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Apostila - Curso Infecção em Paciente Grave, Notas de estudo de Enfermagem

Esse curso foi fruto de uma parceria entre a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar (ABIH) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). O material apresenta um amplo debate entre os especialistas com o objetivo de promover uma padronização da linguagem comum entre os profissionais das diferentes especialidades envolvidos no tratamento ao paciente grave. Ótimo material que, além d

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 25/02/2010

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Baixe Apostila - Curso Infecção em Paciente Grave e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Capa_infeccao 6/6/07 2:03 PM Page 2 Presidente José Maria da Costa Orlando (SP) Vice-Presidente Waldemar Henrique Fernal (MG) 1º Secretário Marcelo Moock (SP) 2º Secretário Luiz Alexandre Alegretti Borges (RS) 1º Tesoureiro Rosa Goldstein Alheira Rocha (SP) 2º Tesoureiro Afonso José Celente Soares (RJ) Presidente Plínio Trabasso (SP) Vice-Presidente Silma Pinheiro (MG) 1º Secretário Marta Francisca Fátima Fragoso (PR) 1º Tesoureiro Carlos Emílio Levy (SP) 2º Secretário Maria Clara Padoveze (SP) 2º Tesoureiro Marcia Vasques (RJ) Presidente João da Silva de Mendonça (SP) Vice-Presidente Denise Vantil Marangoni (RJ) 1° Secretário Juvencio José Dualilibe Furtado (SP) 2° Secretário Érico Antônio Gomes de Arruda (CE) 1° Tesoureiro Roberto Márcio da Costa Florim (SP) 2° Tesoureiro Flávio de Queiroz Telles Filho (PR) ABIH SO CI ED A D E B RA SIL EIRA DE IN FEC TO LO GIA -1980 - O Curso sobre Infecção no Paciente Grave foi elaborado com o patrocínio de AstraZeneca, Merck Sharp & Dohme, Pfizer, United Medical e Wyeth, com operacionalização da Limay. CursosobreInfecção noPaciente Grave Capa_infeccao 6/6/07 2:03 PM Page 4 COORDENADORES AMIB - Associação de Medicina Intensiva Brasileira Luis Fernando Aranha Camargo Chefe do Grupo de Infecções em Transplantes, UNIFESP - Disciplina de Infectologia Infectologista, Hospital Albert Einstein ABIH - Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar Plínio Trabasso Médico Infectologista Doutor em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Professor Associado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Presidente da Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar (ABIH) SBI - Sociedade Brasileira de Infectologia Eduardo Alexandrino Servolo de Medeiros Professor Adjunto - Livre-Docente - Disciplina de Infectologia - UNIFESP Presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Paulo - UNIFESP e Coordenador do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Infectologia RELATORES Alexandre R. Marra Médico infectologista do CTI - Adulto do Hospital Albert Einstein Médico infectologista do Grupo de Transplante de Órgãos Sólidos da Disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina Arnaldo Lopes Colombo Professor Titular da Disciplina de Infectologia - UNIFESP Clóvis Arns da Cunha Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas e Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba - PR Gilberto Turcato Jr. Médico Infectologista da Disciplina de Infectologia da EPM-UNIFESP Mestrado e Doutorado na Disciplina de Infectologia da EPM-UNIFESP Médico da UTI do Hospital Alemão Oswaldo Cruz Médico Responsável pelo Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Alemão Oswaldo Cruz Renato S. Grinbaum Hospital do Servidor Público Estadual Hospital da Beneficência Portuguesa Comitê de Antimicrobianos da SBI Simone Aranha Nouér Coordenação de Controle de Infecções Hospitalares / Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Doenças Infecciosas e Parasitárias - Departamento de Medicina Preventiva - Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Rio de Janeiro CursosobreInfecção noPaciente Grave Capa_infeccao 6/6/07 2:03 PM Page 9 ÍNDICE Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento das Infecções Fúngicas em UTI Arnaldo Colombo..........................................................................................................................09 Epidemiologia, Diagnóstico e Prevenção das Pneumonias Associadas à Assistência à Saúde (Pneumonias Hospitalares) Eduardo Medeiros .........................................................................................................................33 Diagnóstico da Infecção de Corrente Sanguínea Renato Grinbaum .........................................................................................................................55 Epidemiologia e Diagnóstico dos Microorganismos Multirresistentes em Terapia Intensiva Gilberto Turcato Jr..........................................................................................................................61 Controle e Prevenção de Microorganismos Multirresistentes no Ambiente Hospitalar Plinio Trabasso .............................................................................................................................67 Prevenção de Infecções Relacionadas a Cateteres Vasculares em Unidade de Terapia Intensiva Simone Aranha Nouér ..................................................................................................................77 Tratamento das Infecções de Corrente Sangüínea Relacionadas ao Cateter Intravascular em UTI Clóvis Arns da Cunha ...................................................................................................................85 Tratamento para Bactérias Gran-negativas Multirresistentes em UTI Alexandre Marra ..........................................................................................................................91 Tratamento de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica Luis Fernando Aranha Camargo ..................................................................................................103 CursosobreInfecção noPaciente Grave Capa_infeccao 6/6/07 2:03 PM Page 10 9 EPIDEMIOLOGIA, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DAS INFECÇÕES FÚNGICAS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA Arnaldo Lopes Colombo Professor Titular da Disciplina de Infectologia UNIFESP Os fungos, entre os agentes oportunistas, são aqueles de maior distribuição na natureza. Estão presentes no ar, nas superfícies inanimadas de hospitais e dos domicílios, nas plantas, no solo, na água, nos alimentos e nos animais domésticos. Colonizam a pele, mucosas do trato gastrointestinal e também do trato respiratório no hospedeiro humano. Sendo assim, é esperado que pacientes portadores de imunodeficiências adquiridas ou induzidas apresentem alto risco para o desenvolvimento de infecções fúngicas invasivas, localizadas ou disseminadas. Entre os fungos de interesse médico, leveduras do gênero Candida têm grande importância pela alta freqüência com que colonizam e infectam o hospedeiro humano. Espécies de Candida são encontradas no tubo gastrointestinal em 50 a 80% da população adulta saudável. Entre as mulheres, cerca de 20 a 30% apresentam colonização por Candida na vagina. Estes microorganismos comensais tornam-se patogênicos caso ocorram alterações nos mecanismos de defesa do hospedeiro ou o comprometimento de barreiras anatômicas secundariamente a queimadura ou procedimentos médicos invasivos. Alterações dos mecanismos de defesa do hospedeiro podem ser decorrentes de mudanças fisiológicas características da infância (prematuridade) e envelhecimento ou mais freqüentemente, associadas a doenças degenerativas, neoplásicas, imunodeficiências congénitas ou adquiridas e imunodepressão induzida por atos médicos. Infecções por Candida respondem por 80% de todas as infecções fúngicas documentadas no ambiente hospitalar, incluindo infecções de corrente sanguínea, do trato urinário e do sítio cirúrgico. Infecções pulmonares por Candida são pouco documentadas na prática clínica. Na comunidade, mucosites e vaginites por Candida respondem por um número significativo de queixas clínicas apresentadas a colegas de diferentes especialidades médicas. Acredita-se que a maioria das infecções por Candida spp. tenha origem endógena, mas casos de infecções hospitalares relacionados a fontes exógenas de infecção têm sido progressivamente descritos, a exemplos de surtos de candidemia secundários à contaminação de medicamentos e soluções utilizados por via parenteral. Diversidade biológica do gênero Candida O gênero Candida é constituído por cerca de 200 espécies, sendo que apenas 17 delas têm sido relacionadas a casos de micoses humanas. A maioria destas leveduras não apresenta forma sexuada conhecida, sendo sua identificação ao nível de espécie obtida através da análise de suas características micromorfológicas e perfil bioquímico. 12 tratamento antifúngico pode levar as sérias conseqüências. Infelizmente, o laboratório oferece poucos recursos para o clínico discriminar casos de colonização versus infecção fúngica em pacientes que apresentam candidúria. Na prática clínica, este julgamento depende de considerações de ordem epidemiológica e clínica que serão apresentadas a seguir. Etiologia Em casuísticas de infecções urinárias por leveduras, Candida albicans tem sido considerada a espécie mais comumente isolada como agente etiológico, sendo responsável por cerca de 50% dos episódios, seguidas por Candida glabrata em 5 a 33% e outras espécies de leveduras não-albicans reportadas em 8 a 28 % dos casos. Em estudo multicêntrico conduzido por Kauffman e cols nos EUA, reuniu-se 861 casos de candidúria onde C. albicans respondeu por 52% dos isolados, seguido por C. glabrata e C. tropicalis (Ver tabela 1). Apesar do predomínio de C. albicans, tem havido um aumento na incidência de espécies de leveduras não-albicans como agentes de infecção do trato urinário (ITU), sendo que alguns autores acreditam que o trato urinário é mais freqüentemente colonizado/infectado por estas espécies do que outros sítios. Dentre as espécies não-albicans causadoras de infecções do trato urinário destacam-se: C. glabrata, C. tropicalis, C. parapsilosis, C. krusei, C. lusitaniae e C. guilliermondii. Tabela 1. Distribuição de leveduras responsáveis por infecções do trato urinário em pacientes hospitalizados. AUTOR Ang et. al. Yee-Chun Chen et. al. Richards et. al. Kauffman et. al. ANO 1993 1997 2000 2000 C. albicans 73% 31,3% 15% 52% C. glabrata 19% 34,8% 3,5% 16% C. tropicalis 4% 30,8% - 8% C. parapsilosis 4% 20% - 4% C. krusei - - - 1% Outras não-albicans - - 6% 1,7% Outros fungos - 7,1% 6,4% 0,6% 13 Fatores de Risco Os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento de candidúria são: antibioticoterapia de amplo espectro uso de corticosteróides e imunossupressores, sexo feminino, presença de anormalidades do trato urinário, diabetes, sondagem vesical de demora, pós-operatório de cirurgias de grande porte e outras condições de comprometimento do estado imunológico. Kauffman e cols publicaram recente série de candidúria reunindo 861 casos em 10 hospitais norte- americanos, documentados durante o período de novembro de 1991 a julho de 1993. Segundo estes autores, 77% dos pacientes foram submetidos a sondagem vesical de demora e 50% deles apresentavam-se no pós-operatório no momento do diagnóstico. Importante observar que a diabetes foi a doença de base mais freqüentemente encontrada nestes pacientes, sendo esta condição causa de neuropatia autonômica que leva a retenção de urina e necessidade de sondagens de alívio (Ver tabela 2). Outro aspecto relevante a ser mencionado é a influência do tempo de sondagem vesical sobre o risco de desenvolvimento de candidúria. Em estudo conduzido por Harmory e Wenzel, durante os anos 70, observou-se que pacientes com candidúria apresentavam uma média de 12 dias de uso de cateter urinário, contra 5 dias no grupo controle. Tabela 2. Fatores associados a 861 episódios de candidúria em hospitais dos Estados Unidos. Condições associadas Número de casos (%) Cirurgias 450 (52%) Sondagem vesical 668 (78%) Diabetes mellitus 336 (39%) Doenças malignas 191 (22%) Desnutrição 146 (17%) Doença prévia do trato urinário 105 (12%) A maioria dos microorganismos que causam infecção urinária relacionada a cateter vesical tem origem na própria microbiota do trato gastrointestinal do paciente, portanto são autóctones. Após a utilização de sondagem vesical de demora, com o passar do tempo, há um aumento da colonização da região periuretral, particularmente na interface cateter – mucosa, sendo que os microorganismos fazem uso da superfície do cateter para ascender até a bexiga. Em uma menor parcela, estes microorganismos podem ser provenientes do ambiente hospitalar animado ou inanimado, adquirido através das mãos dos profissionais de saúde que manuseiam inadequadamente o sistema de sondagem vesical ou mesmo através da infusão de produtos contaminados. 14 Diagnóstico Vários autores têm demonstrado que o achado de candidúria em populações de baixo risco, indivíduos sadios e assintomáticos, é raro. Nesta população, um achado de Candida na urina reflete na maioria das vezes, coleta ou processamento inadequado da cultura das amostras. Em pacientes expostos a fatores de risco para infecção urinária por Candida o achado de candidúria pode significar colonização ou infecção. Nestes pacientes, a contagem de colônias é muito variável e diretamente dependente da metodologia utilizada para a coleta de material. Sendo assim, o isolamento de Candida na urina pode ocorrer mesmo na ausência de doença, sendo que existe grande controvérsia sobre a valorização da contagem de colônias como um instrumento para diferenciar colonização de infecção. Baseado nos vários trabalhos conduzidos avaliando amostras de urina coletadas de jato médio ou por cateterização isolada, o achado de contagens superiores a 10.000 UFC / ml sugere a presença de patologia urinária. Entretanto, contagens inferiores podem ser encontradas em pacientes com infecção do trato urinário (ITU) por Candida, particularmente nos casos de pielonefrite adquirida por via hematogênica decorrente de candidíase sistêmica, onde os rins funcionam como filtro e podem refletir contagens baixas na urina. Outros parâmetros têm sido utilizados para auxiliar o diagnóstico. Na presença de infecção por Candida, o sedimento urinário usualmente contém hemácias e leucócitos, assim como leveduras, pseudo-hifas e debris necróticos. Entretanto, a ausência de alteração no sedimento urinário não elimina a possibilidade de infecção fúngica, sendo algo freqüente nos casos onde a candidúria é secundária a infecção sistêmica. Métodos de diagnóstico por imagem podem permitir a definição de alterações parenquimatosas renais sugestivos de pielonefrite, coleções ou mesmo a presença de bola fúngica, fenômeno este mais descrito em neonatos. Entretanto, estes exames não são apropriados para avaliação rotineira de casos de candidúria em pacientes hospitalizados onde se espera que mais de 90% das vezes o fenômeno esteja relacionado à colonização do paciente ou de seu sistema de sondagem vesical e não a doença invasiva. Métodos sorológicos como pesquisa de anticorpos ou antígenos circulantes não tem aplicabilidade clínica. De forma prática, a interpretação do achado de candidúria é baseada na presença de dados clínicos e epidemiológicos que permitam classificar o paciente em uma das seguintes condições: 1) previamente sadio, sem fatores de risco para candidúria; 2) predisposto à candidúria, candidíase disseminada improvável; ou 3) predisposto à candidúria, com provável disseminação sistêmica. Em pacientes assintomáticos, sem fatores de risco para candidíase invasiva, a maior probabilidade de ser contaminação. Na presença de candidúria em pacientes com risco para ITU sem evidência clínica ou sinais de disseminação da infecção, devem ser consideradas as possibilidades de colonização ou infecção localizada. Finalizando, em pacientes críticos, geralmente submetidos à ventilação mecânica e internados em UTI por longos períodos, com síndrome infecciosa persistente apesar de antibioticoterapia de largo espectro, há possibilidade da candidúria ser secundária à doença fúngica sistêmica. 