversão da angiotensina I, locali- zada nas células endoteliais, produzindo a an- giotensina II, considerada o hormônio biologi- camente ativo (44, 45). Receptores Há décadas a angiotensina II é estudada, e acreditava-se que seu efeito fosse mediado por um único receptor; mas, no final dos anos 80, estudos com antagonistas específicos identifi- caram os subtipos AT1 e AT2 (46). Até o início da década de 90, as ações da angiotensina II eram atribuídas ao receptor AT1, sendo as funções do AT2 pouco conhecidas (47). Em 1992, porém, Sa- samura e colaboradores (48) clonaram e caracte- rizaram duas isoformas do AT1: AT1A e AT1B. Hoje sabe-se que existem vários tipos de receptor AT, envolvidos em ações específicas da angiotensi- na II ou das outras angiotensinas. Recentemen- te, foi demonstrado que os receptores AT1A têm papel essencial no desenvolvimento da hiper- tensão 2 rins 1 clipe de Goldblatt(49). Além disso, sabe-se hoje que as ações dos receptores AT2 funcionalmente se opõem às ações dos recep- tores AT1 (50), podendo a própria angiotensina II agir simultaneamente sobre ambos os recepto- res, de modo a permitir uma modulação de seus efeitos (51). Ação das angiotensinas Estudos recentes têm ampliado nosso co- nhecimento sobre eventos celulares mediados pela angiotensina II, sugerindo que seu papel biológico é tão amplo que vai do intracelular ao tecido ou ao sistema(52). Na Tabela 1 estão resu- midas as principais ações da angiotensina II. Apesar de a angiotensina II ser a substância ativa mais importante do sistema renina-angio- tensina, outras angiotensinas produzidas têm ações específicas; entre as mais bem caracteri- zadas até o momento, incluem-se as angioten- sinas III e IV e a angiotensina-(1-7)(58). Todas essas angiotensinas podem ser produzidas a partir do mesmo precursor, o angiotensinogê- nio, por ação da renina e outras reações enzi- máticas. Entre elas, a angiotensina-(1-7) tem sido a mais estudada, geralmente apresen- tando efeitos opostos aos da angiotensina II, levando à vasodilatação mediada por óxido nítrico(59, 60), potenciando o efeito hipotensor da bradicinina(61), facilitando o reflexo pressorrecep- tor(62) e participando do efeito antitrombótico de IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? 26 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 drogas como captopril e losartan(63). Propriedades inflamatórias da angiotensina II Além das funções já caracterizadas, a angi- otensina II vem sendo considerada uma citoci- na multifuncional com propriedades não-hemo- dinâmicas, entre as quais a de fator de cresci- mento, de citocina pró-fibrinogênica e pró-infla- matória(57), e de modulador da resposta imuno- lógica, como a quimiotaxia, a proliferação e a diferenciação de monócitos em macrófagos (56). A Figura 2 apresenta algumas das ações da an- giotensina II como citocina pró-inflamatória no vaso, microambiente normalmente afetado pelo sistema renina-angiotensina. É importante res- saltar que pacientes hipertensos apresentam au- mento de moléculas de adesão no soro e em células inflamatórias (56), fato que deve estar di- retamente associado às ações da própria angi- otensina II. As propriedades pró-inflamatórias da angio- tensina II vêm recebendo mais atenção nos últi- mos anos, e as vias envolvidas nesse processo estão sendo mapeadas. Recentemente deter- minou-se que a angiotensina II estimula a pro- dução de espécies ativas de oxigênio(64), que po- dem servir como sinal para a produção de fato- res como o NF-kB, largamente associado à in- flamação(65). Alguns estudos têm confirmado essa hipótese, em que a estimulação de recep- tores AT1 pela angiotensina II leva ao aumento de NF-kB(66) e de outros fatores pró-inflamatóri- os(67). Sabe-se, também, que a angiotensina II atua no processo de lesão vascular, aumentan- do a biossíntese de colesterol por macrófagos Tabela 1. Principais ações da angiotensina II, resumidas em efeitos hemodinâmicos e efeitos não- hemodinâmicos. Efeitos hemodinâmicos Efeitos não-hemodinâmicos 1. Estimula a reabsorção de sódio 1. Promove apoptose 2. Estimula a secreção de aldosterona 2. Aumenta a produção de radicais de oxigênio 3. Estimula a liberação de hormônio 3. Induz a produção de citocinas e antidiurético quimiocinas 4. Promove vasoconstrição 4. Promove proteinúria 5. Aumenta o tônus simpático 5. Tem efeitos metabólicos 6. Estimula a sede 6. Tem efeito pró-trombótico 7. Facilita a liberação de noradrenalina e 7. Estimula a síntese de colágeno e reduz reduz sua recaptação sua degradação 8. Potencia a liberação de catecolaminas 8. Promove proliferação e hipertrofia nos vasos pela adrenal e no coração 9. Reduz o ganho do reflexo pressorreceptor (38, 53-57) por meio da ativação de receptores AT1 (68). Além disso, a produção de angiotensina II encontra- se aumentada na placa de ateroma, na aorta aterosclerótica e na reestenose após angioplas- tia ou implante de stent, bem como o antagonis- mo dos receptores AT1 reduz a disfunção endo- telial e o espessamento da íntima em vasos ate- roscleróticos (69-71). HORMÔNIOS VASOATIVOS Sistema cinina-calicreína O papel fisiológico do sistema cinina-calicre- ína é mais relevante quando se analisam influ- ências hemodinâmicas a longo prazo, o que pode ser demonstrado em experimentos “in vivo”. O uso de modelos farmacológicos e genéticos permitiu elucidar muitas das interações hoje re- conhecidas entre o sistema cinina-calicreína, o sistema renina-angiotensina e a cascata de co- agulação, entre outros. Por exemplo, a enzima conversora da angiotensina I não só cliva a an- giotensina I, mas também outros peptídeos, como a bradicinina(72), e sua localização em vá- rios órgãos sugere sua participação não só na síntese local de angiotensina II como na inativa- ção de cininas, modificando a hemodinâmica local(73) (Fig. 2). A importância do sistema cinina-calicreína na hipertensão é evidenciada por alterações estru- turais e funcionais. As alterações estruturais vão desde hipertrofia cardíaca e dilatação das câ- maras cardíacas (74) a aumento da permeabilida- de vascular, aumentando a suscetibilidade a IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 27 ECA = enzima conversora da angiotensina I; AT1 e AT2 = receptores para as angiotensinas; NO = óxido nítrico; MCP-1 = proteína quimioatrativa de macrófagos; EAO = espécies ativas de oxigênio; B2 = receptor para bradicinina. Figura 2. Esquema representando a interação local que pode ser encontrada entre alguns dos meca- nismos de controle cardiovascular. A representação mostra parte de um corte transversal de vaso, em que, propositadamente, as camadas endotelial e muscular lisa foram afastadas (*), de modo a mostrar algumas interações que podem ocorrer nesse microambiente. angioedema(75), enquanto as alterações funcio- nais são relacionadas ao aumento da pressão diastólica final, à reação exacerbada à angio- tensina II(74), ao aumento da sensibilidade ao sal e ao aumento da pressão arterial basal(76). Os achados sobre a importância do sistema cinina-calicreína levaram à formulação da hipó- tese de que a redução da eficácia das cininas pode estar envolvida na patogênese da hiper- tensão primária e secundária. Embora os fato- res de risco para a hipertensão sejam herdados de forma poligênica, a atividade da cinina renal pode ter impacto significativo na regulação da pressão arterial e no balanço de água e sódio. A idéia de que o sistema cinina-calicreína tem papel importante na patologia da hipertensão é IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? 30 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 genéticos (camundongos “knockout”) evidenci- am a importância da produção de óxido nítrico para a manutenção da pressão arterial em ní- veis adequados, em que o bloqueio da enzima(93) ou da expressão gênica induz hipertensão(94) e a expressão aumentada gera hipotensão(95). Assim, tanto em humanos como em mode- los animais pode-se imaginar que nem sempre a produção reduzida de óxido nítrico é prepon- derante para o desenvolvimento ou a manuten- ção da hipertensão, mas a interação entre vári- os fatores irá alterar a biodisponibilidade de óxi- do nítrico, que, por sua vez, vai determinar a elevação da pressão arterial. Hoje, existem vá- rias evidências nesse sentido, entre as quais a de que a hipertensão sal-sensível no rato pro- vavelmente é determinada pela redução da dis- ponibilidade de óxido nítrico(96, 97). Por isso, hoje, estão sendo estudados os mecanismos que le- vam à alteração dessa biodisponibilidade de vasodilatadores. A modulação da função endotelial é uma opção terapêutica interessante, no momento em que minimiza algumas implicações importantes da hipertensão. Vários estudos demonstraram o desenvolvimento da disfunção endotelial como conseqüência da hipertensão, o que veio se contrapor à hipótese de que a disfunção seria causa desta. Contudo, estudos com normoten- sos filhos de hipertensos demonstraram haver disfunção endotelial prévia ao início da hiper- tensão(98). Além disso, a terapia anti-hipertensi- va clinicamente efetiva parece restaurar a pro- dução deficiente de óxido nítrico, mas não pa- rece restaurar a vasodilatação dependente do endotélio ou a resposta vascular a agonistas endoteliais. Tal fato indica que, em certas cir- cunstâncias, essa disfunção é primária e irre- versível, uma vez que o processo está estabe- lecido(39). Fatores vasoconstritores A endotelina é um potente vasoconstritor pro- duzido e isolado inicialmente no endotélio, mas sabe-se, hoje, que pode ser sintetizada em di- versos tecidos. Nos vasos, é sintetizada pelo endotélio e pelas células musculares lisas, quan- do estimuladas por hipoxia, baixo estresse de cisalhamento, trombina, angiotensina II, vaso- pressina, norepinefrina e bradicinina, entre ou- tros (99). Os níveis plasmáticos de endotelina são nor- mais na maioria dos pacientes hipertensos, ex- ceto naqueles com insuficiência renal e ateros- clerose. Contudo, esses valores plasmáticos não necessariamente refletem os níveis locais nos tecidos. Em modelos experimentais, a endoteli- na é capaz de produzir hipertensão sal-sensí- vel(88, 100), ativar o sistema renina-angiotensina(39) e induzir fibrose renal(101), além de aumentar a atividade de metaloproteinases e mediadores in- flamatórios (102). Estresse oxidativo O conceito de biodisponibilidade do óxido nítrico vem tomando a cada dia mais importân- cia. A diminuição do óxido nítrico avaliável é en- contrada em várias formas de lesão vascular e a redução do óxido nítrico “per se” ou de seu efeito vasodilatador são fatos comuns na disfun- ção endotelial decorrente de hipertensão(103), hi- percolesterolemia(104) e diabete(105). A vasodila- tação óxido nítrico-dependente ocorrerá em fun- ção da quantidade de óxido nítrico realmente disponível, e isso depende do aumento da pro- dução de óxido nítrico ou da redução de sua degradação. As espécies ativas de oxigênio, principalmen- te o ânion superóxido (O2 -), participam do pro- cesso de disfunção endotelial(106). O óxido nítri- co é retirado pela reação com o O2 -, produzindo a molécula peroxinitrito, altamente deletéria, que reduz os efeitos vasodilatador, antiproliferativo, antiinflamatório e antiaterogênico do óxido nítri- co(107). Essa idéia é reforçada quando se deter- mina uma superexpressão de superóxido dis- mutase “in vivo”, retirando o O2 - e revertendo a disfunção endotelial(108). O ânion superóxido parece estar relaciona- do à hipertensão sal-sensível, mais especifica- mente com a modulação de NaCl. Na hiperten- são sal-sensível, a sobrecarga de sal levaria ao aumento da produção de espécies ativas de oxigênio no vaso, fato que levaria à disfunção endotelial associada(109). Recentemente, de- monstrou-se que o O2 - endógeno pode funcio- nar como regulador fisiológico do transporte tu- bular de NaCl, no momento em que interfere com a função do óxido nítrico(110). Além disso, o óxido nítrico produzido na alça de Henle funciona como fator parácrino na mácula densa e inibe o “feed- back” tubuloglomerular(111), mas em contraparti- da o O2 - produzido localmente retira o óxido nítri- co, revertendo seu efeito(112). Além disso, o au- mento de O2 - na medula renal influi no controle a longo prazo do fluxo medular, e uma eventual disfunção no tamponamento do O2 - produzido na região pode levar à hipertensão crônica(113). Dessa forma, o ânion superóxido produzido en- dogenamente pode agir como fator importante IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 31 em condições patológicas associadas a aumento de estresse oxidativo e redução da função en- dotelial. FATORES AMBIENTAIS Ingesta de sódio Os primeiros comentários a respeito dos efei- tos do sal sobre a função circulatória foram en- contrados em antigos manuscritos chineses; nos países ocidentais, no entanto, as relações entre sal e pressão arterial somente foram reconheci- das a partir do século XX(114). Existem diversos autores apontando para o papel preponderante da ingesta de sal na determinação da elevação da pressão arterial(115), mas a comparação en- tre diferentes populações sob vários graus de ingesta de sódio na dieta torna-se um pouco confusa, em decorrência dos inúmeros fatores potencialmente relacionados aos níveis de pres- são arterial e ao sódio, como a própria hetero- geneidade populacional(116). Um recente estudo populacional realizado na Finlândia sugere que a ingesta de sal é um im- portante preditor de mortalidade e risco corona- riano, independentemente de outros fatores, in- cluindo a pressão arterial(117). Por outro lado, a associação entre aumentos da pressão arterial e o excesso de sódio na dieta podem ter interferên- cia relacionada à idade ou outros fatores(118, 119), o que é confirmado pelo estudo INTERSALT(120). Tais contradições justificam por que são encon- tradas pessoas hipertensas ou normotensas com índices altos ou baixos de sal na dieta. Sensibilidade ao sal Os indivíduos chamados de sal-sensíveis apresentam predisposição maior ao desenvol- vimento de hipertensão em decorrência de in- gesta salina, e cerca de 30% a 60% dos pacien- tes com hipertensão essencial são sal-sensí- veis(121). Contudo, ainda hoje há vários proble- mas e erros metodológicos para a avaliação da sensibilidade ao sal em humanos (100, 119, 122). Os modelos conduzidos em animais trazem informações bastante importantes sobre o pa- pel do sal na dieta, uma vez que permitem iso- lar diversas variáveis. Existem vários modelos genéticos (123, 124) ou experimentais(125, 126) de hi- pertensão em ratos que apresentam sensibili- dade aumentada ao sódio; porém, os estudos confrontam-se com a variabilidade entre si, es- pecialmente o tempo de sobrecarga ou deple- ção de sal, o modelo utilizado, a concentração de sal e a forma de administração. Grande par- te dos estudos com sobrecarga salina em ratos normotensos mostra que não ocorre alteração da pressão arterial, mas podem ocorrer outras alterações fisiológicas, tais como aumento da variabilidade da pressão arterial(127), aumento da atividade da óxido nítrico sintase endotelial da aorta(128) e aumento do estresse oxidativo em microvasos (109). Muitos modelos experimentais de hipertensão demonstram grandes aumentos na pressão arterial em resposta a aumentos na in- gesta de sódio, e essa sensibilidade aumenta- da é também verificada em estados de excesso de mineralocorticóides, angiotensina II ou cate- colaminas (129). Modulação do sódio O grupo de Guyton, entre as décadas de 60 e 70, mostrou o papel renal na regulação da pressão arterial por longos períodos, descreven- do o conceito de natriurese pressórica, em que os rins aumentariam a excreção de sódio em resposta à elevação da pressão, e a incapaci- dade desse aumento levaria à hipertensão. O desenvolvimento da hipertensão determinado pelo sal deve-se, inicialmente, à retenção de sódio e ao conseqüente acúmulo de volume, elevando o débito cardíaco(130). Modelos usando infusão de angiotensina II em cães concomitan- temente à sobrecarga salina demonstram que a hipertensão se desenvolve primariamente por retenção de água(131), com conseqüente expan- são do volume sanguíneo, aumentando o débi- to cardíaco e, gradualmente, a resistência peri- férica(132). Além disso, tem-se relacionado a produção de óxido nítrico com variações da concentração corporal de sódio, sugerindo-se uma relação entre a atividade da óxido nítrico sintase e a capacidade renal de excretar excessos de NaCl(133), e essa produção não ocorre em ratos Dahl-sal sensíveis, dificultando a excreção de sódio(134). Por outro lado, outros estudos suge- rem um papel importante da endotelina no iní- cio da hipertensão sal-sensível(100). Climatério Os efeitos decorrentes do climatério na pres- são arterial são difíceis de serem avaliados, já que sofrem influências de diversos fatores, tais como envelhecimento, índice de massa corpó- rea, classe social e tabagismo(135). No entanto, estudos demonstraram que a pressão arterial é mais elevada em homens que em mulheres até a faixa etária de 60 anos (136, 137). Após essa fase, a pressão arterial (particularmente a sistólica) aumenta nas mulheres e a hipertensão torna- se mais prevalente(136) ou pelo menos igualmen- IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? 