Baixe Evolção da atmosfera terrestre e outras Notas de estudo em PDF para Química Industrial, somente na Docsity! 5 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001A evolução da atmosfera terrestre ATerra tem aproximadamente4,5 bilhões de anos. Seriapouco provável que nosso planeta tivesse permanecido por todo esse tempo idêntico, na sua forma e na sua composição, ao planeta que hoje habitamos. O mesmo ocorre com a atmosfera terrestre, que nem sempre apresentou a mesma composição química que a atual, conforme apre- senta o Quadro 1. Muito embora todos nós tenhamos a idéia de que grandes mudanças devem ter ocorrido nesses bilhões de anos, sempre nos resta uma pergunta: como podemos reconstituir a atmosfera terrestre primitiva de modo a avaliar a magnitude dessas trans- formações? Simplesmente tentando entender as marcas deixadas por essas transformações no nosso pla- neta através da química, da geologia e da biologia, trabalhando integra- damente como uma equipe multidis- ciplinar. E à medida que desvendamos as grandes transformações químicas que a atmosfera terrestre vivenciou, procuramos avaliar quais foram as conseqüências dessas mudanças para a manutenção da vida na Terra. Assim, podemos aprender muito com a história, de modo a não cometermos os mesmos erros (ou pelo menos nos protegermos de seus efeitos), os quais ficaram registrados na crosta do planeta ao longo desses bilhões de anos. O processo mais importante ocor- rido no planeta Terra foi o aparecimento da vida, o que deve ter ocorrido há aproximadamente 3,5 bilhões de anos. Até então, estima-se que nosso plane- ta apresentava uma atmosfera bas- tante redutora, com uma crosta rica em ferro elementar e castigada por altas doses de radiação UV, já que o Sol era em torno de 40% mais ativo do que é hoje e também não havia oxigênio suficiente para atuar como filtro dessa radiação, como ocorre na estratosfera atual (vide artigo sobre química atmosférica). Dentro dessas caracte- rísticas redutoras, con- clui-se que a atmosfera primitiva era rica em hi- drogênio, metano e amônia. Estes dois últi- mos, em processos fotoquímicos media- dos pela intensa radia- ção solar, muito prova- velmente terminavam se transformando em nitrogênio e dióxido de carbono. Conforme esperado, todo oxigênio disponível tinha um tempo de vida muito curto, acabando por reagir com uma série de compostos presen- tes na sua forma reduzida. A termodinâmica e o conceito de vida Uma observação mais criteriosa da composição química da atmosfera ter- restre (Quadro 1) mostra que o nosso planeta é ímpar quando comparado com nossos vizinhos mais próximos, Marte e Vênus. Se fosse possível tomar uma amostra de cada uma das atmos- feras desses dois planetas e confiná-las em um sistema isolado por alguns mi- lhões de anos, iríamos observar que as Wilson F. Jardim A evolução da atmosfera terrestre ao longo de 4,5 bilhões de anos nos revela transformações químicas drásticas. O aparecimento da vida no nosso planeta acarretou uma situação de constante desequilíbrio na nossa atmosfera, sendo que essa instabilidade tem se agravado nestas ultimas décadas, fruto das atividades antrópicas. Os perigos associados à alteração da composição química da atmosfera também são discutidos. atmosfera, termodinâmica, fotossíntese, respiração Quadro 1: Composição química e termodinâmica da atmosfera de alguns planetas do Sistema Solar (%). Gás Vênus Marte Terra Terra* CO2 96,5 95 0,035 98 N2 3,5 2,7 79 1,9 O2 traços 0,13 21 traços Argônio traços 1,6 1,0 0,1 ∆fGm/kJ mol -1 ** -365 -376 -1,8 -377 * Composição provável antes do aparecimento da vida no planeta. ** Detalhes sobre como calcular os valores da energia livre padrão molar de formação apresentados nesta tabela encontram-se em Jardim e Chagas, 1992. 6 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001 suas composições químicas não se alterariam. Ou seja, sob o ponto de vista termodinâmico, essas atmosferas estão em equilíbrio, conforme mostram os dados termodinâ- micos presentes na última linha do Quadro 1. No entanto, se to- marmos uma amostra do ar que respiramos hoje e procedermos do mesmo modo que fizemos para as amos- tras de Marte e Vênus, ou seja, confiná-la de modo a excluir qualquer interação com seres vivos, iríamos descobrir que sua composição química seria drasticamente alterada, e no final teríamos uma atmosfera muito similar àquela encontrada nes- ses dois planetas, conforme mostrado na última coluna do Quadro 1. Isso demonstra que a atmosfera ter- restre está muito distante do equilíbrio termodinâmico, o que intuitivamente é sabido, pois como poderíamos expli- car que em uma atmosfera tão rica em oxigênio (poderoso oxidante) pudes- sem coexistir espécies reduzidas tais como metano, amônia, monóxido de carbono e óxido nitroso? Em uma aná- lise mais abrangente, poderíamos dizer que esse quadro único em termos de composição química da atmosfera da Terra é fruto da vida que se desen- volveu no planeta há mais de 3,5 bi- lhões de anos. O oxi- gênio que hoje com- põe a atmosfera é quase todo produto da fotossíntese, pois todas as outras fontes fotoquímicas inorgâ- nicas de produção de oxigênio juntas con- tribuem com menos de um bilionésimo do estoque de O2 que respiramos. Assim, os processos biológicos (em outras palavras, a vida!) produzem não apenas o oxidante atmosférico mas também os gases reduzidos, gerando um estado de baixa entropia, mantido pela inesgotável fonte de energia proveniente da radiação solar. Essa análise termodinâmica da atmosfera terrestre foi muito importante na década de 60, quando os EUA e a extinta União Sovié- tica, no auge do pe- ríodo denominado ‘Guerra Fria’, estavam interessados na ex- ploração do espaço e na investigação da possibilidade da exis- tência de vida extra- terrestre. Imagine uma nave não-tripulada pousando em Marte para investigar a existência de vida nesse planeta, e que você fosse o encarregado de idealizar um experimento que pudesse elucidar essa dúvida. Na realidade, esse cenário não é de ficção, e realmente ocorreu. Dentre as várias propostas de experimentos que fo- ram apresentadas (busca de DNA, de- tecção de carbono assimétrico etc.), to- das pecavam porque assumiam que a exis- tência da vida seria caracterizada por indícios com os quais estamos fami- liarizados, ou seja, estavam centrados na nossa concepção do que é vida. No entanto, o pesquisador inglês James Lovelock (1982) propôs que não seria necessário ir até estes planetas para verificar se haveria ou não vida neles, uma vez que em um conceito muito mais amplo (e válido para todo o Sistema Solar), a vida poderia ser detectada pela simples observação, daqui da Terra mesmo, do estado de entropia da atmosfera aliení- gena. Dentro dessa concepção química extremamente abrangente de vida, Marte e Vênus são hoje tidos como planetas estéreis porque suas atmosferas estão em equilíbrio termodinâmico. Você já havia pensado que a química pode fornecer uma das melhores e mais abrangentes definições do que é a vida? O aparecimento da vida na Terra A evolução da vida no nosso pla- neta pode ser resgatada através das evidências deixadas na crosta terrestre (incluindo as calotas polares), basica- mente pela análise geoquímica (espe- ciação química e radio-isotópica) de rochas e meteoritos, ou pelos fósseis de organismos que habitaram a Terra, além de uma boa dose de criatividade balizada pelas evidências científicas e pelo bom senso. O Quadro 2 esque- matiza os principais eventos que deter- minaram a evolução da vida, mostran- do a época em que ocorreram e as evidências usadas para inferi-los. As rochas mais antigas mostrando provável evidência de vida foram encontra- das na Groenlândia e são sedimentos car- bonáticos com 3,8 bi- lhões de anos. Antes disso, acredita-se que a crosta terrestre era tão bombardeada por meteoritos que a vida seria improvável. Nessas rochas já se verifica um desbalanço isotópico, ou seja, o empo- brecimento de 13C em relação ao 12C, o que geralmente é indicativo de ativi- dade biológica (vide detalhes no box). Em rochas oriundas da Austrália, com idade em torno de 2,8 bilhões de anos, foram encontradas cadeias de filamentos que muito se assemelham às cianofícias filamentosas (algas azuladas) de hoje. No entanto, os pri- meiros fósseis que realmente mostram organismos multicelulares são oriun- dos do Lago Superior, na América do Norte, e têm 2 bilhões de anos. Nesses fósseis foram encontradas as primeiras evidências de mecanismos de prote- ção ao oxigênio e à fotooxidação em cianofíceas. Uma análise centrada nas mu- danças químicas que acompanharam essa evolução está apresentada no Quadro 2, e nos mostra que o período mais crítico vivido pela nossa atmos- Mesmo dentro de uma concepção química extremamente abrangente de vida, Marte e Vênus são hoje tidos como planetas estéreis, porque suas atmosferas estão em equilíbrio termodinâmico Devido às características redutoras da nossa atmosfera primitiva, a biomassa era gerada através da fermentação, processo que ocorre também nos dias atuais A evolução da atmosfera terrestre As rochas mais antigas mostrando provável evidência de vida foram encontradas na Groenlândia e são sedimentos carbonáticos com 3,8 bilhões de anos. Antes disso, acredita-se que a crosta terrestre era tão bombardeada por meteoritos que a vida seria improvável