17 B. Infecções hematogênicas por Candida Infecções hematogênicas por Candida spp. representam hoje complicação infecciosa muito prevalente entre pacientes internados em hospitais terciários do mundo todo. Estudos com bases populacionais realizados nos EUA mostram que a incidência de candidemia é da ordem de 6 a 8 casos 100.000 habitantes.. Apesar da incidência de candidemia ter aumentado de forma substancial entre pacientes hospitalizados ao longo dos anos 80, dados mais recentes sugerem que sua incidência estabilizou-se. É importante realçar que as taxas de candidemia sofrem variações regionais significativas. Na Holanda, segundo Voss e cols (1966) a incidência de fungemias por Candida dobrou entre 1987 e 1995. Da mesma forma, aumento de candidemia também foi observado na Islândia durante o período de 1980 à 1999, segundo dados coletados por Asmundsdottir e cols (2002). Por outro lado, dados obtidos de estudo nacional conduzido nos hospitais da Suíça sugerem que a incidência de candidemia permaneceu inalterada ao longo do período de 1991-2000, enquanto um estudo realizado em um único centro no mesmo país observou redução nas taxas desta complicação infecciosa. Estes dados ilustram claramente as diferenças evidentes nas taxas de ocorrência de infecções por Candida spp entre os países, aspecto este que deve ser considerado para o estabelecimento de estratégias de controle de infecções hospitalares em âmbito local. Variações regionais também ocorrem no padrão de distribuição de espécies de Candida spp relacionadas aos episódios de fungemia documentados em hospitais de diferentes partes do mundo Neste contexto, sabe-se que em países da América Latina há predomínio de C tropicalis e C parapsilosis entre as espécies não- albicans relacionadas á candidemia, sendo pouco comum a ocorrência de fungemias por C glabrata . Por outro lado, nos EUA e muitos países da Europa há predomínio de C glabrata entre as fungemias por espécies não-albicans. As razões para esta mudança no padrão de distribuição de espécies de Candida associados a infecções invasivas ainda não foram completamente elucidadas. Entretanto, diversos estudos identificaram como fatores associados a este fenômeno a severidade de doenças de base dos pacientes admitidos em hospitais terciários, regime e intensidade do uso de quimioterápicos, a seleção de espécies menos sensíveis pela pressão de antifúngicos como o fluconazol, e a maior utilização de procedimentos médicos invasivos. A presença de doenças de base associadas à imunodepressão assim como a realização de procedimentos médicos invasivos facilitam a ocorrência de infecções sistêmicas por leveduras de menor patogenicidade, ampliando o número de espécies potencialmente causadoras de fungemias em pacientes expostos a fatores de risco. Há ainda poucos dados sobre a incidência de candidemia em países da América Latina. Recentemente, em estudo conduzido em 11 centros médicos do Brasil, distribuídos em 9 cidades de grande porte situadas nas regiões sul e sudeste, observou-se uma taxa de incidência de candidemia da ordem de 2,49 casos por 1.000 admissões hospitalares, sendo Candida spp considerado o quarto agente mais freqüente entre as infecções de corrente sanguínea. Nossas taxas de infecção de corrente sanguínea por Candida spp são muitas vezes superiores àquelas relatadas pela maioria dos hospitais terciários dos EUA e Europa, onde se observa 1 episódio de candidemia/1000 admissões hospitalares, na maior parte das séries já publicadas. 18 O conhecimento do perfil epidemiológico dos pacientes que desenvolvem candidemia deve ser de domínio dos profissionais de saúde que trabalham com pacientes críticos. Trata-se de complicação infecciosa geralmente documentada após período prolongado de exposição a diversos fatores de risco, particularmente uso de antibióticos de amplo espectro, corticoterapia, cateter vascular em posição central, cirurgias de grande porte, quimioterapia, diálise, alimentação parenteral, entre outros. De forma geral, na maioria das séries publicadas na literatura, 30 a 50% dos pacientes com candidemia encontram-se internados em unidades de terapia intensiva no momento do diagnóstico, sendo que 36 a 50% deles apresentam antecedente de cirurgia de grande porte . Apesar de todo conhecimento acumulado sobre a epidemiologia de candidíase hematogênica e sua importância em hospitais terciários do mundo todo, esta complicação infecciosa continua apresentando índices de mortalidade geral do ordem de 60% e mortalidade atribuída de cerca de 40%. Os custos decorrentes do atendimento a estes pacientes foi avaliado em US$ 44.536,00 nos Estados Unidos da América, sendo que a maior parte destes gastos referem-se ao aumento no tempo de internação em serviços privados para atendimento destes pacientes. Este panorama justifica a importância da discussão com os profissionais de saúde que trabalham em hospitais terciários das medidas necessárias para o diagnóstico, controle e tratamento de infecções invasivas por Candida spp. Fatores de Risco Acredita-se que a maioria dos casos de candidemia sejam adquiridos por via endógena, através do trato gastrointestinal, sistema que apresenta colonização por Candida spp em até 70% da população normal. Entretanto, infecções por este gênero de leveduras também podem ser adquiridas por via exógena, através do contato com indivíduos colonizados, por implante de próteses, sondas, cateteres ou drenos, bem como pela administração parenteral de soluções contaminadas. Estudos caso-controle conduzidos durante os anos 80 identificaram inúmeros fatores de risco associados com a ocorrência de candidemia em pacientes hospitalizados (ver tabela 3). Entre os trabalhos realizados para a avaliar fatores de risco para o advento de candidemia, vale mencionar aquele conduzido por Wey e cols, o mais citado em toda literatura de língua inglesa. Neste estudo, realizado na Universidade de Iowa, Wey e cols identificaram os seguintes fatores de risco para candidemia: uso de antibióticos, colonização por Candida spp em diferentes sítios, hemodiálise e uso de cateter venoso central. Sendo assim e considerando os fatores de risco mencionados, é possível prever porque a maior casuística de candidemia encontra-se em indivíduos portadores de câncer, submetidos a transplante de órgãos ou procedimentos cirúrgicos de grande porte, crianças prematuras e pacientes críticos admitidos em unidades de terapia intensiva com falência de diferentes órgãos. 19 Tabela 3: Fatores de risco para candidemia identificados em estudos caso- controle com análise multivariada (Verduyn Lunel, 1999). Idade Hiperglicemia Azotemia Uso de antibióticos de amplo espectro Cateter venoso central Neutropenia Quimioterapia Nutrição parenteral Colonização por Candida spp Uso de esteróides Alteração de mucosas Cirurgia de grande porte Reação enxerto versus hospedeiro Hemodiálise Diagnóstico Infelizmente, com muita freqüência, pacientes com candidemia são diagnosticados apenas tardiamente, ocasião onde os resultados das medidas terapêuticas são insatisfatórios, não somente pelo avançado estado da infecção fúngica assim como pela gravidade da doença de base dos pacientes. Sendo assim, pacientes com fatores de risco para candidemia que apresentam síndrome infecciosa com má resposta à terapêutica antibiótica, devem sempre ser avaliados cuidadosamente pelo clínico, no sentido de identificar-se infecção fúngica o mais precocemente possível. Nesta tarefa, além do exame clínico cuidadoso para a identificação de lesões de pele ou alterações de fundo de olho compatíveis com complicações de candidemia, hemoculturas devem ser solicitadas e processadas por sistemas que permitam recuperação rápida do agente em cultivo. A coleta de hemoculturas é procedimento obrigatório em qualquer paciente com suspeita clínica de infecção sistêmica por Candida. A eficácia da hemocultura na correta definição do agente etiológico vai depender de fatores relacionados não só com o processamento da cultura como também com a prática de coleta. Com relação à coleta, alguns cuidados devem ser lembrados: 1) fazer anti- sepsia adequada do local de punção, lembrando que se deve permitir que o anti-séptico atue por poucos minutos antes de realizar a coleta; 2) é desejável que a coleta de hemoculturas seja realizada antes do uso de antimicrobianos ou, se isto não for possível, colher no período que precede à administração das doses diárias das drogas; 3) o volume de sangue e o número de amostras são fundamentais para o bom rendimento da hemocultura. Portanto, coletar entre 2 a 3 amostras de hemoculturas por episódio de sepse, cada coleta com ao menos 20 ml de volume. 4) Encaminhar o material biológico para o laboratório, com identificação adequada, o mais rápido possível. O método de processamento da hemocultura também é fator importante para o resultado final deste exame. Sendo assim, hemoculturas coletadas em frascos convencionais e processadas manualmente apresentam baixo rendimento. Métodos automatizados, baseados na identificação não radioativa de produtos do 22 Tabela 4: Lista de estudos comparativos e randomizados já publicados ilustrando a validação clínica de novas estratégias terapêuticas em candidmia/candidíase invasiva. Autor / ano Drogas Comparadas Rex, 1994 Fluconazol vs Anfotericina B Phillips, 1997 Fluconazol vs Anfotericina B Mora-Duarte, 2002 Caspofungina vs Anfotericina B Rex, 2003 Fluconazol vs Anfo B + Fluco Kullberg, 2005 Voriconazol vs Anfo seguido de Fluco De forma geral, todos estes estudos mostraram semelhança de eficácia entre a droga apresentada como novo recurso terapêutico a ser validado versus a anfotericina B em desoxicolato, o esquema utilizado como “padrão ouro” nesta comparação. Neste sentido, fluconazol, voriconazol e caspofungina apresentam-se como alternativas tão eficazes quanto anfotericina B. Entretanto, todos estes estudos mostraram sistematicamente que triazólicos e equinocandinas são drogas com melhor perfil de tolerabilidade, sobretudo em relação a nefrotoxicidade, quando comparadas a anfotericina B desoxicolato. Além destes estudos mencionados e que já foram publicados, há 2 estudos comparativos e randomizados concluídos e apresentados no evento anual sobre terapia antimicrobiana da American Society of Microbiology (ICAAC), em 2005, mas cujos dados ainda não foram detalhados em publicações:  Reboli et al, 2005 (ICAAC-USA): Anidulafungina vs Fluconazol  Ruhnke et al, 2005 (ICAAC-USA): Micafungina vs Anfotericina B liposomal Segundo dados ilustrados nos resumos das apresentações em Congresso, os resultados da avaliação comparativa entre anidulafungina versus fluconazol resultou em superioridade do esquema terapêutico com anidulafungina, sendo este resultado de superioridade observado mesmo entre fungemias por espécies sensíveis a fluconazol. O perfil de tolerabilidade de ambos os antifúngicos foi bastante satisfatório. Esta é a primeira vez que um estudo mostra a superioridade de uma droga “fungicida” (anidulafungina) na terapêutica de candidemia sobre um regime terapêutico com droga “fungistática” (fluconazol) No estudo de avaliação de micafungina versus anfotericina B liposomal, as taxas de sucesso terapêutico foram semelhantes entre os dois grupos de pacientes. Entretanto, houve menor toxicidade no grupo tratado com micafungina, apesar da nefrotoxicidade ter sido observada em apenas 6% dos pacientes expostos a anfotericina B liposomal. 23 De forma geral, analisando-se o resultado dos principais estudos clínicos em candidíase hematogênica bem como o perfil farmacológico das drogas, a definição da melhor estratégia terapêutica a ser instituída em pacientes com candidíase hematogênica deve considerar os seguintes aspectos: 1. Identificar doença de base do paciente: pacientes persistentemente neutropênicos requerem terapêutica mais agressiva e por períodos de tempo mais prolongados. Nestas condições, a maior experiência clínica é com o uso de anfotericina B e suas formulações lipídicas, havendo evidências clínicas de que acetato de caspofungina pode ser uma alternativa. 2. Presença de complicações infecciosas em vísceras: a ocorrência de endoftalmite, osteomielite, meningite, endocardite, candidíase hepatoesplênica são exemplos de condições clínicas onde a terapêutica antifúngica deve ser prolongada por períodos de 4 semanas a mais de 6 meses. Havendo terapêutica prolongada, dá-se preferência a consolidar o tratamento utilizando-se droga de uso oral (fluconazol, se possível). Vale mencionar que a maior experiência na literatura no tratamento de candiíase de SNC, endocardite e candidíase hepatoesplência ainda é com anfotericina B ou suas formulações lipidicas. 3. Gravidade da apresentação clínica do caso: este tema é controverso. Entretanto, muitos autores sugerem que pacientes críticos e/ou neutropênicos devam ser tratados inicialmente com equinocandinas (caspofungina e ainda a única disponível no Brasil) ou uma das formulações lipídicas de anfotericina B, sendo o uso de fluconazol guardado para um segundo momento, após estabilização clínica do paciente e identificação da levedura ao nível de espécie. Voriconazol também pode ser considerada uma alternativa, com algumas reservas em relação a seu uso parenteral em pacientes com clearence de creatinina abiaxo de 50ml/min (maior risco de toxicidade por cilodextrina) e da possibilidade de resistência cruzada com fluconazol em cepas de C glabrata. 4. Determinação da espécie de fungo relacionada ao episódio infeccioso: espécies não-albicans de Candida podem apresentar menor susceptibilidade a anfotericina B ou fluconazol, requerendo ajuste de dose ou mesmo mudança de medicamento. 5. Risco de toxicidade renal mediante uso de anfotericina B convencional: a ocorrência de insuficiência renal aguda em pacientes com sepse aumenta muito o risco de óbito. Pacientes com alto risco de IRA em associação a anfotericina B devem evitar o uso deste medicamento. Nesta condição, a gravidade do caso e agentes isolados devem ser fatores determinantes na escolha da terapêutica alternativa. Pacientes com uso de drogas vaso- ativas devem ser tratados inicialmente com equinocandinas, sendo uma alternativa o uso de anfotericina B liposomal. Pacientes clinicamente estáveis e com menor risco de infecção por Candida Fluconazol- resistente, podem ser tratados com fluconazol. 6. Custo do medicamento: anfotericina B é o medicamento de menor preço, apresentando alta eficácia clínica em candidíase invasiva mas excelente relação custo-benefício apenas nos pacientes que toleram este medicamento. Sendo assim, pacientes que desenvolvem toxicidade renal podem apresentar complicações que acarretam prolongamento da internação e maior risco de óbito. Estes pacientes devem ser tratados com drogas alternativas. 24 7. Presença de cateter intravascular em posição central: apesar de tema controverso, discute-se a retirada de CVC em situações clínicas específicas. No ambiente de terapia intensiva e portador de CVC de curta permanência recomenda-se retirar o CVC sempre que possível. 