32 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 te prevalente em homens e mulheres, sugerin- do que os hormônios ovarianos podem ser res- ponsáveis pela pressão arterial mais baixa em mulheres pré-climatério e também pelo aumen- to da pressão arterial em mulheres menopau- sadas (138). Em face das evidências dos prejuízos decor- rentes da deficiência de hormônios sexuais, muito se tem estudado nesta última década a respeito dos benefícios da terapia de reposição hormonal em mulheres. Vários ensaios clínicos retrospectivos (139, 140) de coorte e prospectivos não-randomizados (141, 142) demonstraram que a terapêutica de reposição hormonal após a me- nopausa se associa à redução de eventos coro- narianos de 30% a 50%. No entanto, um estudo recente randomizado e controlado do grupo “Women’s Health Initiative Investigators”, publi- cado no JAMA, revelou que os riscos do uso de estrogênio combinado a progesterona em mu- lheres saudáveis no climatério excedem os be- nefícios, sugerindo que tal intervenção não deve ser iniciada ou continuada para a prevenção pri- mária de doenças cardiovasculares (143). Os re- sultados obtidos até o presente momento são inconsistentes com relação aos efeitos da repo- sição hormonal na pressão arterial, havendo estudos que demonstraram aumento(144), manu- tenção(145, 146) ou redução da pressão arterial(147) após esse tratamento. Essas diferentes respos- tas dependem basicamente de três fatores: 1) o tipo de reposição estrogênica; 2) a dose de es- trogênios; e 3) como a pressão arterial é moni- torada. Nesse aspecto, preparações com estro- gênios contraceptivos (diferentes do estradiol natural) tendem a aumentar a pressão arterial, estrogênios eqüinos conjugados aparentemen- te têm pequeno efeito nos níveis pressóricos, e o estradiol tende a reduzir a pressão arterial. O efeito hipotensor do estradiol tem sido mais ob- servado quando se utiliza a monitorização am- bulatorial da pressão arterial por 24 horas (148). Quanto à dose, existem dados na literatura de- monstrando que baixas doses de estrogênio ad- ministradas agudamente a fêmeas ooforectomi- zadas têm efeitos benéficos sobre o tônus auto- nômico e os reflexos cardiovasculares (149). Em revisão recente, Dubey e colaborado- res(148) concluem que o estradiol tem ação: va- sodilatadora mediada pelo endotélio; antioxidan- te; redutora dos níveis de colesterol da lipopro- teína de baixa densidade (LDL-colesterol); car- dioprotetora (redução do remodelamento cardí- aco e da deposição de matrix extracelular, dimi- nuição da razão miócito cardíaco/fibroblasto cardíaco), o que pode atenuar os danos cardía- cos induzidos pela hipertensão; protetora no te- cido renal, por meio de múltiplos mecanismos que protegem os rins da injúria (redução do re- modelamento glomerular e das arteríolas renais e redução da glomerulose); no sistema nervoso simpático, reduzindo o tônus simpático basal e aumentando o ganho do barorreflexo, mecanis- mos que reforçam a ação anti-hipertensora do estradiol. Além disto, Proudler e colaborado- res(150) demonstraram que a reposição hormo- nal reduziu em 20% a atividade da enzima con- versora da angiotensina I após seis meses de tratamento. Pela alta complexidade do mecanismo de controle da pressão arterial, muitos estudos adi- cionais devem ser realizados para se obter me- lhor entendimento do papel dos hormônios se- xuais, particularmente das ações diretas e indi- retas dos estrogênios em diferentes etapas da regulação da pressão arterial, na hipertensão e em doenças cardiovasculares. Obesidade e resistência à insulina A resistência à insulina é o fator-chave na patogênese do diabete do tipo 2 e é um co-fator no desenvolvimento da hipertensão, da dislipi- demia e da aterosclerose. As causas da resis- tência à insulina incluem fatores como a obesi- dade, o sedentarismo e possivelmente fatores genéticos (151, 152). A associação entre obesidade e hipertensão é conhecida desde o início de 1900, porém até os dias de hoje os mecanis- mos exatos pelos quais a obesidade causa hi- pertensão não foram perfeitamente esclarecidos. Estudos transversais e prospectivos eviden- ciaram que a obesidade é associada a níveis pressóricos mais elevados e que o ganho de peso que acompanha o envelhecimento é um importante preditor para o desenvolvimento de hipertensão(153-155). De fato, trabalhos demons- tram que a redução de peso corporal está fre- qüentemente associada à redução dos níveis pressóricos (156, 157), confirmando a importância da obesidade na fisiopatologia da hipertensão. Além disso, a obesidade é a alteração fisiológica mais comum na síndrome metabólica (plurimetabóli- ca, de X, quarteto mórbido, etc.), que inclui tam- bém hipertensão arterial, dislipidemia, e altera- ções no metabolismo da glicose, sendo a hipe- rinsulinemia secundária à resistência à insulina um possível mecanismo fisiopatológico para explicar a presença de hipertensão nessa situ- ação(158). Em uma revisão recente, por meio da análi- IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 35 dual da pressão arterial é, pelo menos em par- te, determinada geneticamente. Genômica e genômica fisiológica A biologia e a medicina estão passando por uma revolução baseada na determinação de se- qüências de DNA, em grande parte fornecidas pelos projetos Genoma de vários organismos. O seqüenciamento do genoma humano provê meios que permitem o entendimento dos pa- drões de herança, a determinação de doenças e suas predisposições (197). A genômica refere- se à análise desses genomas, enquanto a ge- nômica funcional refere-se ao componente des- se campo que procura compreender a função de genes e proteínas (198). Os organismos são complexos e seus genomas podem ser imen- sos, e assim novas e potentes técnicas estão sendo desenvolvidas para analisar grandes nú- meros de genes e proteínas. O desenvolvimento dessas ferramentas e os resultados alcançados até o momento geraram novas perguntas, entre as quais: o que fazer com todas essas informações? O que determinado gene faz? A possível proteína formada é funcio- nal? Qual seu papel? Essas questões alavan- caram o desenvolvimento de uma nova meto- dologia, o transcriptoma, que estuda os trans- Figura 3. Representação dos métodos de análise da fisiologia e da genômica fisiológica. (Modificado de Glueck e Dzau(199).) critos que podem resultar de produtos gênicos processados (“splicing”) ou não(197), e deram novas perspectivas para o desenvolvimento do proteoma, que procura identificar quais tipos de proteínas são produzidos, bem como sua estru- tura e função. Genômica fisiológica A biologia molecular moderna e a genômica têm transformado a fisiologia dos estudos de pro- cessos homeostáticos locais e sistêmicos no estudo de interações gênicas, que produzem eventos celulares ou teciduais responsáveis pelos processos fisiológicos (199). A genômica fisiológica ou genômica funcio- nal representa uma nova direção na pesquisa em fisiologia. A estratégia de estudo da genô- mica fisiológica é a avaliação multidisciplinar das vias genéticas e interações protéicas que medi- am as respostas fisiológicas (199), como apresen- tado na Figura 3. A genômica fisiológica aplica ferramentas da fisiologia clássica, bem como as da genética molecular atual, tornando possível a ligação entre genes e doenças de maneira mais ampla. Tais ferramentas incluem a quantificação da ex- pressão gênica, a mutagênese, a correlação entre genótipo e fenótipo, o estudo das intera- IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? 36 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 ções moleculares e a manipulação genética (como os modelos “knockout”). Dessa forma, pode-se selecionar genes candidatos e estudar especificamente esses genes em modelos ani- mais. A seleção desses genes candidatos pode ser feita a partir das chamadas QTL (“quantitati- ve trait loci” — locos controladores de caracte- rísticas quantitativas), que consistem na estima- ção da posição e dos efeitos desses genes con- troladores, utilizando-se cruzamentos principal- mente de ratos e camundongos (200). Essa ferra- menta permitiu a descoberta não só de genes conhecidos como a de genes não conhecidos, ligados a doenças específicas, como hiperten- são e síndromes metabólicas (200-202). Outra ma- neira de selecionar potenciais candidatos é o uso de chips de DNA (chamados de “microar- rays”), que permitem traçar o perfil de expres- são gênica de um grande contingente de genes ao mesmo tempo. Isso permite selecionar os genes com expressão diferencial entre o estado fisiológico normal e o patológico(198, 199), como, por exemplo, os genes envolvidos na resposta à angiotensina durante a lesão vascular(203). Outra ferramenta de estudo na hipertensão é o uso de marcadores chamados SNP (“single nucleotide polymorphism” — polimorfismo de um único nucleotídeo). Essa ferramenta também vem sendo explorada para identificar regiões cromossômicas em desequilíbrio de ligação com variantes funcionais. Assim, pode-se determinar construir um mapa denso de polimorfismos ao longo de todo o genoma, permitindo uma co- bertura ampla de todo o material genético, e a determinação de alelos associados à suscetibi- lidade à hipertensão(204). A expressão de genes envolvidos nas do- enças cardiovasculares é influenciada pela he- modinâmica, por fatores humorais e por fatores ambientais, como dieta, estresse e exercício. A genômica fisiológica tem o potencial para elu- cidar as vias genéticas da hipertensão e aces- sar o perfil de expressão gênica em órgãos- alvo(199). PATHOGENESIS OF HYPERTENSION: WHAT IS NEW? MARIA CLÁUDIA IRIGOYEN, SILVIA LACCHINI, KÁTIA DE ANGELIS , LISETE COMPAGNO MICHELINI Essential hypertension is a polygenic disease that results from abnormalities of the control systems that regulate blood pressure. A number of endogenous biologically active substances may interact with different physiological systems in a complex but integrated manner to maintain cardiovascular homeos- tasis. In this review we describe the participation of sympathetic nervous system in the pathogenesis and maintenance of hypertension and the role of baro and chemoreceptors as well as the role of cardiopulmonar receptors in the blood pressure control by modulating sympathetic activity. Hormonal influences as rennin-angiotensin, vasopressin and kinin-kallikrein systems are considered. Endothe- lium derived relaxing and contractile factors as well as endothelial dysfunction associated with salt intake, obesity and/or physical inactivity are discussed as causal influences in the hypertensive pro- cess. Finally, with the advent of the techniques of molecular biology and molecular genetics approa- ches it became possible to design strategies to study and to identify the genetic determinants respon- sible for essential hypertension. In addition, it raises new directions in the field of physiology in which physiological genomics may be applied to understanding the complex genetics of hypertension and cardiovascular disease. Key words: hypertension, pathogenesis, cardiovascular reflexes, vasopeptides, physiological geno- mics. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:20-45) RSCESP (72594)-1290 IRIGOYEN MC e cols. Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 37 REFERÊNCIAS 1. Michelini L. Regulação neuro-humoral da pres- são arterial. In: Ayres MM. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. p. 473- 88. 2. Kaplan NM. Primary hypertension: pathoge- nesis. In: Kaplan NM. Clinical Hypertension. Baltimore: Williams & Wilkins; 1998. p. 41-99. 3. Krieger EM, Irigoyen MC, Krieger JE. Fisiopa- tologia da hipertensão. Rev Soc Cardiol Es- tado de São Paulo 1999;9:1-7. 4. DeQuattro V, Feng M. 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Fisiopatologia da hipertensão: o que avançamos? 46 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 INTRODUÇÃO A hipertensão arterial continua sendo um dos mais importantes fatores de risco para doença cardiovascular e pode ser entendida como uma síndrome multifatorial, de patogênese pouco elu- cidada, na qual interações complexas entre fa- tores genéticos e ambientais causam elevação sustentada da pressão arterial. Em aproxima- damente 90% a 95% dos casos não existe etio- logia conhecida ou cura, sendo o controle da pressão arterial obtido por meio de mudanças do estilo de vida e tratamento farmacológico. (1-3) Do ponto de vista fisiopatológico, hiperten- são arterial primária é um fenótipo final extre- mamente complexo, influenciado pelo meio am- biente e por múltiplos sistemas regulatórios re- dundantes (fenótipos intermediários), que parti- cipam do controle do débito cardíaco e da resis- tência vascular periférica. Esse fato sugere ha- GENÉTICA E HIPERTENSÃO ARTERIAL: CONHECIMENTO APLICADO À PRÁTICA CLÍNICA? JOSÉ AUGUSTO SOARES BARRETO-FILHO, JOSÉ EDUARDO KRIEGER Serviço de Genética e Cardiologia Molecular — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-000 — São Paulo — SP A hipertensão é um dos fatores de risco cardiovascular mais importantes. Sua patogênese não está completamente elucidada, mas é sabido que depende da interação complexa entre fatores gené- ticos e ambientais. Com o desenvolvimento avassalador das técnicas de biologia molecular, a medici- na molecular é agora uma realidade. Tal abordagem para as doenças complexas tem nos permitido melhor conhecimento do papel da variabilidade genética no processo patológico da hipertensão. Nesta revisão foram apresentadas evidências para o papel potencial de marcadores genéticos na prática clínica. Nesse contexto, salientamos: melhor conhecimento da fisiopatologia, suscetibilidade para desenvolvimento de lesões em órgãos-alvo, e variabilidade da resposta à droga. A expectativa é de que, no futuro próximo, seremos capazes de predizer o risco individual de maneira objetiva e de identificar pacientes hipertensos com risco de desenvolver lesão de órgão-alvo específica, e, com isso, desenvolver novas estratégias terapêuticas. Palavras-chave: hipertensão, genética, polimorfismo, farmacogenética. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:46-55) RSCESP (72594)-1291 ver diferentes mecanismos fisiopatológicos res- ponsáveis pelo seu espectro sindrômico. Portan- to, potencialmente, múltiplos genes devem in- fluenciar a equação DC vs. RVS e o equilíbrio entre os fatores vasodilatadores e vasoconstri- tores.(1-3) Sendo assim, indivíduos com o mes- mo nível de hipertensão não necessariamente apresentam as mesmas alterações genéticas.(4) Dos fatores envolvidos na fisiopatogênese da hipertensão arterial, um terço deles pode ser atribuído a fatores genéticos.(1) Pela ausência de metodologia de investigação genética individu- alizada de fácil aplicação na investigação clíni- ca, o conhecimento da fisiopatologia da hiper- tensão arterial foi sendo sedimentado principal- mente por meio do estudo exaustivo da contri- buição ambiental na ativação dos fenótipos in- termediários (por exemplo, sistema regulador de pressão arterial vs. sensibilidade ao sal), per- manecendo os fatores genéticos individuais ava- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 47 liados de forma bastante indireta (por exemplo, história familiar positiva para hipertensão arteri- al sistêmica ou fator racial). (3) Com a perspectiva da medicina molecular, cujo marco histórico pode ser representado pela publicação do Genoma Humano, em fevereiro de 2001, gradativamente desenvolve-se uma compreensão mais aprofundada do paciente hi- pertenso sob a ótica da complexa relação gene/ meio ambiente e os diversos mecanismos fisio- patológicos atuantes.