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entrevista hobsbawm, Notas de estudo de História

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Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 09/02/2008

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graciene-reis-de-sousa-7 🇧🇷

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Baixe entrevista hobsbawm e outras Notas de estudo em PDF para História, somente na Docsity! Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.264-273. 1 UMA ENTREVISTA COM ERIC J. HOBSBAWM. Eminente historiador britânico, um dos mais conhecidos no Brasil, o professor Eric J. Hobsbawm é o autor de uma vasta e complexa obra historiográfica, na qual as grandes sínteses sócio-político-culturais respondem ao mesmo tempo a exigências de rigor documental e a orientações metodológicas precisas. Definindo-se como historiador de formação marxista e dialogando permanentemente com a antropologia, a economia e a ciência política, entre outras ciências humanas, Eric Hobsbawm tem-se aproximado de temas como banditismo social, campesinato e política, teoria e método histórico e relações internacionais, com a mesma desenvoltura e erudição com que estuda as grandes revoluções liberais do século XIX na Europa. Profundamente interessado na América Latina, o professor Hobsbawm tem vindo freqüentemente ao Brasil a convite de instituições acadêmicas para conhecer de perto nossos problemas e nossa história. Aposentado do Birkbeck College (Universidade de Londres), mas dando ainda parte do seu tempo à atividade acadêmica na New School for Social Research em Nova York, continua a produzir obras de inestimável valor, como o recente A era dos impérios, já traduzida para o português. Nesta entrevista, concedida a Margarida Maria Moura e Gerson Moura, em fevereiro de 1989, ele conta a história de sua formação acadêmica e discute alguns problemas do campo historiográfico, particularmente a sempre instigante questão das relações história-ciências sociais.  Quando começou seu interesse pelo estudo da história?  Meu interesse pela história como disciplina acadêmica começou de fato na universidade, mas meu interesse pela história em geral começou antes, através de Marx. Quando eu estava na escola secundária em Berlim, antes de vir para a Inglaterra, já era politicamente consciente, e ouvi a seguinte advertência de meu professor: “Você não sabe nada, é bom começar a ler.” Foi o que fiz, lendo Engels, Marx e outros. Sem dúvida, a concepção materialista da história foi parte essencial da minha formação. Entretanto, o ensino da história na Alemanha era horrível, muito antiquado, e conseqüentemente não me interessou. Quando atingi as classes mais avançadas da minha Grammar School na Inglaterra, tive a sorte de ter um professor que era muito entusiasmado e descobriu que eu tinha jeito para a história. Ele me emprestou seus livros e sugeriu que eu me candidatasse a uma bolsa de estudos para Cambridge. Ganhei a bolsa, e já na universidade não decidi imediatamente estudar história. No entanto, acabei chegando à conclusão de que os outros assuntos que eu queria estudar, poderia fazê-lo em caráter particular, ao passo que a história, da maneira como era ensinada nas universidades, era um campo que eu conhecia pouco e valia a pena investigar em detalhe. Foi assim que fiz uma graduação em história. Na universidade inglesa àquela época, ou seja, na década de 30, a história era uma disciplina muito especializada e se podia fazer uma graduação exclusivamente nessa matéria. . Nota: Esta entrevista, foi traduzida por Margarida Maria Moura e revista por Dora Rocha Flaksman. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.264-273. 2  Quais eram as principais tendências do ensino e da pesquisa de história àquela época em Cambridge?  Naquela época não havia em Cambridge uma corrente dominante clara. Eu diria que havia o começo de uma revolta contra a concepção convencional de história na Inglaterra, a chamada interpretação “whig” da história, baseada na visão de que a história inglesa se desenvolveu gradualmente até os modernos triunfos da democracia e da liberdade. Havia muito poucos trabalhos de história européia ou história do ultramar. E de fato pareceu-me, tanto a mim quanto a outros jovens esquerdistas, que a história em Cambridge não despertava muito interesse, com exceção da história econômica. Por sorte a história econômica estava nas mãos de um acadêmico brilhante mas pouco confiável -, o falecido professor Michael Postan, um émigré russo que tinha sido algo radical na juventude. Embora fosse muito antimarxista, ele era o único em Cambridge que estava efetivamente informado não só sobre os escritos de Marx, da história marxista e da teoria social marxista na Rússia em que ele cresceu, como também sobre a tradição européia, a tradição alemã e particularmente a tradição da história econômica e social. Aprendemos muito com ele, e acho que é correto afirmar que o procuravam os jovens historiadores mais brilhantes. Além disso, aprendemos realmente muito uns com os outros. Tínhamos vários grupos de discussão e aprendemos muito com os jovens pesquisadores que estavam fazendo seus doutorados, alguns dos quais acabaram se tornando historiadores bastante respeitados. Em resumo, o que aconteceu conosco foi um programa de auto-educação numa universidade que punha à nossa disposição uma enorme quantidade de livros, periódicos e fontes históricas.  Além da história econômica, que outros campos da história o senhor estudou em Cambridge?  