8. Necessidade de remoção cirúrgica de foco infeccioso: casos de osteomielite e endocardite são exemplos de situações clínicas onde a limpeza cirúrgica (ou troca de válvula) devem ser considerados na abordagem terapêutica. Uso de Anfotericina B e formulações lipídicas A anfotericina B convencional tem sido considerada a droga de escolha para o tratamento da maioria das infecções fúngicas invasivas, incluindo candidíase hematogênica. Trata-se de antifúngico de amplo espectro, fungicida e com bons resultados no tratamento de fungemias. Entretanto, toxicidade ocorre em mais de 80% dos pacientes que recebem ao menos 0,5mg/kg/dia deste medicamento, regime este fundamental para a abordagem terapêutica da maioria dos casos de micoses invasivas. O uso de anfotericina B leva a efeitos adversos durante sua infusão (náusea, vômitos, tremores, febre) e toxicidade dependente da dose acumulada (insuficiência renal, anemia, arritmias, etc.). Sendo assim, seu uso clínico pode ser limitado, especialmente em pacientes críticos recebendo medicações nefrotóxicas. Doses de anfotericina B convencional recomendadas para diferentes espécies de Candida spp variam de 0,7mg/kg/dia (C albicans, C tropicalis, C parapsilosis) até 1,0mg/kg ao dia (C glabrata, C krusei). As formulações lipídicas de anfotericina B apresentam a mesma eficácia de formulação convencional, mas com diferenças na incidência de efeitos adversos, particularmente insuficiência renal. A formulação lipídica menos tóxica é a anfotericina B liposomal, tendo sido utilizada com sucesso em diferentes infecções fúngicas. Apesar de menos tóxica, as formulações lipídicas apresentam um custo muito alto, tornando difícil seu uso rotineiro como terapêutica inicial de infecções fúngicas. Elas devem ser utilizadas em doses de 3 a 5mg/kg ao dia, sendo que a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas preconiza sua indicação para casos de infecção intolerantes ou refratárias (ausência de resposta clínica após uso de 500mg de anfotericina B convencional) à anfotericina B. Pacientes intolerantes são aqueles que apresentam graves efeitos adversos durante a administração de anfotericina B convencional ou aqueles que evoluem com perda progressiva de função renal. Recentemente, foi conduzido estudo randomizado comparativo sobre a eficácia e segurança de micafungina versus anfotericina B liposomal em pacientes portadores de candidíase hematogênica. As taxas de sucesso terapêutico foram bastante satisfatórias nos 2 grupos, sem diferença estatística. Com relação à segurança, houve diferença na ocorrência de nefrotoxidade entre os grupos, sendo que micafungina mostrou-se mais segura. Estes dados vêm a corroborar o conceito de que a anfotericina liposomal é uma alternativa eficaz na terapêutica de candidemia, sendo mais segura que a anfotericina B em desoxicolato mas ainda assim apresentando baixa taxa de nefrotoxicidade residual. 27 A formulação oral tem boa biodisponibilidade, permitindo terapêutica seqüencial segura, e níveis terapêuticos em diferentes tecidos, incluindo o sistema nervoso central. Este antifúngico é metabolizado no fígado, através de enzimas dependentes do citocromo P 450. É necessário ajuste da dose em casos de insuficiência hepática moderada e deve ser medido o risco beneficio nas formas graves de insuficiência hepática. A eliminação da forma ativa por via renal é mínima, não havendo necessidade de ajuste da dose quando utilizada a apresentação via oral. Já a apresentação endovenosa, tendo em vista o acúmulo potencial de excipiente (ciclodextrina) em pacientes com falência renal, deve ser evitada em pacientes com clearence de creatinina inferior a 50ml/min. Recentemente, estudo randomizado mostrou semelhança de eficácia de voriconazol no tratamento de pacientes com candidemia, quando comparado a grupo de doentes tratados seqüencialmente com anfotericina B e fluconazol. A partir destes dados, a ANVISA aprovou as indicações de voriconazol para candidemia e candidíase invasiva. C. Peritonite A peritonite por Candida inclui duas situações clínicas bem diversas: peritonite pós-cirurgia do trato gastrointestinal e peritonite em pacientes em diálise peritoneal contínua ambulatorial (CAPD). Nos pacientes submetidos à cirurgia do trato gastrointestinal, a interpretação do isolamento de Candida spp. no fluido cavitário é controversa. Se o paciente com isolamento de Candida spp. no fluido peritoneal estiver clinicamente estável, sem evidências de infecção na cavidade abdominal ou disseminação sistêmica, este achado pode ser resultado da manipulação cirúrgica de órgão colonizado, que não trará conseqüências para o paciente. Por outro lado, nos pacientes cirúrgicos a peritonite por Candida é usualmente secundaria a perfuração do trato gastrointestinal e tem sido reconhecida cada vez mais como uma causa de morte tardia no curso da sepse intra-abdominal, podendo apresentar-se como único agente da peritonite ou como agente de uma peritonite polimicrobiana. As cirurgias de cólon, intestino delgado, pâncreas e fígado são as mais comumente envolvidas nas infecções peritoneais por fungos. Nesta população, terapia antimicrobiana previa, assim como diabetes, desnutrição, insuficiência renal crônica, alimentação parenteral, neoplasias e múltiplas cirurgias abdominais com grande contaminação fecal da cavidade, constituem fatores de risco para ocorrência desta complicação. Estudo recente sobre a etiologia das peritonites secundárias documentadas em pacientes graves durante o período pós-operatório, realizado no serviço de cirurgia do University of Virginia Hospital, no período de Outubro de 1989 a Setembro de 1990, mostraram que as peritonites ocorridas em 29 casos tinham características polimicrobianas, envolvendo os seguintes agentes: Candida spp. (41%), Enterococcus spp. (31%), Enterobacter spp. (21%), S. epidermidis (21%), E. coli (17%) e Bacteróides spp. (7%). É surpreendente a alta incidência de Candida spp. obtida neste estudo, sendo às vezes difícil interpretar o papel patogênico deste achado microbiológico. 28 Nos pacientes em diálise peritoneal, o isolamento de Candida no fluido dialítico na presença de dor e distensão abdominal, acompanhados de líquido dialítico turvo e aumento do número de leucócitos (geralmente > 250 cels/ml) com predomínio de neutrófilos, é indicativo de peritonite fúngica. Candida spp. responde por cerca de 3 a 5% dos casos de peritonite em pacientes em diálise peritoneal continua ambulatorial (CAPD). De forma geral, a peritonite fúngica ocorre concomitantemente ou após um o mais episódios de peritonite bacteriana. Diagnóstico de peritonite Em pacientes cirúrgicos, a identificação de leveduras em culturas de fluidos de cavidade abdominal constitui uma polêmica quanto ao seu significado, pois seu achado isolado não garante o diagnóstico de doença fúngica invasiva. Portanto, seu achado deverá ser associado ao quadro clínico e epidemiológico, para permitir uma interpretação correta do achado microbiológico. Quando Candida spp. é o único agente isolado do peritônio e esta acompanhado de sinais clínicos de peritonite ou quando a disseminação da infecção é comprovada por hemocultura positiva ou evidencia histológica de invasão tecidual, o diagnóstico de peritonite fúngica é definitivo. Por outro lado, quando a Candida é identificada como um dos múltiplos microorganismos que contaminam o peritônio após perfuração de uma víscera cujo reparo foi bem sucedido, este achado pode não corresponder à etiologia do processo infeccioso peritoneal. Da mesma forma, o achado de Candida em secreção proveniente de abscessos polimicrobianos intracavitários é polêmica na sua interpretação diagnóstica. Entretanto, o isolamento de Candida spp. do peritônio de pacientes com pancreatite aguda ou em casos de peritonite com má evolução clínica apesar da antibioticoterapia adequada, o diagnóstico de doença invasiva deve ser considerada. Na população de pacientes submetidos à diálise peritoneal, o diagnóstico de peritonite por Candida spp. somente será possível após a identificação do agente no exame direto e/ou na cultura do fluido dialítico com células inflamatórias, obtido de paciente com quadro clínico compatível. Tratamento da peritonite Nos pacientes cirúrgicos com peritonites fúngicas a limpeza cirúrgica da cavidade é desejável sendo indicado o tratamento sistêmico com antifúngicos, sendo a escolha avaliada em função da gravidade do paciente, risco de nefrotoxicidade com uso de anfotericina B convencional e agente etiológico. Nas peritonites associadas à diálise peritoneal, recomenda-se a remoção do cateter. A duração da terapia para a peritonite por Candida não está bem definida, sendo conduzida em função da resposta clínica do paciente, em geral por 2 a 4 semanas. 29 Referências Bibliográficas: 1. Almirante B, Rodriguez D, Park BJ et al. Epidemiology and predictors of mortality in cases of Candida bloodstream infection: results from population-based surveillance, Barcelona, Spain, from 2002 to 2003. J Clin Microbiol 2005;43:1829-35. 2. Asmundsdottir LR, Erlendsdottir H, Gottfredsson M. Increasing incidence of candidemia: results from a 20-year nationwide study in Iceland. J Clin Microbiol 2002;40:3489-92. 3. Banerjee SN, Emori TG, Culver DH et al. Secular trends in nosocomial primary bloodstream infections in the United States, 1980-1989. National Nosocomial Infections Surveillance System. Am J Med 1991;91:86S-9S. 4. Beck-Sague C, Jarvis WR. Secular trends in the epidemiology of nosocomial fungal infections in the United States, 1980-1990. National Nosocomial Infections Surveillance System. J Infect Dis 1993;167:1247-51. 5. Brito L R, Guimarães T, Nucci M, Rosas R, Almeida LP, Da Matta D, Colombo AL. Clinical and microbiological aspects of candidemia due to C parapsilosis in Brazilian tertiary care hospitals. Medical Mycology 44:261-266, 2006. 6. Colombo AL, Perfect J, DiNubile M, Bartizal K, Motyl M, Hicks P, Lupinacci R, Sable C, Kartsonis N. Global distribution and outcomes for Candida species causing invasive candidiasis: results from an international randomized double-blind study of caspofungin versus amphotericin B for the treatment of invasive candidiasis. European Journal of Clinical Microbiology and Infectious Diseases 22 (8):470-4, 2003. 7. Colombo Al, Nucci M, Salomão R, Branchini Ml, Richtmann R, Derossi A, Wey S. High rate of non-albicans candidemia in Brazilian tertiary care hospitals. Diagnostic Microbiology and Infectious Diseases 34(1):281-286, 1999. 8. Colombo AL, Guimarães T. 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Clin Infect Dis 2004;39:309-17. 33 EPIDEMIOLOGIA, DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO DAS PNEUMONIAS ASSOCIADAS À ASSISTÊNCIA À SAÚDE (PNEUMONIAS HOSPITALARES) Eduardo Alexandrino Servolo de Medeiros Professor Adjunto - Livre-Docente - Disciplina de Infectologia Presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Paulo Coordenador do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Infectologia 1. Introdução e epidemiologia As pneumonias associadas à assistência à saúde – pneumonias hospitalares - (PAAS) são consideradas a segunda infecção mais comum adquirida em hospitais nos Estados Unidos da América, sendo responsáveis por aproximadamente 15% de todas as infecções hospitalares (IH) e cerca de um quarto das IH adquiridas em UTI. Dados norte-americanos citam 250.000 pacientes por ano, representando um custo aproximado de U$ 1,2 bilhão por ano e mortalidade não-ajustada entre 30 e 71%. Em unidades de terapia intensiva daquele país, a incidência de PAAS varia entre 10 e 65%, sendo que os pacientes sob suporte ventilatório invasivo apresentam um risco de 4 a 20 vezes maior que os pacientes-controle. As taxas de pneumonia associadas à ventilação mecânica notificadas ao National Nosocomial Infection Surveillance System, Centers for Disease Control and Prevention, EUA (NNIS), no período de janeiro de 1992 a junho de 2001 mostram valores médios que, conforme a UTI analisada, variam de 4,3 (UTI pediátrica) a 16,2 (UTI de trauma) por 1000 dias de ventilação mecânica (VM). As taxas mais altas foram detectadas nas UTIs de trauma, seguidas pelas UTIs de queimados e de neurocirurgia e as mais baixas em UTIs pediátricas e respiratórias. As taxas verificadas em UTIs clínico-cirúrgicas foram de 8,7 pneumonias/1000 dias de VM, sendo de 10,5/ 1000 dias de VM quando em hospitais de ensino. Em todos os tipos de UTIs analisadas as taxas de pneumonia associada à ventilação mecânica foram superiores às de outras infecções. Taxas mais recentes de pneumonia nosocomial do sistema NNIS, referentes ao período de 1992 a junho de 2004 mostram valores menores de pneumonia associada à VM em todas as UTIs analisadas (2,9 a 12,0 infecções por 1000 pacientes-dia sob VM). O estudo EPIC (European Prevalence of Infection in Intensive Care), que incluiu 10.038 pacientes em 1417 UTIs da Europa Ocidental, mostrou taxa de prevalência de infecções pulmonares de 45%, sendo 31% destas adquiridas no hospital e dois terços na unidade de terapia intensiva. As pneumonias adquiridas no ambiente hospitalar apresentam elevada prevalência nos hospitais brasileiros sendo semelhantes às taxas descritas em outros países em desenvolvimento. Foi a principal IH em estudo de prevalência realizado em pacientes de hospitais médios e grandes (> 100 leitos) de capitais dos estados brasileiros, pelo Ministério da Saúde, em 1993. Este problema é grave e certamente de complexidade múltipla demandando ações que promovam reduções em seus índices. Estudos epidemiológicos é etapa imprescindível para a 34 compreensão do fenômeno, passo primordial para qualquer ação preventiva. Vários estudos sobre fatores de risco e de incidência de PAAS foram conduzidos e publicados em nosso meio (quadro 1). Quadro 1. Incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva de acordo com estudos brasileiros publicados. Autores, periódico, ano de publicação Local e Período de estudo Pacientes Pneumonia hospitalar por 1000 pacientes-dia sob ventilação mecânica Starling et al. (1997) UTI de 22 leitos, BH - MG, 1991-1995 Adultos medico- cirúrgicos 6,5 a 18,8 Velasco et al. (1997) UTI médico-cirúrgica oncológica de 6 leitos RJ, RJ 1993-1995 623 pacientes 41,7 Fernandes www.ccih.med. com.br (2001) 15 UTIs São Paulo, 2000 Adultos em UTI 16,8 (mediana) Lopes et al. (2 002) BH - MG Janeiro de 1993 a Dezembro 1997, Crianças em UTI-escola 0 a 42,0 Abramczyk et al. (2003) São Paulo – SP Abril 1996 a outubro 1997 515 crianças de UTI-escola, 18,7 Pessoa-Silva et al. (2004) 3 cidades brasileiras 4,878 recém- nascidos (7 UTI) 7,0 (PN ≤ 1.000 g;) 9.2 (PN 1.001 to 1.500 g) O risco de infecção associada à ventilação mecânica invasiva, varia com a faixa etária, sendo menor entre os recém-nascidos e maiores entre os adultos. Este fato é consistente com a literatura. O que varia são os riscos bem mais altos que os observados nos hospitais informantes do sistema NNIS. Em todos os estudos brasileiros apresentados foram utilizadas as definições de caso de pneumonia de 1988, do CDC/Atlanta - EUA. A necessidade de avaliar fatores de risco (para doença) de forma mais precisa é uma importante tarefa que temos pela frente. Medeiros et al (1993), em um estudo controlado, realizado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina, analisou 60 episódios consecutivos de pneumonia hospitalar. A taxa de letalidade dos casos foi de 53,3%, enquanto a dos controles foi de 28,3%. A letalidade atribuída foi de 25% (IC95%: de 7,3% a 42%) e risco relativo de 1,88 (IC95% = 1,07 - 4,08). Outro fator analisado foi o tempo de permanência nesta UTI. O tempo mediano de permanência foi de 22 dias para os casos, e de seis dias para os controles (P< 0,001). Através de um estudo caso-controle, aplicando análise multivariada, Medeiros encontrou os seguintes fatores independentes associadas à letalidade: idade maior que 60 anos, envolvimento bilateral do pulmão e uso de drogas depressoras do sistema nervoso central. 37 comprometimento muscular, traumas múltiplos e extensos, queimaduras graves, DPOC, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes mellitus, alcoolismo, insuficiência renal, hepatopatias crônicas e agudas severas, imunodepressão (aids, doença neoplásica avançada, lúpus eritematoso sistêmico, transplante de órgãos, portadores de imunodeficiências congênitas), idade avançada, doença gastrintestinal alta (acloridria, alterações no esvaziamento gástrico). A colonização por bacilos Gram-negativos, passo importante na patogênese da pneumonia ocorre fundamentalmente em pacientes com doenças graves, residentes em instituições asilares, casas de apoio e hospitalizados. Estas bactérias, com maior potencial de virulência, aumentam o risco de desenvolvimento de PAAS. Às características dos pacientes que podem ser favorecedoras de pneumonia, somam-se procedimentos invasivos ou terapias medicamentosas que também podem aumentar colonização microbiana e/ou alterar capacidade de resposta local ou sistêmica aos agentes infecciosos.  Uso de antimicrobianos é um dos fatores que favorece a colonização de vias aéreas superiores e TGI com bacilos Gram-negativos e outros microorganismos com potencial de maior virulência e resistência.  