(5) O importante conhecimento na fisiologia e na fisiopatologia desse processo acumulado du- rante décadas vem permitindo a identificação e a caracterização de diversos fenótipos interme- diários envolvidos na fisiopatogênese da hiper- tensão arterial e de suas complicações, e com- põe a base para os estudos genéticos direcio- nados aos denominados genes candidatos. As- sim, acredita-se que a identificação de marca- dores moleculares (polimorfismos funcionais) em genes que sinalizam para uma maior ou menor atividade de um determinado sistema regulató- rio poderia estar associada ao maior risco do desenvolvimento de hipertensão arterial, ao desenvolvimento de diferentes lesões de órgãos- alvo e, também, à predição da resposta a um determinado anti-hipertensivo. (4) A esperança é que, em futuro próximo, esse novo conhecimento possa auxiliar sobremanei- ra a prática clínica. Nesta revisão será abordado o potencial de aplicação do conhecimento da herança genéti- ca na prática clínica, ou seja, como a identifica- ção de marcadores moleculares (variantes ge- néticas) pode auxiliar a prática clínica. POTENCIAL DE APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO DA HERANÇA GENÉTICA NA PRÁTICA CLÍNICA Fisiopatologia da hipertensão arterial (aspectos genéticos na gênese da hipertensão arterial) O envolvimento do sistema renina-angioten- sina-aldosterona na fisiopatogênese da hiper- tensão arterial e das lesões de órgão-alvo as- sociadas à hipertensão arterial é fato estabele- cido. (6) Portanto, tão logo as ferramentas de aná- lise mais detalhada do genótipo humano torna- ram-se disponíveis, foram iniciados estudos ten- tando associar polimorfismos em genes que codificam peptídeos participantes desse siste- ma regulador (gene da enzima conversora da angiotensina, do angiotensinogênio e do recep- tor da angiotensina-II tipo 1) com sua atividade, com o nível da pressão arterial, com a probabi- lidade de desenvolvimento de lesões de órgão- alvo e com a resposta da pressão arterial às drogas específicas que inibem o sistema em questão. (4, 6) Nesse contexto, são ilustrativos os vários es- tudos que procuraram associar variantes funci- onais do sistema renina-angiotensina-aldoste- rona com a gênese da hipertensão arterial e com o risco cardiovascular(6-9) Rigat e colaboradores (10) foram os primeiros a demonstrar que o polimorfismo no gene da enzima conversora da angiotensina tipo inser- ção/deleção era responsável por metada da va- riabilidade dos níveis séricos e teciduais da en- zima conversora da angiotensina(10). Entretanto, Agerholm-Larsen e colaboradores (8) não encon- traram associação entre o polimorfismo no gene da enzima conversora da angiotensina tipo in- serção/deleção com fenótipos relacionados a risco cardiovascular, dentre eles hipertensão arterial.(8) Em 1992, Jeunemaitre e colaboradores (11) demonstraram, pela primeira vez, a associação de uma variante genética funcional e a hiper- tensão primária. Nesse estudo, foi demonstrado que uma variante específica no gene do angio- tensinogênio (substituição de metionina por treo- nina no códon 235) era associada a hiperten- são arterial e a níveis mais elevados de angio- tensinogênio. (11) Em nosso meio, Pereira e colaboradores (12) analisaram o papel das variantes funcionais da enzima conversora da angiotensina e do angio- tensinogênio em uma grande população (n = 1.421) urbana de Vitória, que apresentava di- versidade étnica, e observaram correlação line- ar entre o número de alelos AGT235T e o nível de pressão arterial. Nesse estudo também foi replicada a observação de que o alelo T, em sua forma homozigótica, confere risco aumentado de hipertensão arterial (Fig. 1). Ainda que os resultados desses estudos se- jam muitas vezes conflitantes em virtude do de- lineamento experimental e das variações gené- ticas e ambientais diversas em diferentes par- tes do mundo, os dados acumulados até o mo- mento sugerem que o polimorfismo AGT235T tem apresentado resultados mais consistentes que os do gene da enzima conversora da angi- otensina (deleção/inserção) no tocante à asso- ciação com hipertensão arterial.(9) Outro aspecto relacionado à fisiopatologia e de interesse prático é a observação de que em BARRETO-FILHO JAS e col. Genética e hipertensão arterial: conhecimento aplicado à prática clínica? 50 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 podem atuar na fisiopatogênese da hipertensão arterial e também no desenvolvimento da hiper- trofia ventricular esquerda por mecanismos in- dependentes da hipertensão arterial “per se”; e por meio de genes que participam da gênese da hipertrofia ventricular esquerda mas não in- fluenciam o controle da pressão arterial (Fig. 2). (4) Evidências experimentais dão suporte a esse conceito. Em ratos geneticamente hipertensos, a hereditariedade da massa ventricular esquer- da foi estimada em 76%. Estudos em ratos es- pontaneamente hipertensos, utilizando o méto- do de análise de ligação entre o fenótipo massa ventricular esquerda e diversos marcadores cro- mossômicos (genoma scan), foram encontrados dois loci mapeados no cromossoma 1 com tra- ços quantitativos influenciando massa cardíaca. Digno de nota é o fato de que um locus só influ- enciou a massa cardíaca, mas não a variabili- dade da pressão arterial, confirmando experi- mentalmente a hipótese de trabalho apresenta- da anteriormente. Outros investigadores também chegaram a conclusões semelhantes, porém identificaram diferentes loci. É plausível supor que, em diferentes cepas de animais ou em po- pulações diversas, mecanismos genéticos dis- tintos participem da expressão do fenótipo final PA = pressão arterial. Figura 2. Modelo teórico da participação genética na gênese da lesão de órgão-alvo à hipertensão arterial (hipertrofia ventricular esquerda). (Adaptado de Turner e Bo- erwinkle(4).) hipertrofia ventricular esquerda. (4) Nesse contexto, o sistema renina-angioten- sina-aldosterona, além de ser um importante sis- tema de regulação da pressão arterial, é tam- bém uma importante via de estimulação do cres- cimento celular e de fibrose, que caracteriza o processo patológico de hipertrofia cardíaca. Esse, portanto, é um sistema candidato para se buscar correlação de variantes funcionais ge- néticas com a expressão do fenótipo massa ven- tricular. (19) Schunkert e colaboradores (20) analisaram a presença de hipertrofia ventricular esquerda por meio do eletrocardiograma e demonstraram que o polimorfismo do gene da enzima conversora da angiotensina (haplótipo DD) correlacionava- se com critérios de SVE em homens e, sobretu- do, nos indivíduos com pressão arterial normal. Mais uma vez, a hipótese de que a carga gené- tica pode atuar por mecanismos independentes da carga hemodinâmica é sugerida. Resultados semelhantes foram obtidos por Jeng(21), estudan- do variantes funcionais do gene do angiotensi- nogênio (M235T). Pacientes com o genótipo TT apresentaram índice de massa ventricular mai- or que o grupo de pacientes com haplótipo MM e MT (129 g/m² + 34 g/m² vs. 112 g/m² + 38 g/m² BARRETO-FILHO JAS e col. Genética e hipertensão arterial: conhecimento aplicado à prática clínica? Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 51 e 107 g/m² + 30 g/m²; p = 0,002). Entretanto, Shlyakhto e colaboradores (22) ava- liaram a hipótese de associação entre variantes genéticas (polimorfismos funcionais) em genes do SRAA e massa ventricular esquerda (hiper- trofia ventricular esquerda) em hipertensos, por meio da ecocardiografia. Os indivíduos foram agrupados quanto ao polimorfismo do gene da enzima conversora da angiotensina (I/D), poli- morfismo do gene do receptor AT1 (A1166C) e polimorfismo do gene do angiotensinogênio (M235T e –6G/A). Diferentemente dos achados apresentados anteriormente, nessa população não foi encontrada correlação entre os marca- dores moleculares relacionados a variantes fun- cionais do SRAA e a massa ventricular esquer- da. Há de se considerar, em futuro próximo, que a identificação de novos marcadores molecula- res, a possibilidade de estudos de associação de marcadores em populações mais numerosas e a utilização de critérios mais rigorosos na se- leção da amostragem podem minorar as atuais discrepâncias. É também fundamental entender que, em populações distintas, o peso de deter- minado fator genético pode variar, bem como a resultante da complexa interação gene e meio ambiente. Aspectos genéticos que influenciam a resposta terapêutica (farmacogenética) Apesar da disponibilidade de numerosas classes de agentes anti-hipertensivos que atu- am em diferentes sistemas reguladores da pres- são arterial, menos de 40% dos pacientes hi- pertensos tratados têm a pressão arterial ade- quadamente controlada. Ao lado de fatores ge- rais (por exemplo, adesão, estágio da doença, interação medicamentosa, “status” nutricional, renal e hepático, presença de doenças, etc.), situam-se, com impacto não menos importante, os fatores genéticos moduladores da heteroge- neidade da resposta biológica aos anti-hiperten- sivos.(4, 23-25) Durante muito tempo, os clínicos têm base- ado a escolha da droga anti-hipertensiva em fa- tores como idade, sexo, raça e co-morbidades associadas, embora seja reconhecido que es- ses marcadores apresentam baixo índice de su- cesso em predizer a resposta ao fármaco esco- lhido. Mesmo em investigações controladas, nas quais existe a certeza quanto à observação das orientações terapêuticas, existe uma grande variabilidade na reposta individual e no apareci- mento de efeitos colaterais a um determinado fármaco. Na prática médica, portanto, há ampla necessidade de novos marcadores que permi- tam a melhor estratificação da droga a ser utili- zada. (4, 23-27) Nesse cenário, a correlação de marcadores genéticos obtidos pela análise de polimorfismos pontuais pode sinalizar para a resposta anti-hi- pertensiva individual, abrindo a possibilidade de proporcionarmos ao paciente um tratamento in- dividualizado mais racional.(28, 29) Esse é o cam- po da investigação farmacogenética, ou seja, a identificação de genes que contribuem para a variabilidade da resposta a um determinado fár- maco. (4, 23-29) De maneira didática, podemos dividir os fa- tores genéticos determinantes da resposta me- dicamentosa em: polimorfismo genético e varia- ções nos mecanismos fisiopatológicos; polimor- fismo genético e variações farmacocinéticas, ou seja, variantes genéticas funcionais que resul- tem em diferenças na biodisponibilidade da dro- ga; e polimorfismo genético e variações farma- codinâmicas, ou seja, variantes genéticas fun- cionais nos alvos dos fármacos responsáveis por diferenças de resposta a uma determinada dro- ga.(4, 23-27) Além dos aspectos relacionados à fisiopato- logia da hipertensão arterial, os avanços recen- tes da biologia molecular têm desvendado dife- renças genéticas correlacionadas a mecanismos que regulam tanto o metabolismo e a elimina- ção de fármacos no organismo (farmaconética) como a resposta esperada a determinada dro- ga (farmacodinâmica). Em síntese, ao lado dos fatores genéticos fisiopatológicos, os fatores genéticos que influenciam a interação do paci- ente com a droga utilizada podem determinar a variabilidade da resposta aos agentes anti-hi- pertensivos e predizer o aparecimento de efei- tos colaterais.(4, 23-27) Diferenças genéticas correlacionadas a me- canismos pressores atuantes em um determi- nado indivíduo podem sinalizar para uma deter- minada desregulação de um sistema patogené- tico e, conseqüentemente, apontar a melhor dro- ga para um determinado paciente. A avaliação de polimorfismos associados à fisiopatologia da hipertensão arterial pode predizer a resposta anti-hipertensiva aos diferentes agentes.(4, 23-29) Apesar de alguns resultados conflitantes, estu- dos de variantes moleculares de componentes do sistema renina-angiotensina-aldosterona têm sugerido que os genes da enzima conversora da angiotensina, do angiotensinogênio e do re- ceptor da angiotensina-II tipo 1 influenciam a BARRETO-FILHO JAS e col. Genética e hipertensão arterial: conhecimento aplicado à prática clínica? 52 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 resposta anti-hipertensiva às drogas que atuam bloqueando o sistema renina-angiotensina-al- dosterona. (4, 23-27, 30) Nesse contexto, Ohmichi e colaboradores (30) avaliaram a influência do genótipo da enzima conversora da angiotensina como determinante da resposta anti-hipertensiva ao imidapril e ob- servaram que a redução da pressão arterial di- astólica foi, ao menos parcialmente, determina- da pelo genótipo. Pacientes que apresentavam o genótipo II revelaram tendência a melhor res- posta da pressão arterial ao inibidor da enzima conversora da angiotensina utilizado. (30) Ainda sobre a sinalização do genótipo para uma determinada fisiopatologia, Turner e cola- boradores (25) avaliaram a influência do polimor- fismo do genótipo C825T da proteína G subuni- dade beta(3) e a resposta ao tiazídico. O alelo T sinaliza para uma hipertensão arterial cuja base fisiopatológica é caracterizada por expansão de volume (aumento da reabsorção de sódio) e supressão da renina. Na análise dos fatores pre- ditores da resposta anti-hipertensiva, foi obser- vado que o genótipo TT era um preditor signifi- cativo da resposta anti-hipertensiva ao tiazídico e que o genótipo CT apresentava resposta in- termediária, quando se comparava a resposta entre os pacientes portadores do genótipo CC vs. TT(25) (Fig. 3). No que tange aos aspectos genéticos que influenciam o metabolismo das drogas, a possi- bilidade é de que variantes funcionais de enzi- mas metabolizadoras podem influenciar a bio- disponibilidade da droga e, conseqüentemente, seu efeito no organismo. Entretanto, diferente das drogas mais antigas tipo hidralazina e me- tildopa, metabolizadas por enzimas polimórficas e apresentando grandes diferenças na respos- ta interindividual, a variabilidade da resposta anti- Figura 3. Associação entre o polimorfismo C825T da proteína G subunidade beta(3) e resposta ao tiazídico. (Adaptado de Turner e cols.(25)) hipertensiva às drogas utilizadas atualmente é mais facilmente explicada por diferenças farma- codinâmicas.(4) Nesse espectro, a pesquisa de variantes ge- néticas que influenciam a fisiologia do receptor- alvo da droga utilizada tem sido objeto de inves- tigações intensas e com resultados animadores. Em relação ao receptor AT1, pelo menos 14 po- limorfismos já foram descritos e, em particular, o +1166 A/C parece se correlacionar com a res- posta humoral e hemodinâmica renal ao losar- tan. (31) Mais ainda, estudo recente publicado por Kurland e colaboradores (32) avaliou a influência de polimorfismos funcionais nos genes do angi- otensinogênio (T174M) e no receptor AT1 (A1166C) e documentaram a correlação destes com as modificações da massa ventricular es- querda que ocorriam no curso do tratamento anti-hipertensivo. Esse tipo de achado ilustra o papel dos marcadores moleculares (polimorfis- mos funcionais) como instrumento potencial para guiar a terapêutica anti-hipertensiva. (25) A importância do potencial desse novo cam- po de conhecimento será testada em subestu- do do recentemente publicado estudo ALLHAT (“The Antihypertensive and Lipid-Lowering Tre- atment to Prevent Heart Attack Trial”), que com- parou esquemas terapêuticos anti-hipertensivos diferentes em 42.418 pacientes.(33) O GenHAT (“Genetics of Hypertension Associated Treatment”) avaliará a interação de variantes genotípicas e as drogas utilizadas na prevenção da doença coro- nariana. Esse será o maior estudo farmacogené- tico conduzido até o presente momento. (19) CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, foram apresentadas evidências in- dicando o potencial da Medicina Molecular em BARRETO-FILHO JAS e col. Genética e hipertensão arterial: conhecimento aplicado à prática clínica? Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 55 giotensin II type 1 receptor gene are related to change in left ventricular mass during an- tihypertensive treatment: results from the Swedish Irbesartan Left Ventricular Hypertro- phy Investigation versus Atenolol (SILVHIA) trial. J Hypertens 2002;20:657-63. 33. Major outcomes in high-risk hypertensive pa- tients randomized to angiotensin-converting enzyme inhibitor or calcium channel blocker vs. diuretic: The Antihypertensive and Lipid-Lo- wering Treatment to Prevent Heart Attack Trial (ALLHAT). JAMA 2002;288:2981-97. BARRETO-FILHO JAS e col. Genética e hipertensão arterial: conhecimento aplicado à prática clínica? 56 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 PLAVNIK FL e col. Avaliação inicial do paciente hipertenso INTRODUÇÃO As diretrizes atuais para o controle da pres- são arterial, provenientes do VI JNC(1) (“Sixth Re- port of the Joint National Committee on Preven- tion, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure”), do OMS-ISH(2) (“World Health Organization — International Society of Hyper- tension”) e das IV Diretrizes Brasileiras de Hi- pertensão Arterial(3),denotam que a abordagem inicial do paciente hipertenso consiste de três pontos principais: 1. confirmação do diagnóstico; 2. dados obtidos na anamnese e no exame físi- co; 3. avaliação laboratorial mínima. Assim, cada um desses tópicos será abor- dado em detalhes, para que possamos comen- AVALIAÇÃO INICIAL DO PACIENTE HIPERTENSO FRIDA LIANE PLAVNIK, AGOSTINHO TAVARES Disciplina de Nefrologia — Escola Paulista de Medicina — UNIFESP Hospital do Rim e Hipertensão Endereço para correspondência: Rua Borges Lagoa, 960 — CEP 04038-002 — São Paulo — SP A avaliação inicial do paciente hipertenso tem por base três pontos principais. O primeiro ponto é a confirmação do diagnóstico, feita com base nos valores de pressão arterial obtidos em consultório sempre que esses valores forem maiores ou iguais a 140/90 mmHg; para que se faça o diagnóstico correto é preciso que se siga o método adequado, de modo a minimizar os erros durante a aferição. O segundo ponto a ser considerado refere-se à história clínica do paciente, com dados como idade, sexo, presença de fatores de risco associados e/ou doenças concomitantes, que vão influenciar tanto a classificação da hipertensão arterial como a meta de pressão arterial a ser atingida com o tratamen- to não-farmacológico ou em conjunto com o tratamento farmacológico; o exame físico pode fornecer dados importantes quanto ao comprometimento de órgãos-alvo pela simples realização da fundosco- pia, bem como propiciar a suspeita de hipertensão arterial de etiologia secundária como nefropatia, hipertensão arterial de origem renovascular ou doenças endócrinas como aldosteronismo primário e feocromocitoma. Finalmente, como terceiro ponto, para que possamos avaliar os fatores de risco de um paciente hipertenso há um perfil laboratorial mínimo que deve ser solicitado na primeira avaliação. Com todos esses pontos devidamente avaliados e considerados em conjunto, podemos, então, esta- belecer o diagnóstico mais preciso da hipertensão e quais medidas são as mais cabíveis para que o tratamento instituído ofereça a melhor proteção ao paciente. Palavras-chave: avaliação inicial, diagnóstico, história clínica, exame físico, exames laboratoriais. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:56-63) RSCESP (72594)-1292 tar os possíveis erros observados, e quais infor- mações devem ser consideradas. CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA Sem dúvida, a confirmação do diagnóstico é a etapa mais relevante. O diagnóstico da hiper- tensão arterial é feito quando detectamos valo- res pressóricos maiores ou iguais a 140 mmHg para a sistólica e/ou 90 mmHg para a diastólica. Esses valores não são arbitrários, mas proveni- entes de estudos epidemiológicos, como o es- tudo MRFIT(4), no qual se observou que quanto mais elevada a pressão arterial maior o risco de mortalidade cardiovascular. Para que tal diag- nóstico seja feito, devemos ressaltar que o cri- tério usado ainda é a aferição da pressão arteri- al em consultório médico, com o uso de esfig- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 57 PLAVNIK FL e col. Avaliação inicial do paciente hipertenso momanômetro com coluna de mercúrio. Como existe uma tendência mundial para o abandono da coluna de mercúrio em função de sua toxici- dade, esse esfigmomanômetro tem sido substi- tuído pelo aparelho aneróide. Na primeira consulta, a pressão arterial deve ser medida nas três posições, isto é, com o pa- ciente deitado, sentado e depois com o pacien- te em pé. Para tanto, há necessidade de que o paciente permaneça em repouso por pelo me- nos cinco minutos nas posições deitado e sen- tado, em ambiente tranqüilo e temperatura agra- dável, e por pelo menos dois minutos na posi- ção em pé. A medida da pressão arterial na po- sição ortostática é muito importante, especial- mente em algumas populações de pacientes, como idosos, diabéticos, portadores de disau- tonomia ou mesmo naqueles que já estão em uso de medicações anti-hipertensivas. Devemos, ainda, ressaltar que, numa primeira avaliação, é fundamental que se faça a medida da pressão arterial em ambos os braços, escolhendo para as medidas subseqüentes aquele em que a pres- são arterial for detectada com valor mais eleva- do. Ainda, na primeira avaliação, é importante que os valores de pressão arterial sejam aferi- dos nos membros inferiores. Esses procedimen- tos permitem a detecção de alterações pressó- ricas significativas e sugestivas de comprometi- mento vascular, como, por exemplo, coarctação da aorta. As medidas também não devem ser únicas; assim, devem ser feitas em duplicata ou triplica- ta a intervalos de um a dois minutos, e a média obtida deve ser considerada o valor final. Final- mente, a confirmação, no geral, é feita após duas ou três medidas consecutivas, a intervalos de uma a duas semanas. Exceção a essa situação se faz quando o paciente apresentar níveis pres- sóricos superiores a 180 mmHg na sistólica ou 110 mmHg na diastólica. Nessa condição, não há necessidade de se repetir as medidas para confirmação diagnóstica, visto que esses paci- entes já podem cursar com lesões em órgãos- alvo, havendo, portanto, indicação para o início da terapia medicamentosa. Confirmação diagnóstica: medida da pressão arterial Embora o procedimento da medida pressó- rica seja muito fácil, diversas observações pre- cisam ser feitas, de modo a permitir que o valor obtido seja o mais correto. Assim, o procedimen- to da medida pressórica inicia-se com a medida da circunferência do braço do paciente. Normal- mente, a maioria dos consultórios médicos e ser- viços de saúde tem à disposição apenas um ta- manho de manguito, com 13 cm de largura e 30 cm de comprimento. Esse manguito ajusta-se para braços com circunferência de até 30 cm. Portanto, nos pacientes com circunferência do braço inferior ou superior a esses limites, é pre- ciso que sejam feitas correções nos valores ob- tidos. Por exemplo, em pacientes com circunfe- rência do braço de 36 cm, cujo valor obtido foi de 162/100 mmHg, haveria necessidade de se diminuir 6 mmHg na sistólica e 4 mmHg na di- astólica. Embora isso pareça ser irrelevante, como veremos mais adiante, esse paciente te- ria sua classificação da hipertensão modificada de moderada (estágio 2) para leve (estágio 1), e, portanto, a abordagem terapêutica poderia ser diferente. O mesmo vale para pacientes cuja cir- cunferência do braço é inferior a 28 cm, quando deverão ser acrescidos alguns milímetros de mercúrio para que se obtenha o valor mais pre- ciso. A Tabela 1 mostra quais valores devem ser acrescidos ou subtraídos do valor pressórico obtido com o manguito padrão (adulto). Os con- sensos atuais sugerem a mudança da termino- logia leve, moderada e severa por estágios, pois a terminologia anterior pode sugerir a progres- são de uma condição, independentemente da intervenção. Outras considerações a serem feitas, ainda, no tocante à aferição da pressão arterial, refe- rem-se ao posicionamento do braço do pacien- te, isto é, o braço deve ser posicionado à altura do coração, pois vários estudos demonstraram que se o braço do paciente estiver abaixo da altura do coração, o valor obtido é, em geral, superestimado; por outro lado, se o braço esti- ver posicionado acima da altura do coração, o valor é subestimado. Uma vez respeitados esses procedimentos para a aferição dos níveis pressóricos, deve-se ressaltar outro ponto muito importante. A práti- ca diária nos leva, freqüentemente, à aproxima- ção dos valores obtidos, ou seja, observamos que os valores, em geral, terminam com dígito zero. Esse é um erro muito comum e pode levar ao diagnóstico equivocado de uma hipertensão mais severa e, portanto, a condutas terapêuti- cas inadequadas. Da mesma forma que o uso do dígito zero, o uso do dígito cinco nos parece uma aproximação inadequada. Os aparelhos de coluna de mercúrio e os aparelhos aneróides são graduados a cada 2 mmHg; portanto, não é possível, com uma única medida, detectarmos valores com números terminados em “5”, como, 60 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 PLAVNIK FL e col. Avaliação inicial do paciente hipertenso Tabela 4. Decisão terapêutica segundo risco e pressão arterial. Pressão arterial (mmHg) Risco A Risco B Risco C Normal/limítrofe (130-139/85-89) MEV MEV MEV* Estágio 1 (140-159/90-99) MEV MEV** TM Estágios 2 e 3 (> 160/> 100) TM TM TM MEV = modificações do estilo de vida; TM = tratamento medicamentoso. * em caso de insuficiência cardíaca, insuficiência renal ou diabete melito; ** em caso de múltiplos fatores de risco. Risco A = sem fatores de risco e sem lesões em órgãos-alvo; Risco B = presença de fatores de risco (não incluindo diabete melito) e sem lesão em órgãos-alvo; Risco C = presença de lesão em órgãos- alvo, doença cardiovascular clinicamente identificável e/ou diabete melito. como o uso de pílulas anticoncepcionais. O exame físico deve ser iniciado com a ava- liação do peso e da estatura do paciente, de modo a que seja calculado o índice de massa corporal; outra medida recomendada é a men- suração da circunferência da cintura e do qua- dril. Sempre que possível, devemos obter o va- lor de ambas as medidas, cintura e quadril, pois a razão cintura-quadril tem-se mostrado um im- portante indicador do fator de risco cardiovas- cular. Caso isso não seja possível, a medida da cintura já é um bom indicador. O exame físico do paciente hipertenso deve ser minucioso e, sempre que possível, constar de uma fundos- copia. Esse exame é de fácil execução e permi- te a avaliação sucinta dos vasos, podendo-se extrapolar para possíveis lesões em órgão-alvo. A fundoscopia permite, ainda, a detecção de le- sões hipertensivas agudas (como aquelas pre- sentes na hipertensão maligna) e alterações hi- pertensivas mais antigas, que mostram uma doença de evolução mais longa, além, é claro, de permitir a visualização de alterações ateros- cleróticas. AVALIAÇÃO LABORATORIAL MÍNIMA O perfil laboratorial mínimo preconizado pe- las diferentes diretrizes é composto de: — exame de urina, avaliando a presença de sangue, proteína e glicose, e exame micros- cópico do sedimento urinário; — exame de sangue, que inclui a medida do potássio sérico, da creatinina, da glicemia de jejum e do colesterol total (algumas diretri- zes, como a Brasileira, preconizam a reali- zação de hemograma e a medição do coles- terol total e suas frações, como será discuti- do mais adiante); — eletrocardiograma. Em função das dificuldades de se obter al- guns testes mais detalhados em algumas regi- ões, esse perfil mínimo parece ser suficiente na avaliação inicial. Fica evidente que alguma alte- ração importante em algum desses exames jus- tifica a realização de outros exames. Assim, pode-se acrescentar a medida das frações co- lesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL- colesterol), colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) e triglicérides ou a realização de ecocardiograma em pacientes que tenham achados sugestivos de hipertrofia ven- tricular esquerda ou outra doença cardíaca (a presença de massa ventricular aumentada de- nota maior risco cardiovascular). Da mesma for- ma, a realização de ultra-sonografia está justifi- cada sempre que houver suspeita de doença arterial de grandes vasos ou artérias renais. Cabe, aqui, tecermos alguns comentários a respeito das razões pelas quais a avaliação ini- cial do indivíduo hipertenso conta com os tes- tes descritos, e não outros. Devemos lembrar o leitor que as justificativas pelas quais um teste é ou não incluído na avaliação inicial nem sempre têm fundamento científico ou encontram lógica no raciocínio clínico. Dessa maneira, alguns são incluídos em determinadas diretrizes e não em outras, dependendo da visão geral da doença de quem as escreve, das possibilidades de cada região em oferecer o determinado teste à popu- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 61 PLAVNIK FL e col. Avaliação inicial do paciente hipertenso lação, como já foi dito antes, e, até mesmo, de fatores culturais. Não há dúvida de que a história clínica e o exame físico devem ser bastante abrangentes, para que se tenha uma idéia exata das condi- ções clínicas de nosso paciente. Outro item que não nos permite maiores dúvidas ou reflexões é a medida da pressão arterial, por meio de técni- ca recomendada. Aqui, quanto mais rigorosa- mente for seguida a técnica por aquele que mede a pressão arterial, mais confiável será o diag- nóstico. Isso se justifica porque o diagnóstico e a classificação da hipertensão arterial depen- dem exclusivamente dos valores tensionais que lemos, que estão rigidamente ligados a valores de corte estritos e que pequenos desvios para cima ou para baixo nos levam a decisões tera- pêuticas diversas. Assim, é de tal importância esse item que, ao médico, se permite lançar mão de outros métodos auxiliares ao diagnóstico. Em caso de dúvida, são recomendadas medidas repetidas da pressão arterial, em diferentes oca- siões, medida residencial e monitorização da pressão arterial. Desde o princípio das diretrizes, a análise do sedimento urinário tem sido unânime, na vi- são dos especialistas, como item da avaliação inicial. Segundo nosso parecer, é justo, pois qual- quer indício da presença anormal de eritrócitos, leucócitos ou proteína na urina do paciente hi- pertenso pode denotar infecção, doença paren- quimatosa renal, que poderá ser até a causa da hipertensão, ou ainda complicação da hiperten- são. Qualquer que seja a causa da anormalida- de, o paciente merece ser minuciosamente in- vestigado, e tratado de acordo. A observação do potássio sérico também re- veste-se de importância na avaliação inicial do indivíduo hipertenso. A primeira razão é porque o desenvolvimento de níveis baixos de potássio sérico, espontaneamente ocorrido em indivídu- os hipertensos, faz com que se pense em hipe- raldosteronismo primário. A segunda razão é porque muito freqüentemente os pacientes hi- pertensos nos chegam em uso de diuréticos ti- azídicos, nem sempre em doses adequadas, o que os tornam hipocalêmicos. Isso acarreta, muitas vezes, efeitos adversos e gastos extras desnecessários. Por fim, níveis elevados de po- tássio sérico nos levam, obrigatoriamente, a verificar as condições de função renal do paci- ente hipertenso. Lembremos que a insuficiência renal crônica, principalmente em seus estágios mais avançados, leva à hipercalemia. Não obs- tante ser praticamente inócuo para o indivíduo com função renal normal, o uso de drogas hipo- tensoras, tais como diuréticos poupadores de potássio, inibidores da enzima conversora da angiotensina e antagonistas dos receptores AT1, pode elevar a níveis críticos o potássio sérico de pacientes com prejuízo da função renal. A solicitação de dosagem de creatinina plas- mática também parece ser fundamental na pri- meira visita. Embora com certas restrições, às vistas dos especialistas, os níveis de creatinina plasmática nos dão uma impressão segura da função renal do paciente hipertenso. Estando confirmada a presença de insuficiência renal crônica, definida por depuração de creatinina menor que 60 ml/min/1,73m² de superfície cor- poral, por um período superior a três meses (5), o seguimento será voltado obrigatoriamente à manutenção da função renal restante. A queda da função renal nos diz, claramente, que há le- são renal e que esta é progressiva, mesmo que o fator causal inicial tenha sido revertido. Por- tanto, todo o esforço deve ser direcionado na tentativa de se retardar essa progressão(5). A implicação prática desse enfoque é que, igual- mente às lesões cardíacas, às lesões cerebrais e ao diabete melito, as lesões renais aumentam enormemente o risco cardiovascular de quem as apresenta, de tal modo que é imperativo o reconhecimento delas e o conhecimento dos métodos que as detectam. Há de se prevenir que, muitas vezes, que- das de função renal, especialmente súbitas, podem ser reversíveis e devemos estar atentos a isso. Desde os fatores hemodinâmicos causa- dores de isquemia ou hipofluxo renal, a desi- dratação, infecções do trato urinário, uso de dro- gas que afetam a hemodinâmica dos rins, etc., todos podem causar queda reversível da fun- ção renal. A glicemia em jejum do paciente hipertenso deve ser conhecida de pronto. Como dissemos anteriormente, e, agora com mais clareza, o in- divíduo hipertenso e diabético é aquele que maior risco tem para doenças cardiovasculares. Se lembrarmos, no entanto, que o diabete leva quase sempre à doença renal e aos fenômenos aterotrombóticos, o paciente, nessa situação, passa a ter um acúmulo exponencial de risco cardiovascular. Assim, é inadmissível, ao atual conhecimento médico, que um paciente hiper- tenso venha a um serviço de saúde duas ou três vezes sem que seja conhecida sua glicemia em jejum. Mais recentemente, sugere-se aos médicos e a todos os profissionais de saúde que ao pre- 62 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 PLAVNIK FL e col. Avaliação inicial do paciente hipertenso senciarem glicemias de jejum entre 110 mg/dl e 125 mg/dl, isto é, glicemias na faixa de intole- rância à glicose, devem detectar e eliminar os possíveis fatores de risco para o diabete melito, como obesidade, sedentarismo e uso inadequa- do de medicamentos que elevam a glicemia, que, entre os hipotensores, destacam-se os diuréti- cos tiazídicos e os betabloqueadores. O colesterol, bem conhecido de todos, é um fator de risco importante para o desenvolvimen- to de doenças cardiovasculares, e deve, portan- to, estar presente na avaliação mínima e inicial do paciente hipertenso. As últimas diretrizes in- ternacionais de 1999, elaboradas pela Socieda- de Internacional de Hipertensão, em conjunto com a Organização Mundial da Saúde(3), suge- rem apenas o valor do colesterol total para se analisar inicialmente o perfil lipídico do indiví- duo hipertenso. Entendidas as