Estudamos também o que se chamava de história constitucional, quase uma história legal da Constituição e do sistema político britânico. E, é claro, estudamos muito da convencional história institucional e política da Europa.  Em que momento ocorreu uma mudança de direção nos estudos históricos na Inglaterra, no sentido do abandono da história convencional por um novo tipo de história?  Certamente isso não ocorreu antes da Segunda Guerra Mundial. Creio que houve uma geração de estudantes da minha idade que foi amplamente responsável pela mudança. Lembre-se que antes da guerra já estávamos interessados na história econômica, com o professor Postan. Já conhecíamos os Annales da França e já havíamos tido a oportunidade de ouvir Marc Bloch, que foi convidado para fazer uma conferência na Inglaterra - na época foi- nos dito que ele era o grande medievalista vivo. De fato, já tínhamos um horizonte mais largo do que o comum entre os historiadores estabelecidos. Pode-se dizer que a mudança principal ocorreu na década de 50, quando meus contemporâneos se tornaram pesquisadores e depois professores.  Poderia mencionar nomes e influências que ajudaram a promover essa mudança? Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.264-273. 5 antropologia social. E devo dizer que, se não há diferença entre os fatos da história e a ficção, então não faz sentido ser historiador.  Poderíamos pensar também, além de idéias, em métodos e técnicas de pesquisa derivados das ciências sociais?  Estou afirmando que as ciências sociais podem prover idéias, podem fornecer modelos. O aspecto interessante é que a maioria dos modelos gerais de mudança histórica, de evolução histórica do mundo, não são de autoria de historiadores profissionais porque na maior parte os historiadores profissionais são especializados demais e ficam um pouco ansiosos de ter que sair de sua especialidade. Os modelos nasceram de figuras que não eram historiadores profissionais, mas cientistas sociais - aqueles que retrospectivamente tratamos de cientistas sociais, como Marx, ou que mais recentemente vêm da ciência política. Assim, penso que a criação de modelos é mais fácil para eles do que para os historiadores não- marxistas. Quanto à metodologia, é claro que de algum modo a metodologia da história é sui generis, mas há muito pouco que pode ser dito sobre o assunto. O domínio da metodologia básica, da técnica de arquivo e de outras, é algo que não envolve nenhum problema especial.  No seu artigo “From social history to history of society”, o senhor sugere que o historiador deveria usar algumas técnicas que outras ciências sociais já desenvolveram, tais como procedimentos estatísticos, observação participante, entrevistas em profundidade e até mesmo métodos psicanalíticos.  Qualquer técnica que seja relevante para um trabalho deve ser tentada. Na antropologia, por exemplo, não creio que seja somente a observação participante que tem valor. O que achamos de valor na antropologia é o conceito de sociedade como um complexo interativo, por assim dizer, de instituições, valores e atividades, no qual tudo está interligado na tarefa de reprodução da sociedade da atual para. a próxima geração. É pelo menos este problema da produção da sociedade que torna mais fácil à antropologia social influenciar um tipo de historiador que tem uma formação marxista como eu.  Falando em antropologia, alguns estudiosos têm mencionado o uso de conceitos tais como etnicidade, comunidade e cultura na história do trabalho como resultado do impacto da antropologia. Trata-se de uma avaliação correta?  O problema é saber se estamos falando de palavras ou de modelos. Não precisamos dos cientistas sociais para nos dizer o que é comunidade. Qualquer pessoa que estuda história agrária, por exemplo, a história do campesinato, sabe que a comunidade é certamente uma coisa muito importante naquelas áreas do mundo onde as vilas são muito fortemente organizadas. Então, a questão é se podemos avançar para além disto. Penso que há modelos provenientes de outras fontes que podem ser úteis; por exemplo, modelos para o estudo do campesinato. No geral, os historiadores econômicos e os historiadores sociais que estudam o problema do campesinato e as mudanças na sua participação na vida moderna têm aprendido muito com os cientistas sociais, tanto com os antropólogos sociais quanto com os pesquisadores de campo. Por outro lado, ao invés de ver a história como um parasita das ciências sociais ou de uma ciência social, devemos visualizar todas as ciências humanas como Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.264-273. 6 que voltadas para o mesmo tipo de questionamento a partir de ângulos diferentes. É hoje evidente que nomes das ciências sociais têm sido influenciados por historiadores que estão ou estiveram na mesma “freqüência”. Edward Thompson, por exemplo, e, em certa medida, eu próprio, temos sido lidos por sociólogos e antropólogos, do mesmo modo que nós os temos lido. Penso que não é só uma questão de aprender um com o outro, mas de se ligar às questões a partir do seu próprio ponto de vista.  Que tipo de problemas a história e as ciências sociais poderiam estudar em comum de um modo frutífero?  Parece-me que a questão está em formular o problema com o qual nos defrontamos. Do meu ponto de vista, há um problema geral com o qual a história e as várias ciências sociais devem se defrontar, a saber, o da evolução da sociedade global. Em primeiro lugar, como é que ocorre que a sociedade humana, que começa de fato com caçadores e coletores, acaba onde estamos hoje, numa sociedade de alta tecnologia. Em segundo lugar, como é que a evolução não se deu homogeneamente através do mundo, mas de uma maneira muito complicada, mais intensa em algumas partes do que em outras, e em determinado momento conquistando ou reconquistando o mundo a partir de uma base regional precisa. De uma perspectiva de longa duração, esta me parece ser a questão maior, ou ao menos uma grande questão que o historiador deve enfrentar. Em terceiro lugar, esta é também uma questão que antropólogos, sociólogos, economistas e muitos outros têm que enfrentar, na medida em que possamos concordar sobre qual é o problema. Na busca da resposta, poderão ser dadas contribuições de diferentes pontos de vista.  