Medicamentos imunodepressores e quimioterápicos antineoplásicos podem afetar resposta do hospedeiro aos agentes infecciosos por diversos mecanismos. Medicamentos que atuam na prevenção de úlceras de stress, muito utilizados em UTIs, que têm potencial de aumentar o pH gástrico podem favorecer a multiplicação bacteriana no estômago que, por diversos mecanismos, podem atingir o tecido pulmonar.  Dispositivos invasivos utilizados nos pacientes podem favorecer a adesão, proliferação e migração de microorganismos para as vias aéreas inferiores. • Sondas nasogástricas de alimentação levam ao refluxo gastroesofágico e permitem a migração bacteriana pela luz da sonda ou por capilaridade. Além disto, estas sondas podem levar a distensão do estômago, propiciando retorno do conteúdo gástrico à orofaringe. • Os equipamentos respiratórios utilizados nos pacientes têm grande importância na gênese da pneumonia nosocomial, tendo a ventilação mecânica invasiva impacto fundamental no problema. • A intubação das vias aéreas representa o principal fator de risco para pneumonia nosocomial. A presença do tubo endotraqueal elimina o sistema de filtração do nariz e vias aéreas de condução, assim como diminui a retirada dos patógenos pelo sistema mucociliar. A irritação mecânica e a injúria vascular causada pelo tubo endotraqueal propiciam maior colonização microbiana e menor capacidade de defesa mucosa local contra os agentes microbianos. Há também relatos de presença de bactérias que permanecem presentes em biofilme formado na parte interna da cânula endotraqueal. Este biofilme pode ser fragmentado pelo fluxo de gás e ser introduzido na parte mais íntima das vias aéreas, podendo resultar em infecção pulmonar. A proliferação microbiana sobre o balonete (“cuff”) do tubo orotraqueal também é importante na gênese da pneumonia nosocomial em pacientes intubados. Os circuitos de ventilação mecânica se tornam freqüentemente colonizados por bactérias oriundas da cavidade oral dos pacientes que proliferam nos condensados que se formam nestes materiais. Equipamentos que aumentam formação destes condensados podem ter impacto na proliferação microbiana nos circuitos e serem favorecedoras de pneumonias. 38 Procedimentos que levem ao derramamento ou aspiração deste líquido para dentro da via respiratória do paciente podem promover a ocorrência da pneumonia. Além dos mecanismos intrínsecos de risco favorecidos por estes procedimentos invasivos, procedimentos inadequados de desinfecção ou esterilização dos materiais de assistência ventilatória podem propiciar infecções, bem como utilização de líquidos não estéreis para procedimentos de nebulização ou de aspiração de vias aéreas pode ser fonte adicional de contaminação. Uso de sedativos ou narcóticos podem também favorecer ocorrência de pneumonias, já que a sedação altera a capacidade respiratória e aumenta a possibilidade de aspiração de conteúdo de vias aéreas superiores e de conteúdo gástrico. Contribuindo para os fenômenos aspirativos alguns trabalhos mostra como fator de risco para pneumonias, trocas freqüentes de circuitos, posição supina da cabeça e transporte de pacientes em ventilação mecânica para fora da UTI. A importância da aspiração de bactérias encontradas em placas dentais tem sido invocada na aquisição de pneumonia uma vez que culturas de placas dentárias revelaram microrganismos patogênicos que são causa comum de pneumonia. Além da via aspirativa, as bactérias podem atingir as vias aéreas inferiores por via inalatória, oriunda de aerossóis gerados por equipamentos de terapia respiratória ou por outros mecanismos. Nebulizadores ultra-sônicos ou por efeito Venturi ou com disco espiculado podem ocasionar surtos em razão de produzirem aerossóis <4µm, que podem ser introduzidos profundamente na via respiratória. Cirurgias também podem ser fatores de risco para pneumonias, principalmente as torácicas ou abdominais. Os mecanismos geradores de risco incluem desde a intubação e sedação a qual os pacientes são submetidos, assim como a disfunção diafragmática pela dor, a capacidade pulmonar residual reduzida e as atelectasias. A virulência do microorganismo pode ser um adicional fator de risco para pneumonia nosocomial, assim como fator prognóstico. Existe bastante confusão entre maior resistência e virulência, que são propriedades essencialmente distintas e não correlacionadas. Independente, porém dos aspectos relacionados à virulência, pneumonias ocasionadas por patógenos mais resistentes como Acinetobacter e Pseudomonas tem sido associadas a piores prognósticos em alguns estudos. Finalmente, o manuseio inadequado dos pacientes pelos diferentes profissionais de saúde envolvidos nos cuidados (médicos, equipe de enfermagem, fisioterapeutas) pode também ser fonte adicional de risco para pneumonia, tendo destaque à falta de adesão à adequada lavagem de mãos que podem propiciar colonização com microorganismos multirresistentes. Diversas publicações têm ressaltado a redução nos níveis de pneumonia nosocomial com medidas de orientação e educação nos cuidados com pacientes sob ventilação mecânica com fluxo correto de higiene de mãos e uso correto de luvas, adequado manuseio de circuitos evitando refluxo do condensado, adequada esterilização dos circuitos e trocas menos freqüentes, técnicas de aspiração adequadas, incentivo a exercícios respiratórios. Cabe lembrar que na disseminação de patógenos multirresistentes entre os pacientes também tem importância o número de profissionais em nossas UTI, que muitas vezes são disponíveis em número inferior ao necessário para adequada prestação de atendimentos aos pacientes, gerando, juntamente com falhas técnicas, agravamento nas quebras de assepsia e menos aderência à lavagem de mãos. 39 Quadro 2: Patogênese da pneumonia bacteriana associada à assistência à saúde: os fatores relacionados à pneumonia incluem fatores referentes ao hospedeiro, que se inter-relacionam com inúmeros procedimentos terapêuticos e manuseio realizado pela equipe hospitalar. Colonização de orofaringe Colonização gástrica Geração de aerossóis contaminados Fatores próprios do hospedeiro Antimicrobianos e outros medicamentos Cirurgias Dispositivos invasivos Equipamentos de terapia respiratória e anestesia contaminados ASPIRAÇÃO INALAÇÃO Colonização cruzada (mãos, luvas) Esterilização/desinfecção inadequadas de dispositivos Água e soluções contaminadas Bacteremia Defesas pulmonares são vencidas Translocação? PNEUMONIA 42 CRITÉRIO PARA < 1 ANO  Duas ou mais radiografias seriadas de tórax com um dos seguintes (em pacientes que não apresentem doença pulmonar prévia, insuficiência cardíaca congestiva entre outras apenas 1 exame radiológico é suficiente):  Novo ou progressivo e persistente infiltrado;  Consolidação;  Cavitação.  Piora das trocas gasosas (dessaturação de O2; aumento da necessidade de O2 ou aumento da demanda ventilatória).  E pelo menos três dos seguintes:  Instabilidade da temperatura sem outra causa  Leucopenia < 4.000 leuc/mm3 ou leucocitose > 15.000 leuc/mm3 e mais de 10% de desvio esquerda;  Novo ou piora do escarro purulento, piora da característica, ou aumento da quantidade ou aumento da necessidade de aspiração;  Apnéia, taquipnéia, batimento de asa de nariz com retração da parede pulmonar ou gemido;  roncos ou estertores;  tosse;  bradicardia (<100 bat/min) ou taquicardia (>170 bat/min). CRITÉRIOS PARA > 1ANO E < 12 ANOS  Duas ou mais radiografias seriadas de tórax com um dos seguintes (em pacientes que não apresentem doença pulmonar prévia, insuficiência cardíaca congestiva entre outras apenas 1 exame radiológico é suficiente):  Novo ou progressivo e persistente infiltrado;  Consolidação;  Cavitação.  E pelo menos três dos seguintes:  Hipertermia (>38,40C) ou hipotermia (<370C) sem outra causa  Leucopenia < 4.000 leuc/mm3 ou leucocitose > 15.000 leuc/mm3 e mais de 10% de desvio esquerda;  Novo ou piora do escarro purulento, piora da característica, ou aumento da quantidade ou aumento da necessidade de aspiração;  Nova ou piora da tosse ou dispnéia, apnéia ou taquipnéia;  Roncos ou estertores;  Piora das trocas gasosas (dessaturação de O2; aumento da necessidade de O2 ou aumento da demanda ventilatória). 43 4. Etiologia A etiologia das PAAS tem sido objeto de estudo constante, não só para permitir maior acurácia no diagnóstico como tratamento adequado. Os achados microbiológicos nas pneumonias idealmente deveriam definir o tratamento antimicrobiano e não apenas definir a presença da pneumonia. Há diferença na distribuição de agentes entre serviços, principalmente por diferenças nas populações de pacientes, métodos diagnósticos empregados e definições usadas. Os agentes etiológicos das pneumonias são fortemente relacionados ao tempo de hospitalização, unidade onde o paciente se encontra internado, hospitalização prévia, procedimentos invasivos, incluindo ventilação mecânica, uso prévio de antimicrobianos e características específicas do paciente. Grande parte dos estudos sobre etiologia das PAAS é realizado em UTIs e freqüentemente em populações submetidas à ventilação mecânica. População de pacientes adultos em UTIs e predominantemente sem imunodeficiências mais graves como AIDS ou transplantados em uso de drogas imunossupressoras, representa o principal grupo identificado nos estudos. A American Thoracic Society (ATS) elaborou um algoritmo para avaliar potenciais agentes conforme a época de instalação da pneumonia, definindo como mais freqüentes nos primeiros 4 dias de internação agentes comumente isolados em infecções comunitárias como Streptococcus pneumoniae, Haemophyllus influenzae, Moraxella catarrhalis, Staphylococcus aureus sensível a oxacilina, Escherichia coli e outras enterobactérias sensíveis a múltiplos antimicrobianos. Já em pneumonia de ocorrência tardia (após 4 dias de internação) nota-se maior participação de bacilos Gram-negativos, incluindo não fermentadores como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae com potencial resistência a diversos antimicrobianos e Staphylococcus aureus resistente a oxacilina. Os principais agentes isolados em PAAS em UTIs são os bacilos Gram- negativos, porém mais recentemente vem sendo notado aumento expressivo de Staphylococcus aureus. Dados do programa Sentry que avaliou 525 amostras bacterianas isoladas em trato respiratório inferior de pacientes com pneumonia em 11 hospitais brasileiros mostraram os seguintes resultados: Pseudomonas aeruginosa (30,1%), Staphylococcus aureus (19,6%), Acinetobacter spp. (13%), Klebsiella spp. (9,5%) e Enterobacter spp. (8,4%). Esses cinco gêneros isolados representaram mais de 80% de toda a amostragem. A análise de 24 estudos envolvendo 1689 episódios de pneumonia associadas à VM com isolamento de 2490 patógenos coletados por técnicas broncoscópicas mostrou predomínio de bacilos Gram-negativos, representando 58% dos microorganismos isolados. Dentre os Gram-negativos isolados a Pseudomonas aeruginosa foi a mais prevalente com freqüência de 24,4%, seguida por enterobactérias (Klebsiella spp., Escherichia coli, Proteus spp., Enterobacter spp., Serratia spp., Citrobacter spp.) com 14,1%, Haemophylus spp. com 9,8%, Acinetobacter baumannii com 7,9% e Stenotrophomonas maltophilia com 1,7%. Entre os cocos Gram-positivos, o Staphylococcus aureus representou 20,4%, seguido por Streptococcus spp. com 8%, Streptococcus pneumoniae com 4,1% e Staphylococcus coagulase negativo com 1,4%. Houve participação de anaeróbios e fungos em 0,9% dos casos em ambos. Outros agentes isolados como Moraxella spp., Corynebacteryum spp., Enterococcus spp. e Neisseria spp. representaram 6,4%. 44 Os anaeróbios têm participação variável nos estudos, podendo ocorrer entre 0 a 35% dos casos, sendo muitas vezes não identificados devido às falhas em seu cultivo. Publicações mostram alta prevalência de etiologia polimicrobiana com relatos de prevalência de 10 a 40%. Tempo de ventilação mecânica e uso prévio de antimicrobianos têm forte impacto no tipo de microorganismo isolado e no grau de resistência, bem como características específicas dos pacientes que podem aumentar a predisposição a determinados agentes. Vários estudos com métodos estatísticos adequados têm tentado estabelecer relação entre o agente isolado e as características dos pacientes. Análises identificaram patologias neurológicas, neurocirurgia e trauma de crânio como fatores de risco para S. aureus. Staphylococcus aureus resistente a oxacilina também é mais comum em pacientes que utilizaram corticosteróides e antibioticoterapia prévia. Outros agentes como Pneumocystis carinii e espécies de Legionella raramente ocorrem em pneumonia nosocomiais em UTI. Os fungos, tendo a Candida spp. como principal representante são eventualmente isolados de espécimes do trato respiratório inferior. Em muitas ocasiões este achado representa apenas colonização do trato respiratório, porém excepcionalmente estes agentes podem ser causa de pneumonias inclusive em população não neutropênica. Maiores avaliações sobre o papel dos fungos nas pneumonias de UTIs precisam ser realizadas. Infecções pulmonares de fato somente ocorrem na vigência de sepse por Candida. Aspergillus spp têm sido identificados em pacientes expostos a longos períodos de uso de corticóide e doenças pulmonares obstrutivas crônicas. Surtos de influenza em hospitais têm sido relatados, porém as dificuldades no diagnóstico de patologias virais podem ser responsáveis pelo pouco diagnóstico destas infecções hospitalares. No contexto de pneumonia hospitalar em pacientes sob ventilação mecânica é pouco provável sua participação. Vírus sincicial respiratório também é envolvido em surtos de pneumonia, principalmente associado à ventilação mecânica, sendo identificado através de biópsia pulmonar em indivíduos sem patologias de base que levassem a grave imunodepressão como aids, leucemias ou terapia imunossupressiva. Outros agentes etiológicos de pneumonia nosocomial que podem ocorrer em populações específicas, como em portadores de neoplasias hematológicas, transplantados, portadores de Aids ou em uso de medicamentos de grande potência imunossupressora, apresentam múltiplas e diferentes possibilidades que fogem do tema deste capítulo. 5. Fatores de risco e Medidas de prevenção Os fatores de risco para pneumonia associada à assistência à saúde podem ser agrupados em 4 categorias: 1) fatores que aumentam a colonização da orofaringe e/ou estômago por microorganismos (administração de agentes antimicrobianos, admissão em UTI ou presença de doença pulmonar crônica de base; 2) condições que favorecem aspiração do trato respiratório ou refluxo do trato gastrintestinal (intubação endotraqueal ou intubações subseqüentes; utilização de sonda nasogástrica; posição supina; coma; procedimentos cirúrgicos envolvendo cabeça, pescoço, tórax e abdome superior; imobilização devido a trauma ou outra doença); 47  Não há recomendação em termos de prevenção de PAV a escolha do uso de luvas estéreis ou não para realizar a aspiração endotraqueal. 4. Traqueostomia  Quando houver indicação, a traqueostomia deve ser realizada em condições estéreis, preferencialmente em Centro Cirúrgico. O procedimento de troca do tubo traqueal deve ser realizado também com todo o cuidado para evitar a contaminação.  A traqueostomia não deve ser indicada para redução da incidência de PAV. 5. Cabeceira elevada  O paciente sob intubação traqueal apresenta maior probabilidade de aspiração. A chance de aspiração é também elevada quando os pacientes estão em uso de sondas gástricas, pois a colonização gástrica precede a colonização traqueal.  É recomendado manter a cabeceira elevada (30-45º) com o objetivo de reduzir o risco de PAV em pacientes com maior probabilidade de aspiração (ventilação mecânica e nutrição enteral), pois a posição supina em pacientes recebendo nutrição enteral é um fator de risco independente para pneumonia hospitalar.  