razões dessas diretrizes, que têm o propósito de ser aplicadas em todos os países, e que, por isso, devem con- siderar possibilidades e recursos das regiões mais remotas, há quem acredite que não raras vezes, por exemplo, os hipertensos apresentam valores normais de colesterol total, com níveis baixos da fração HDL. Ora, sabe-se também que níveis baixos de HDL-colesterol ou níveis altos de LDL-colesterol, independentemente dos ní- veis de colesterol total e das outras frações, re- presentam, por si só, fator de risco cardiovascu- lar. Assim, ponderam alguns que os indivíduos nessas situações estariam poupados dos bene- fícios terapêuticos, uma vez que jamais se co- nheceria suas frações do colesterol, dado que o total permaneceria normal. As últimas diretrizes brasileiras contemplam quem pense assim, e determinam que na avaliação inicial do indiví- duo hipertenso as frações do colesterol devam ser conhecidas. Para se conhecer as frações do colesterol é necessário conhecer-se os níveis de triglicérides, o que demanda mais recursos. Portanto, o conhecimento das frações do coles- terol na primeira avaliação ficará na dependên- cia financeira de cada um. O hemograma, na terceira edição das dire- trizes brasileiras, era pedido completo; na últi- ma edição, que se limitou ao hematócrito e à hemoglobina, não nos parece de grande valia para a avaliação inicial do indivíduo hipertenso. Algumas vezes nos ajuda a discernir entre insu- ficiência renal aguda e insuficiência renal crôni- ca; mas, com tantas outras razões que podem levar um indivíduo à anemia, ficamos pratica- mente inertes frente a um hematócrito e/ou he- moglobina mais baixos. Portanto, nessa época, em que necessitamos de mais precisão e, por isso, mais exames para outros fatores de risco, o hemograma, completo ou não, poderia ser dis- pensável, como o fazem outras diretrizes (1, 3). O eletrocardiograma de repouso, embora não sendo tão preciso para a hipertrofia miocárdica, nos dá um bom panorama de um coração hiper- tenso. Juntamente com uma ausculta cardíaca cuidadosa, o eletrocardiograma nos permite di- agnósticos acertados e seguros. Caso o indiví- duo hipertenso tenha hipertrofia de ventrículo esquerdo, risco cardiovascular bem estabeleci- do, que o eletrocardiograma não possa detectá- la, sabemos que o tratamento para a hiperten- são, com maior ou menor intensidade, é capaz de revertê-la. Assim, estaremos, de qualquer modo, prevenindo ou tratando uma possível hi- pertrofia miocárdica e podemos reservar o eco- cardiograma para situações mais indicadas. Além dessa segurança que nos dá o tratamento para a hipertensão, o eletrocardiograma é bara- to e disponível em todos os lugares. Finalmente, gostaríamos de citar a dosagem de ácido úrico sanguíneo, que pertencia à avali- ação mínima da III Diretrizes Brasileiras e que foi retirada na IV Diretrizes Brasileiras. Não obs- tante ter sido demonstrado que o nível elevado de ácido úrico é fator de risco cardiovascular para o indivíduo hipertenso de ambos os sexos (6, 7), não existem estudos, na literatura, de que a diminui- ção desse metabólito nos deixaria livre de tal risco. De tal modo que não temos certeza do benefício terapêutico, caso o indivíduo seja as- sintomático. Por falta dessa evidência clínica, a dosagem de ácido úrico, com toda razão, dei- xou de ser parte da avaliação mínima e passou a fazer parte da avaliação suplementar da IV Diretrizes Brasileiras. Independentemente das pequenas diferen- ças entre as avaliações iniciais e mínimas das diversas diretrizes, acreditamos que todas con- templam, à primeira visita do indivíduo hiperten- so, os principais fatores de risco e as complica- ções da hipertensão arterial. E como dito ante- riormente nesta discussão, é sobre esses fato- res de risco e essas complicações que deve- mos traçar as melhores estratégias, senão defi- nitivas, pelo menos iniciais, do tratamento anti- hipertensivo. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 65 LOPES HF Hipertensão arterial e síndrome metabólica: além da associação mortal e síndrome da resistência à insulina; po- rém, a maioria dos trabalhos atuais tem adota- do o termo síndrome metabólica ou “The Meta- bolic Syndrome”, em inglês. Embora o diagnós- tico da síndrome metabólica ocorra em indiví- duos adultos, os jovens aparentemente normais com antecedentes de hipertensão ou jovens obesos agregam fatores de risco cardiovascu- lar semelhantes àqueles encontrados na síndro- me metabólica. (6-9) Isso nos leva a crer que a sín- drome metabólica tem início cedo na vida e se torna evidente a partir de determinada idade. A seguir, discutiremos alguns aspectos relaciona- dos com história, prevalência, morbidade e mor- talidade, fisiopatogenia, diagnóstico e tratamento da síndrome metabólica. ASPECTOS HISTÓRICOS Uma das primeiras observações relaciona- das aos componentes da síndrome metabólica data de 1922. (10) No ano seguinte, Kylin chamou a atenção para a associação de hiperglicemia, obesidade e gota em uma população de paci- entes hipertensos.(11) Em 1965, Avogaro e cola- boradores (12) descreveram sobre os aspectos metabólicos na obesidade essencial, já fazendo menção à síndrome plurimetabólica. (12) Mas foi em 1979 que houve grande expansão no enten- dimento de um dos principais componentes da síndrome metabólica, a resistência à insulina, com a introdução das técnicas do “clamp” hiper- glicêmico e do “clamp” hiperinsulinêmico normo- glicêmico por De Fronzo e colaboradores (13, 14). A partir desse conhecimento, Reaven e Hoff- man(15), em 1987, especularam a possibilidade do envolvimento da resistência à insulina e da hiperinsulinemia na etiologia da hipertensão. (15) Esse mesmo autor foi quem discutiu a relação da resistência à insulina com a concentração plasmática de ácidos livres e progrediu na hipó- tese da resistência à insulina como mecanismo central na síndrome metabólica. (16-19) Foi na dé- cada de 80 que houve maior interesse em rela- ção à síndrome metabólica e desde aquela épo- ca inúmeros trabalhos vêm sendo desenvolvi- dos para melhor caracterizar a síndrome. PREVALÊNCIA DA SÍNDROME METABÓLICA A prevalência da síndrome metabólica tem sido descrita em diferentes grupos étnicos e po- pulações de diferentes países.(20-23); porém, exis- tem poucos estudos com grandes amostras po- pulacionais que possam representar melhor o povo de cada país. Um dos estudos de maior relevância em relação à prevalência da síndro- me metabólica é o de Ford e colaboradores.(24) Nesse estudo, foi avaliada a prevalência dessa síndrome na população americana a partir de dados colhidos entre 1988 e 1994 para o “Nati- onal Health and Nutrition Examination Survei- llance” (NHANES III). Os autores descreveram a prevalência da síndrome no sexo masculino e no sexo feminino de acordo com diferentes fai- xas etárias. Os resultados demonstraram que não há diferença em relação à prevalência da síndrome metabólica de acordo com o sexo. A prevalência da síndrome ajustada para a idade é de 23,7%; porém, para a faixa etária de 20 a 29 anos, a prevalência é de 6,7%, e esse valor aumenta de forma progressiva de acordo com o aumento da idade. Na faixa etária de 60 a 69 anos, a prevalência é de 43,5% e de 42% para a faixa etária acima de 69 anos. Estudos envol- vendo diferentes populações em diferentes paí- ses são necessários para caracterizar melhor a prevalência da síndrome. MORBIDADE E MORTALIDADE NA SÍNDROME METABÓLICA A morbidade e a mortalidade relacionadas a diferentes fatores de risco cardiovascular, tais como diabete, hipertensão, dislipidemia e obe- sidade, que são os principais componentes da síndrome metabólica, têm sido abordadas em diferentes estudos envolvendo diferentes grupos étnicos.(25-27) Entretanto, a morbidade e a morta- lidade em indivíduos com o agrupamento des- ses fatores de risco, ou seja, portadores da sín- drome metabólica, foram mais bem estudadas em uma população representativa e com segui- mento a longo prazo em um estudo publicado recentemente. (28) Esse estudo longitudinal envol- veu um total de 4.483 pacientes de ambos o sexos, sendo 1.697 com diabete do tipo II, 798 com curva de tolerância à glicose alterada, 1.988 com resistência à insulina e curva de tolerância à glicose normal. A média do seguimento foi de 6,9 anos. A prevalência de doença cardiovascu- lar (doença coronária, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral) foi maior nos porta- dores que nos não-portadores da síndrome. A análise de regressão multilogística foi aplicada para avaliar o risco de doença cardiovascular em relação à presença da síndrome metabólica e de seus diferentes componentes: obesidade, dislipidemia, hipertensão, microalbuminúria e resistência à insulina. A presença da síndrome 66 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 LOPES HF Hipertensão arterial e síndrome metabólica: além da associação foi associada com risco relativo aumentado de doença coronária, infarto do miocárdio e aciden- te vascular cerebral(2,96, 2,63 e 2,27, respecti- vamente; p < 0,001), e esse risco foi maior que o risco associado com os componentes indivi- duais da síndrome. Durante esse período de seguimento de 6,9 anos, a mortalidade geral (18,0% vs. 4,6%; p < 0,001) e a mortalidade car- diovascular (12,0% vs. 2,2%; p < 0,001) nos por- tadores foram maiores que nos não-portadores da síndrome metabólica, respectivamente. Por último, nesse estudo, a microalbuminúria foi um importante fator preditor de mortalidade. Em estudo recente de Lakka e colaboradores (29), fo- ram avaliadas a mortalidade global e a mortali- dade cardiovascular em 1.209 homens finlan- deses de meia-idade portadores da síndrome metabólica. Nesse estudo, os autores usaram os critérios da Organização Mundial da Saúde e do “National Cholesterol Education Program” (NCEP III) para classificar os pacientes em por- tadores ou não-portadores de síndrome meta- bólica e o tempo médio de seguimento foi de 11,4 anos. Utilizando-se a classificação do NCEP, a mortalidade cardiovascular nesse es- tudo foi de 2,9 a 4,0 vezes maior nos portadores de síndrome metabólica. Quando utilizados os critérios para classificar a síndrome metabó- lica de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a mortalidade cardiovascular foi 2,6 a 3,0 vezes maior no grupo com síndrome me- tabólica. FISIOPATOGÊNESE DA SÍNDROME METABÓLICA A síndrome metabólica foi por um longo tem- po chamada de síndrome de resistência à insu- lina, pois, no início, pensou-se que a resistência à insulina fosse o denominador comum para as alterações encontradas na síndrome (hiperinsu- linemia, obesidade central, hipertensão, intole- rância à glicose, diabete do tipo 2, dislipidemia, distúrbios da coagulação). A resistência à insu- lina é, sem dúvida, um componente importante da síndrome, porém não parece ser o denomi- nador comum para essas alterações hemodinâ- micas e metabólicas associadas. Nos últimos anos, tem sido cada vez mais enfatizada a par- ticipação do tecido adiposo (gordura visceral) como um dos principais componentes na fisio- patogênese da síndrome metabólica. A gordura visceral tem como principal componente os áci- dos graxos não-esterificados (AGNEs) ou áci- dos graxos livres na forma de triglicérides, que são a principal forma de reserva calórica no or- ganismo. Os AGNEs vêm ocupando papel cada vez mais importante na fisiopatogênese da sín- drome metabólica, principalmente pelo envolvi- mento desses nos mecanismos da resistência à insulina. Os três próximos itens serão relacio- nados com a participação da resistência à insu- lina, da obesidade e dos AGNEs na síndrome metabólica. Resistência à insulina A resistência à insulina é considerada um fator de risco cardiovascular isolado(30, 31) e tam- bém já foi considerada o principal achado nos indivíduos com agrupamento de fatores de ris- co cardiovascular, ou seja, portadores da sín- drome metabólica. (4, 32) O principal efeito da in- sulina no organismo é o aumento da captação de glicose, principalmente na musculatura es- quelética. Ela também provoca vasodilatação, recrutamento de capilares, e aumento do fluxo sanguíneo e da oferta de glicose e insulina para a musculatura esquelética. (33-36) A insulina tam- bém está relacionada com: vasodilatação depen- dente do endotélio(37, 38); estimulação da bomba de Na+/K+, que resulta na hiperpolarização da musculatura vascular; (39) aumento da atividade da Ca++-ATPase; (40, 41) e vasodilatação metabóli- ca, secundária ao aumento do consumo de oxi- gênio pela musculatura esquelética. O aumento da atividade simpática, associa- do à hiperinsulinemia, também já foi proposto como um componente importante dentre os me- canismos envolvidos na fisiopatogênese da sín- drome metabólica. (32) Essa idéia tem como evi- dência favorável o fato de a insulina aumentar a noradrenalina plasmática e a atividade simpáti- ca para a musculatura na ausência de hipogli- cemia. (42-44) Sabe-se, também, que a insulina aumenta a atividade simpática via hipotálamo medial.(45) O que se questiona é se o aumento da atividade simpática desencadeado pela in- sulina é decorrente do efeito central ou se é re- sultante da resposta reflexa do barorreceptor. Nesse sentido, em estudo realizado em ratos com desnervação sinoaórtica, a resposta sim- pática lombar à insulina é eliminada. Nesse mesmo estudo com ratos, foi demonstrado que a desnervação sinoaórtica produz aumento substancial da atividade nervosa simpática adre- nal.(46) Em relação ao efeito da insulina sobre a pres- são arterial, sabe-se que a hiperinsulinemia agu- da provoca diminuição da excreção de sódio, embora não afete a pressão arterial em indiví- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 67 LOPES HF Hipertensão arterial e síndrome metabólica: além da associação duos normotensos.(47) Um possível mecanismo da insulina na hipertensão é que a hiperinsuli- nemia crônica exerce ação trófica na muscula- tura do vaso sanguíneo, e isso pode resultar no aumento da resistência vascular e, conseqüen- temente, no aumento da pressão arterial.(48) Em contrapartida, o aumento crônico da insulina plasmática que ocorre no insulinoma não está associado ao aumento da pressão arterial.(49) Uma possível explicação para que a hiperinsuli- nemia resulte em aumento da pressão arterial é que essa resposta depende da resistência à in- sulina, da predisposição genética para hiperten- são ou de ambos. Nos indivíduos com predis- posição genética para hipertensão, a hiperinsu- linemia compensatória decorrente da resistên- cia à insulina provocaria aumento da reabsor- ção de sódio pelo rim, e o aumento do sódio acarretaria aumento da atividade simpática, que pode resultar em hipertensão. (50) Assim, a pre- disposição genética para hipertensão pode evo- luir com exacerbação da atividade simpática e esse aumento da atividade simpática contraba- lança a ação vasodilatadora da insulina. Uma evidência favorável a essa idéia é o fato de que indivíduos resistentes à insulina apresentam di- minuição da vasodilatação à infusão de insuli- na(51) e o fato da melhora da sensibilidade à in- sulina com o uso dos hipoglicemiantes orais resultar em queda da pressão arterial em ratos.(52, 53) Por outro lado, a infusão de insulina não provoca aumento da pressão arterial de indivíduos e cães hipertensos, obesos, resistentes à insulina. (44, 54, 55) Em relação à insulina, pode-se concluir que ela tem ação vasodilatadora, o que pode ser considerado efeito favorável, e também tem ação trófica na musculatura do vaso, o que pode ser considerado efeito desfavorável no sistema car- diovascular. Embora a insulina tenha papel im- portante na síndrome metabólica, ela não pode ser considerada denominador único na fisiopa- togênese da síndrome. Participação do tecido adiposo na síndrome metabólica O índice de massa corpórea é uma forma prática de avaliar a obesidade na população geral. Existe uma relação direta do índice de massa corpórea com a pressão arterial.(56) A estimativa do estudo de Framingham é de que, em aproximadamente 78% dos homens e 65% das mulheres, a hipertensão pode ser atribuída à obesidade. (57) O fato é que existe uma forte associação da obesidade com a hipertensão e em modelos experimentais de obesidade e hi- pertensão já foi demonstrada uma possível par- ticipação do sistema nervoso simpático como im- portante mediador dessa hipertensão. No estu- do de Rocchini e colaboradores (58), envolvendo o modelo de cães com obesidade induzida por meio da ingesta de dieta rica em gordura, o uso da clonidina, simpaticolítico de ação central, re- verteu a hipertensão e as alterações metabóli- cas nesses cães.