Um fato notável que hoje se observa na história social é o grau de especialização a que se chegou, com a institucionalização de campos e subcampos e a virtual ausência de contato desses campos e subcampos entre si. Como o senhor avalia esse problema?  A especialização crescente é em alguma medida uma função da profissionalização crescente, ou de uma academicização dos assuntos. Penso que esta é uma trilha negativa. Significa que novos pesquisadores precisam “publicar ou perecer”. Significa também que a melhor maneira de publicar e ficar conhecido é lançar um periódico novo. Vê-se que um certo número de periódicos novos lançados por determinados grupos são em parte autopropaganda, em parte propaganda de sua própria universidade e em parte outra ordem de coisas. É compreensível, mas não tem nada a ver com o avanço da historiografia. O segundo fator é obviamente que quanto mais pessoas há no campo, mais difícil fica para os mais jovens a descoberta de áreas nos estudos históricos que ainda não tenham sido trabalhados. Conseqüentemente, surge uma vez mais a tendência a desenvolver campos relativamente especializados de modo a transformá-los em campos maiores. Não acho que isto seja particularmente prejudicial, porque há uma seleção natural. Todos nós sabemos que enquanto há muitas centenas de periódicos, que podem crescer a uma taxa de cinqüenta ao ano, há de fato um certo número mais preeminente que todo o mundo lê, mais um ou dois de sua própria especialidade. Contudo, é verdade que uma especialização excessiva apresenta um problema de comunicação. Trata-se, talvez, de um problema menos agudo na história do que nas ciências naturais, em parte por que muito mais é publicado nas ciências naturais, e em parte porque se a maioria de nós está apta a ler um artigo das revistas históricas e entendê-lo, nas Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.264-273. 7 ciências naturais já é necessária a existência de periódicos sérios como The Scientific American, ou The New Scientist, que explicam “pedaços” de ciência a outros cientistas que os desconhecem.  De qualquer modo, haveria problemas nessa crescente especialização da história social, não?  Parece-me haver uma razão pela qual se deve ser mais critico em relação à especialização crescente na história social. Parece-me haver por trás da especialização dois conceitos completamente distintos de história social. Um conceito é o do estudo de aspectos particulares da vida; de algum modo há que fazer o estudo diacronicamente, mas em geral não é esta a ênfase do campo. Por exemplo, tomemos a história da comida ou a história da doença, ou os que estão interessados na história da infância; apenas isto. Mas haverá sempre infância, e haverá sempre comida... Na verdade, estas pessoas estudam alternativas àquelas partes da história que mudam, que se desenvolvem, que se expandem. O outro tipo de história social, que eu chamo de história da sociedade, é o que está interessado em saber como a sociedade muda, em saber como a sociedade veio a ser o que é, e no que difere do que aconteceu no passado. Há uma tendência de alguns periódicos da nova história social a se tornarem veículos de pesquisadores interessados num aspecto particular da vida humana, sem se proporem qualquer questão histórica séria. São periódicos de antiquário, revistas de colecionador, destinados àqueles que estão simplesmente interessados em ter mais um exemplo de, digamos, um caso de lesbianismo na Espanha do século XVII. São interessantes para as pessoas que se interessam por um aspecto particular em si mesmo; mas há que perguntar quão importante é isto para aqueles que não estão interessados no problema do lesbianismo na história. Este me parece um perigo, um grande perigo para a história social. É lógico que cada pequena parcela de pesquisa especializada pode ser articulada com a problemática ampla da mudança histórica. Deste modo, não estou dizendo que se trata de uma coisa completamente inútil, mas será que aqueles que estabelecem este campo específico pensam do modo como foi explicado acima? Ou será que o concebem como um campo para colecionar fatos interessantes e atraentes, fatos que interessam a um grupo específico, a um público específico de colecionadores?  Seria esta a principal tendência hoje em dia?  Não, não é. Há sempre um desenvolvimento duplo: há uma tendência à especialização crescente, mas ela é sempre contraposta pelo que chamamos de tendência à interdisciplinaridade. Na fronteira de cada área de especialização, há aquela área onde todos os campos se encontram e os temas interdisciplinares se comunicam.  Parece ser uma questão filosófica, a de definir que temas são relevantes, que temas não são relevantes. Há quinze anos no Brasil, muitos diriam que não era importante estudar o campesinato. Mas hoje...  É uma questão filosófica muito difícil, é verdade; e é também muito difícil descobrir por que um historiador ou um cientista social ficam subitamente atraídos pela abertura de uma área. Há aí um elemento de moda, sem dúvida. No entanto, acontece que de
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