Uma sugestão para avaliação de indicadores de processo: taxa de pacientes com cabeceira elevada (30-45º) dividido por todos os pacientes sob risco de aspiração (ventilação mecânica e/ou nutrição enteral) 6. Nutrição enteral O uso de nutrição enteral deve ser preferido em vez do uso de nutrição parenteral pelos inúmeros riscos associados a esta última; como altos custos, risco de bacteremia / fungemia e translocação bacteriana. Na sua publicação, o CDC refere-se ao posicionamento da sonda de alimentação enteral (gástrica ou pós-pilórica) como uma questão não resolvida relação acerca de prevenção de PAV (Tablan et al., 2004). A publicação do ATS/IDSA refere que não há nenhum estudo individual que mostre benefício do posicionamento pós-pilórico, embora haja uma metanálise que demonstrou redução significante na regurgitação gastro-esofágica e uma menor tendência à microaspiração (Heyland et al., 2001). Baseados nesta premissa consideram que embora não haja evidência clara de prevenção de PAV, o posicionamento da sonda na região pós-pilórica está associado com menor risco de aspiração, que é um fator de risco importante no desenvolvimento de PAV. De acordo com o CDC nenhuma recomendação pode ser feita em relação ao calibre da sonda (pequeno ou grosso calibre) e o modo de infusão da alimentação enteral, se contínua ou intermitente, e a associação destes fatores com prevenção de PAV. 48 7. Modulação da colonização 7.1. Uso de anti-sépticos orais A colonização orofaríngea adquirida na UTI tem sido independentemente associada ao desenvolvimento de pneumonia hospitalar. No estudo de De Riso et al (1996) foi observado que o uso de clorexidine oral 0,12% na descontaminação orofaríngea de pacientes adultos que se submeteram à cirurgia cardíaca foi associado com redução das taxas de infecções hospitalares, inclusive do trato respiratório nestes pacientes. A higiene oral de pacientes sob ventilação mecânica está indicada, entretanto além do estudo de De Riso et al (1996), não há outras evidências para recomendar o uso rotineiro deste anti-séptico com o intuito de prevenir PAV. 7.2. Descontaminação seletiva do trato digestivo Alguns estudos avaliaram o impacto da utilização de antimicrobianos não- absorvíveis pelo trato gastrintestinal (TGI), porém esta estratégia apesar de ter sido associada com maior sobrevida, não deve ser recomendada rotineiramente pelo risco de associação com colonização por microorganismos multirresistentes, principalmente em instituições que já apresentam este problema (ATS, 2005). A administração prévia de antimicrobianos sistêmicos ou nas primeiras 24h após intubação reduziu o risco de PAV em alguns grupos específicos, embora sua indicação necessite de maiores evidências para ser recomendada. 8. Profilaxia de úlcera de estresse A profilaxia de úlcera de estresse deve ser indicada apenas para pacientes com alto risco de sangramento: úlcera gastroduodenal ativa sangrante, sangramento digestivo prévio, traumatismo cranioencefálico, uso de ventilação mecânica, politrauma, coagulopatia, uso de corticosteróides. Não há consenso na literatura sobre a indicação de bloqueadores de receptores H2 ou sucralfato na redução da incidência de pneumonia. O sucralfato por sua vez, tem sido associado com maior taxa de sangramento digestivo. 9. Transfusão sanguínea A indicação de transfusão sanguínea deve seguir pontos de corte restritos, como hemoglobina ≤ 7,0g/dL, exceto se houver sangramento ativo (ATS, 2005) 10. Controle da glicemia É recomendado manter níveis glicêmicos entre 80-100mg/dL, pois está associado com menor letalidade, menos infecções da corrente sanguínea, menor freqüência de insuficiência renal dialítica, menos dias sem antibióticos, menor tempo de permanência sob ventilação mecânica e menor permanência em UTI (ATS, 2005). 49 IV. Prevenção da transmissão de microorganismos Prevenção da transmissão bacteriana pessoa-a-pessoa 1. Higiene de mãos Realizar higiene de mãos com água e sabão (se as mãos estiverem visivelmente sujas) ou realizar fricção das mesmas com o uso de agente anti-séptico à base de álcool (se as mãos estiverem previamente limpas) após o contato com mucosas, secreções respiratórias ou objetos contaminados, independente do uso de luvas, no mesmo paciente ou em paciente diferentes. 2. Obedecer às precauções padrão Cuidados com os equipamentos respiratórios Esterilização ou desinfecção e manutenção de artigos e equipamentos de assistência respiratória. Ventiladores mecânicos  Não esterilizar ou desinfetar rotineiramente o maquinário interno dos ventiladores mecânicos. Circuitos respiratórios, umidificadores e dispositivos de troca de calor e umidade.  Trocar os circuitos respiratórios no mesmo paciente, quando estiverem visivelmente sujos ou com mau funcionamento mecânico.  Trocar o circuito de umidificação (incluindo cateter nasal ou máscara) que está sendo usado quando apresentar mau funcionamento ou se tornar visivelmente contaminado.  Não trocar HME rotineiramente numa freqüência inferior a 48 horas quando em uso no mesmo paciente.  Não trocar rotineiramente (na ausência de contaminação grosseira e mau funcionamento) o circuito ventilatório conectado no HME em uso no mesmo paciente. Umidificadores de oxigênio  Entre tratamentos num mesmo paciente, limpe, desinfete, enxágüe com água estéril (se o enxágüe é necessário) e realize a secagem. Tendas de nebulização  Entre o uso em diferentes pacientes, troque as tendas e os nebulizadores, reservatórios e circuitos após a desinfecção de alto nível ou esterilização.  Realizar desinfecção de baixo nível diariamente ou pasteurização seguido de secagem com ar comprimido das tendas e os nebulizadores, reservatórios e circuitos. Respirômetros e termômetros ventilatórios  Entre o uso destes em diferentes pacientes, esteriliza ou realize desinfecção de alto nível. 52 16. De Jonte E; Schultz MJ; SpanjaardL; Bossuyt PM; Vroom MB; Dankert J; Kesecioglu J. Effects of selective decontamination of digestive tract on mortality and acquisition of resistant bacteria in intensive car: a randomized controlled trial. Lancet 2003; 362: 1011-16. 17. De Riso AJ; Ladowski JS; Dillon TA; Justice JW; Peterson AC. Chlorhidine gluconate 0,12% oral rinse reduces the incidence of total nosocomial respiratory infection and nonprophylatic systemic antibiotic use in patients undergoing heart surgery. Chest 1996; 109: 1556-61. 18. Drakulovic MB; Torres A; Bauer TT; Nicolas JM; Nogue S; Ferrer M. Supine body position as a risk factor for nosocomial pneumonia in mechanically ventilated patients: a randomized trial. Lancet 1999; 354: 1851-58. 19. 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Quando o paciente está em uso de um cateter de curta permanência, como o cateter venoso central, muitas vezes o médico responsável opta pela remoção do acesso logo na suspeita de infecção, pois a obtenção de uma nova via nem sempre é tão difícil quanto num paciente plaquetopênico, em uso de um port, por exemplo. Os métodos que se baseiam na remoção do acesso priorizam a análise da superfície externa do cateter, dando maior ênfase à via extra-luminal de infecção. Esta via é mais importante nos cateteres de curta permanência, geralmente feitos de materiais com maior capacidade de adesão bacteriana, e é por esta razão que estes métodos são freqüentemente utilizados no diagnóstico de infecções destas formas de acesso, como o cateter venoso central. a. Cultura qualitativa do cateter A cultura qualitativa do cateter consiste no envio da ponta do cateter removido para cultivo, independente de contagem de colônias. A técnica consiste na imersão da ponta do cateter num caldo rico, com leitura em 48 horas. É um método simples e barato, mas que tem o inconveniente de diferenciar mal a infecção e a colonização do dispositivo, uma vez que qualquer crescimento indicaria a infecção do acesso. Na meta-análise de Safdar, Fine & Maki (Ann Int Med 2005; 142:451), seis estudos com esta metodologia foram selecionados, a maior parte deles com cateteres de curta permanência. A sensibilidade encontrada foi alta (90%), mas a especificidade foi muito baixa (72%), demonstrando que este método possui pouca aplicabilidade prática. b. Cultura semiquantitativa do cateter, desenvolvida por Maki em 1977 (J Surg Res 1977;22:513) é muito popular em nosso meio, sendo freqüentemente mal utilizada. Ela parte do princípio da via de infecção extra-luminal e consiste na rolagem da ponta do cateter sobre um meio sólido, e contagem de colônias após. São positivos cateteres com mais do que 15 UFC, sendo que a maioria dos casos com infecção apresenta incontáveis colônias. A especificidade deste método é baixa, em especial em pacientes sem suspeita de infecção. Naqueles com alta probabilidade de infecção, com bacteremia primária, o valor preditivo positivo é elevado. Por esta razão, a técnica semiquantitativa não deve ser feita de rotina, quando o paciente tiver seu cateter removido. Mas naqueles com suspeita de infecção, trata-se de boa técnica para determinação da etiologia. A principal limitação é o fato de não analisar a via intra-luminal, em especial nos cateteres de longa-permanência. 58 c. A cultura quantitativa do cateter apresenta as mesmas limitações da técnica semiquantitativa, e é de realização mais difícil. A principal vantagem é a avaliação da via ultra-luminal, uma vez que o cateter é submetido a um “flush” interno ou a ultra-som, que descola microrganismos da superfície interna. São considerados positivos cateteres com >1000 UFC. Na meta-análise citada, a sensibilidade encontrada foi de 83% e a especificidade de 87%, um pouco aquém do desejado. Métodos que permitem a manutenção do cateter Os métodos mais promissores são aqueles que permitem a manutenção do acesso. Esta vantagem é particularmente marcante em pacientes críticos, com dificuldade de acesso, e naqueles com cateteres de longa permanência. a. Hemocultura através do cateter é o método mais simples disponível. Em teoria, se a cultura através do cateter for positiva, ela refletirá a contaminação de seu lúmen. Mas não é tão simples, a bacteremia pode significar também a passagem do microrganismo pela circulação sistêmica, sem necessariamente indicar a contaminação da via de acesso. A sensibilidade é aceitável, porém a especificidade muito baixa, limitando o uso desta técnica. b. Hemocultura quantitativa é uma melhoria do exame previamente descrito. O racional do exame é a hipótese de uma quantidade expressiva de bactérias, caso o cateter seja o foco. Mais uma vez, sua interpretação é delicada, uma vez que diversas infecções, em especial em pacientes imunodeprimidos, apresentam bacteremia de grande magnitude. Este exame também não é recomendado. c. As hemoculturas pareadas representam um avanço. A técnica consiste na coleta simultânea de uma amostra de sangue periférico, e outra através da cultura. Caso os isolados em ambos os sítios sejam os mesmos, em teoria teríamos a definição do envolvimento da via de acesso. A primeira limitação, que limita todos os exames baseados em pareamento de culturas, ocorre quando uma das duas culturas, em especial a coletada em outro sítio que não o cateter, resulta negativo. Na ausência de culturas positivas pareadas, a interpretação do exame é limitada. Dentre aqueles exames positivos, aproximadamente 70 a 80% das culturas pareadas apresenta pelo menos um dos pares negativo. Como a sepse não relacionada ao cateter pode revelar cultura intra-luminal positiva, os resultados são previsivelmente insatisfatórios. Na meta-análise citada, a sensibilidade é de 77% e a especificidade de 87%. d. O teste da acridina laranja consiste na coloração de um esfregaço com este corante, e posterior microscopia. Apesar de simples e barato, sua sensibilidade é baixa, cerca de 70%, e depende bastante do observador. Rotineiramente não parece ter valor. 59 e. Diferença do tempo de positivação, ou DTP. Este teste tem sido bastante discutido devido à facilidade de sua realização. Basta a comparação dos registros do tempo de crescimento das hemoculturas periféricas e do cateter, quando feito por método automático. Se a cultura através do cateter positivou duas horas ou mais antes da periférica, o exame é considerado positivo. Originalmente estudado por Blot (J Clin Microbiol 1998; 36(1): 105), foi bastante avaliado em pacientes imunodeprimidos, e com cateteres de longa permanência. Apesar do ponto de corte ser bastante nítido, a maioria dos pacientes tem resultado indeterminado porque somente um dos pares é positivo. Quando o exame é conclusivo, a sensibilidade é de 81% e a especificidade de 87%. No estudo de Raad (Ann Intern Med. 2004;140:18), o uso recente de antibióticos reduz a especificidade para 29%, mostrando que o exame deve ser coletado na ausência de antibioticoterapia. É interessante observar que Rijnders (Crit Care Med 2001; 29(7): 1399) estudou cateteres de curta permanência, especificamente. Seus resultados mostram um desempenho bastante fraco do método, sensibilidade = 25% e especificidade = 33%. f. Hemoculturas pareadas quantitativas – O melhor exame para diagnóstico de infecção relacionada ao cateter, prioritariamente em cateteres de longa permanência, é a coleta simultânea de hemoculturas quantitativas periféricas e através do cateter. Se a quantidade de microorganismos isolados na via do acesso for 3 a 5 vezes maior que a isolada na amostra periférica, o exame é considerado positivo. Assim como no DTP, há um grande número de resultados inconclusivos. De um modo geral a especificidade chega a 98% e a sensibilidade a 87%. As recomendações que podem ser sugeridas são: a. Cateteres de curta permanência – Os métodos que permitem a manutenção do acesso são de baixa acurácia, ou pouco estudados. A principal razão é provavelmente ao maior valor da via de infecção extra-luminal, uma vez que o material dos cateteres apresenta maior potencial de adesão. Para estes cateteres, o melhor método de diagnóstico é a cultura da ponta, quantitativa ou semiquantitativa. Em ambos os métodos, a cultura somente está indicada na suspeita de infecção, e o exame não serve para confirmar o diagnóstico, mas para evidenciar o agente etiológico. b. Cateteres de longa permanência – Os métodos que permitem a retirada, que avaliam a via intra-luminal apresentam melhor desempenho. O método preferido é o da coleta de hemoculturas quantitativas pareadas. A diferença do tempo de positividade (DTP) é método de menor acurácia, mas ainda aceitável, em particular em pacientes que não estão em uso de antimicrobianos. Nos pacientes com DTP igual ou maior há duas horas, o uso de selo de antimicrobianos pode ser alternativa interessante. 