(58) A atividade simpática au- mentada é um importante achado em indivídu- os obesos;(50) porém, as evidências de aumento da atividade simpática na hipertensão induzida pela obesidade não são de todo favoráveis, pois esse achado nem sempre está presente nos modelos animais de hipertensão induzida pela obesidade. (59) Nos estudos experimentais e em humanos, os principais achados hemodinâmi- cos em hipertensos obesos é de expansão do volume extracelular e aumento do fluxo sanguí- neo regional, resultantes do aumento do débito cardíaco. (60-62) Vale a pena salientar que essas alterações hemodinâmicas podem ser revertidas com a redução do peso. Existe uma forte associação entre obesida- de central e hiperinsulinemia, resistência à in- sulina, dislipidemia, diabete do tipo 2, hiperten- são, e morbidade e mortalidade cardiovascula- res.(63) A resistência à insulina é um possível elo entre a obesidade e os outros fatores de risco cardiovascular, tais como hipertensão e diabe- te, (64, 65) que são componentes da síndrome me- tabólica. Embora a resistência à insulina possa ocorrer na ausência de obesidade(66, 67), a pre- valência de hiperinsulinemia, hipersecreção de insulina e resistência à insulina aumenta de acor- do com o aumento do índice de massa corpó- rea.(68) O tecido adiposo, que tem como princi- pal característica o armazenamento de energia no organismo humano, está envolvido na sínte- se de vários metabólitos e contribui para a re- sistência à insulina, para a hipertensão, para a dislipidemia e para as complicações cardiovas- culares nos indivíduos com agrupamento de fa- tores de risco. Dentre as alterações metabóli- cas associadas ao tecido adiposo, pode-se des- tacar maior atividade de renina plasmática, maior nível plasmático de angiotensinogênio, maior ati- vidade da enzima de conversão tecidual e mai- or nível plasmático de aldosterona. (69-72) A con- traprova já foi demonstrada, pois a perda de peso está associada com a redução da atividade plas- mática de renina, do nível plasmático de aldos- terona e da queda da pressão arterial.(56, 69) Do ponto de vista experimental, já foi demonstrado que há relação direta entre jejum e ingesta ali- 70 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 LOPES HF Hipertensão arterial e síndrome metabólica: além da associação cardíaca e morte súbita. (110) Em estudo epide- miológico, foi demonstrado que o nível plasmá- tico de AGNEs elevado nos filhos está associa- do com maior prevalência de infarto do miocár- dio e acidente vascular cerebral nos pais.(111) O aumento dos níveis plasmáticos de AGNEs pode ser resultante da repercussão de fatores ambi- entais, tais como hábito de fumar, consumo de bebida alcoólica, situações de estresse e, prin- cipalmente, ingesta de dieta rica em gorduras. Por último, vale a pena comentar que o aumen- to dos ácidos graxos livres em indivíduos obe- sos, a participação desses AGNEs na patogê- nese da resistência à insulina e o possível en- volvimento dos ácidos graxos nas complicações cardiovasculares têm sido objeto de muitos es- tudos nos últimos anos (93, 106, 112, 113). O real papel desses ácidos graxos na fisiopatogênese da hi- pertensão arterial do paciente obeso e portado- res da síndrome metabólica merece ainda ex- tensa investigação. DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME METABÓLICA Embora a síndrome metabólica seja menci- onada na literatura há mais de 80 anos, só a partir de estudos publicados em 1998 e 2001 foram definidos critérios para o diagnóstico da síndrome. Em 1998, a Organização Mundial da Saúde estipulou algumas diretrizes para o diag- nóstico da síndrome metabólica. De acordo com essas diretrizes, é necessário que o paciente tenha alteração do metabolismo dos glicídios (re- sistência à insulina ou curva de tolerância à gli- cose alterada ou diabete do tipo 2) e pelo me- nos duas ou mais alterações, tais como hiper- tensão, obesidade, dislipidemia (aumento de LDL-colesterol e de triglicérides ou HDL-coles- terol diminuído) e microalbuminúria para o diag- nóstico da síndrome. (114) A partir dos dados do NCEP publicados em 2001(115), foram estabele- cidos critérios baseados na circunferência ab- dominal e não no índice de massa corpórea. Além disso, o NCEP III reconhece a terapêutica do agrupamento de fatores de risco cardiovas- cular encontrado na síndrome metabólica como forma de prevenção secundária. TRATAMENTO DA SÍNDROME METABÓLICA A busca de um fator único envolvido nos me- canismos fisiopatogênicos da síndrome meta- bólica tem como objetivo principal a abordagem terapêutica específica; entretanto, a terapêutica atual vem sendo orientada de acordo com os principais componentes da síndrome (dislipide- mia, hipertensão, obesidade, diabete do tipo 2). A maioria dos grandes estudos realizados no passado envolvendo pacientes com agrupamen- to de fatores de risco cardiovascular tinha como foco principal redução do LDL-colesterol e me- lhora de eventos clínicos ou resultado angiográ- fico. (116-118) Nos últimos cinco anos, a preocupa- ção com fatores de risco cardiovascular especí- ficos, tais como aumento dos níveis plasmáti- cos de triglicérides e HDL-colesterol reduzido, importantes componentes da síndrome metabó- lica, tem aumentado. (119) Em estudos mais re- centes, como o “Veterans Affairs Cooperative Studies Program High-Density Lipoprotein Cho- lesterol Intervention Trial”, foi demonstrado que o aumento do HDL-colesterol e a redução dos níveis de triglicérides com o uso do genfibrosil diminuiu eventos coronarianos em pacientes com doença coronária já estabelecida. No “Be- zafibrate Infarction Prevention Trial”, o tratamento de pacientes com níveis basais elevados de tri- glicérides com bezafibrato resultou na redução da doença coronária. (120) No estudo “United King- dom Prospective Diabetes Study Group” (UKPDS), realizado em pacientes diabéticos e hipertensos, o controle da hipertensão e do dia- bete de forma mais agressiva resultou em im- portante redução da mortalidade por diabete e das complicações relacionadas à doença. (121) Nesse estudo, foram utilizados captopril e ate- nolol para o tratamento da hipertensão e as duas drogas foram efetivas no sentido de reduzir as complicações do diabete, sugerindo que o con- trole da pressão arterial “per se” pode ser mais importante que o tipo de medicação anti-hiper- tensiva utilizada. O diurético, um anti-hiperten- sivo de baixo custo, utilizado no tratamento da hipertensão há vários anos, já foi, de certa for- ma, condenado sob a alegação de provocar efei- tos colaterais e interferir com o perfil metabóli- co, piorando o risco cardiovascular dos pacien- tes. O estudo “Antihypertensive and Lipid-Lowe- ring Treatment to Prevent Heart Attack Trial” (AL- LHAT)(122), o maior estudo randomizado de tra- tamento anti-hipertensivo já publicado, nos trou- xe informação valiosa a esse respeito. No estu- do ALLHAT, 33.357 pacientes hipertensos com pelo menos mais um fator de risco cardiovascu- lar, incluindo pacientes com diabete e dislipide- mia, foram tratados durante 4,9 anos e subdivi- didos em três grupos terapêuticos: clortalidona, lisinopril e amlodipina. Nesse estudo, a clortali- dona foi superior, no sentido de reduzir a pres- são arterial sistólica, e a mortalidade cardiovas- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 71 LOPES HF Hipertensão arterial e síndrome metabólica: além da associação cular foi semelhante nos três grupos. Em um braço do estudo ALLHAT, 10.355 pacientes hi- pertensos com hipercolesterolemia moderada e pressão arterial controlada foram randomizados para receber pravastatina na dose de 20 mg/dia a 40 mg/dia (n = 5.170) ou recomendações die- téticas habituais (n = 5.185). (123) Nesse estudo, não houve diferença em relação à mortalidade global e à mortalidade cardiovascular entre o grupo que recebeu pravastatina e o que seguiu a dieta. Baseado nos resultados dos estudos mais recentes, fica implícita a importância do controle rigoroso da pressão arterial no pacien- te hipertenso com co-morbidades associadas, como é o caso dos portadores de síndrome metabólica. Por outro lado, alguns estudos da literatura já demonstraram o benefício da redu- ção de peso no controle da hipertensão, do dia- bete e da dislipidemia. O que chama a atenção nesses estudos é que até mesmo pequena re- dução do peso corpóreo resulta em grande be- nefício em relação ao controle pressórico e às alterações metabólicas.(124) Uma possível expli- cação para esses resultados é de que a perda de peso afeta diretamente (reduz) a gordura vis- ceral, sabidamente relacionada com as altera- ções metabólicas no paciente portador da sín- drome metabólica. A redução de peso e a manutenção a longo prazo, como todos sabem, é uma tarefa difícil. A nosso ver, porém, deve ser fundamentada na melhor abordagem clínica, psicossocial e emo- cional do paciente, na reeducação alimentar, e no incentivo e orientação em relação à prática de exercícios físicos. Nesse sentido, estamos desenvolvendo um projeto piloto com equipe multidisciplinar (médico, psicólogo, nutricionis- ta, professor de educação física) no Instituto do Coração (InCor/HC-FMUSP), em São Paulo. Esse projeto é voltado para a assistência ao paciente com hipertensão, obesidade, dislipide- mia e alterações no metabolismo da glicose (com síndrome metabólica). Os resultados prelimina- res desse projeto têm sido animadores. Uma vez confirmados os resultados a médio e longo pra- zos com maior grupo de pacientes, tentaremos passar a experiência para outros centros que dão assistência ao paciente com síndrome me- tabólica. CONCLUSÃO A síndrome metabólica tem como principais componentes as alterações do metabolismo da glicose, obesidade, alterações do metabolismo lipídico e a hipertensão arterial. Esses quanto componentes isoladamente são importantes fa- tores de risco cardiovascular. O agrupamento desses fatores de risco piora sobremaneira a morbidade e a mortalidade cardiovasculares nos portadores da síndrome. (28) A melhor investiga- ção dos aspectos fisiopatogênicos da síndrome é fundamental para a melhor abordagem tera- pêutica dos pacientes. Entretanto, as mudanças do estilo de vida, tais como dieta rica em antio- xidantes (frutas e vegetais), redução do peso e realização de exercícios de forma regular, são recomendadas para os indivíduos portadores dessa síndrome e até mesmo de maneira pre- ventiva para os indivíduos considerados normais com importantes antecedentes familiares para a doença cardiovascular. 72 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 LOPES HF Hipertensão arterial e síndrome metabólica: além da associação HYPERTENSION AND THE METABOLIC SYNDROME: BEYOND THE ASSOCIATION HENO FERREIRA LOPES The metabolic syndrome is characterized by risk factor cluster as hypertension, obesity, dyslipide- mia (high LDL-cholesterol, high triglycerides and low HDL-cholesterol), glucose metabolism abnorma- lities (glucose intolerance or hyperinsulinemia or insulin resistance or diabetes) and microalbuminuria. This syndrome was the first time described around 1922 and is called for several names as morbid quartet, X syndrome, plurimetabolic syndrome, and insulin resistance syndrome. In 1988 Reaven bet- ter described the syndrome and characterized the insulin resistance as one main mechanism. The etiology is associated to genetic and environmental components. The prevalence is relatively high in adults and the cardiovascular mortality in patients with the syndrome is significantly higher comparing to cardiovascular risk factors present on the syndrome separately. From the mechanistic point of view, visceral obesity seems to have an important function and contributes with several biochemistry and hormonal abnormalities found in the syndrome. Insulin resistance, increased sympathetic activity, in- crease of nonesterified fatty acids and interaction to the insulin resistance mechanism, hyperleptine- mia, increased angiotensinogen, increased PAI-1 and TNF-alpha are alterations commonly found in subjects with metabolic syndrome. Regarding the diagnostic, two criteria are followed nowadays: from the World Health Organization and the NCEP III, that will be discussed in details. The treatment is related to the abnormalities found in the metabolic syndrome as well as hypertension, dyslipidemia, glucose metabolism abnormalities, and mainly to the obesity. Key words: metabolic syndrome, prevalence, mechanisms, diagnosis, treatment. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:64-77) RSCESP (72594)-1293 REFERÊNCIAS 1. Fontbonne A. Insulin-resistance syndrome and cardiovascular complications of non-insulin- dependent diabetes mellitus. Diab Metab 1996;22:305-13. 2. Hayden JM, Reaven PD. 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HIPERTENSÃO ESSENCIAL COMO CAUSA DE INSUFICIÊNCIA RENAL Não há dúvida de que a hipertensão acele- rada/maligna pode causar insuficiência renal, muitas vezes irreversível. A ocorrência de insu- ficiência renal no curso de hipertensão primária não-maligna é muito mais rara e requer um lon- go tempo de evolução. No “Multiple Risk Factor Intervention Trial” (MRFIT), apenas 0,15% dos pacientes com nível sérico de creatinina normal no início da investigação duplicaram o valor ini- cial após sete anos de seguimento(24). No entan- to, como a hipertensão é muito comum, a pe- quena proporção dos indivíduos que apresen- tam essa complicação termina por representar uma porcentagem elevada entre os portadores de insuficiência renal crônica, condição muito menos freqüente. Nos Estados Unidos, existem cerca de 42 milhões de hipertensos, enquanto a incidência de insuficiência renal dialítica é 19 mil por ano. Estima-se que apenas 1 entre 2.200 hipertensos evoluem anualmente para insufici- ência renal, mas isso se traduz por uma preva- lência de até 30% de nefrosclerose como a cau- sa de insuficiência renal dialítica(14). Na Europa, por outro lado, 1 em cada 6 mil hipertensos evo- lui para insuficiência renal e a proporção de ure- mia atribuída à hipertensão é de 7% (25). Essa diferença possivelmente reflete a maior propor- ção de negros na população americana. Na raça negra, a nefrosclerose é mais precoce e tem curso mais rápido e agressivo que em brancos, sendo o pico de incidência de insuficiência re- nal dialítica decorrente de nefrosclerose aos 50 anos em negros e superior a 65 anos em cau- casóides (26). Outro fator que dificulta estabelecer a real prevalência de nefrosclerose entre os renais crô- nicos diz respeito à grande semelhança clínica entre nefrosclerose e outras nefropatias. A mai- oria dos pacientes renais crônicos tem hiperten- são. Se hipertensão é causa ou conseqüência da doença renal, é freqüentemente impossível de determinar sem exame histopatológico. Glo- merulonefrite por IgA, glomeruloesclerose focal, nefropatia intersticial e doença renovascular são as condições que mais comumente se confun- dem com doença renal hipertensiva (26). Existe, portanto, sempre o risco da freqüência com que se faz o diagnóstico de nefrosclerose seja exa- gerado, particularmente em negros, os quais apresentam prevalência de hipertensão mais elevada. EFEITO DA HIPERTENSÃO SOBRE A PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL A hipertensão acelera a progressão das ne- fropatias. A função renal declina paralelamente com o aumento das pressões sistólica e diastó- lica, independentemente de outros fatores, tais como idade, raça, renda familiar, diabete, taba- gismo e colesterol sérico(27). O efeito do controle da pressão arterial sobre a velocidade de pro- gressão da insuficiência renal é mais complexo. Esse fenômeno depende não apenas do nível da pressão arterial como também da causa da doença renal. Pacientes com pressão arterial muito elevada melhoram o prognóstico renal com a redução da pressão, seja qual for o tipo de doença renal envolvida. Isso é facilmente com- provado na hipertensão acelerada ou maligna. Quando se trata, no entanto, de hipertensão leve ou moderada, a causa da doença renal adquire grande importância. Pacientes portadores de doenças renais que cursam com proteinúria sig- nificativa (> 1,0 g/24 horas) são os que mais se beneficiam da redução da pressão arterial(28). Nessa categoria encontram-se a nefropatia dia- bética e vários tipos de doenças glomerulares (29). Ao contrário, pacientes que apresentam graus menores de proteinúria parecem se beneficiar menos da redução da pressão arterial no que diz respeito à progressão da insuficiência renal, embora apresentem redução da incidência das complicações cardiovasculares. Nesse grupo encontram-se a nefrosclerose “benigna”, as do- enças túbulo-intersticiais e a doença policísti- ca(28, 30, 31). No caso da nefrosclerose, parte da dificuldade de se comprovar efeito significativo do tratamento sobre a função renal é explicada pela baixa prevalência de insuficiência renal nessa população, como discutido anteriormen- te. Mesmo assim, o aparecimento de proteinú- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 81 LIMA JJG Rim e hipertensão ria na nefrosclerose implica pior prognóstico re- nal(32). Esses resultados indicam que hiperten- são e proteinúria conspiram para acelerar a de- terioração da função renal. Atualmente