62 Em contraste com os outros setores de internação do hospital, as unidades de terapia intensiva concentram pacientes mais debilitados, com maior número de insuficiências orgânicas e ampla quebra de barreiras de defesa (barreira cutâneo- mucosa, cateteres intravasculares e outros procedimentos invasivos). Além disto, pela maior necessidade de utilização de antimicrobianos, é o local onde a pressão seletiva destas drogas exerce sua influência na indução de resistência de forma mais incisiva. Considerando pacientes gravemente doentes; quanto mais disseminada for à resistência bacteriana em um determinado ambiente, menores serão as possibilidades de sucesso do tratamento antimicrobiano introduzido empiricamente; portanto, maior a letalidade decorrente, mesmo que ajustes sejam realizados posteriormente. Kollef et al. (1999) demonstraram a forte relação entre o tratamento inapropriado e mortalidade em pacientes de UTI com infecção associada à ventilação mecânica: 42% de mortalidade entre os pacientes que receberam tratamento antimicrobiano inapropriado, e 17,7% de mortalidade entre aqueles que receberam tratamento apropriado. Outras conseqüências das infecções causadas por microorganismos resistentes são: prolongamento da internação, necessidade de utilização de antimicrobianos mais tóxicos e mais dispendiosos com elevação de morbidade e custos. Em paciente com infecção suspeita ou diagnosticada, a história recente de internação, principalmente quando tiver ocorrido procedimento invasivo, continua sendo um fator de risco amplamente considerado para predizer infecção por microorganismos resistentes. Esta informação tem sido e deve continuar sendo utilizada para uma melhor escolha do tratamento antimicrobiano empírico. Por outro lado, a ocorrência de infecções causadas por microorganismos resistentes não deve ser considerada característica exclusiva de pacientes previamente internados. Algumas bactérias resistentes estão largamente distribuídas na comunidade, entre elas: pneumococos resistentes à penicilina, gonococos produtores de penicilinases, bacilos Gram-negativos resistentes à sulfatemoxazol / trimetoprim (SMX-TMP) e quinolonas e, mais recentemente, S. aureus resistentes à oxacilina procedentes da comunidade (CA-MRSA). Os CA-MRSA, ainda com distribuição irregular, ocorrem na forma de surtos em indivíduos sem outros fatores de risco e com amplo contato físico (esportistas ou indivíduos internalizados). Os CA-MRSA possuem destacada infectividade e virulência, causando geralmente infecções cutâneas ou pulmonares. Diferem daqueles MRSA adquiridos predominantemente no ambiente hospitalar já que embora sejam igualmente resistentes à oxacilina, continuam sensíveis a outros grupos de antimicrobianos, como o SMX-TMP e as fluorquinolonas. (Ellis MW et al. CID 39:971-979, 2004). Vários são os mecanismos de resistência, sendo que a importância e prevalência deles variam de acordo com a bactéria:  Alteração do sítio de ação do antimicrobiano;  Degradação do antimicrobiano (beta-lactamases);  Diminuição da permeabilidade ao antimicrobiano;  Efluxo ativo do antimicrobiano. Os mecanismos de resistência mais importantes entre os Gram-positivos são as alterações dos sítios de ação (ou seja, alteração das PBP) e a capacidade da bactéria degradar o antimicrobiano. Enquanto que para os Gram-negativos, a degradação dos antimicrobianos através da produção das beta-lactamases e a 63 diminuição da permeabilidade ao antimicrobiano nas estruturas bacterianas são os principais mecanismos. A seguir, serão descritas algumas das bactérias resistentes mais difundidas em nosso meio. Bactérias Gram-Positivas 1. S. aureus resistente a oxacilina (MRSA ou ORSA) A resistência do S. aureus à penicilina foi observada logo após o início do uso clínico desta droga, ainda na década de 1940. A resistência à meticilina (ou à oxacilina) foi gradativamente se instalando no decorrer das décadas de 1960 a 1980 em todo o mundo. Concomitantemente à instalação da resistência a oxacilina, resistência a outros antimicrobianos (eritromicina e clindamicina, SMX-TMP, fluorquinolonas, etc.) foi se acumulando, o que justificou a utilização exagerada dos glicopeptídeos, especialmente a vancomicina. Somente no final dos anos 1990 que a resistência parcial à vancomicina foi constatada, tendo ainda distribuição irregular e potencialmente associada ao volume de utilização deste antibiótico. Quando se suspeita da ocorrência de resistência do S. aureus aos glicopeptídeos (VISA ou VRSA) deve-se submeter à bactéria aos testes de sensibilidade à oxacilina, linezolide, quinopristina / dalfopristina e daptomicina, cujos resultados, além de auxiliar no entendimento epidemiológico da disseminação da bactéria, permitem optar por alternativas terapêuticas viáveis. 2. S. epidermidis Está, via de regra, associados os cateteres intravasculares e próteses ósseas ou intravasculares. São geralmente resistentes à oxacilina e têm reduzida resistência aos glicopeptídeos, que constituem opções terapêuticas válidas, juntamente com o linezolide. Nas infecções graves associadas a cateteres ou outros materiais implantáveis, é necessário encarar com ceticismo o resultado do antibiograma que aponta a sensibilidade à oxacilina ou às cefalosporinas de primeira geração, já que a resistência desta bactéria a estas drogas pode se manifestar mais tardiamente, a partir do desenvolvimento de subpopulações inicialmente minoritárias, mas já resistentes. 3. Enterococos resistentes à Vancomicina (VRE) Descritos aproximadamente em 1985, os fatores de risco identificados para sua ocorrência são: internação prolongada, uso extensivo de antimicrobianos de amplo espectro e de vancomicina, necessidade de permanência em UTI e de hemodiálise. É comum encontrá-lo como agente colonizante (nas fezes) ou infectante em indivíduos gravemente acometidos. Enquanto os E. faecalis resistentes a vancomicina costumam permanecer sensíveis à ampicilina, fazendo desta o tratamento de escolha quando a sensibilidade for confirmada, os E. faecium (menos freqüentes em nosso meio) são naturalmente resistentes a esta droga, tornando a quinopristina / dalfopristina e o linezolide opções terapêuticas viáveis, além da daptomicina (ainda não disponível no Brasil). 64 Bactérias Gram-negativas A produção das beta-lactamases, enzimas que rompem o anel beta-lactâmico inativando o antibiótico, constitui mecanismo de resistência importante dos bacilos Gram-negativos para as penicilinas, cefalosporinas e carbapenens. Várias são as beta-lactamases e aqui será apresentada uma classificação muito simplificada, suficiente para permitir a compreensão dos principais mecanismos de instalação da resistência antimicrobiana aplicados ao uso clínico. Neste contexto, serão citados três grupos distintos de beta-lactamases: A. Beta-lactamases da classe I; B. Beta-lactamases de Espectro Ampliado (ESBL); C. Carbapenases. A. Bacilos Gram-negativos produtores de Beta-lactamase Cromossômica Induzível da Classe I  Codificada pelo gen cromossômico Amp C.  A resistência pode ser constatada somente após ou durante o uso de antibióticos indutores da produção de beta-lactamases.  Produção induzida pela presença de alguns antimicrobianos beta-lactâmicos, considerados indutores de beta-lactamases (cefalosporinas de 3ª geração e carbapenens).  Comumente encontrada em Enterobacter sp, Citrobacter sp, Serratia sp, Proteus sp e Providencia sp.  As opções de tratamento antimicrobiano, que sempre devem ser confirmadas com os testes de sensibilidade, incluem: fluorquinolonas, aminoglicosídeos e carbapenens. As cefalosporinas de 4ª geração (cefepime) podem não ter ação completa e inibidores de beta-lactamase não são úteis para viabilizar o tratamento. B. Bacilos Gram-negativos produtores de Beta-lactamase de Espectro Ampliado (ESBL)  Há diferentes variedades de ESBL, com comportamentos distintos. São muito comuns em todo o mundo.  Mediadas por gens plasmidiais, facilmente passíveis de disseminação, mas não induzíveis pela presença de antimicrobianos indutores de beta-lactamases.  Degradam todas as cefalosporinas (exceto as cefamicinas: cefoxitina) e monobactâmicos (aztreonam), preservando os carbapenens.  Pode ter seu efeito revertido pelos inibidores de beta-lactamase, especialmente sulbactam e ácido clavulânico.  Principalmente detectadas em E. coli e Klebsiella sp. Podem ser produzidas por Enterobacter sp, Salmonella sp, Proteus sp, Citrobacter sp, Serratia sp e Pseudomonas sp. 67 CONTROLE E PREVENÇÃO DE MICROORGANISMOS MULTIRRESISTENTES NO AMBIENTE HOSPITALAR Plínio Trabasso Médico Infectologista Doutor em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Professor Associado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Presidente da Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar (ABIH) Introdução A produção de antimicrobianos é um fenômeno natural através do qual alguns microorganismos adquirem vantagem ecológica eliminando seus concorrentes. Assim, quando fungos do gênero Penicillium produzem penicilina, estão eliminando bactérias que com eles competem por nutrientes presentes no meio. A resistência é também um fenômeno natural através do qual algumas espécies tornam-se aptas a sobreviver frente a produtores de antimicrobianos. O uso de antimicrobianos em larga escala deu origem a respostas ecológicas e genéticas de largas proporções. Microorganismos resistentes a múltiplas drogas disseminaram-se globalmente. Esses agentes infecciosos predominam no ambiente hospitalar, onde a concentração de população susceptível e o emprego de antibióticos são mais intensos. No entanto, cepas de origem comunitária também foram grandemente afetadas. O fenômeno da resistência bacteriana tornou-se um grave problema de saúde pública. Por um lado, vem aumentando significativamente a morbidade e mortalidade das infecções. Por outro, torna necessária a contínua produção e comercialização de novas drogas, cuja eficácia é comprometida em curto período de tempo. Pelas razões expostas acima, organismos de saúde pública como os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos da América (CDC) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), bem como sociedades de especialistas (por exemplo, a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, IDSA), têm publicado documentos com recomendações para prevenção do surgimento e disseminação da resistência. A preocupação com o impacto da resistência na infecção hospitalar teve início na década de 1960, quando o Staphylococcus aureus se tornou predomi- nantemente resistente à penicilina. No final da década, surtos de S. aureus resistentes a meticilina (MRSA) passaram a ser descritos. Na década de 1980, enterobactérias (Klebsiella, Enterobacter) multirresistentes se disseminaram nos ambientes hospitalares. A década seguinte presenciou um aumento na incidência e relevância de cocos Gram-positivos multirresistentes: Staphylococcus coagulase- negativa e Enterococcus spp. resistentes à vancomicina. Pseudomonas aeruginosa com sensibilidade restrita, assim como fungos multirresistentes, tornaram-se comuns em diversos hospitais. 68 Principais mecanismos de resistência a) Clivagem enzimática Diversas bactérias produzem enzimas capazes de inativar antimicrobianos. As mais conhecidas são as beta-lactamases. Essas enzimas clivam o anel beta- lactâmico presente em penicilinas, cefalosporinas ou carbapenêmicos. Elas estão presentes em bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Podem ter origem cromossômica ou plasmidial. Classificações com base estrutural ou funcional foram propostas para beta- lactamases (tabelas 1 e 2). O substrato preferencial e a suscetibilidade a inibidores (como o ácido clavulânico) formam as bases da classificação funcional. Tabela 1. Classificação molecular/estrutural das beta-lactamases. Classe Características Exemplo A Resíduo de serina no sítio ativo. Preferencialmente hidrolizam penicilinas TEM 1-beta-lactamase (bacilos Gram -) B Metalo-beta-lactamases, atividade dependente de Zinco Carbapenemases (IMP-1 de Pseudomonas) C Mediadas por cromossomo, com atividade preferencial de cefalosporinase. AmpC-beta-lactamase D Enzimas que hidrolizam oxacilinas OXA-1 (Enterobactérias, Pseudomonas) 69 Tabela 2. Classificação funcional de Bush-Jacoby-Medeiros para beta- lactamases. Grupo Tipo de Enzima Inibição por clavulanato Classe molecular No. de enzimas conhecidas 1 Cefalosporinase não C 57 2ª Penicilinase sim A 20 2b Amplo espectro sim A 16 2be Espectro estendido sim A 81 2br Resist. a inibidor reduzida A 13 2c Carbenicilinase sim A 15 2d Cloxacilinase sim D ou A 21 2e Cefalosporinase sim A 19 2f Carbapenemase sim A 3 3 Carbapenemase não B 15 4 Penicilinase não - 7 Não somente os beta-lactâmicos estão sujeitos à inibição por inativação enzimática. Fenômeno semelhante é observado com outros grupos de antimicrobianos (tabela 3). Tabela 3. Mecanismos de inativação enzimática em antimicrobianos (exceto beta-lactâmicos). Grupo de antimicrobianos Inativação enzimática Aminoglicosídeos Fosforilação Acetilação Adenilação Cloranfenicol Acetilação Eritromicina Hidrólise (esterase) 72 4) Pneumococos resistentes à penicilina Os pneumococos não são agentes comuns de infecções hospitalares, mas a disseminação de cepas resistentes na comunidade tem óbvia implicação sobre o uso de antimicrobianos em pacientes internados. A resistência a penicilina é decorrente de alterações de PBPs, e manifesta-se em níveis: intermediária ou completa. Aceitam-se os seguintes padrões de concentração inibitória mínima (CIM): sensível: <0,1µg/mL; resistência intermediária: 0,1-1,0µg/mL; resistência completa: >2,0µg/mL. Esses parâmetros foram validados para amostras em líquido cefalorraquidiano (meningite pneumocócica) e, por este motivo, alguns autores questionam sua validade para outros sítios de infecção. Casos de resistência intermediária devem ser tratados com cefalosporinas de 3ª geração se o paciente apresentar meniningite ou com combinações de penicilinas e inibidores de beta- lactamase ou mesmo altas doses de penicilina se o paciente apresentar infecção em outro sítio; casos de resistência completa devem ser tratados com vancomicina, com a possível adição de rifampicina. 5) Acinetobacter baumannii Responsável por grandes surtos de infecção hospitalar na Europa e Japão, o gênero Acinetobacter representa, também no Brasil, um importante agente etiológico das infecções hospitalares, principalmente em pacientes internados em unidades de terapia intensiva. Mecanismos de resistência já documentados incluem: enzimas modificadoras de aminoglicosideos, beta-lactamases de espectro estendido, alterações quantitativas e qualitativas das porinas e das proteínas ligadoras de penicilina. O uso do sulbactam para o tratamento das infecções causadas pelo Acinetobacter foi documentado em dois trabalhos com ótimo sucesso em casos de meningite, tornando a droga uma boa opção para o tratamento de infecções hospitalares. Precauções para transmissão intra-hospitalar de patógenos multirresistentes Para ocorrer à transmissão das infecções no ambiente hospitalar são necessários 3 elementos: a) fonte de infecção, b) hospedeiro susceptível e c) meio de transmissão; os pacientes, funcionários e, ocasionalmente, os visitante, bem como objetos inanimados do ambiente hospitalar podem funcionar como fonte de microorganismos multirresistentes. Microorganismos multirresistentes são transmitidos no hospital por vários meios, sendo o contato o mais freqüente, seja através do contato direto, por gotículas, por meio de fômites ou de um veículo comum. O contato é o mais freqüente e importante meio de transmissão de infecções hospitalares; ocorre através das mãos dos profissionais que não são higienizadas entre um paciente e outro; através das luvas que não são trocadas entre um paciente e outro; pode ocorrer pelo contato de um paciente com outro e também através de instrumentos contaminados (fômites). As gotículas são uma forma particularizada de transmissão por contato; a geração de gotículas pela pessoa que é a fonte ocorre durante a tosse, espirro, aspiração de secreções, realização de procedimentos (como broncoscopia) e mesmo pela conversação habitual. Quando estas partículas são depositadas na conjuntiva, mucosa nasal ou na boca do hospedeiro susceptível, ocorre à transmissão do agente. 73 A maneira mais eficaz de prevenir a transmissão intra-hospitalar de patógenos, incluindo os multirresistentes, é a higienização das mãos; as mãos devem ser higienizadas antes e após contato com pacientes e após contato com sangue, secreções e excreções, equipamentos ou artigos contaminados; ou imediatamente após a retirada das luvas, pois podem ter sido contaminadas por furos nas luvas ou durante a remoção destas. A higiene das mãos pode ser feita com sabão comum, álcool glicerinado (álcool 70% + glicerina a 2%), álcool gel ou sabão contendo anti-séptico, geralmente clorhexidina. Luvas devem ser utilizadas para prevenir a transmissão de microorganismos de um paciente ou fômite para outro; nessas ocasiões, devem ser trocadas entre todos os procedimentos. É importante salientar que o uso das luvas não substitui a higienização das mãos e que a falta de troca de luvas entre pacientes pode facilitar a disseminação de microorganismos no hospital. Outras barreiras podem ser necessárias, tais como avental, gorro ou máscara. O avental deve sempre ser utilizado quando houver risco de contaminação das roupas do profissional com secreções ou excreções do paciente colonizado / infectado por patógeno multirresistente, o mesmo ocorrendo para óculos, gorro ou máscara. Os profissionais envolvidos devem avaliar o risco e adotar as barreiras necessárias conforme o tipo de procedimento a ser realizado. Quarto privativo não é obrigatório, mas pode ser necessário para prevenir a transmissão de patógenos multirresistentes, principalmente quando se tratar de S. aureus; do mesmo modo que para quarto privativo, o serviço de epidemiologia hospitalar de cada instituição é o responsável em definir em quais situações clínico-epidemiológicas será estabelecida coorte de pacientes. Quando não for possível estabelecer uma coorte, é ainda possível escolher cuidadosamente outro companheiro de quarto com menor risco de aquisição de microorganismo multirresistente, mas sempre sob supervisão do serviço de epidemiologia hospitalar. O paciente portador de microorganismos multirresistentes deve deixar o quarto apenas em situações essenciais ao seu tratamento. Devem ser usadas barreiras apropriadas para cada situação, tais como proteger com curativos impermeáveis as secreções que possam contaminar o ambiente, etc. Tanto o paciente como os funcionários do local que o recebe devem ser adequadamente informados sobre o tipo e necessidade das precauções. Algumas perguntas relacionadas à colonização / infecção por patógenos multirresistentes permanecem em aberto. Por exemplo: 1. Pacientes portadores de Staphylococcus aureus MR e Acinetobacter baumannii MR podem compartilhar o quarto com outros pacientes infectados/colonizados com o mesmo microorganismo? 2. Devemos deixar todos pacientes transferidos de outro hospital em quarentena ou aplicar "Cuidados Especiais para Pacientes de Risco" para populações específicas? 3. Quarto privativo para outros microorganismos MR (P. aeruginosa, Enterobacter spp, Serratia marcescens e outros gram-negativos)? Pacientes com mesmo patógeno podem compartilhar o quarto? E com patógenos diferentes? (P.ex., Enterobacter & Pseudomonas). 74 Obs.: são exceções:  pacientes cujas secreções e/ou excreções sejam abundantes e não contidas;  situações epidemiológicas de risco aumentado de transmissão. Ex.: grande número de pacientes no respirador na unidade, grande número de pacientes dependentes na unidade, situações críticas na relação enfermagem: paciente, situações de surto.  ocorrência de dois ou mais casos de microorganismos resistentes, num mesmo período de tempo, em unidades de maior risco (UTIs, Emergência Clínica e Cirúrgica, Neurologia, Moléstias Infecciosas). 4. Coletas de exames microbiológicos: em quais situações (quarentena, periódica, surto) a coleta de espécimes microbiológicos para pesquisa de microorganismos multirresistentes (“cultura de vigilância”) devem ser realizada? Com qual periodicidade? Obs.: em qualquer uma das situações acima, os seguintes materiais não devem ser coletados para este fim: secreção traqueal, esfregaço de feridas (úlceras de pressão, feridas diabéticas, lesões traumáticas, etc.), esfregaço nasal, esfregaço anal, esfregaço de orofaringe, ponta de drenos e cateteres não vasculares. 5. Suspensão das precauções especiais para microorganismos MR: o paciente deverá permanecer em precauções especiais até o final do tratamento e/ou enquanto permanecer com qualquer solução de continuidade da pele (escaras, feridas, cateteres, etc.)? Se não, quando suspender, então? 77 PREVENÇÃO DE INFECÇÕES RELACIONADAS COM CATETERES VASCULARES EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA Simone Aranha Nouér Coordenação de Controle de Infecções Hospitalares Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Doenças Infecciosas e Parasitárias - Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro A utilização de cateteres vasculares centrais (CVC) vem aumentando progressivamente com a modernização da medicina. Hoje são de fundamental importância para a administração de fluidos, eletrólitos, sangue, hemoderivados, drogas e nutrição parenteral bem como para a monitoração hemodinâmica invasiva. As infecções estão entre as principais iatrogenias envolvidas nestes procedimentos, que podem variar de infecção local e tromboflebite séptica a infecções sistêmicas como endocardite, osteomielites e endoftalmites. Grande parte das sepses adquiridas em ambiente hospitalar está relacionada ao uso de dispositivos vasculares, estando associadas a aumento de mortalidade (10 a 20%), ao tempo de permanência no hospital (elevação média de sete dias) e aumento dos custos assistenciais (podendo chegar a U$ 40.000 por paciente em unidade de terapia intensiva).(1) Por estes motivos, medidas para prevenção destas infecções devem ser enfatizadas. A literatura científica está repleta de estudos que suportam a implantação destas medidas em pacientes graves.(2-8) PATOGÊNESE E EPIDEMIOLOGIA A disseminação de microorganismos de um cateter vascular para a corrente sanguínea é o resultado de um processo que envolve a contaminação do dispositivo, a adesão do microorganismo à superfície externa ou interna do cateter, sua multiplicação e posterior passagem à corrente sangüínea. Os dispositivos intravasculares desencadeiam uma reação inflamatória, bem como a cascata de coagulação, sendo que a presença de coágulos em sua superfície favorece a adesão microbiana. Eles também podem apresentar rugosidades e porosidades que propiciam essa adesão, formando uma camada de colônias de microorganismos aderentes entre si e ao dispositivo (biofilme).(9) A adesão microbiana é maior em cateteres feitos de policloreto de vinila (PVC) ou polietileno, e menor nos de silicone ou poliuretano.(10) A colonização do dispositivo pode ocorrer a partir da colonização da pele do paciente (via extra-luminal) ou das conexões (via intraluminal). O conhecimento desta patogênese pode direcionar as estratégias de prevenção: aquelas relacionadas a diminuir a colonização da pele do paciente (instalação e manutenção do cateter) ou das conexões (preparo de medicações) serão enfatizadas. É interessante observar que as mãos dos profissionais de saúde podem ser associadas a qualquer uma das vias, fazendo com que esta medida deva ser sempre priorizada.(11;12) 78 As taxas de infecções hospitalares variam consideravelmente de acordo com o tamanho do hospital e tipo de assistência prestada. Vários fatores de risco interferem na possibilidade da colonização e posterior infecção relacionada ao cateter. Estes fatores podem estar relacionados ao paciente ou ao próprio acesso vascular. Dentre os fatores relacionados aos pacientes, as unidades de terapia intensiva com pacientes queimados, traumatizados e neonatos são as que apresentam maiores taxas de infecção relacionada a cateteres vasculares.(13) O tempo de uso e o tipo são os principais fatores de risco relacionados ao dispositivo vascular. Assim, para alguns tipos de cateter, a troca do dispositivo deve ser realizada após certo tempo de uso. Porém, de uma maneira geral, eles devem ser retirados assim que não forem mais necessários.(14) As taxas de infecção são menores nos cateteres venosos periféricos (0,2 infecções por 100 cateteres / dia) e maiores nos de hemodiálise (10 infecções por 100 cateteres / dias).(13) Com relação ao local de inserção, o uso dos membros inferiores tem maior risco do que o uso dos membros superiores, principalmente para os cateteres periféricos, e aqueles inseridos através de punção percutânea (0,5%) têm menor risco do que aqueles inseridos por dissecção (6,5%). O acesso mais utilizado nas unidades de terapia intensiva é o venoso central, responsável por cerca de 90% de todas as sepses relacionadas a dispositivos vasculares. Quando estes cateteres centrais são inseridos perifericamente (PICC) são associados a menor incidência de complicações mecânicas e infecciosas que os inseridos por via central (0,8 versus 4,3 por 1.000 cateteres / dia), podendo ser utilizados com segurança por tempo prolongado.(15) Poucos estudos avaliaram o risco de infecção em cateteres arteriais. Os arteriais periféricos têm risco baixo de infecção (0,62%), assim como os venosos periféricos; a presença de inflamação no local da inserção e o uso de guia para troca, destacaram-se como fatores relacionados com a infecção. Considerando o cateter arterial central (Swan-Ganz), a incidência de infecção observada foi cerca de 3/1.000 cateteres / dia, e, um dos fatores associados ao aumento desta taxa foi o tempo de cateterização [maior que 3-5 dias (razão de chance 14,4)].(13;16) Os cateteres de hemodiálise e quimioterapia merecem atenção especial das equipes. As infecções destes cateteres representam grande prejuízo ao paciente e maior responsabilidade para o profissional de saúde, pois muitas vezes implica a remoção de dispositivo quando sua permanência é fundamental para o tratamento da doença de base. As equipes devem receber treinamentos específicos para manipulação destes cateteres. Por outro lado, cateteres usados para quimioterapia prolongada, geralmente, são de longa permanência (semi ou totalmente implantados) e têm menor risco de complicações infecciosas do que os de curta permanência.(17) ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO(18) Os microorganismos que colonizam as conexões dos cateteres e a pele ao redor do local de inserção do cateter estão entre as fontes mais comuns de infecção relacionada aos cateteres vasculares. Portanto, estratégias efetivas visam reduzir a colonização destes locais. A principal estratégia para redução de infecções do acesso vascular é, obviamente, a racionalização da sua utilização através da indicação criteriosa, a conscientização dos riscos inerentes destes procedimentos e adesão às medidas de controle.(12;14) 79 A apresentação das estratégias que segue abaixo considera discussão realizada por várias sociedades, considerando o seu grau de evidência científica.(18)  Medida fortemente recomendada: estudos experimentais, clínicos e epidemiológicos bem desenhados ou com forte base teórica.  Medida sugerida para implementação, baseadas em forte base teórica, porém não comprovadas ou por solicitação de legislação.  Medida não recomendada ou questão não-resolvida: práticas para as quais a evidência é insuficiente ou não existe consenso entre os peritos. 1. Higiene das mãos (fortemente recomendada): Na unidade de terapia intensiva, a freqüência elevada de isolamento de germes multirresistentes aliada ao número de vezes que o paciente é manipulado, facilita a disseminação de micróbios e reforçam a importância do uso contínuo de produtos anti-sépticos para higiene das mãos, não importando qual a atividade exercida pelo profissional. Trabalhos desenvolvidos em controle de surtos de MRSA (S. aureus resistentes a meticilina) em unidades de terapia intensiva mostraram que fórmulas para higiene as mãos à base de álcool são tão eficientes para controle de bactérias multirresistentes quanto às formuladas à base de clorexidine.(19). A facilidade de acesso às pias ou dispensadores de álcool são fundamentais para aumentar a adesão dos profissionais ao seu uso. É importante enfatizar que para a instalação de cateteres (central e arterial periférico), o preparo das mãos do profissional deve ser feito através de degermação das mãos com detergente anti-séptico (iodo ou clorexidine). 2. Uso de Barreira estéril máxima (fortemente recomendada) para instalação do cateter: O uso de luvas estéreis, avental estéril de mangas longas, máscara de procedimento (cirúrgica), campos cirúrgicos (estéril e longo) e gorro, reduzem o risco de infecção, se comparado apenas ao uso de luvas estéreis e campo cirúrgico pequeno (0,08/1.000 versus 0,5/1.000 cateteres/dia; p=0,02).(20). O uso de óculos protetores ou máscaras faciais está indicado para proteção do profissional de saúde e deve se encorajado. Todos os profissionais ao redor do procedimento (até 1 metro) também devem usar máscara de procedimento. É fundamental que a instalação do cateter seja realizada com técnica asséptica; havendo qualquer contaminação do material, este deve ser desprezado. 3. Escolha do local de inserção (fortemente recomendada): As veias subclávias são preferidas às jugulares e femorais em relação ao risco de infecção, sem levar em conta o risco de complicações mecânicas. 4. Preparo da pele do paciente (fortemente recomendada) para inserção do cateter: O uso de clorexidina reduz significativamente a incidência de colonização microbiana e de infecção comparativamente ao PVP-I (iodo-povidine) e ao álcool. Para a degermação da pele deve-se considerar uso de clorexidina degermante (tempo de exposição de um minuto), limpeza desta com gaze estéril, seguida de anti-sepsia com clorexidina alcoólica. 82 Referências Bibliográficas: 1. Widmer AF. Intravenous-related infections. In: Wenzel RP, editor. Prevention and Control of Nosocomial Infections. Baltimore: Williams & Wilkins, 1997: 771-805. 2. Chaiyakunapruk N, Veenstra DL, Lipsky BA, Saint S. Chlorhexidine compared with povidone-iodine solution for vascular catheter-site care: a meta-analysis. 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De todo este grupo, apenas as bactérias do gênero Morganella parecem ter a piperacilina-tazobactam como outra opção adequada, além das outras classes já mencionadas. Já para as bactérias produtoras de ß-lactamase de espectro ampliado, conhecidas pela sigla ESBL (extended spectrum beta-lactamase) representadas na sua maior parte pela Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae geralmente carbapenêmicos (ertapenem, imipenem/cilastatina e meropenem) são os antibióticos preferidos. Em se tratando de bacilos gram-negativos não fermentadores (da glicose), a ocorrência de Pseudomonas aeruginosa deve ser tratada com antibióticos de acordo com o padrão de sensibilidade da cepa em questão. Geralmente, a ceftazidima, cefepima, penicilinas anti-Pseudomonas (piperacilina-tazobactam), aztreonam, amicacina, ciprofloxacino, carbapenêmicos (imipenem-cilastatina ou meropenem) são adequados para o tratamento desta bactéria. É conveniente lembrar que nas infecções por este germe, a dose máxima do antibiótico é sempre recomendada. Além disso, parece que em bacteremia a associação de um ß-lactâmico com um aminoglicosídeo tem melhores resultados. Em relação ao Acinetobacter sp. que ainda mantém sensibilidade a carbapenêmicos, esta classe deve ser a escolha para a terapêutica, desde que sensível. Em alguns hospitais, cepas de Acinetobacter sp.ainda preservam sensibilidade à ampicilia-sulbactam, porém isto tem sido cada vez menos observado nos diversos hospitais brasileiros. No outro extremo de multirresistência, há cepas de bacilos gram-negativos não fermentadores, tanto Pseudomonas aeruginosa como Acinetobacter sp, só sensíveis à polimixina B, sendo a única opção terapêutica viável, apesar de sua nefro e neurotoxicidade. Em relação ao tempo de terapia e decisão para retirada do cateter, quando se trata de um dispositivo não-tunelizado, o mesmo deve ser removido e a terapia antimicrobiana deve ser mantida por 10 a 14 dias. Já em pacientes que apresentam cateter tunelizado que não pode ser removido e que não apresentam disfunção grave de órgãos, a antibioticoterapia sistêmica deve ser mantida por 14 dias. Se houver persistência da bacteremia a despeito de terapia adequada, o cateter deverá ser removido. A infusão do antibiótico pelo cateter infectado, com fechamento do mesmo por alguns minutos (“lock-therapy”) tem sido tentada, com sucessos variados na literatura. A nossa experiência pessoal não tem sido alentadora. Candida sp.: Todos os pacientes que apresentem espécies de Candida isoladas em corrente sanguínea devem ser tratados, mesmo que se tornem afebris após a retirada do cateter. O tempo de tratamento recomendado é de 14 dias após a última hemocultura positiva. Retirar o cateter é recomendável na maioria dos pacientes. Em pacientes neutropênicos, algumas vezes é possível manter o cateter, particularmente quando a fonte da candidemia é o intestino, e não o cateter venoso central. Entre as drogas possíveis e disponíveis na formulação endovenosa em nosso meio para serem utilizadas no tratamento de infecções de corrente sanguínea causadas por espécies de Candida estão a anfotericina B e suas formulações lipídicas (classe dos polienos), o fluconazol e voriconazol (classe dos azólicos) e a 88 caspofungina (classe das equinocandinas). A escolha terapêutica apropriada depende da identificação da