existe consenso de que em pacientes com doença re- nal proteinúrica a pressão arterial deve ser re- duzida a valores menores que aos que corres- pondem aos limites superiores de normotensão (135/85)(33). Outros fatores possivelmente podem alterar para pior o curso das doenças renais, mas as evidências nesse sentido são menos conclu- sivas. Entre eles encontram-se as dislipidemi- as, a hiperuricemia, a intolerância à glicose e o tabagismo(27). Estudos em animais(34) e no homem(35) de- monstraram que os inibidores da enzima de con- versão da angiotensina e, possivelmente, tam- bém os bloqueadores do receptor AT1 conferem proteção renal que vai além do atribuível à re- dução da pressão arterial. Esse efeito é propor- cional ao nível de proteinúria preexistente e ao grau de redução da proteinúria obtido com o tra- tamento(35). Inibidores do sistema renina-angio- tensina provocam, predominantemente, vasodi- latação arteriolar eferente, que, por sua vez, re- duz a pressão intraglomerular, diminuindo a pas- sagem de proteínas e de outras macromolécu- las para espaço urinário(36). A combinação de menor pressão glomerular e redução da protei- núria é responsável pelo efeito renoprotetor ex- tra dessas drogas. No entanto, quando a pres- são arterial média é menor que 95 mmHg, o efei- to renoprotetor dos inibidores do sistema reni- na-angiotensina equivale ao dos outros hipoten- sores (37), indicando que o controle rígido da pres- são é o fator crítico para se obter desacelera- ção do processo. O controle da pressão arterial em níveis nor- mais em pacientes renais crônicos pode se acompanhar de elevação da creatinina e uréia em alguns pacientes. Esse problema é mais comum com os inibidores do sistema renina- angiotensina, pelo seu conhecido efeito vaso- dilatador eferente, que reduz a pressão intra- glomerular e, conseqüentemente, a filtração glo- merular. Embora quedas acentuadas da filtra- ção não devam ser toleradas, elevações da cre- atinina entre 20% e 40% não configuram moti- vo para a suspensão dessas drogas, uma vez que a redução da filtração glomerular é condi- ção indispensável ao efeito renoprotetor, espe- cialmente em nefropatias proteinúricas. Em re- cente meta-análise, Bakris e Weir(38) revisaram doze estudos clínicos randomizados que avali- aram a progressão da doença renal em 1.102 pacientes com insuficiência renal com segui- mento médio de três anos. Os autores obser- varam que a estabilização da função renal se correlacionou com a elevação inicial da creati- nina em até 30% nos primeiros dois meses de tratamento. De fato, os pacientes que não apre- sentaram redução da filtração glomerular den- tro dos limites referidos acima não se benefici- aram do tratamento. A conclusão é de que os inibidores do sistema renina-angiotensina pre- cisam ser suspensos apenas quando ocorre elevação persistente da creatinina acima de 30% ou hipercalemia. Outro ponto que merece atenção refere-se ao nível de creatinina inicial, além do qual inibidores do sistema renina-an- giotensina não devem ser usados. A esse res- peito, não existem evidências na literatura que permitam uma resposta definitiva. Parece pru- dente, no entanto, limitar o uso desses medica- mentos a pacientes com níveis séricos de cre- atinina menores que 5 mg/100 ml. EFEITOS DA HIPERTENSÃO ASSOCIADA À NEFROPATIA SOBRE O SISTEMA CARDIOVASCULAR A mortalidade cardiovascular de renais crô- nicos é 10 a 20 vezes maior que a da população geral, e essa tendência é observada mesmo nas fases iniciais da uremia(39). Por esse motivo, exis- te grande interesse em determinar quais os prin- cipais fatores responsáveis por essa marcada suscetibilidade. Nosso grupo tem se dedicado a verificar o impacto da pressão arterial sobre a morbidade e a mortalidade cardiovasculares de renais crônicos. Observamos que a hipertensão juntamente com a idade e os índices nutricio- nais foram os preditores de mortalidade em pa- cientes submetidos a hemodiálise, após ajustar para outros fatores (40). A probabilidade de morte foi 2,2 mais alta nos hipertensos durante o perí- odo de seguimento de 12 anos (40). Além disso, tanto a hipertrofia ventricular esquerda(41) como a prevalência de arritmias complexas (42) foram significativamente correlacionadas com os níveis da pressão sistólica. Em pacientes submetidos a transplante renal, a hipertrofia ventricular cor- relacionou-se com a pressão arterial sistólica em vigília, como avaliada pela monitorização am- bulatorial da pressão arterial(43). Em concordân- cia com esses resultados, a “European Renal Association” estabeleceu que a pressão arterial de renais crônicos em tratamento dialítico deva ser mantida em níveis não superiores a 140/ 80(44). 82 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 LIMA JJG Rim e hipertensão CONCLUSÕES O rim exerce papel importante no controle da pressão arterial e participa da gênese e/ ou da manutenção de todas as formas de hi- pertensão. Por outro lado, a pressão arterial elevada pode provocar ou acelerar lesões pre- existentes no parênquima, que, por sua vez, tendem a acentuar o grau de hipertensão. Pa- cientes renais crônicos apresentam mortali- dade cardiovascular muito acima da observa- da na população geral, e que é fortemente influenciada pela hipertensão. Prevenção e tratamento da hipertensão reduzem a incidên- cia de insuficiência renal, enquanto controle rígido da pressão arterial, desde as fases mais precoces da uremia, atenua o ritmo de pro- gressão da doença. KIDNEY AND HYPERTENSION JOSE JAYME G. DE L IMA The kidney controls normal arterial blood pressure and abnormalities of renal handling of sodium are considered to be involved in all known types of hypertension, including essential hypertension. On the other hand, hypertension occurs in the majority of patients with chronic renal disease causing progression to renal failure and favoring the establishment of extra-renal cardiovascular alterations. There are compelling evidences that control of hypertension improves renal prognosis and reduces the mortality of patients with renal diseases. Therefore, rigid blood pressure control is now considered a fundamental step to reduce the incidence of renal insufficiency and progression and mortality associa- ted with chronic nephropathy. Key words: hypertension, renal function curve, chronic renal disease, chronic renal failure. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:78-84) RSCESP (72594)-1294 REFERÊNCIAS 1. Guyton AC, Coleman TG. Long-term regulati- on of the circulation: interrelationships with body fluid volumes. In: Reeve EB, Guyton AC, eds. Physical bases of circulatory transport regulation and exchange. Philadelphia: Saun- ders; 1967. p. 179-201. 2. Hall JE, Montani JP, Woods LL, Mizelle HL. Renal escape from vasopressin: role of pres- sure diuresis. Am J Physiol 1986;250:F907- F916. 3. Kimura G, Saito F, Kojima S, Yoshimi H, Abe H, Kawano Y, et al. Renal function curve in patients with secondary forms of hypertensi- on. Hypertension 1987;10:11-5. 4. Hall JE. Control of excretion by angiotensin II: intrarenal mechanisms and blood pressure re- gulation. Am J Physiol 1986;250:R960-R972. 5. De Lima JJG. Hipertensão arterial monogêni- ca. J Bras Nefrol 1996;18:412-4. 6. 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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 85 GIORGI DMA Microalbuminúria na hipertensão arterial primária: significado e valor prognóstico MICROALBUMINÚRIA NA HIPERTENSÃO ARTERIAL PRIMÁRIA: SIGNIFICADO E VALOR PROGNÓSTICO DANTE MARCELO ARTIGAS GIORGI Unidade de Hipertensão — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-000 — São Paulo — SP Alguns pacientes com hipertensão arterial primária apresentam aumento da excreção urinária de albumina. O significado desse dado não está ainda bem estabelecido. Pacientes hipertensos com microalbuminúria, quando comparados com hipertensos com excreção urinária de albumina normal, apresentam maiores valores de pressão arterial, principalmente durante o sono, e maiores níveis séricos de colesterol, triglicérides e ácido úrico. Por outro lado, os níveis de HDL-colesterol são meno- res nos pacientes com microalbuminúria que nos normoalbuminúricos. Hipertensos com microalbumi- núria apresentam, ainda, maior incidência de resistência à insulina e de espessamento da parede das artérias carótidas que os pacientes com excreção urinária de albumina normal. Os níveis de excreção urinária de albumina estão relacionados, também, com a presença de hipertrofia de ventrículo esquer- do ao ecocardiograma em hipertensos essenciais. A ocorrência de eventos cardiovasculares é mais freqüente em pacientes com microalbuminúria que nos pacientes com normoalbuminúria. Excreção urinária de albumina, colesterol sérico e pressão arterial diastólica são fatores de risco independentes para a ocorrência de eventos cardiovasculares. A queda da filtração glomerular ao longo do tempo é maior em hipertensos que apresentam microalbuminúria. Em conclusão, pacientes hipertensos com microalbuminúria apresentam, concomitantemente, diversas alterações bioquímicas e hormonais. Es- sas alterações os levam a apresentar maior incidência de eventos cardiovasculares e maior perda de função renal ao longo do tempo que hipertensos com excreção urinária de albumina normal. Palavras-chave: microalbuminúria, hipertensão arterial, hipertrofia do ventrículo esquerdo, hiperco- lesterolemia. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:85-91) RSCESP (72594)-1295 INTRODUÇÃO O termo microalbuminúria indica a quanti- dade de albumina urinária maior que o percen- til 95 de excreção urinária de albumina obser- vada na população normal, sendo, contudo, menor que a quantidade detectável pelos mé- todos quantitativos. Assim, os valores de excre- ção urinária de albumina compreendidos entre 30 mg/24 horas e 300 mg/24 horas (ou 20 µg/ min a 200 µg/min) definem a presença de mi- croalbuminúria(1). Em pacientes com diabete melito dependente de insulina, a microalbumi- núria indica a fase da nefropatia diabética ca- racterizada não pela presença de insuficiência renal e proteinúria declarada e sim pelo aumen- to da filtração glomerular e da excreção uriná- ria de albumina(2). Além disso, a presença de microalbuminúria é preditora de mortalidade e morbidade cardiovasculares tanto no diabete melito dependente de insulina como no não- dependente de insulina(3-5). Em hipertensão primária, existem evidênci- as indicando que a microalbuminúria pode ser preditora de eventos cardiovasculares e de le- são renal inicial(6-8). O mesmo parece ocorrer também na população geral(9, 10). 86 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 GIORGI DMA Microalbuminúria na hipertensão arterial primária: significado e valor prognóstico MÉTODOS DE MEDIDA DA EXCREÇÃO URINÁRIA DE ALBUMINA: FATORES QUE INFLUENCIAM A DOSAGEM Diversos métodos são utilizados para a me- dida da excreção urinária de albumina: radioi- munoensaios (11), imunoturbidometria(12) e ensaio imunoadsorvente “enzyme linked”(13). Todos es- ses métodos apresentam sensibilidade seme- lhante e têm resultados similares. A preserva- ção prolongada da urina parece não alterar o resultado da dosagem obtida com a urina fres- ca(14). A obesidade(15), o exercício físico(16, 17), a pos- tura ortostática(18), o fumo e o consumo excessi- vo de álcool(19) podem aumentar a excreção uri- nária de albumina. Além disso, a excreção de albumina tende a ser 25% maior durante o dia que durante a noite(20). PREVALÊNCIA DE MICROALBUMINÚRIA EM HIPERTENSOS ESSENCIAIS Existem poucos estudos populacionais so- bre a freqüência da microalbuminúria. Os da- dos do “National Health and Nutrition Examina- tion Surveillance” (NHANES) sobre a prevalên- cia da microalbuminúria em população geral norte-americana demonstram prevalência de 6,1% em homens e de 9,7% em mulheres. A prevalência de microalbuminúria atingiu 28% em indivíduos com história de diabete, 16% em hi- pertensos e 5,1% em indivíduos sem diabete, hipertensão ou elevação da creatinina sérica(21). Outros estudos, em populações selecionadas, demonstram grande variação nos valores de pre- valência de microalbuminúria em hipertensos, com freqüências variando de 5% a 37% (22-27). Em um estudo com 11.343 pacientes hiper- tensos não-diabéticos, a microalbuminúria es- teve presente em 32% dos homens e 28% das mulheres, aumentando com a idade e a gravi- dade e a duração da hipertensão(28). Existem estudos que sugerem melhor correlação en- tre a excreção urinária de albumina e a pres- são arterial obtida pela medição ambulatorial da pressão arterial que com a pressão casu- al (23-25, 29, 30). PATOGÊNESE DA MICROALBUMINÚRIA NA HIPERTENSÃO ESSENCIAL Dois mecanismos têm sido propostos para o aparecimento de microalbuminúria em alguns hipertensos essenciais: o aumento da pressão hidrostática do capilar glomerular ou o aumento da permeabilidade da membrana basal a prote- ínas. Hemodinâmica glomerular A pressão hidrostática glomerular é regula- da pela relação vasoconstrição/vasodilatação das arteríolas glomerulares aferentes e eferen- tes. Uma grande variedade de substâncias en- dócrinas, parácrinas e autócrinas, além de agen- tes farmacológicos, pode influenciar a hemodi- nâmica glomerular, independentemente de ações sobre a pressão arterial sistêmica. Normalmente, a elevação da pressão arteri- al sistêmica é associada, no glomérulo, à vaso- constrição da arteríola aferente, prevenindo a transmissão da pressão hidrostática aumenta- da para o tufo glomerular, mantendo inalterada a pressão hidrostática do glomérulo(31). Se houver defeito na adaptação auto-regu- latória das arteríolas aferentes, pode haver au- mento da pressão hidrostática glomerular. Além disso, uma vasoconstrição exagerada da arterí- ola eferente pode aumentar a pressão hidrostá- tica glomerular, mesmo na presença de pres- são arterial sistêmica normal. Em modelos experimentais de hipertensão, a função renal deteriora-se mais rapidamente em modelos sensíveis ao sal que em modelos resistentes ao sal. Assim, comparando-se o mo- delo de ratos espontaneamente hipertensos (SHR) com o modelo de ratos Dahl sensíveis ao sal, constatou-se que, enquanto os ratos SHR apresentam aumento da resistência da arterío- la aferente, adaptando-se à elevação da pres- são arterial sistêmica e protegendo o glomérulo renal(32, 33), os ratos Dahl sensíveis ao sal apre- sentam redução da resistência arteriolar aferen- te, resultando em aumento da pressão do capi- lar glomerular, proteinúria e glomerulosclero- se(32). Existe controvérsia se indivíduos com hiper- tensão arterial mostram os mesmos desarran- jos na hemodinâmica renal observados nos modelos experimentais. Alguns autores, basea- dos no fato de a sensibilidade ao sal ser mais freqüente em algumas categorias de hiperten- sos com maior prevalência de insuficiência re- nal (negros, idosos, obesos e diabéticos), pro- põem que as anormalidades na adaptação da hemodinâmica renal à alta ingestão de cloreto de sódio da dieta podem ser a base para a mai- or prevalência de insuficiência renal em pacien- tes sensíveis ao sal. A presença de maior ex- creção urinária de albumina em pacientes sen- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 87 GIORGI DMA Microalbuminúria na hipertensão arterial primária: significado e valor prognóstico síveis ao sal pode ser interpretada como um marcador de maior lesão renal e, potencialmen- te, ser usada como indicador prognóstico de doença renal progressiva. Vários mecanismos podem interligar a reten- ção de sódio e as alterações hemodinâmicas observadas em animais ou pacientes hiperten- sos sensíveis ao sal, e, dessa forma, aumento da atividade do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, hipe- rinsulinemia e diminuição da produção local de hormônios vasodilatadores. Fatores não-hemodinâmicos A excreção urinária de albumina não depen- de apenas de fatores hemodinâmicos, podendo decorrer, também, de alterações da permeabili- dade da membrana basal glomerular. A altera- ção da permeabilidade da membrana basal à albumina é conseqüência da perda de sua car- ga aniônica. Estudos recentes demonstraram associação entre microalbuminúria e alterações da seletividade glomerular, dependente da car- ga da membrana basal, mesmo em indivíduos sadios (34, 35). O aumento da permeabilidade à al- bumina pode, ainda, depender do aumento de produção de fatores locais (fator de crescimen- to do endotélio vascular e fator de permeabili- dade vascular) pelas células mesangiais e en- doteliais(36-40). O fator de permeabilidade vascu- lar está implicado na patogênese da microalbu- minúria em pacientes com diabete(41) e com glo- merulopatias (42). MICROALBUMINÚRIA E LÍPIDES SÉRICOS Em pacientes hipertensos essenciais, é fre- qüente a associação de hiperlipidemia e micro- albuminúria. Nesses pacientes, a excreção uri- nária de albumina correlaciona-se significativa e diretamente com níveis