espécie, susceptibilidade documentada em alguns casos (C. glabrata pode apresentar sensibilidade dose-dependente ao fluconazol) e da presença ou não de contra-indicações específicas para cada droga. Para as espécies de C. albicans, em pacientes gravemente doentes, a anfotericina B deoxicolato continua sendo uma boa opção, desde que o paciente não esteja apresentando insuficiência renal. As formulações lipídicas da anfotericina B têm eficácia comparável e são um pouco menos nefrotóxicas, porém o custo é elevado. Para aqueles não tão severamente enfermos, o fluconazol é preferido por ter eficácia semelhante à anfotericina B, além de ter poucos efeitos colaterais e custo aceitável. Já a caspofungina, um antifúngico da classe das equinocandinas que atua na parede celular dos fungos, estrutura ausente nas células humanas apresenta baixa toxicidade e excelente atividade. Em nosso meio, o seu custo ainda é um fator limitante. Voriconazol, pertencente a uma nova geração de azólicos e recentemente aprovado para o uso em candidemia, também seria boa opção. Apresenta também custo elevado e maior número de interação medicamentosa, já que é metabolizado no sistema enzimático hepático citocromo P450. Para as espécies de Candida não-albicans, que por sinal vem aumentando nos últimos anos, chegando a mais de 50% dos casos em alguns hospitais brasileiros, algumas considerações devem ser feitas: C. tropicalis e C. parapsilosis: as opções fluconazol ou anfotericina B são adequadas. Capofungina e voriconazol são alternativas, porém com maior custo. É descrito in vitro cerca de 5% de resistência das C. parapsilosis à caspofungina, mas o significado deste achado in vivo não foi ainda confirmado, observando-se apenas um tempo um pouco maior para esterilização das hemoculturas. C. glabrata: É descrito um padrão de sensibilidade dose-dependente aos azólicos de um modo geral, mais especificamente ao fluconazol. Por esta razão, o uso de fluconazol estaria mais bem amparado, diante de um estudo de sensibilidade (antifungigrama) demonstrando sensibilidade. Como este exame ainda não faz parte da rotina de um modo geral, o uso deste azol para tratamento desta espécie deveria ficar como segunda opção e neste caso, uma dose de 800mg/dia ao invés de 400mg/dia seria mais pertinente. Com relação ao voriconazol, a sensibilidade in vitro pode estar diminuída, mas a princípio, este dado não se traduz na resposta clínica. A anfotericina B é uma boa escolha desde que o paciente não apresente valores de clearance de creatinina basais alterados, pela chance de desenvolver insuficiência renal subseqüente. Neste cenário, a melhor escolha seria a caspofungina. C. krusei: Esta espécie é intrinsecamente resistente ao fluconazol e tem susceptibilidade in vitro diminuída ao voriconazol. Anfotericina B deoxicolato ou caspofungina seriam as opções mais adequadas. C. lusitaniae e C. guilliermondi: Estas espécies geralmente têm baixa freqüência (<1%) e são resistentes à anfotericina B. Neste caso, o fluconazol seria uma escolha adequada. A caspofungina e voriconazol seriam opções eficazes, porém com maior custo. 89 Referências Bibliográficas: 1. Mermel et al.Management Guidelines for Catheter Infections. Clin Infect Dis 2001, 32:1249-1272. 2. Naomi P. O'Grady, et al. Guidelines for the Prevention of Intravascular Catheter Related Infections. Clinical Infectious Diseases 2002;35:1281-307. 3. Peter G. Pappas, et al. Guidelines for Treatment of Candidiasis. Clinical Infectious Diseases 2004;38:161-89 4. Kotapati S,et al. Clinical implications of extended spectrum beta-lactamase (ESBL) producing Klebsiella species and Escherichia coli on cefepime effectiveness.J Infect. 2005 Oct;51(3):211-7. 5. Keating GM, Ertapenem: a review of its use in the treatment of bacterial infections. Drugs. 2005; 65(15):2151-78. 6. Wilcox MH. 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Drugs of Today, 2005, Vol41 Supl VI A. 92  Essa resistência poderá se manifestar somente durante o tratamento, existindo duas linhas de conduta: • monitorar a terapêutica; • usar outras opções terapêuticas, como as cefalosporinas de quarta geração, ou carbapenens, como o imipenem ou meropenem, principalmente em casos de pneumonia, sepse e em pacientes imunodeprimidos.  Metalobetalactamases: pertencem ao grupo 3 de betalactamases de espectro ampliado, classe funcional das metaloenzimas, classificadas com base em sua habilidade de hidrolizar o imipenem, e serem inibidas por íons de metal quelante, tal como o EDTA.  Têm sido descritas principalmente nos bacilos Gram-negativos não-fermentadores como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii.  As metalobetalactamases (MBL) são enzimas com atividade sobre vários betalactâmicos, incluindo cefamicinas e carbapenens, ainda sobre os inibidores de betalactamases, como ácido clavulânico e sulbactam. Não agem sobre os monobactâmicos (aztreonam). Pseudomonas aeruginosa Epidemiologia  Constituem num dos maiores problemas de saúde pública.  A P. aeruginosa é um dos cinco patógenos que mais comumente causam infecções da corrente sangüínea (ICS).  Apresentam uma alta letalidade atribuída, 34% na população geral; podendo atingir cerca de 69% nos pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica. Mecanismos de resistência Como já comentado anteriormente sobre alguns dos mecanismos de resistência desenvolvidos pelos bacilos Gram-negativos, a P. aeruginosa é um patógenos que tem a habilidade de adquirir resistência a todos os antimicrobianos. Esses mecanismos podem ser:  Hiper-produção de ß-lactamases  Alteração de porinas  Bomba de efluxo  Metalo-ß-lactamases  Redução de afinidade – Topoisomerases II e IV  Redução do transporte aos aminoglicosídeos  Alteração da membrana externa  Em nosso meio, existe alta taxa de resistência a carbapenens (até 45% em infecções da corrente sangüínea). 93 Antibioticoterapia empírica  O tratamento empírico, geralmente é realizado na abordagem inicial dos pacientes com infecções graves.  Como exemplos, temos pacientes com meningites, pneumonias em pacientes sob ventilação mecânica, pacientes sépticos com diagnósticos não confirmados, entre outros. O mais importante é a escolha de um antibiótico com espectro para aquele patógeno supostamente causador da doença infecciosa. Uma cobertura de amplo espectro é a mais freqüentemente escolhida para que haja o controle o mais precoce possível da infecção e a prevenção das complicações e da mortalidade atribuída a essa doença. Caso a resposta clínica inicial não tenha sido observada, esse tratamento empírico é mudado ou ampliado; muitas vezes, nos casos em que o diagnóstico ainda não foi bem estabelecido.  É muito importante ressaltar que a introdução de terapia antimicrobiana empírica inadequada é um fator preditor independente de mortalidade nos pacientes com sepse e sepse grave.  Pelo fato de algumas infecções diagnosticadas nas unidades de terapia intensiva serem polimicrobianas, a terapia específica pode envolver um antibiótico de amplo espectro ou dois ou mais antibióticos administrados rotineiramente.  A monoterapia antimicrobiana com betalactâmicos de amplo espectro é tão eficaz e menos nefrotóxica, quanto a terapia antimicrobiana combinada com beta-lactâmico e aminoglicosídeo, como terapia empírica para pacientes com sepse, especialmente para os pacientes com infecções por P. aeruginosa. 94 Antibioticoterapia para bacilos Gram-negativos multirresistentes Polimixina  Existem dois tipos de polimixina: polimixina B e E, também chamada de colistina.  A polimixina apresenta espectro de ação para bactérias Gram-negativas.  A dose usual da polimixina B é de 1,5 a 2,5 mg/kg dia, por via endovenosa, continuamente.  A dose usual da colistina (polimixina E) é de 5 mg/kg dia, por via endovenosa, de 12/12 horas. Indicações clínicas • Tem como principal indicação o seu uso para infecções causadas por bacilos Gram-negativos resistentes aos betalactâmicos, aminoglicosídeos e fluorquinolonas, principalmente para Pseudomonas aeruginosa • Deve ser usado para infecções respiratórias, do trato urinário, infecções de corrente sanguínea, infecções pós-operatórias, desde que se respeite a indicação comentada acima • Para as infecções comprometendo sistema nervoso central, cujo agente etiológico é a Pseudomonas aeruginosa multirresistente, faz-se necessária a infusão dessa medicação tanto por via endovenosa, quanto por via intratecal • A adição de outros antimicrobianos não apresenta benefício clínico • Não é indicado para o tratamento de infecções causadas por Proteus mirabilis e algumas espécies de Serratia e de Providencia Efeitos colaterais • É necessária a monitorização da função renal, bem como a correção da dose de acordo com o clearance de creatinina • A neurotoxicidade pode ocorrer em pacientes recebendo polimixina com piora da função renal • Evitar o uso de polimixina B em pacientes em pós-operatório que receberam bloqueadores neuromusculares Tigeciclina  Pertence a uma nova classe de antimicrobianos: glicilciclinas.  Resultados de estudo randomizado conduzido no tratamento de infecções graves de pele e partes moles utilizando a tigeciclina versus vancomicina (1g EV 12/12 h) mais aztreonam (2g EV 12/12 h) revelaram taxas de sucesso clínico e bacteriológico semelhantes nos dois grupos para os pacientes com Acinetobacter baumannii como patógeno principal.  Pode ser prescrita na dose inicial de 100mg/kg/dia EV seguido por 50mg/kg/dia EV 12/12 h.  Aprovado também para infecção intra-abdominal  Não foi aprovado pelo FDA (Food and Drugs Administration) para o tratamento de infecções da corrente sangüínea. 97 Teicoplanina  Pela sua farmacocinética não é bem absorvida por via oral, sendo administrada pelas vias endovenosa e intramuscular, permitindo o tratamento ambulatorial de alguns pacientes e naqueles que apresentam reação alérgica à vancomicina e não apresentem reação alérgica cruzada. O alto custo desse medicamento dificulta muito o uso na prática médica da maioria dos hospitais. Indicações clínicas • As indicações para o uso da teicoplanina são semelhantes às da vancomicina • A teicoplanina isoladamente ou em associação com outros antibióticos apresenta-se efetiva no tratamento de várias infecções contra bactérias Gram-positivas, incluindo sepse, endocardite e infecções cutâneas e de partes moles, osteomielites e infecções do trato respiratório inferior Efeitos colaterais • Pode causar dor no local da injeção. Não costuma causar tromboflebite ou alterações plaquetárias, ou a síndrome do “homem vermelho” • A ototoxicidade é rara e a nefrotoxicidade ocorre muito menos freqüentemente que com a vancomicina. Os efeitos mais comuns são reações cutâneas e disfunções hepáticas transitórias Oxazolidinonas: linezolida  É a primeira oxazolidinona a ser comercializada para uso clínico contra infecções causadas por bactérias Gram-positivas. Sua atividade antimicrobiana alcança praticamente todos os Gram-positivos, entre eles: estreptococos, estafilococos e enterococcus.  É ativa contra os Staphylococcus aureus resistentes à oxacilina, assim como também é ativa contra aqueles resistentes à vancomicina. Atua bem contra o Streptococcus pneumoniae resistente à penicilina, assim como age contra os Enterococcus faecalis e faecium resistentes à ampicilina e à vancomicina.  A linezolida atua inibindo a síntese protéica ao ligar-se à subunidade ribossômica 50S, deformando o RNA transportador e inibindo sua ligação ao ribossoma e, dessa forma, inibindo o início da formação da cadeia peptídica. Essa inibição é dependente de concentração.  A linezolida é completa e rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal após sua administração oral e atinge níveis plasmáticos máximos em 1 a 2 horas. Sua biodisponibilidade oral é de 100%.  O perfil farmacocinético da linezolida administrada por via endovenosa é bastante semelhante à administração oral, exibindo somente pico máximo de concentração mais elevado que o obtido com ingestão oral. O estado de equilíbrio é atingido de igual forma, quer pela via oral ou endovenosa. A ligação protéica da linezolida é de 31%.  A linezolida deve ser administrada na dose de 600 mg de 12/12 horas tanto por via oral como por via endovenosa. 98 Indicações clínicas • A linezolida está indicada nas infecções causadas por S. aureus oxacilino-sensível ou resistente, assim como resistentes à vancomicina. Também está indicada em infecções de pele e tecidos moles determinadas por estafilococos, assim como em infecções causadas por enterococos incluindo infecção urinária, intra-abdominal, sepse e endocardites bacterianas. • Foi empregada com sucesso em pacientes neutropênicos com pneumonia, infecção urinária, infecções da pele e tecidos moles, sepse e endocardites causadas por estafilococos e enterococos. Índices de cura nas diversas infecções mencionadas acima foram de 73,7% a 97,4%, dependendo do patógeno isolado, do sítio anatômico da infecção e do estado clínico do paciente. • Seu papel no tratamento de osteomielites e tuberculose ainda não foi devidamente avaliado em seres humanos. • Devido ao seu excelente perfil de ação contra Gram-positivos resistentes à penicilina, à oxacilina e até mesmo aos resistentes à vancomicina, deve-se utilizá-lo criteriosamente em pacientes com infecções graves, preferindo os que não apresentam boa evolução com a vancomicina ou que apresentem resistência a esse agente antimicrobiano revelado no antibiograma. • Em UTIs, há documentação de eficácia para tratamento de pneumonia relacionada à ventilação mecânica por S. aureus em estudo comparativo com a vancomicina (tanto cepas sensíveis como resistentes à oxacilina). • Em particular em pacientes em UTI, a grande vantagem é sua excreção hepática, não necessidade de ajuste para função renal e ausência de nefrotoxicidade. Efeitos colaterais • A linezolida é usualmente bem tolerada quer quando administrada por via endovenosa, quer por via oral. • Os eventos adversos mais comuns foram os relativos ao trato gastrintestinal. Embora possam ocorrer, segundo alguns estudos, em até 33% dos pacientes, eles são de leve e moderada intensidade, regrediram durante o tratamento e não foram relacionados à dose. Os mais comuns foram: diarréia (8,3%), cefaléia (6,5%), náuseas (6,2%), vômitos (3,7%), insônia (2,5%), constipação (2,2%), exantema (2%), tontura (2%) e febre (1,6%). Tais efeitos não foram significativamente maiores que os observados com os antibióticos comparadores (cefpodoxima, ceftriaxona, claritromicina, dicloxacilina, oxacilina e vancomicina) utilizados nos diversos estudos clínicos. • Mais recentemente, relataram-se casos de depressão de medula óssea com pancitopenia, reversível com a suspensão da droga. 99 Estreptograminas: quinupristina / dalfopristina  Estreptograminas são antibióticos com estrutura complexa em que um dos componentes é um macrolídeo.  A quinupristina / dalfopristina é ativa contra bactérias Gram-positivas. Age também contra os Staphylococcus aureus resistentes à meticilina e à vancomicina na concentração de 0,13 a 1 mcg/ml. É também ativa contra o Enterococcus faecium sensível ou resistente à ampicilina e à vancomicina em concentrações de 2 a 4 mcg/ml. Muito embora seja ativa contra grande número de cepas de Enterococcus faecium, já se detectou cerca de 2% de resistente a esse agente bacteriano. Quando associada à rifampicina, doxiciclina ou vancomicina tem ação sinérgica contra Enterococcus faecium resistentes à vancomicina. Contra Enterococcus faecalis sua ação não é muito boa, ocorrendo pouca sensibilidade natural desse agente à quinupristina / dalfopristina.  A quinupristina / dalfopristina atua inibindo a síntese protéica ao se ligar na unidade 50S do ribossomo. É um antibiótico bastante solúvel em água e, por isso, pode ser bem empregado por via venosa. A administração IV da quinupristina/dalfopristina é bem tolerada. Apresenta vida média de 1 hora no soro e pode ser administrada de 12/12 horas, pois também possui efeito pós-antibiótico prolongado. Apresenta ligação protéica de 55% a 78% para a quinupristina e de 11% a 26% para a dalfopristina.
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