séricos de triglicéri- des, de apolipoproteina B e de lipoproteína(a) e inversamente com os níveis de HDL-colesterol(26, 43). Existem várias explicações para essa asso- ciação. Alguns autores sugerem haver correla- ção entre microalbuminúria e conteúdo de co- lesterol na dieta ingerida pelo indivíduo(44, 45). En- tretanto, a associação entre microalbuminúria e hiperlipidemia freqüentemente independe da dieta e do peso do paciente. Outra possível ex- plicação é a evidência de que a perda urinária de grande quantidade de proteína pode levar ao aumento dos níveis séricos de colesterol total, de LDL-colesterol e de lipoproteína(a)(46-48). A lesão renal causada pela hiperlipidemia, com aumento da excreção urinária de albumi- na, pode ser uma explicação alternativa para a associação entre a microalbuminúria e a hiperli- pidemia. Alguns estudos demonstraram que a hiperlipidemia pode desempenhar um papel na progressão da doença renal tanto em animais com nefropatia experimental como em pacientes com nefropatia diabética e não-diabética(49-51). Os mecanismos responsáveis pelos efeitos deleté- rios dos lípides sobre o glomérulo ainda não estão estabelecidos. MICROALBUMINÚRIA E DOENÇA CARDIOVASCULAR Há associação, em pacientes hipertensos, entre microalbuminúria e aumento da incidên- cia de complicações cardiovasculares, como hi- pertrofia de ventrículo esquerdo, isquemia mio- cárdica e retinopatia hipertensiva. Em um grupo de 149 hipertensos sem mi- croalbuminúria e 18 com microalbuminúria, ob- servou-se maior incidência de doença arterial coronária (74%) e doença arterial periférica (44%) em pacientes com microalbuminúria que nos sem microalbuminúria (32,9% e 9%, respec- tivamente). Em seguimento de mais de 3 anos, houve 3 óbitos (2%) entre os indivíduos sem mi- croalbuminúria e 6 óbitos (33%) nos microalbu- minúricos (52). Em pacientes idosos também mostrou-se maior incidência de acidente vascular cerebral e de outros eventos cardiovasculares nos que apresentavam microalbuminúria em relação aos normoalbuminúricos. Em um estudo com 11.343 hipertensos não- diabéticos, a prevalência de doença arterial co- ronária (31% vs. 22%), de hipertrofia ventricular esquerda (24% vs. 14%), de acidente vascular cerebral (6% vs. 4%) e de doença arterial peri- férica (7% vs. 5%) foi mais elevada nos pacien- tes com microalbuminúria quando comparados com os normoalbuminúricos (28). Outros autores demonstraram, em segui- mento de 7 anos de 141 hipertensos, que ocor- reram 12 eventos cardiovasculares entre os 54 pacientes com microalbuminúria contra apenas 2 eventos nos 87 pacientes com excreção uri- nária de albumina normal(53). Existe, ainda, associação entre a microalbu- minúria e alterações ecocardiográficas da mas- sa e geometria do ventrículo esquerdo em paci- entes hipertensos que apresentam sobrecarga de ventrículo esquerdo ao eletrocardiograma(54). Entretanto, nem todas as evidências existen- 90 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 GIORGI DMA Microalbuminúria na hipertensão arterial primária: significado e valor prognóstico 1992;61:94-7. 26. Redon J, Liao Y, Lozano JV, Miralles A, Bal- do E, Cooper RS. Factors related to the pre- sence of microalbuminuria in essential hyper- tension. Am J Hypertens 1994;7:801-7. 27. Spangler JG, Bell RA, Summerson JH, Ko- nen JC. Correlates of abnormal urinary albu- min excretion rates among primary care pa- tients with essential hypertension. J Am Board Fam Pract 1997;10:180-4. 28. Agrawal B, Berger A, Wolf K, Luft FC. Micro- albuminuria screening by reagent strip pre- dicts cardiovascular risk in hypertension. J Hypertens 1996;14:223-8. 29. Giaconi S, Levanti C, Fommei E, et al. Micro- albuminuria and casual and ambulatory blood pressure monitoring in normotensives and in patients with borderline and mild essential hypertension. 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Assim, o crescimen- to miocárdico depende, fundamentalmente, da hipertrofia, isto é, do aumento do tamanho celu- lar. Uma vez que os cardiomiócitos ocupam 70% do volume do miocárdio, esse processo é efeti- vo para o crescimento do órgão como um todo(2). A hipertrofia miocárdica pode ocorrer de forma fisiológica ou patológica. A hipertrofia fisiológi- ca é aquela observada durante o crescimento MECANISMOS DE HIPERTROFIA E FIBROSE NA HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA BEATRIZ BOJIKIAN MATSUBARA , LUIZ SHIGUERO MATSUBARA Departamento de Clínica Médica — Faculdade de Medicina de Botucatu — UNESP Endereço para correspondência: Rubião Junior, s/n — CEP 18618-000 — Botucatu — SP A hipertrofia ventricular, isoladamente, é o fator associado a maior morbidade e maior mortalidade de eventos cardiovasculares, como arritmia, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca con- gestiva e morte súbita. A principal causa de hipertrofia ventricular é a sobrecarga crônica de pressão secundária à hipertensão arterial sistêmica. Comumente observamos aumento do colágeno interstici- al junto com hipertrofia, o que contribui para o surgimento da disfunção ventricular. Nesta revisão, são apresentados os principais mecanismos envolvidos na hipertrofia do miócito bem como na fibrose intersticial miocárdica. São discutidas as vias de estimulação da síntese protéica pelo miócito e fibro- blasto, responsáveis pela hipertrofia do miócito e pelo aumento da matriz intersticial, respectivamente. Os principais sinais para ativação da transcrição celular são o estiramento, que estimula os mecano- transdutores de superfície, os neuro-hormônios, que ativam os receptores acoplados à proteína G, os fatores de crescimento, que ativam os receptores tirosina-quinases, e os mediadores inflamatórios, que ativam os receptores gp 130-dependentes. Essas vias, altamente complexas, determinam a ativa- ção de genes fetais e maior síntese de proteínas associadas à hipertrofia e à fibrose miocárdica. Considerando-se a repercussão da hipertrofia e fibrose miocárdica sobre a função cardíaca, o conhe- cimento de suas vias de estimulação e inibição são fundamentais para o encontro de terapias adequa- das que possam prevenir ou regredir esses fatores associados a maior morbidade e mortalidade de eventos cardiovasculares. Palavras-chave: função miocárdica, insuficiência cardíaca, colágeno, colagenase, remodelação car- díaca. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:92-103) RSCESP (72594)-1296 miocárdico no período embrionário, durante o período pós-natal e na senescência, e corres- ponde, também, ao crescimento associado com o treinamento físico do atleta(3). Quando o coração é submetido a sobrecar- ga crônica de pressão, a hipertrofia miocárdica é dita patológica e representa um dos principais mecanismos de adaptação, na medida em que o espessamento da parede muscular tem o efeito de normalizar o estresse sistólico ventricular, possibilitando a ejeção normal, apesar da so- brecarga hemodinâmica(3). No entanto, a hiper- trofia miocárdica constitui-se em fator indepen- dente de risco de morte súbita, infarto do mio- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 95 MATSUBARA BB e col. Mecanismos de hipertrofia e fibrose na hipertensão arterial sistêmica Figura 2. Esquema ilustrando os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da hipertrofia miocárdica. mentais, apesar de seu efeito trófico na muscu- latura lisa do vaso. Além do FGF e do TGF-beta, o fator de cres- cimento semelhante à insulina 1 (IGF-1) é ex- presso no miocárdio hipertrofiado em decorrên- cia da sobrecarga crônica de pressão. Esses e outros peptídeos estimuladores de crescimento ligam-se aos receptores tirosina quinase (RTK), que se autofosforilam em sua porção citoplas- mática e determinam a formação de moléculas sinalizadoras de crescimento junto ao núcleo(17). Dentre os hormônios que têm efeito trófico sobre o coração, o hormônio tireoideano é con- siderado um mediador clássico de hipertrofia cardíaca. A administração de hormônio tireoi- deano a animais de laboratório produz aumento do peso cardíaco, que está associado a altera- ções das cadeias pesadas de miosina (MHCs), proteínas ligadas a cálcio e outras proteínas do cardiomiócito de pequenos animais e de prima- tas (17). É preciso salientar que o aumento da con- centração de cálcio intracelular tem sido apon- tado como um dos mecanismos de hipertrofia do miócito, em estudos “in vitro”. No entanto, o papel relativo dessa via no crescimento do co- ração “in vivo” não está esclarecido(18). Normalmente, os processos de síntese e de degradação de proteínas estão em equilíbrio no interior das células. Nessas circunstâncias nor- mais, a vida média das proteínas cardíacas é de cinco dias, de modo que a composição do coração adulto pode ser reconstituída em, apro- ximadamente, três semanas. Durante o desen- volvimento da hipertrofia, instala-se a situação de desequilíbrio, de modo que a síntese passa a predominar sobre o processo de degradação. Experimentos indicaram que o fator mais impor- estímulo inicial deformação mecânica, receptores ligados à proteína G (AII, ET, Rα1 e Rβ 2), receptores ligados à tirosina quinase (FGF), outros transdutores bioquímicos (proteína quinase C e A), MAP e tirosina quinases, biofísicos (integrinas, citoesqueleto) ativação de genes síntese de proteínas estruturais, funcionais e fatores de crescimento fenótipo cardiovascular: hipertrofia compensada ou descompensada 96 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 MATSUBARA BB e col. Mecanismos de hipertrofia e fibrose na hipertensão arterial sistêmica tante para a variação da massa miocárdica é a capacidade celular de síntese protéica, uma vez que o processo de degradação parece pouco alterado nas sobrecargas de pressão ou de vo- lume, na regressão de hipertrofia e na atrofia cardíaca(17). Além do aumento do conteúdo protéico, a célula hipertrófica apresenta alterações da com- posição das isoformas de miosina, da atividade de proteínas regulatórias e das proteínas envol- vidas na homeostase do cálcio, entre outros componentes de estruturas subcelulares. Essas modificações causam variações da plasticidade do músculo, num efeito que compõe o processo de compensação cardíaca em resposta à so- brecarga hemodinâmica; mas seu papel na tran- sição da função normal para o estado de falên- cia cardíaca não está totalmente esclarecido(19). FALÊNCIA DO MIOCÁRDIO HIPERTROFIADO Conforme a hipertrofia progride, diferentes graus de desorganização celular podem ser ob- servados à microscopia eletrônica. Inicialmen- te, há aumento do número de mitocôndrias as- sociado ao aumento de miofibrilas. Além disso, as mitocôndrias e o núcleo tornam-se mais vo- lumosos. Depois disso, novas organelas e mio- filamentos são adicionados em áreas celulares atípicas, mudando seu contorno. As células vi- zinhas perdem a uniformidade de tamanho e as linhas Z deixam de ser lineares. Finalmente, há perda de elementos contráteis, acentuada de- sorganização das linhas Z, desalinhamento dos sarcômeros, deposição de tecido fibroso e dila- tação dos túbulos T, que se tornam mais tortuo- sos (20). Independentemente do tipo de sobrecarga hemodinâmica, volume ou pressão, ocorre au- mento de estresse na parede, o qual é sentido pelo miócito e se traduz com modificações da expressão gênica miocárdica, como discutido anteriormente. A partir disso, segue-se a altera- ção molecular mais característica da hipertrofia patológica, que é a indução de genes fetais, in- cluindo genes que modificam a composição e a regulação dos elementos contráteis, genes que modificam o metabolismo energético e genes que codificam os componentes das vias hormo- nais, como, por exemplo, o fator natriurético atrial e a enzima conversora de angiotensina(5). Um efeito importante das modificações gê- nicas do miocárdio hipertrofiado é a redução da expressão de genes envolvidos na homeostase intracelular de íons, como, por exemplo, a redu- ção da “retículo sarcoplasmático cálcio-ATP-ase” — SERCA-2, que regula a retirada ativa do cál- cio citoplasmático para dentro do retículo sar- coplasmático, durante a diástole. Além disso, essa enzima sofre efeito inibitório adicional da fosfolamban, que permanece desfosforilada. Esse conjunto de efeitos contribui para a eleva- ção da concentração de cálcio citosólico na di- ástole, explicando o retardo de relaxamento do miocárdio hipertrofiado (Fig. 3). Outras modifi- cações importantes foram descritas, como o aumento de proteína troca Na+/Ca2+, redução da expressão de receptores simpáticos e parassim- páticos e aumento da razão entre os subtipos de receptores da angiotensina AT2/AT1. Algu- mas dessas modificações são favoráveis, como, por exemplo, o aumento da isoforma lenta da miosina ATP-ase (V3), porque tornam a contra- ção mais econômica, do ponto de vista energé- tico. A longo prazo, essas mudanças na expres- são gênica levam à perda de função contrátil(17). No miocárdio hipertrofiado, a homeostase al- terada do cálcio pode dever-se, também, à di- minuição dos receptores beta-adrenérgicos. Essa via reflete uma seqüência de reações bio- químicas, iniciada com a interação das cateco- laminas com os receptores específicos tipo beta e seguida da conversão do estímulo extracelu- lar em resposta intracelular. O estímulo extrace- lular age sobre o receptor (beta-1 e beta-2), que, mediado por uma proteína reguladora (proteína G), interage com o efetor, ativando ou inibindo a produção de 3’5’monofosfato cíclico de adeno- sina (AMPc) e de quinases. Esse segundo men- sageiro acarreta modificações enzimáticas e iô- nicas, principalmente no trânsito de cálcio. A ati- vidade da adenil ciclase é modulada por duas proteínas G: a Gs, com capacidade de estimu- lar a ativação da adenil ciclase, e a Gi, que é capaz de inibir essa ativação. A ativação da pro- teína Gs e do complexo AMPc/quinase promo- ve aumento do cálcio citosólico, resultando em efeito inotrópico positivo. Em condições patoló- gicas, em que ocorre hipertrofia e disfunção car- díaca, já foram identificadas diversas alterações, tanto na via beta-adrenérgica como no trânsito de cálcio. Assim, foram observados: diminuição da concentração de receptores beta-1, diminui- ção dos níveis de proteína Gs, diminuição da atividade da adenil ciclase, aumento dos níveis de proteína Gi, diminuição dos níveis de calmo- dulina quinase, diminuição da fosforilação da fosfolambam e da SR-Ca++-ATPase. A deficiên- cia da fosforilação da fosfolambam implica pre- juízo adicional da captação do cálcio para o re- Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 97 MATSUBARA BB e col. Mecanismos de hipertrofia e fibrose na hipertensão arterial sistêmica tículo sarcoplasmático, contribuindo, portanto, para a deterioração da função ventricular no coração remodelado(5). Outro mecanismo de falência do miocárdio hipertrofiado é a isquemia relativa, principalmen- te, na região subendocárdica do ventrículo. A isquemia ocorre por diminuição relativa de capi- lares coronarianos, aumento da distância para difusão do oxigênio entre os capilares e as mi- Figura 3. No miócito normal (à esquerda), a despolarização do sarcolema resulta da entrada do Ca2+ (ICa) pelos canais tipo L, ativando a liberação do Ca2+ do retículo sarcoplasmático pelos canais depen- dentes de cálcio (receptores rianodínicos, RyR). A elevação do cálcio citosólico é fundamental para o acoplamento excitação-contração e encurtamento dos sarcômeros. O relaxamento que se segue con- siste do seqüestro de Ca2+ para dentro do retículo sarcoplasmático pela SERCA-2 (S). A velocidade desse processo é influenciada pela proteína regulatória fosfolamban (P), que, uma vez fosforilada, permite a ação da SERCA-2. A concentração do Ca2+ citosólico também pode ser reduzida pela ação da enzima troca Na+/Ca2+ do sarcolema. No miocárdio hipertrofiado (à direita), ocorre redução da corrente de entrada de Ca2+ pelos canais L, com diminuição da liberação desse íon pelo retículo sarcoplasmático, por meio dos receptores RyR. A expressão e a função da SERCA-2 estão reduzidas e a fosfolamban não é fosforilada, causando menor recaptura de Ca2+ pelo retículo sarcoplasmático. Além disso, há aumento da proteína permutadora Na+/Ca2+, com maior retirada de cálcio do citosol, pela via lenta, com conseqüente depleção de seus estoques intracelulares. O resultado final é a eleva- ção da concentração de Ca2+ citoplasmático durante a diástole, a redução dessa concentração duran- te a sístole e o prejuízo da função ventricular. tocôndrias, e alterações estruturais e funcionais das arteríolas coronarianas, com diminuição de sua reserva, entre outros fatores. A hipoxia cau- sa depleção dos estoques de fosfatos de alta energia, em especial a creatina-fosfato (CrP). A CrP funciona como um tampão que mantém alta a concentração de ATP e da razão ATP/ADP. Parece ser importante também na transferência dos fosfatos de alta energia da mitocôndria para
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